Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 460/2022-T
Data da decisão: 2022-12-07   
Valor do pedido: € 1.904.851,06
Tema: IVA - Regularização. Dívidas incobráveis. Empresas que cessaram actividade. Prazo
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DECISÃO ARBITRAL

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso e Dr. Francisco Carvalho Furtado (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-10-2022, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, titular do número de identificação fiscal ... (em diante abreviadamente designada “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista anulação das liquidações de IVA n.º 2021..., relativa ao período 201803, n.º 2021..., relativa ao período 201803, n.º 2021..., relativa ao período 201804, n.º 2021..., relativa ao período 201805, n.º 2021..., relativa ao período 201806, n.º 2021..., relativa ao período 201807, n.º 2021..., relativa ao período 201808, n.º 2021..., relativa ao período 201809, n.º 2021..., relativa ao período 201810, n.º 2021..., relativa ao período 201811, n.º 2021..., relativa ao período 201812, e das correspondentes liquidações de juros compensatórios, no valor global de € 1.904.851,06.

A Requerente pede ainda reembolso das quantias pagas com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 29-07-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15-09-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 04-10-2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e requereu prazo adicional para se pronunciar sobre a «falta de correspondência entre os valores das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo e os montantes que constam das liquidações».

Por despachos de 14-11-2022, foi decidido indeferir o referido requerimento de prazo adicional e dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, cujo objecto social consiste no estabelecimento, concepção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas, bem como na prestação de serviços de comunicações eletrónicas e de transporte e difusão de sinal de telecomunicações;
  2. A Requerente é um sujeito passivo de IVA cuja actividade tributável consiste maioritariamente na prestação de serviços de comunicações eletrónicas;
  3. A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal, em conformidade com o disposto no artigo 41.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA;
  4. A Requerente é ainda considerada um “Contribuinte de Elevada Relevância Económica e Fiscal” ou “Grande Contribuinte”, constando do Cadastro Especial de Contribuintes, conforme Despacho do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira n.º 6999/2013, de 30 de maio;
  5. No âmbito da sua actividade de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, a Requerente emite mensalmente mais de dois milhões de facturas, liquidando e entregando ao Estado o IVA constante dessas mesmas faturas;
  6. Atendendo ao seu elevado volume de facturação e ao enorme número de facturas emitidas diariamente é, de um ponto de vista prático, inviável para a Requerente (como o é, na verdade para a generalidade dos sujeitos passivos), proceder à validação de todos os dados referentes a cada cliente (como sejam o número de identificação fiscal, a morada, a sua situação jurídica ou cadastro fiscal atualizado, etc.) antes da emissão de cada factura;
  7. Devido à natureza da sua actividade e ao volume de facturas emitidas mensalmente, a Requerente depara-se com um nível considerável de incumprimento, já que uma parte relevante das facturas por si emitidas nunca chega a ser paga;
  8. Este incumprimento resulta numa quantidade avultada de créditos em mora ou incobráveis, gerando discrepâncias entre os valores facturados e os valores efectivamente recebidos;
  9. Uma parte desses créditos tidos como incobráveis ou em mora por parte da Requerente decorre de faturas emitidas a pessoas colectivas (sociedades) que se encontram dissolvidas, para efeitos societários, ou que já cessaram a sua actividade para efeitos fiscais;
  10. Nestes casos de créditos incobráveis envolvendo faturas emitidas a sociedades dissolvidas ou cessadas, pode verificar-se uma de duas situações:

(i) A sociedade (cliente da Requerente) encontrava-se já dissolvida, ou em dissolução, ou com atividade cessada aquando da emissão da factura pela Requerente e nunca procedeu ao respetivo pagamento; ou

(ii) A sociedade (cliente da Requerente) entrou em dissolução, ou dissolveu-se, ou cessou atividade em momento posterior à emissão da fatura pela Requerente, mas nunca procedeu ao respetivo pagamento;

  1. Sempre que as faturas emitidas pela Requerente não chegam a ser pagas pelas sociedades dissolvidas ou cessadas (clientes da Requerente), o IVA constante das mesmas é suportado diretamente pela Requerente quando esta o entrega ao Estado, sem que tenha recebido a contrapartida dos serviços prestados, acrescida de IVA, dos clientes incumpridores;
  2. Como tal, a Requerente encontra-se constantemente obrigada a adiantar ao Estado o IVA liquidado (mas não recebido, à semelhança do próprio pagamento dos serviços) aos seus clientes, tendo assim de dispor de uma parte considerável do seu rendimento de modo a pré-financiar o Estado;
  3. A Requerente procura incessantemente monitorizar a verificação dos requisitos que lhe possibilitam a regularização a seu favor do IVA relativo a créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa;
  4. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2020..., de 2020-02-14, foi realizado um procedimento de inspeção externa, de âmbito geral, com vista a verificar o cumprimento da situação tributária global da Requerente, com referência ao ano de 2018;
  5. No âmbito deste procedimento inspetivo, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se refere, além do mais, o seguinte:

I.4.2. Correções em sede de IVA - 1.695.727,00 €

I.4.2.1 IVA regularizado indevidamente pela A... ao abrigo do artigo 90º da Diretiva - €1.323.499,58

No período de 2018 a A... regularizou indevidamente a seu favor IVA no montante de €1.323.499,58 relativo a créditos que detinha sobre sociedades dissolvidas, pelo que se corrige esse montante, conforme decorre dos artigos 78º a 78º-D do Código do IVA e do artigo 90º da Diretiva IVA (ver ponto III.2.1).

1.4.2.2 IVA regularizado indevidamente pela A... relativo a clientes cessados e caducados - €372.227,42

A. A..., nos meses de março, abril, junho, outubro e dezembro regularizou indevidamente, a seu favor, IVA no montante de €372.227,42 decomposto por:

 i) €345.061,61 relativo a créditos de sociedades cessadas em que não foi comunicado ao adquirente dos bens ou serviços a anulação do imposto para efeito de retificação da dedução inicialmente efetuada, nos termos do n.º 11 do artigo 78º e do n.º 9 do artigo 78º 8 do Código do IVA e

 ii) €27.165,81 relativo a consumidores finais ou sujeitos passivos isentos cujo direito à regularização já caducou uma vez que já decorreu o prazo de caducidade de 4 anos previsto no n2 do artigo 98º do Código do IVA (ver ponto III.2.2)

 

(...)

III.2. Correções em sede de IVA - €1.695.727,00

 

III.2.1 IVA regularizado indevidamente pela A... ao abrigo do artigo 90º da Diretiva - €1.323.499,58

 

Dos factos

A A..., durante o período de 2018, apresentou no campo 40 das declarações periódicas de IVA, regularizações a seu favor no montante total de € 5.386.895,90, considerando estas regularizações abrangidas pelos artigos 78º a 78º-D do Código do IVA.

No decurso da presente ação inspetiva, no âmbito daquelas regularizações, verificou-se que a A... regularizou a seu favor IVA no montante de €1.359.554,80 relativo a créditos sobre sociedades dissolvidas".

A possibilidade de regularização a favor da A... do IVA de créditos sobre sociedades dissolvidas não tem enquadramento em nenhum artigo do Código do IVA, no entanto a empresa entendeu que poderia deduzir o mesmo por aplicação do artigo 90º da Diretiva IVA.

Verifica-se assim que o sujeito passivo justifica a dedução do IVA a seu favor recorrendo ao normativo do nº 1 do artigo 90º da Diretiva IVA Entendimento contrário tem a AT pois, não se encontrando estes créditos abrangidos pelo Código do IVA, a A... não apresenta suporte legal para a sua dedução, conforme se demonstra de seguida.

 

Da dissolução

Face à tipificação do tipo de crédito indicada torna-se relevante tecer algumas considerações para clarificar o que acontece à vida das sociedades desde que são constituídas até à sua extinção, de acordo com o Código das Sociedades Comerciais (CSC), o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de liquidação de Entidades Comerciais (RJPADL), introduzido pelo Decreto-Lei n.º 76‑A/2006, de 29 de Março e a sua respetiva articulação com as regras constantes do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) e com o Código de Processo Civil (CPC nomeadamente no Capítulo XV -Da Liquidação de Patrimónios.

As sociedades adquirem personalidade jurídica e existência como tal, a partir da data do registo definitivo do contrato pelo que se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras (artigo 5.º do CSC).

Depois de constituídas, e ao longo da sua "vida", são várias as vicissitudes que as podem afetar até à respetiva extinção: mera alteração do contrato pelo qual se regem, entrada e saída de sócios, aumento e redução do capital social, cisão, fusão, transformação, dissolução e liquidação.

As sociedades só deixam de gozar de personalidade jurídica e de existirem como tal, após o registo do encerramento da liquidação (nº 2 do artigo 160º do CSC), sendo a dissolução uma fase necessária e prévia à liquidação.

Para extinguir uma empresa deve ser seguida uma sequência de atos/factos jurídicos, nomeadamente, a dissolução e liquidação de empresa.

A dissolução é o ato através do qual a empresa decide ou reconhece que deverá deixa deter existência.

A dissolução tem diversas causas subjacentes, podendo esta ser imediata com a ocorrência de um dos seguintes factos: decurso do prazo fixado nos estatutos, deliberação dos sócios, realização completa do objeto contratual, ilicitude superveniente do objeto contratual, pela declaração de insolvência da empresa ou outros factos previstos nos estatutos, ou pode ser requerida a dissolução administrativa da empresa com fundamento em facto previsto na lei, e ainda diversas situações tipificadas, nomeadamente a dissolução oficiosa.

No final da dissolução, a empresa entra imediatamente em liquidação (artigo 146.º do CSC), que visa a finalização de negócios pendentes, o pagamento de dívidas, a cobrança de devedores e a partilha do resultado da liquidação aos sócios.

Assim a dissolução, como facto pelo qual se determina a cessação da existência da sociedade, aduz-se num processo progressivo de extinção que culmina com a aprovação das contas finais", ou seja aquando do encerramento da liquidação. (Parecer do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e Notariado, de 19 de Dezembro de 1986: Boletim dos Registos e Notariado, n.º 20, pág. 7, e Rev. Not. 1987/2.9-300).

Em regra, a empresa em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte da lei ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações as disposições que regem as empresas não dissolvidas (n.º 2 do artigo 146º do CSC).

A liquidação deve estar encerrada e a partilha aprovada no prazo máximo de três anos, com prorrogação máxima por um ano (artigo 150.º do CSC)A sociedade considera-se extinta (momento em que perde a personalidade jurídica) com o registo do encerramento da liquidação (nº 2 do artigo 160.º do CSC).

Do regime exposto resulta que durante um período máximo de três anos, principalmente nos casos de dissolução com entrada em liquidação, as sociedades comerciais podem estar em liquidação, que se traduz numa situação entre a dissolução e a extinção da sociedade, implicando a realização de um conjunto de operações, tendentes, em síntese, a pagar o passivo e a atribuir aos sócios o restante património.

Face ao antedito, pode-se afirmar com segurança que a dissolução é uma fase necessária e prévia à extinção da sociedade, que visa a finalização de negócios pendentes, o pagamento de dívidas, a cobrança de devedores e a partilha do resultado da liquidação aos sócios.

Pelo que se conclui que a dissolução de uma sociedade não condiciona/não determina a não liquidação das suas dívidas nem é facto decisivo para a A... regularizar a seu favor o IVA dos créditos de sociedades dissolvidas, discordando a Autoridade Tributária da posição do sujeito passivo, pois não é garantindo que uma sociedade dissolvida já não pagará as suas dívidas.

(...)

O Orçamento do Estado de 2013 (Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro) veio introduzir alterações no regime de regularização do IVA em créditos incobráveis, com especial enfoque no âmbito de aplicação do regime e nos procedimentos específicos para o ajustamento do IVA a favor dos sujeitos passivos. Atualmente as regras de regularização de IVA a favor do sujeito passivo aplicáveis aos créditos de cobrança duvidosa e créditos incobráveis vêm tratadas nos artigos 78º a 78º D do Código do IVA.

Assim, para a dedução do IVA seguem-se as regras nos termos do artigo 78º do Código do 'IVA para créditos vencidos antes de 01.01.2013 e nos termos do artigo 78º-A do Código do IVA para créditos vencidos a partir de 1.01.2013, face ao novo regime.

 

(...)

No que diz respeito ao regime da regularização de créditos incobráveis, verifica-se que as alíneas do n.º7 do artigo 78.º e do n.º 4 do artigo 78.º-A, ambos do Código do IVA, devem ser entendidas, no sentido de que, fora daquelas situações previstas, não têm suporte legal para a dedução dos créditos em causa por parte do sujeito passivo credor.

Sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, a matéria referente às deduções encontra-se regulado essencialmente nos artigos 167.º a 192.º da Directiva 2006/112/CE, de 28/1 1/2006, relativa ao sistema comum do IVA, habitualmente designada Diretiva IVA (DIVA) (e anteriormente nos artigos 17.ºa 20.º da Sexta Diretiva, Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, revogada pela DIVA).

A Diretiva IVA, no seu Capítulo 5, contém as disposições sobre a possibilidade de os sujeitos passivos efetuarem regularizações de imposto a seu favor. Assim, dispõe o artigo 90º:

"1. Em caso de anulação; rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

2. Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados -Membros podem derrogar o disposto no n.º 1.º

 

Sendo que as disposições constantes no artigo 78º a 78º-D do Código do IVA refletem na ordem jurídica interna o disposto no artigo 90.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado o qual deixa ao critério dos Estados-Membros, nas condições por eles fixadas, as situações em que podem reduzir o valor tributável no caso de "não pagamento total ou parcial" ou simplesmente não permitir a redução do mesmo e consequentemente do imposto associado, por forma a assegurar a aplicação correta e simples das reduções e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso em determinadas operações.

A questão decidenda é a de determinar se, face aos artigos 78º a 78º-D do Código do IVA, as regularizações realizadas pela sociedade estão incluídas na norma prevista no nº 1 do artigo 90.º, isto é,

..."Em caso de não pagamento total ou parcial ... o valor tributável é reduzido em conformidade" logo pode regularizar o imposto a seu favor no caso de sociedades dissolvidas ou, se pelo contrário, Portugal derrogou aquela norma e então aplica-se o n.º 2.

Para efeitos desta análise recorreu-se ainda à doutrina administrativa e à jurisprudência comunitária.

Assim, o entendimento dos Serviços, sancionado por despacho de 2017.03.17 da Diretora de Serviços do IVA, conforme Informação Vinculativa que recaiu sobre o Processo nº 11425, vai no sentido contrário ao pretendido pela empresa, conforme informação prestada nos pontos 2 e 5, assim: "2. Ora, não havendo tipificação legal para o caso, os credores, atendendo à situação de dissolução da devedora no decurso de um processo executivo, não tem forma legal de regularizar junto da Autoridade Tributária a dedução do IVA liquidado, pelo que a ora requerente defende o recurso a analogia para estes casos, salvaguardando o direito à dedução do IVA num crédito de incobrável ou de cobrança duvidosa por parte do sujeito passivo." e "5. Efetivamente, no que diz respeito ao regime da regularização de créditos incobráveis, verifica-se que as alíneas do nº 7 do art. 78.º e do n.º 4 do art. 78.º-A, ambos do CIVA, são taxativas, no sentido de que, fora daquelas situações previstas, não há suporte legal para a dedução dos créditos em causa por parte do sujeito passivo credor, assim como para a aplicação analógica do referido regime a casos não abrangidos pela norma."

 

Nesse sentido vai também a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça (Sétima Secção) quanto à interpretação do artigo 90.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006.

Vem o Tribunal de Justiça, nos pontos 23 a 26 do Acórdão, referir que

"23 (...) o n.º 2 do referido artigo 90.º autoriza os Estados-Membros a derrogar a regra acima mencionada nos casos de não pagamento total ou parcial do preço da operação. Os sujeitos passivos não podem, por conseguinte, invocar, nos termos do artigo 90.º, n. º 1, da diretiva IVA, um direito à redução do valor tributável do IVA nos casos de não pagamento do preço se o Estado-Membro em causa tiver decidido aplicar a derrogação prevista no n.º 2 do mesmo artigo.

24 Há que admitir que uma disposição nacional cuja enumeração das situações nas quais o valor tributável é reduzida não contemple a hipótese do não pagamento do preço da operação deve ser encarada como o resultado do exercício pelo Estado-Membro da faculdade de derrogação que lhe foi concedida pelo artigo 90. n. º2, da Diretiva IVA.

25 Com eleito, deve salientar-se a este propósito que, se o não pagamento total ou parcial do preço de compra acontecer sem que tenha havido resolução ou anulação do contrato, o comprador permanece responsável pelo pagamento do preço acordado e o vendedor, apesar de já não ser proprietário do bem, ainda dispõe, em princípio, do seu direito de crédito, que poderá ser exercido nos tribunais. No entanto, uma vez que não se pode excluir que esse crédito se torne efetivamente incobrável, o legislador da

União decidiu deixar a cada Estado-Membro a escolha de determinar se o não pagamento do preço de compra, que, por si só, contrariamente à resolução ou à anulação do contrato, não coloca as partes na situação inicial, dá direito à redução correspondente do valor tributável nas condições fixadas pelo Estado -Membro, ou se, nesse caso, não é admitida qualquer redução.

26 - Nestas condições, deve considerar-se, por um lado, que o simples facto de na enumeração das situações em que é reduzido o valor tributável, a disposição nacional de transposição não reproduzir todas as situações elencadas no artigo 90.º, n.º 1, da Diretiva IVA não permite inferir, tendo em conta o contexto jurídico geral no qual se insere esta medida de transposição, que esta não permita assegurar efetivamente a plena aplicação da Diretiva IVA de forma suficientemente clara e precisa."

 

Pode assim concluir-se que, no que se refere a situações que digam respeito ao não pagamento do preço, não é necessário que as disposições nacionais de transposição tenham em consideração todas as situações em que o sujeito passivo não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida.

Adicionalmente os nº 31 e 32 do Acórdão, referem que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando se verifique que as disposições de uma diretiva são, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invocá-las nos órgãos jurisdicionais nacionais contra o Estado, quando este não tenha transposto dentro do prazo a diretiva para o direito nacional ou quando essa transposição tenha sido incorreta. "Uma disposição de direito da União é incondicional quando prevê uma obrigação que não é acompanhada de condições nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer ato das instituições da União ou dos Estados-Membros."

Daqui se depreende desde logo que os sujeitos passivos podem invocar as disposições do n.º 1 do artigo 90º da Diretiva quando os Estados não tenham transposto dentro do prazo a Diretiva ou quando a transposição seja incorreta, aparentemente não é este o caso de Portugal, pois este legislou, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA, que confere aos Estados-Membros a possibilidade de determinarem as condições em que o valor tributável é reduzido.

O entendimento vertido no Acórdão de 15 de maio de 2014 do Processo C-337/13, serviu de jurisprudência para outros dois Acórdãos já proferidos, designadamente o Acórdão de 12 de outubro de 2017 do Processo C-404/16 e o Acórdão de 23 de novembro de 2017 do Processo C-246/16, ambos abordando a interpretação do n.º 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA.

No IVA é ressalvada a importância dada ao mecanismo do imposto, sendo que a circunstância de este direito ser tomado como o alicerce do princípio da neutralidade justifica que não sejam toleradas quaisquer exceções ou limitações nos direitos nacionais dos Estados- Membros que não se encontrem expressamente previstas nas diretivas comunitárias, neste caso, na Diretiva IVA.

 

Da conclusão

Conforme já se demonstrou, os créditos considerados incobráveis sobre sociedades dissolvidas são créditos que não têm enquadramento em nenhum artigo do Código do IVA, ademais por não serem os vertidos no nº 7 do artigo 78.º ou no nº 4 do artigo 78.º-A, ambos do Código do IVA, porquanto não se verifiquem as condições aí referidas.

Dito de outra forma, a empresa entendeu que poderia deduzir, não obstante não existir uma previsão legal no Código do IVA, situação não aceite pela AT nos termos acima expostos e que infra se resumem:

1. A dissolução de sociedades está contemplada como uma situação de "não pagamento" nos casos enumerados no nº 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA. Sendo a dissolução uma fase necessária e prévia à extinção da sociedade, que visa entre outras situações o pagamento de dívidas, não está provado definitivamente, por parte da A... o não recebimento de uma parte ou a totalidade da contrapartida.

2. Os particulares podem utilizar diretamente o n.º 1 do artigo 90º da Diretiva se o Estado-Membro não tiver utilizado a derrogação prevista no nº 2 do mesmo artigo.

3. O n.º 1 enumera várias situações em que os Estados-Membros são obrigados a reduzir a matéria coletável de IVA. O n.º 2 autoriza os Estados a derrogar aquela norma no caso específico de "não pagamento" e não nos demais.

4. Ou seja, é permitido aos Estados-Membros determinar se o não pagamento por si só dá direito à redução do valor tributável ou se não é admitida qualquer redução.

5. Quando um Estado-Membro decide aplicar a derrogação, os sujeitos passivos não podem invocar o direito à redução do IVA em caso de não pagamento.

6. Aquela permissão de derrogação pressupõe que seja difícil de verificar que o não pagamento se torna efetivo, ou seja, se é inquestionável a redução definitiva da contrapartida.

7. Portugal, tendo enumerado todas as situações passíveis de regularização de imposto (nos acima citados artigos 78º a 78.º-D), e os termos e condições em que confere a possibilidade de redução do valor tributável e a regularização, a favor do sujeito passivo, do IVA liquidado em excesso, e não contemplando os casos de não pagamento, utilizou a derrogação prevista no nº 2 do artigo 90.º da Diretiva.

8. Donde, não pode a empresa utilizar o n.º 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA diretamente, sem o preenchimento dos requisitos enunciados no Código do IVA para efeitos de regularização de imposto.

Assim, a IVA em causa, no montante de €1.323.499,58, conforme Anexo 1, não pode ser objeto de regularização a favor da A..., conforme decorre dos artigos 78.º a 78.º D do Código do IVA, sendo tal conclusão corroborada pela Diretiva IVA e pela jurisprudência do TJUE.

 

 

IIl.2.2 IVA regularizado indevidamente pela A... relativo a clientes cessados e caducados -€372,227,42

A A..., durante o período de 2018, apresentou no campo 40 das declarações periódicas de IVA regularizações a seu favor no montante total de €5.386.895,90, considerando estas regularizações abrangidas pelos artigos 78º a 78º-D do Código do IVA.

No decurso da presente ação inspetiva, no âmbito daquelas regularizações, verificou-se que a A... nos meses de março, abril, junho, outubro e dezembro regularizou a seu favor IVA no montante de €372.227,42 relativa a créditos sobre i) sociedades cessadas no montante de €345.061,61 e ii) clientes isentos ou particulares (não sujeitos passivos de imposto) cujo direito à regularização já caducou no montante de €27.165,81.

A regularização a favor da sociedade do IVA relativo a créditos sobre sociedades cujo direito à regularização já caducou e relativamente a sociedades cessadas apenas pode ser fé to nas condições definidas no Código do IVA.

O quadro seguinte sintetiza os valores analisados e a corrigir:

 

 

i) Cessados - €345.061.61

O IVA objeto de regularização no montante de €345.061.61 é resultante de operações efetuadas a clientes sujeitos passivos de imposto com créditos vencidos anteriormente a 2013, sendo neste caso regulados pelos nºs 7 a 10 do artigo 78º do Código do IVA e posteriormente a 2013, já regulados pelas alíneas a) a c) do nº 4 do artigo 78º A do Código do IVA.

Os nºs 7 a 10 do artigo 78º do Código do IVA (créditos vencidos anteriormente a 2013) indicam as condições em que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis e respeitante a outros créditos.

"7 Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:(Redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril)

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil; (Redação dada pela Lei n.º82-B/2014. de 31 de dezembro.

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código (Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)

c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; (Redação dada pela Lei n.º 66-6/20/2, de 31 de dezembro)

d) Nos termos previstos no Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), após celebração do acordo previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto. (Aditada pela Lei n.º66-B/2012, de 31 da dezembro)

8 -Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução:

b) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, quando o devedor, sendo um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não conferem o direito à dedução, conste no registo informático de execuções como executado contra quem foi movido processo de execução anterior entretanto suspenso ou extinto por não terem sido encontrados bens penhoráveis; (Redação da Lei n.º 64-A/2003 de 31 de dezembro)

c) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000. IVA incluído, tenha havida aposição de fórmula executória em processo de injunção ou reconhecimento em acção de condenação e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;

d) Os créditos sejam inferiores a (euro) 6000, IVA incluído, deles sendo devedor sujeito passivo com direito à dedução e tenham sido reconhecidos em acção de condenação ou reclamados em processo de execução e o devedor tenha sido citado editalmente.

e) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, quando o devedor, sendo um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não conferem direito a dedução, conste da lista de acesso público de execuções extintas com pagamento parcial ou por não terem sido encontrados bens penhoráveis m momento da dedução, (Aditada pela Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro).

9 - O valor global dos créditos referidos no número anterior, o valor global do imposto a deduzir, a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados por revisor oficial de contas, devendo este certificar, ainda, que se encontram verificados os requisitos legais para a dedução ao imposto respeitante a créditos considerados incobráveis nos termos do n.º 7 deste artigo. (Redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

10 - A certificação por revisor oficial de contas a que se refere o número anterior deve ser efetuada por cada um dos períodos em que foi feita a regularização e até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até a data de entrega da mesma, quando esta ocorra fora do prazo."

 

As alíneas a) a c) do nº 4 do artigo 78º A do Código do IVA (créditos vencidos posteriormente a 2013) indicam as condições em que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis e respeitante a outros créditos, normativo legal utilizado pela empresa nas regularizações agora em análise:

"4 - Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis nas seguintes situações, sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n. º 2:

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil: (Redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código: (Redação da Lei n.º 83-B/2014, de 31 de dezembro)

c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas."

 

Podendo os sujeitos passivos deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis e respeitante a outros créditos, nas condições definidas no Código do IVA, é-lhes imposta a obrigação (créditos vencidos anteriormente a 2013) do nº 11 do artigo 78º do Código do IVA que prevê que deve ser "... comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de ratificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as (aturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada." e (créditos vencidos posteriormente a 2013) no n.º 9 do artigo 78º B

"9 - No caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de ratificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada"

Desta forma, para os clientes cessados seria necessário comunicar ao cliente a anulação do imposto de acordo com o nº 11 do artigo 78" do Código do IVA e n.º 9 do artigo 78º B, no entanto a A... não o fez porque entende que estando o número de identificação fiscal do cliente cessado à data da regularização, não existe necessidade de efetuar a comunicação, uma vez que o sujeito passivo já não poderá proceder à regularização a favor do Estado.

No entanto a AT tem vindo a defender que, nestas situações, se mantém a obrigação de comunicação, conforme se pode verificar na Informações Vinculativas: Processo nº 3011, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012.04.18 e por analogia no Processo n.º 12677, por despacho de 2018.01.19, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação) cujas conclusões vão no sentido de que, atendendo ao disposto no nº 11 do artigo 78.º do CIVA (e por analogia o n.º 9 do artigo 78º B), torna-se "indispensável que seja comunicado ao adquirente dos bens ou serviços a anulação do imposto para efeito de ratificação da dedução inicialmente efetuada".

Fora das condições enunciadas no código não há suporte legal para a dedução do IVA incluído nos créditos em causa.

A situação de cessação de atividade para efeitos de IVA, não desobriga a sociedade da entrega da declaração prevista no nº 11 do artigo 78º do Código do IVA e n.º 9 do artigo 78º B, pois:

i) A cessação de atividade em IVA não determina a extinção da empresa, a qual só se verifica no momento do encerramento da liquidação que sucede à sua dissolução, o que significa que a sociedade mantém a personalidade jurídica e, nessa medida, está obrigada ao cumprimento das diferentes obrigações fiscais;

ii) A personalidade tributária, tal como definida no artigo 15º da LGT não é afetada pela cessação de atividade, devendo-se ao facto de & cessação de atividade não alterar a qualificação de uma entidade enquanto sujeito passivo, na aceção que lhe é dada pelo artigo 2.º do Código do IVA e pelo artigo 9.º da Diretiva 2006/112/CEE, qualificação necessariamente prévia à situação de sujeição a obrigações declarativas;

iii) A obrigação de comunicar ao adquirente do bem ou serviço, que [à data da operação] era um sujeito passivo do imposto, só se verifica para sujeitos passivos de imposto, pois só estes poderão proceder à retificação da dedução inicialmente efetuada.

 

Apesar de os adquirentes dos bens ou serviços [subjacentes ao IVA que a A... regularizou] tivessem, à data da regularização, cessado a sua atividade, à data da aquisição dos bens ou serviços tinham a qualidade de sujeito passivo de tal imposto, momento este determinante para a qualidade de sujeito passivo.

Nesta linha de raciocínio vai o artigo 34º do Código do IVA (Conceito de cessação de atividade) que no seu nº 3 determina que a "A cessação de atividade é também declarada oficiosamente, pela administração fiscal, após comunicação do tribunal, nos termos do n.º 3 do artigo 65º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sem prejuízo do cumprimento das obrigações fiscais nos períodos de imposto em que se verifique a ocorrência de operações tributáveis, em que devam ser efetuadas regularizações ou em que haja lugar a exercício do direito a dedução" e a Circular nº 10/2015 onde esta defende a tese da continuidade do cumprimento das obrigações declarativas e fiscais após a declaração da insolvência.

Veja-se ainda o Acórdão do STJ de 2006.10.12. processo 06P293097:

"(...) A sociedade em liquidação não se transforma em comunhão de bens ou interesses, não passa a sociedade fictícia, nem é sociedade especial, nova; goza de personalidade coletiva e esta personalidade é a mesma de que gozava a sociedade antes de ser dissolvida."

Tanto a Circular nº 10/2015 como o Acórdão partem do raciocínio subjacente na alínea e) do n.º 1 do artigo 141º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), onde se pode ler que a declaração da insolvência é causa imediata de dissolução da sociedade, entrando esta em fase de liquidação, por força do nº 1 do artigo 146º do mesmo diploma.

A ser assim, a dissolução da sociedade não acarreta necessariamente a sua extinção. Esta última, só se verificará, como já descrito no ponto III.2.1 deste relatório, no momento do registo na Conservatória do encerramento da liquidação, de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 160º do CSC.

Uma das causas previstas para a dissolução oficiosa de uma sociedade, conforme previsto no artigo 143º do CSC é a comunicação pela AT "ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária."

 

Este entendimento leva a que se chegue à conclusão de que os direitos e obrigações de uma sociedade subsistem ainda na fase da sua liquidação, pois o nº 2 do artigo 146º do CSC estipula que a sociedade' em liquidação mantém a personalidade jurídica e, por conseguinte, continuarão a ser-lhe aplicáveis com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.

Se as sociedades, após a declaração de cessação, continuam a ter personalidade jurídica, então nada obsta à sua suscetibilidade de continuarem a ser sujeitos de relações jurídicas tributárias, nos termos do artigo 15º da LGT.

Assim, por tudo o ante dito, se conclui que é indispensável que seja comunicado ao adquirente dos bens ou serviços, para efeito da respetiva ratificação da dedução inicialmente efetuada, a anulação do imposto, nos termos do n.º 11 do artigo 78º e n.º 9 do artigo 78º B do Código do IVA, não havendo suporte legal para a dedução do IVA no montante de €345.061,61, conforme Anexo II. As alíneas a) a c) do nº 4 do artigo 78* A do Código do IVA incluído nos créditos cessados.

 

ii) Caducados - €27.165,81

O IVA objeto de regularização no montante de €27.165,81 é resultante de operações efetuadas a clientes isentos ou particulares (não sujeitos passivos de imposto) com créditos vencidos anteriormente a 2013.

A A... não podia regularizar a seu favor o IVA destes créditos, uma vez tinham já decorrido 4 anos (prazo da caducidade) do momento em que a alínea a) do n.º 8 do artigo 78º do Código do IVA permitia a regularização do IVA a seu favor.

 

Para efeitos de regularização do IVA, a A... deve reunir os requisitos estabelecidos no normativo que lhes dá base (artigo 78.º ou artigo 78.º-A e seguintes do Código do IVA, consoante o caso), cumprir com as obrigações neles previstas e com o condicionalismo de ordem temporal para o exercício desse direito (prazo), devendo, ainda, atender ao que referem quanto à certificação por Revisor Oficial de Contas (ROC) dos respetivos créditos.

Nesta análise, atendendo à característica dos clientes que servem de base à regularização, vamos focar-nos no nº 8 do artigo 78º do Código do IVA.

O nº 8 do artigo 78º do Código do IVA aplica-se aos créditos vencidos antes de 2013, que na redação em vigor à data dos factos, dispõe que os sujeitos passivos podem ainda regularizar o imposto para os créditos inferiores a € 750:

"8 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;"

 

É precisamente este o pressuposto para os valores calculados pela AT, discordando a empresa e alegando que não existia na lei a indicação expressa que existe na redação do nº 4 do artigo 78.º-A do Código do IVA:

"4 - Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis em qualquer das seguintes situações sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n.º 2:"

 

Não se entende assim, qual o motivo que levou a empresa a não regularizar desde logo créditos vencidos antes de 2013, uma vez que é nosso entendimento que o podendo fazer (a lei assim o permite) e não o tendo feito, não poderá posteriormente aproveitar a regularização do imposto a seu favor, por limitação temporal do próprio Código.

Pois o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA refere que "sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente".

Sendo a data de vencimento de todos créditos objeto desta análise anterior a 2013, a questão temporal é determinante no direito à dedução, pois havendo o direito à regularização, o sujeito passivo pode exercer tal direito, no decurso de 4 anos após o nascimento do direito à dedução, tendo em conta o disposto no nº 2 do artigo 98º do Código do IVA.

Assim procede-se à correção do IVA indevidamente regularizado a favor do sujeito passivo no montante de €27.165,81, conforme Anexo III, uma vez que já decorreu o prazo de caducidade de 4 anos previsto no nº 2 do artigo 98º do Código do IVA.

 

Da conclusão

Assim, por tudo o ante dito, procede-se a uma correção no montante de €372.517,41 pois (i) é indispensável que seja comunicado ao adquirente dos bens ou serviços, para efeito da respectiva retificação da dedução inicialmente efetuada, a anulação do imposto, nos termos do nº 11 do artigo 78º e n.º 9 do artigo 78º B do Código do IVA, não havendo suporte legal para a dedução do IVA no montante de €345.061,61, as alíneas a) a e) do nº 4 do artigo 78º A do Código do IVA incluído nos créditos cessados, e (ii) foi indevidamente regularizado IVA a favor do sujeito passivo no montante de €27.165,81

uma vez que já decorreu o prazo de caducidade de 4 anos previsto no nº 2 do artigo 98º do Código do IVA.

  1. Na sequência dessa correção em sede de IVA, a A... foi notificada, além de outros, dos seguintes actos de liquidação de IVA, referentes aos meses de Março a Dezembro de 2018, que são impugnados no presente processo, que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido:

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 03, em que foi liquidado o valor de € 383.997,62, (€ 10.206,49 de créditos disponíveis utilizados e valor a pagar de € 373.975,13);

– de IVA n.º 2021..., referente ao mesmo período 2018 03, em que foi liquidado o valor de € 384.061,13, (€ 10.206,49 de créditos disponíveis utilizados e valor a pagar de € 373.911,62);

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 04, em que foi liquidado o valor a pagar de € 553.826,37;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 05 em que foi liquidado o valor a pagar de € 184.930,59;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 06 em que foi liquidado o valor a pagar de € 36.239,93;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 07 em que foi liquidado o valor a pagar de € 20.017,85;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 08 em que foi liquidado o valor a pagar de € 10.873,39;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 09 em que foi liquidado o valor a pagar de € 17.797,04;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 10 em que foi liquidado o valor a pagar de € 233.806,66;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 11 em que foi liquidado o valor a pagar de € 100.621,04;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 12 em que foi liquidado o valor a pagar de € 156.824,44;

 

  1. A Requerente foi ainda notificada dos seguintes actos de liquidação de juros compensatórios referentes aos meses de Janeiro a Fevereiro e Abril a Dezembro de 2018, que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que são impugnados no presente processo:

– de juros compensatórios n.º 2021..., referente à liquidação de IVA n.º 2021 ... relativa ao período 2018 01 no valor a pagar de € 101,37;

– de juros compensatórios n.º 2021..., referente à liquidação de IVA n.º 2021 ... relativa ao período 2018 02 no valor a pagar de € 138,64;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 04 no valor a pagar de € 61.986,65;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 05 no valor a pagar de € 21.745,81;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 06 no valor a pagar de € 18.089,13;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 07 no valor a pagar de € 2.217,86;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 08 no valor a pagar de € 1.152,90;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 09 no valor a pagar de € 1.848,94;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 10 no valor a pagar de € 23.571,79;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 11 no valor a pagar de € 9.800,93;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 12 no valor a pagar de € 65.108,42;

  1. Relativamente às liquidações de IVA e juros compensatórios foram também emitidas as demonstrações de acerto de contas que contam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2.  Além das liquidações referidas, a Requerente foi ainda notificada das seguintes liquidações que não são impugnadas no presente processo:
  • liquidação de IVA n.º 2022..., relativa ao período 2018 02, no valor liquidado de € 34,92, em que foi utilizado crédito no valor de € 9.532,93, com o valor a pagar de € 0,00;
  • liquidação de IVA n.º 2022..., relativa ao período de 2018 03, com o valor liquidado de € 374.077,37, em que foi utilizado crédito no valor de € 10.206,49, com o valor a pagar de € 102,24;
  •  liquidação de IVA n.º 2022..., relativa ao período 2018 05, com o valor liquidado de € 184.970,14 e o valor a pagar de€ 39,55;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa à liquidação de IVA n.º 2022..., refere ao período 2018 02, com o valor liquidado de € 140,67;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa à liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período 2018 05, com o valor a pagar de € 21.750,46;
  1. A Requerente A... efectuou os pagamentos de IVA e juros compensatórios, que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, no valor total de € 1.827.955,41, nestes termos:
  • Em 30-08-2021 pagou as liquidações recebidas a 27-08-2021, no valor total de € 1.827.802,34;
  • Em 07-10-2021 pagou a liquidação de IVA n.º 2021..., recebida em 27‑08-2021, no valor de € 63,51;
  • Em 15-12-2021 pagou o valor que resulta das DAC n.º 2021...e n.º 2021..., recebidas em 13-11-2021, nos valores de € 58,11 e € 31,45, relativamente às quais a Requerente não foi notificada das respetivas liquidações de IVA.
  1. Em 30-12-2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação acima identificados, nos termos que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. Por correio electrónico expedido em 12-07-2021, a Requerente enviou à Unidade dos Grandes Contribuintes, invocando o artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, o requerimento que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que pediu que lhe fosse passada certidão do seguinte:

– fundamentos, de facto e de direito, subjacentes aos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021... e dos actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021...;

– «indicação da data, da forma e do modo como tais fundamentos, de facto e de direito, terão sidos notificados à requerente, com cópia do respectivo registo e/ou aviso de recepção devidamente assinados, se esse for o caso»;

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira não entregou à Requerente a certidão requerida até 28-07-2022;
  2. A regularização dos créditos sobre clientes da Requerente isentos e não sujeitos passivos de IVA foi efectuada com fundamento em incobrabilidade dos créditos;
  3. A Autoridade Tributária e Aduaneira não proferiu decisão sobre a reclamação graciosa até 28-07-2022, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e afirmações por esta feitas que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

 

2.2.3. Quanto ao facto dado como provado na alínea X), a Requerente alegou, tanto na reclamação graciosa como no presente processo, que as regularizações relativas a créditos sobre clientes isentos ou não sujeitos passivos de IVA se basearam em incobrabilidade e foram efectuadas ao abrigo do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona esta afirmação, sendo certo que lhe era fácil contrariá-la, se não correspondesse à realidade, através das declarações periódicas de IVA, pois dispõem do quadro 1 do anexo das regularizações do campo 40, em que se inclui um subquadro 1-C, especificamente para indicação das «Regularizações a favor do sujeito passivo abrangidas pelo artigo 78.º, n.º 7, alíneas a) a d), para créditos vencidos até 31 de dezembro de 2012, inclusive, mas considerados incobráveis a partir de 01/01/2013».

Por isso, nada tendo dito a Autoridade Tributária e Aduaneira que contrarie aquelas afirmações feitas na reclamação graciosa e no presente processo, considerou-se credível a afirmação da Requerente.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente imputa às liquidações impugnadas os seguintes vícios:

(i) Falta de fundamentação;

(ii) Ilegalidade por violação do Direito Europeu, em particular do disposto nos artigos 73.º e 90.º da Diretiva IVA;

(iii) Ilegalidade por violação do direito fundamental à propriedade previsto no artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“Carta”).

 

De harmonia com o preceituado no artigo 124.º, n.º 2, alínea b), do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, apreciar-se-ão os vícios pela ordem indicada pela Requerente, uma vez que se depreende do artigo 76.º do pedido de pronúncia arbitral (em que refere que «sem prejuízo do acima exposto acerca dos vícios formais das liquidações aqui contestadas (e sem conceder), a A... entende que estes mesmos atos padecem de outros vícios, de ordem material, que devem igualmente determinar a sua ilegalidade e correspondente anulação») que pretende a apreciação prioritária do vício de falta de fundamentação.

 

3.1. Vício de falta de fundamentação

 

 

3.1.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– não existe correspondência entre o valor da correção descrita no Relatório e o valor das liquidações recebidas pela A...;

– de acordo com o Relatório, os SIT efetuaram uma correção de IVA no valor de € 1.695.727,00;

– no entanto, as liquidações de IVA recebidas pela A... até à presente data perfazem € 1.718.969,21, das quais são impugnadas nestes autos € 1.699.088,00;

– como se pode observar pelas discrepâncias acima descritas relativas aos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas, estes atos tributários são sucessivamente emitidos pela AT e notificados à A..., sem qualquer fundamentação, e sem que esta consiga, verdadeiramente, compreender a origem dos valores em causa;

– a Requerente apresentou um requerimento de passagem de certidão dos fundamentos dos atos de liquidação de IVA em causa, mas que não obteve resposta até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral;

– as liquidações de IVA e juros compensatórios em causa no presente pedido de pronúncia arbitral padecem, não de uma (mera) fundamentação obscura ou contraditória, mas de uma total e absoluta ausência de fundamentação, que permita compreender os montantes liquidados;

– estes atos de liquidação não contêm qualquer menção que permita à A... compreender as razões de facto e de direito subjacentes à respetiva emissão, não indicando as normas legais em causa;

– a fundamentação de que a A... atualmente dispõe – as liquidações que se limitam a remeter para o Relatório – é manifestamente insuficiente para que a A... possa compreender devidamente os atos de liquidação em causa;

– Isto porque, por muito que a A... pudesse esperar receber liquidações de IVA no montante referido no Relatório, torna-se impossível relacionar a correção constante do Relatório e os atos de liquidação de imposto e juros, dos quais resultaram os montantes a pagar de € 1.718.969,21 (dos quais € 1.688.728,44 são objeto de impugnação nestes autos) e de € 227.654,19 (dos quais € 205.763,06 são objeto de impugnação nestes autos), respetivamente;

– é possível inferir (sem certeza) que – pelo menos – algumas das liquidações em apreço estarão relacionadas com essa correção constante do Relatório e, por conseguinte, poderão respeitar ao IVA cuja regularização efetuada pela A... não foi aceite pelos SIT;

– no entanto, a A... apenas pode fazer suposições relativamente às causas e fundamentos subjacentes às liquidações ora postas em crise, suposições essas que estão muito mais próximas de um verdadeiro exercício de adivinhação do que de uma qualquer razão de ciência;

– esta notória falta de fundamentação dos atos de liquidação ora em apreço, para além de os ferir intrinsecamente de anulabilidade, inviabiliza a possibilidade de a A... os contestar devida e plenamente.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira diz o seguinte, em suma:

– nos termos dos artigos 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT e 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), é admissível fundamentação por remissão, consistindo numa mera declaração de concordância com os fundamentos de um anterior parecer, informação, proposta, que constituirão, nessa medida, parte integrante dos respetivos actos;

– a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo;

– a fundamentação deve ser contextual e integrante do ato tributário, sendo irrelevante qualquer fundamentação a posteriori que pretenda suprir lacuna posteriormente detetada;

– não ocorre nos presentes autos o imputado vício formal, uma vez que a fundamentação dos atos tributários sindicados, que consta do RIT, reúne todos os requisitos citados, nomeadamente é clara, expressa, suficiente e congruente o que permitiu à Requerente usar dos adequados meios de defesa;

– sempre teria ao seu dispor o meio de reação de pedido de passagem de certidão de documento, nos termos do art.º 37.º do CPPT, como já o fez relativamente a diversas liquidações anteriormente notificadas;

– no que concerne à falta de correspondência entre os valores das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo e os montantes que constam das liquidações em causa, importa salientar que o IVA é um imposto que dadas as suas características, funciona numa lógica de conta-corrente;

– são diversas as situações em que poderão surgir créditos cujos reflexos se irão produzir nas declarações do período em causa ou de períodos diversos;

– foi enviada, pela Divisão de Administração do IVA, uma mensagem de correio eletrónico à Divisão de Liquidação do IVA com vista à obtenção de um esclarecimento mais pormenorizado, tendo esta solicitado a colaboração da Área dos Sistemas de Informação, mas não lhe foi possível obter em tempo, os necessários esclarecimentos.

 

 

3.1.2. Apreciação da questão da falta de fundamentação

 

O artigo 77.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 77.º

 

Fundamentação e eficácia

 

1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

 

2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

A exigência de fundamentação de actos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Especialmente para a fundamentação dos actos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [1] )

Por outro lado, só releva para aferir da suficiência da fundamentação a que é contemporânea do acto impugnado. A fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. ( [2] ) Por isso, a fundamentação adicional através de remissão para documentos que a contenham tem de integrar-se no próprio acto e ser contemporânea dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto esclarecimentos elaborados posteriormente.

Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional, uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei.

Neste contexto, sempre seria irrelevante a eventual fundamentação a posteriori que pudesse vir a ser apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência do pedido de informação a que alude nos artigos 20.º a 22.º da sua Resposta.

No caso em apreço, as liquidações de IVA têm todas o seguinte modelo de fundamentação, com alterações apenas relativamente à identificação de cada uma delas e aos valores indicados em cada um dos campos:

 

 

No campo denominado «FUNDAMENTAÇÃO» esclarece-se que a liquidação «decorre do procedimento de Inspeção, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2020..., no âmbito do qual foi remetida a respectiva fundamentação».

Há assim, em cada uma das liquidações de IVA, uma perceptível remissão para a fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária, anteriormente notificado à Requerente, relativo à inspecção efectuada ao abrigo daquela ordem de Serviço. Aliás, na notificação do Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 1, a Autoridade Tributária e Aduaneira já referia que «a breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar».

Assim, referindo-se na notificação de cada uma das liquidações que «decorre do procedimento de inspecção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2020...» e fazendo-se referência à fundamentação neste procedimento remetida, é de concluir que a Senhora Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que subscreve as liquidações, manifestou concordância com os fundamentos invocados no Relatório da Inspecção Tributária.

Por isso, é à face da fundamentação cumulativa do Relatório da Inspecção Tributária e das liquidações de IVA que há que apreciar a suficiência da fundamentação.

Mas, mesmo com a conjugação da liquidação com o Relatório da Inspecção Tributária, não estão satisfeitos os requisitos mínimos da fundamentação exigidos pelo artigo 77.º, n.º 2, da LGT, designadamente um que deve conter «sempre», que são «as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

Na verdade, conhece-se pelo RIT como foram determinados os valores das correcções efectuadas no procedimento inspectivo, mas apenas quanto à liquidação relativa ao período de Junho de 2018 o valor das correcções indicadas no RIT (€ 36.239,93, soma de correcções nos valores de € 27.869,80 e € 8.370,13) coincide com o valor liquidado.

Com efeito, em vários casos os valores liquidados são inferiores aos das correcções indicadas no RIT, o que sucede quanto à de Maio (liquidação de € 184.930,59 e correcção de € 185.202,47), de Julho (liquidação de € 20.017,85 e correcção de € 21.518,61), Setembro (liquidação de € 17.7976,04 e correcção € 19.959,71) e Dezembro (liquidação de € 156.824,44 e soma das correcções de € 160.245,66), e não se encontra nem no RIT nem nas liquidações qualquer explicação para as diferenças.

E, quanto às liquidações relativas aos meses de Março (liquidação de € 383.997,62 e soma de correcção de € 383.971,44), Abril (liquidação de € 553.826,37 e soma de correcções de € 551.274,25), Agosto (liquidação de € 10.873,39 e correcção de € 10.574,59), Outubro (liquidação de € 233.806,66 e soma de correcções de € 233.762,08) e de Novembro (liquidação de € 100.621,04 e correcção de € 100.600,17), os valores liquidados são superiores aos das respectivas correcções e também nestes casos não se encontra nem no RIT nem nas liquidações qualquer explicação para as diferenças.

Relativamente à liquidação relativa ao mês de Junho de 2018, coincidindo o montante liquidado com a soma das correcções conclui-se que, com as notificações do RIT e da liquidação, a Requerente teve acesso a toda a fundamentação necessária para perceber as razões pelas quais foi liquidada aquela quantia, que são as indicadas no RIT.

No que concerne às liquidações relativas aos meses de Maio, de Julho, Setembro e Dezembro, sendo os valores liquidados inferiores aos das correcções e remetendo as liquidações para a fundamentação que consta do RIT pode concluir-se que são estes os fundamentos das liquidações e que o desconhecimento das razões pelas quais foram liquidados valores inferiores aos das respectivas correcções não afecta o direito à fundamentação pois a Requerente tem explicação no RIT para a totalidade dos montantes liquidados.

Quanto às liquidações relativas aos meses de Março, Abril, Agosto, Outubro e Novembro de 2018 não se encontra no RIT nem nas próprias liquidações que foram notificadas à Requerente explicação para os montantes liquidados, pelo que a fundamentação não satisfaz os requisitos legais, inclusivamente o de conter «as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo», exigido pelo artigo 77.º, n.º 2, da LGT.

Por isso, só sendo relevante a fundamentação contemporânea das liquidações e aquela para que elas expressamente remetem, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori (que neste caso a Autoridade Tributária e Aduaneira nem consegue indicar na sua Resposta), tem de concluir-se que as liquidações relativas aos meses de Março, Abril, Agosto, Outubro e Novembro de 2018 enfermam de vício de falta de fundamentação, que justifica a sua na anulação.

Assim, procede parcialmente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de falta de fundamentação, quanto a estas liquidações de IVA, por não conterem directamente ou por remissão, todos os requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 77.º da LGT, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

No que concerne às liquidações de juros compensatórios contêm as operações do seu cálculo e indicação das normas legais em que se baseiam. Assim, improcede quanto às liquidações de juros compensatórios o vício de falta de fundamentação.

 

3.2. Questão das regularizações relativas a créditos sobre sociedades dissolvidas

 

Durante o ano 2018, a Requerente efectuou regularizações no montante global de € 1.323.499,58 relativas a créditos sobre sociedades dissolvidas.

No Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção não aceitando a regularização, pelas razões que resumiu desta forma:

 

1. A dissolução de sociedades está contemplada como uma situação de "não pagamento" nos casos enumerados no nº 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA. Sendo a dissolução uma fase necessária e prévia à extinção da sociedade, que visa entre outras situações o pagamento de dívidas, não está provado definitivamente, por parte da A... o não recebimento de uma parte ou a totalidade da contrapartida.

2. Os particulares podem utilizar diretamente o n.º 1 do artigo 90º da Diretiva se o Estado-Membro não tiver utilizado a derrogação prevista no nº 2 do mesmo artigo.

3. O n.º 1 enumera várias situações em que os Estados-Membros são obrigados a reduzir a matéria coletável de IVA. O n.º 2 autoriza os Estados a derrogar aquela norma no caso específico de "não pagamento" e não nos demais.

4. Ou seja, é permitido aos Estados-Membros determinar se o não pagamento por si só dá direito à redução do valor tributável ou se não é admitida qualquer redução.

5. Quando um Estado-Membro decide aplicar a derrogação, os sujeitos passivos não podem invocar o direito à redução do IVA em caso de não pagamento.

6. Aquela permissão de derrogação pressupõe que seja difícil de verificar que o não pagamento se torna efetivo, ou seja, se é inquestionável a redução definitiva da contrapartida.

7. Portugal, tendo enumerado todas as situações passíveis de regularização de imposto (nos acima citados artigos 78º a 78.º-D), e os termos e condições em que confere a possibilidade de redução do valor tributável e a regularização, a favor do sujeito passivo, do IVA liquidado em excesso, e não contemplando os casos de não pagamento, utilizou a derrogação prevista no nº 2 do artigo 90.º da Diretiva.

8. Donde, não pode a empresa utilizar o n.º 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA diretamente, sem o preenchimento dos requisitos enunciados no Código do IVA para efeitos de regularização de imposto.

 

Assim, a IVA em causa, no montante de €1.323.499,58, conforme Anexo 1, não pode ser objeto de regularização a favor da A..., conforme decorre dos artigos 78.º a 78.º D do Código do IVA, sendo tal conclusão corroborada pela Diretiva IVA e pela jurisprudência do TJUE.

 

 

3.2.1. Posições das Partes

 

A Requerente entende, em suma, o seguinte:

– as regularizações têm suporte no artigo 90.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e a Autoridade Tributária e Aduaneira faz uma interpretação errónea dos artigos 78.º a 78.º-D do Código do IVA, interpretação essa que é desconforme àquela Diretiva;

– o artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA é uma garantia do princípio da neutralidade e do princípio da contraprestação efetiva, podendo os sujeitos passivos de imposto invocá-lo diretamente, se necessário;

– o artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA exige que os sujeitos passivos tenham o direito a regularizar a seu favor o IVA contido em créditos incobráveis;

– os Estados-Membros podem exercer a faculdade de derrogação prevista no artigo 90.º n.º 2 da Diretiva IVA nos casos de não pagamento, podendo o direito à regularização do IVA ser vedado nestas situações, por a obrigação jurídica de pagamento subsistir;

– no entanto, os Estados-Membros têm de permitir a regularização do IVA em caso de não pagamento, quando estejam reunidos indícios suficientes de que o não pagamento é definitivo ou irreversível, tornando esse crédito decisivamente incobrável;

– os Estados-Membros não podem prever um regime que negue aos sujeitos passivos o direito à regularização quando os sujeitos passivos consigam provar que os créditos que detêm são definitivamente incobráveis.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida no RIT, dizendo ainda em suma:

– de acordo com a Diretiva IVA, o legislador português poderia ter previsto um regime de regularizações de IVA para créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis sobre sociedades cessadas, no entanto, não foi essa, contudo, a opção escolhida, e ao não contemplar um regime de regularizações, o Estado português vinculou-se no sentido de não permitir que os sujeitos passivos pudessem recuperar o IVA dos créditos considerados incobráveis sobre sociedades cessadas nas condições determinadas pela legislação interna;

– as disposições constantes dos artigos 78.º a 78.º-D do Código do IVA, refletem na ordem jurídica interna, o disposto no art.º 90.º da Diretiva IVA;

– as possibilidades de regularização previstas nos artigos 78.º a 78.º-D do Código do IVA são taxativas, no sentido de que fora daquelas situações previstas, não há suporte legal para a dedução dos créditos em causa por parte do sujeito passivo credor, assim como para a aplicação analógica do referido regime a casos não abrangidos pela norma;

– a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o acórdão proferido no processo C-337/13, dá suporte à posição da Autoridade Tributária e Aduaneira;

– no que se refere a situações que digam respeito ao não pagamento do preço, não é necessário que as disposições nacionais de transposição tenham em consideração todas as situações em que o sujeito passivo não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida;

– a dissolução de uma sociedade não condiciona a não liquidação das suas dívidas nem é facto decisivo para a regularização do IVA dos créditos de sociedades dissolvidas;

– o Código do IVA e o direito europeu não assentam em indícios, mas sim na prova de que o pagamento de uma contraprestação não foi definitivamente realizado, logo, aos indícios do não pagamento assistem um grau de incerteza, não estando provado definitivamente o não pagamento de uma parte ou a totalidade da contraprestação (Acórdãos do TJUE, de 23 de novembro de 2017, Di Maura, C246/16, n.º 22; e de 22 de fevereiro de 2018, T2, C396/16, n.º 40).

 

3.2.2. Apreciação da questão das regularizações relativas a créditos sobre sociedades dissolvidas

 

O artigo 90.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece o  seguinte:

 

 

Artigo 90.º

 

1. Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

2. Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.º 1.

 

O artigo 78.º do CIVA, aplicável relativamente a créditos vencidos até 01-01-2013 (artigo 198.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), estabelece nos seus n.ºs 7 e 8 o seguinte:

 

7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

 

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil;

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código;

c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º -F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

c) Nos termos de acordo obtido em procedimento extrajudicial de conciliação, em conformidade com o Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 201/2004, de 18 de Agosto;

d) Nos termos previstos no Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), após celebração do acordo previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto.

 

 

8 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

 

a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;

b) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, quando o devedor, sendo um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não conferem o direito à dedução, conste no registo informático de execuções como executado contra quem foi movido processo de execução anterior entretanto suspenso ou extinto por não terem sido encontrados bens penhoráveis;

c) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, tenha havido aposição de fórmula executória em processo de injunção ou reconhecimento em acção de condenação e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;

d) Os créditos sejam inferiores a (euro) 6000, IVA incluído, deles sendo devedor sujeito passivo com direito à dedução e tenham sido reconhecidos em acção de condenação ou reclamados em processo de execução e o devedor tenha sido citado editalmente;

e) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, quando o devedor, sendo um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não conferem direito a dedução, conste da lista de acesso público de execuções extintas com pagamento parcial ou por não terem sido encontrados bens penhoráveis no momento da dedução. (Aditada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

 

 

O artigo 78.º-A do CIVA, na redacção vigente em 2018, estabelece o seguinte, relativamente aos créditos vencidos até 01-01-2013 (artigo 198.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro):

 

Artigo 78.º-A

Créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis – Dedução a favor do sujeito passivo

 

1 – Os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa, evidenciados como tal na contabilidade, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º -D, bem como o respeitante a créditos considerados incobráveis.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles que apresentem um risco de incobrabilidade devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O crédito esteja em mora há mais de 24 meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;

b) O crédito esteja em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, o valor do mesmo não seja superior a € 750, IVA incluído, e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que o vencimento do crédito ocorre na data prevista no contrato celebrado entre o sujeito passivo e o adquirente ou, na ausência de prazo certo, após a interpelação prevista no artigo 805.º do Código Civil, não sendo oponível pelo adquirente à Autoridade Tributária e Aduaneira o incumprimento dos termos e demais condições acordadas com o sujeito passivo.

4 - Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis em qualquer das seguintes situações, sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n.º 2:

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil;

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou quando for determinado o encerramento do processo por insuficiência de bens, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 230.º e do artigo 232.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou após a realização do rateio final, do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito;

c) Em processo de insolvência ou em processo especial de revitalização, quando seja proferida sentença de homologação do plano de insolvência ou do plano de recuperação que preveja o não pagamento definitivo do crédito;

d) (revogada pela Lei n.º 8/2018, de 3 de Março)

e) Quando for celebrado e depositado na Conservatória do Registo Comercial acordo sujeito ao Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) que cumpra com o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do RERE e do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito.

 

5 - A dedução do imposto nos termos do número anterior exclui a possibilidade de dedução nos termos do n.º 2.

6 – Não são considerados créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa:

a) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;

b) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas com as quais o sujeito passivo esteja em situação de relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC;

c) Os créditos em que, no momento da realização da operação, o adquirente ou destinatário conste da lista de acesso público de execuções extintas com pagamento parcial ou por não terem sido encontrados bens penhoráveis e, bem assim, sempre que o adquirente ou destinatário tenha sido declarado falido ou insolvente em processo judicial anterior;

d) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval.

7 – Os sujeitos passivos perdem o direito à dedução do imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis sempre que ocorra a transmissão da titularidade dos créditos subjacentes.

8 – Nas situações previstas no número anterior, caso a transmissão da titularidade dos créditos ocorra após ter sido efetuada a dedução do imposto respeitante aos créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis, devem os sujeitos passivos observar, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do artigo 78.º-C.

 

 

O artigo 90.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE prevê a redução do valor tributável nos casos de não pagamento total ou parcial do preço depois de efectuada a operação, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

No seu n.º 2, prevê-se que, em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.º 1.

Os artigos 78.º e 78.º-A do CIVA prevêem várias situações em que é admitida a regularização, com direito à dedução, de créditos considerados de cobrança duvidosa e créditos considerados incobráveis, não fazendo referência aos créditos sobre sociedades dissolvidas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpreta as indicações de situações em que a regularização desses créditos é permitida como sendo taxativas, consubstanciando uma derrogação do regime do n.º 1 do artigo 90.º da Directiva n.º 2006/112/CE, permitida pelo seu n.º 2, relativamente a todas as situações não previstas como situações em que é permitida a regularização.

A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como apoio o acórdão do Tribunal de Justiça, proferido em 15-05-2014, no processo C-337/132, em que se afirma:

22 Deve recordar‑se, a este respeito, que o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, que visa os casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, obriga os Estados‑Membros a reduzir o valor tributável e, em consequência, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo, sempre que este não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida. Esta disposição constitui a expressão de um princípio fundamental da diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contrapartida efetivamente recebida, e que tem por corolário que a Administração Fiscal não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão Kraft Foods Polska, C‑588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 26 e 27).

23 No entanto, o n.° 2 do referido artigo 90.° autoriza os Estados‑Membros a derrogar a regra acima mencionada nos casos de não pagamento total ou parcial do preço da operação. Os sujeitos passivos não podem, por conseguinte, invocar, nos termos do artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, um direito à redução do valor tributável do IVA nos casos de não pagamento do preço se o Estado‑Membro em causa tiver decidido aplicar a derrogação prevista no n.° 2 do mesmo artigo.

24 Há que admitir que uma disposição nacional cuja enumeração das situações nas quais o valor tributável é reduzido não contemple a hipótese do não pagamento do preço da operação deve ser encarada como o resultado do exercício pelo Estado‑Membro da faculdade de derrogação que lhe foi concedida pelo artigo 90.°, n.° 2, da diretiva IVA.

25 Com efeito, deve salientar‑se a este propósito que, se o não pagamento total ou parcial do preço de compra acontecer sem que tenha havido resolução ou anulação do contrato, o comprador permanece responsável pelo pagamento do preço acordado e o vendedor, apesar de já não ser proprietário do bem, ainda dispõe, em princípio, do seu direito de crédito, que poderá ser exercido nos tribunais. No entanto, uma vez que não se pode excluir que esse crédito se torne efetivamente incobrável, o legislador da União decidiu deixar a cada Estado‑Membro a escolha de determinar se o não pagamento do preço de compra, que, por si só, contrariamente à resolução ou à anulação do contrato, não coloca as partes na situação inicial, dá direito à redução correspondente do valor tributável nas condições fixadas pelo Estado‑Membro, ou se, nesse caso, não é admitida qualquer redução.

26 Nestas condições, deve considerar‑se, por um lado, que o simples facto de, na enumeração das situações em que é reduzido o valor tributável, a disposição nacional de transposição não reproduzir todas as situações elencadas no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA não permite inferir, tendo em conta o contexto jurídico geral no qual se insere esta medida de transposição, que esta não permita assegurar efetivamente a plena aplicação da diretiva IVA de forma suficientemente clara e precisa.

No entanto, este acórdão alude apenas genericamente a situações de «não pagamento total ou parcial do preço de compra acontecer sem que tenha havido resolução ou anulação do contrato», não aludindo especificamente às situações em que o devedor é uma sociedade dissolvida ou existem circunstâncias que indiciem fortemente que o não pagamento do preço será definitivo.

Por outro lado, neste acórdão do TJUE afirma-se o «caráter preciso e incondicional da obrigação de admitir a redução do valor tributável nos casos previstos no referido artigo» e que «os sujeitos passivos podem invocar o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA contra o Estado perante os tribunais nacionais para obter a redução do seu valor tributável do IVA», o que tornará irrelevante a forma como é feita a sua transposição para o direito interno dos Estados-Membros.

33 Neste caso, o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA dispõe que, nas situações aí previstas, o valor tributável é reduzido correspondentemente, nas condições fixadas pelos Estados‑Membros.

34 Embora este artigo deixe aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação para fixarem as medidas necessárias para determinar o valor da redução, essa circunstância não afeta o caráter preciso e incondicional da obrigação de admitir a redução do valor tributável nos casos previstos no referido artigo. Este reúne, por conseguinte, as condições para produzir efeito direto (v., por analogia, acórdão Association de médiation sociale, EU:C:2014:2, n.° 33).

35 Consequentemente, uma vez que os sujeitos passivos podem invocar o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA contra o Estado perante os tribunais nacionais para obter a redução do seu valor tributável do IVA, é irrelevante a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de saber se o Estado‑Membro em causa estaria obrigado a reparar o prejuízo sofrido pelos interessados pelo facto de, não tendo transposto corretamente a referida diretiva, os ter privado do direito a redução.

Para além disso, no mesmo acórdão do TJUE esclarece-se que a margem de apreciação dos Estados-Membros quanto à derrogação das regras relativas ao valor tributável de IVA só é admissível «na medida do estritamente necessário à prossecução desse objetivo específico»:

37 Tendo em conta que, fora dos limites por elas estabelecidos, as disposições dos artigos 90.°, n.° 1, e 273.° da diretiva IVA não especificam as condições nem as obrigações que os Estados‑Membros podem prever, há que concluir que essas disposições lhes conferem uma margem de apreciação, nomeadamente, quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais dos referidos Estados, para efeitos de proceder a uma redução do valor tributável (v., neste sentido, acórdão Kraft Foods Polska, EU:C:2012:40, n.° 23).

38 Decorre, no entanto, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as medidas adotadas para evitar fraudes ou evasões fiscais só podem, em princípio, derrogar as regras relativas ao valor tributável do IVA na medida do estritamente necessário à prossecução desse objetivo específico. Com efeito, essas medidas devem afetar o menos possível os objetivos e os princípios da diretiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdãos Kraft Foods Polska, EU:C:2012:40, n.° 28, e Petroma Transports e o., C‑271/12, EU:C:2013:297, n.° 28).

39 É, assim, necessário que as formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais, para o exercício do direito a uma redução do valor tributável do IVA, se limitem às que são necessárias para provar que, depois de efetuada uma transação, não receberão, definitivamente, uma parte ou a totalidade da contrapartida. Neste contexto, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar que é esse o caso das formalidades exigidas pelo Estado‑Membro em causa.

A jurisprudência posterior do TJUE corrobora a conclusão de que não pode ser afastada a possibilidade de redução do valor tributável nos casos em que é feita prova de que o crédito é definitivamente incobrável e, se a legislação nacional afasta essa possibilidade, ela deve ser desaplicada, como evidencia o acórdão de 11-06-2020, processo n.º C-146/19, em que se decidiu:

1) Os artigos 90.°, n.° 1, e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro nos termos da qual o direito de redução do imposto sobre o valor acrescentado pago e relativo a um crédito incobrável é negado ao sujeito passivo quando este não tenha reclamado esse crédito no processo de insolvência desencadeado contra o devedor, mesmo quando esse sujeito passivo prove que, se tivesse reclamado o seu crédito, ele não teria sido cobrado.

2) O artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o tribunal nacional, em virtude da obrigação que lhe incumbe de tomar todas as mediadas adequadas para garantir a execução dessa disposição, deve interpretar o direito nacional de maneira com ela conforme, ou, no caso de essa interpretação conforme não ser possível, deixar desaplicada qualquer regulamentação nacional cuja aplicação conduzisse a um resultado contrário àquela disposição.

 

Neste aresto refere-se ainda:

22 É certo que o artigo 90.º, n.º 2, desta diretiva permite que os Estados-Membros derroguem esta regra em caso de não pagamento total ou parcial do preço da operação. Assim, quando o Estado-Membro em causa entenda aplicar essa derrogação, os sujeitos passivos não podem invocar, com base no n.º 1 desse artigo, o direito à redução do valor tributável do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 23).

23 Contudo, esta faculdade de derrogação, estritamente limitada aos casos de não pagamento total ou parcial, baseia-se na ideia de que o não pagamento da contrapartida pode, em determinadas circunstâncias e em virtude da situação jurídica existente no Estado-Membro em causa, ser difícil de verificar ou ser meramente transitório (Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, T-2, C-396/16, EU:C:2018:109, n.º 37 e jurisprudência referida).

24 Assim, a referida faculdade de derrogação apenas visa permitir aos Estados-Membros combater a incerteza associada à cobrança dos montantes devidos e não regula a questão de saber se a redução do valor tributável do IVA pode não ser feita em caso de não pagamento definitivo (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C-292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.º 22 e jurisprudência referida).

25  Com efeito, admitir a possibilidade de os Estados-Membros excluírem qualquer redução do valor tributável do IVA seria contrário ao princípio da neutralidade do IVA, do qual resulta, designadamente que, na sua qualidade de cobrador de impostos por conta do Estado, o empresário deve ficar totalmente aliviado do peso do imposto devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas sujeitas ao IVA (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C-292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.° 23 e jurisprudência aí referida).

 26 O Tribunal de Justiça declarou a este respeito que uma situação caracterizada pela redução definitiva das obrigações do devedor para com os seus credores não devia ser qualificada de «não pagamento», no sentido do artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C-292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.° 25 e jurisprudência aí referida).

 27 Assim, nesse caso, os Estados-Membros devem permitir a redução do valor tributável do IVA se o sujeito passivo provar que o crédito que detém sobre o seu devedor é definitivamente incobrável (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C-292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.° 29). (negrito nosso)

 

Mais recentemente, o TJUE reafirmou essa jurisprudência no acórdão – de 03-03-2021, processo n.º C-507/20, em que se refere:

20 Por outro lado, o artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros derrogarem, em caso de não pagamento total ou parcial do preço da operação, a regra referida no artigo 90.°, n.° 1, desta diretiva. A este respeito, o Tribunal de Justiça teve ocasião de precisar que o exercício desta faculdade de derrogação não pode permitir aos Estados-Membros excluir pura e simplesmente a redução do valor tributável do IVA em caso de não pagamento. A referida faculdade de derrogação destina-se apenas a permitir a estes últimos remediar a incerteza ligada ao não pagamento de uma fatura ou ao caráter definitivo deste e não resolve a questão de saber se a redução do valor tributável pode não ser efetuada em caso de não pagamento [v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA – Redução do valor tributável), C-335/19, EU:C:2020:829, n.ºs 29 e 30 e jurisprudência referida].

 

Em face desta jurisprudência, pode concluir-se, como no acórdão arbitral de 11-01-2021, processo n.º 411/2020 (junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral) o seguinte:

- A possibilidade de derrogação a que se refere o n.º 2 do art.º 90.º da Directiva, se refere a situações de simples não pagamento, total ou parcial do preço, e não a situações que indicam, com um razoável grau de probabilidade, uma incobrabilidade definitiva;

 - O n.º 1 do mesmo artigo 90.º obriga os Estados-Membros à redução do valor tributável do IVA, no caso de se confirmar o não pagamento definitivo da totalidade ou parte do preço;

 - As derrogações ao art.º 90.º permitidas aos Estados-Membros, estão funcionalizadas a combater a incerteza quanto ao não pagamento de uma factura ou ao caráter definitivo deste;

 - Os Estados-Membros devem permitir a redução do valor tributável do IVA se o sujeito passivo provar que o crédito que detém sobre o seu devedor é definitivamente incobrável.

 

 

Pelo exposto, é errada a interpretação do artigo 90.º da Directiva n.º 2006/112/CE em que assentou a correcção relativa a créditos sobre sociedades dissolvidas, no sentido de que «no que diz respeito ao regime da regularização de créditos incobráveis, verifica-se que as alíneas do n.º 7 do artigo 78.º e do n.º 4 do artigo 78.º-A, ambos do Código do IVA, devem ser entendidas, no sentido de que, fora daquelas situações previstas, não têm suporte legal para a dedução dos créditos em causa por parte do sujeito passivo credor».

Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito nas partes em que têm como pressupostos créditos sobre sociedades dissolvidas.

Assim, tendo sido aquela interpretação o único motivo das correcções referidas, justifica-se a anulação das liquidações nas partes relativas aos créditos sobre sociedades dissolvidas, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, pois, num contencioso de anulação, como é o arbitral [artigo 2.º do RJAT e 124.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT ], «não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou» (acórdão de 28-10-2020, proferido no processo 02887/13.8BEPRT).

 

 

3.3. Questão das regularizações relativas a créditos sobre sociedades que cessaram actividade

 

A Requerente efectuou regularização de IVA no montante de €345.061,61 resultante de operações efetuadas a clientes sujeitos passivos de imposto com créditos vencidos anteriormente a 2013, cujo regime consta dos n.ºs 7 a 10 do artigo 78.º do Código do IVA, e também posteriormente a 2013, que são regulados pelas alíneas a) a c) do nº 4 do artigo 78.º-A do Código do IVA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções a estas regularizações, porque a Requerente não fez aos clientes cuja actividade tinha cessado a comunicação da anulação do imposto, de acordo com o n.º 11 do artigo 78.º e o n.º 9 do artigo 78.º-B do Código do IVA.

 

3.3.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira justificou no RIT o seu entendimento dizendo, em suma:

i) A cessação de atividade em IVA não determina a extinção da empresa, a qual só se verifica no momento do encerramento da liquidação que sucede à sua dissolução, o que significa que a sociedade mantém a personalidade jurídica e, nessa medida, está obrigada ao cumprimento das diferentes obrigações fiscais;

ii) A personalidade tributária, tal como definida no artigo 15º da LGT não é afetada pela cessação de atividade, devendo-se ao facto de a cessação de atividade não alterar a qualificação de uma entidade enquanto sujeito passivo, na aceção que lhe é dada pelo artigo 2.º do Código do IVA e pelo artigo 9.º da Diretiva 2006/112/CEE, qualificação necessariamente prévia à situação de sujeição a obrigações declarativas;

iii) A obrigação de comunicar ao adquirente do bem ou serviço, que [à data da operação] era um sujeito passivo do imposto, só se verifica para sujeitos passivos de imposto, pois só estes poderão proceder à retificação da dedução inicialmente efetuada.

 

A Requerente entende, em suma, o seguinte:

– no que concerne ao IVA regularizado pela A... relativo a créditos sobre clientes cessados, a comunicação ao adquirente (quando sujeito passivo) é exigida pelo legislador com o intuito de gerar no adquirente o compromisso de corrigir a eventual dedução efetuada, assim assegurando a neutralidade do IVA;

– esta formalidade não constitui uma formalidade ad substantiam em todo e qualquer caso, pois tem o objetivo de provocar uma atuação por parte do adquirente, no sentido de ser corrigida a dedução efectuada, o que, no caso de clientes cessados, não tem razão de ser, uma vez que estes clientes se encontram impedidos de efetuar qualquer regularização do IVA;

– a aplicação desta formalidade a sociedades cuja atividade se encontra já cessada é, para além de inútil, impraticável, uma vez que não é possível sequer possível ao credor provar que um devedor cuja atividade já não existe tomou conhecimento de uma obrigação fiscal relacionada com essa atividade;

– estamos perante um caso claro e elementar de incobrabilidade, dado que a sociedade devedora terminou a sua atividade, pelo que a mesma não se encontrará ainda a receber comunicações e a submeter declarações fiscais;

– de acordo com a jurisprudência do TJUE, os requisitos formais determinados no âmbito dos artigos 90.º, n.º 1 e 273.º da Diretiva IVA têm de limitar-se aos necessários para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude, não podendo prejudicar a neutralidade do IVA;

– desde que os requisitos substantivos para o exercício do direito à dedução estejam preenchidos, o mesmo deve ser concedido, não podendo ser negado pelos SIT com exclusivo fundamento no não cumprimento de determinadas formalidades;

– no presente caso, os pressupostos essenciais que determinavam que a A... pudesse proceder à regularização (dedução) do IVA em causa estavam inequivocamente verificados, o que aliás, não é posto em causa pelos SIT.

 

No presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida no RIT, dizendo ainda o seguinte, em suma:

– não estando os clientes cessados na data da fatura ocorreu presumivelmente dedução do imposto, pelo que subsiste risco de prejuízo para o Estado, na medida em que as empresas adquirentes ainda podem ter procedido à dedução do imposto, mas, à data da regularização, estavam impossibilitadas de proceder à devida regularização a favor do Estado, por se encontrarem cessadas em sede de IVA;

– não obstante, a obrigação de o devedor reduzir o montante de IVA dedutível não depende sequer da manutenção da sua qualidade de sujeito passivo, dado que o Estado pode exigir esse pagamento antes do processo de insolvência ou de liquidação por forma a evitar assim qualquer risco de perda financeira para o Estado (cf. acórdão do TJUE, de 15 de outubro de 2020, C-335/19, E. TVA – Réduction de la base d’imposition, n.º 41 e n.º 42);

– a situação de cessação de atividade para efeitos de IVA dos clientes, à data da regularização, não desvincula a Recorrente das obrigações, que se demonstrou serem indispensáveis, a que se encontra adstrita por força do previsto no n.º 11 do art.º 78.º e no n.º 9 do art.º 78.º-B do Código do IVA;

– a cessação de atividade em IVA não determina a extinção da empresa, a qual só se verifica no momento do encerramento da liquidação que sucede à sua dissolução, o que significa que a sociedade mantém a personalidade jurídica e, nessa medida, está obrigada ao cumprimento das diferentes obrigações fiscais;

– a personalidade tributária, tal como definida no art.º 15.º da LGT não é afetada pela cessação de atividade, devendo-se ao facto de a cessação de atividade não alterar a qualificação de uma entidade enquanto sujeito passivo, na aceção que lhe é dada pelo art.º 2.º do Código do IVA e pelo art.º 9.º da Diretiva IVA, qualificação necessariamente prévia à situação de sujeição a obrigações declarativas;

– a obrigação de comunicar ao adquirente do bem ou serviço, que [à data da operação] era um sujeito passivo do imposto, só se verifica para sujeitos passivos de imposto, pois só estes poderão proceder à retificação da dedução inicialmente efectuada;

– este requisito, que permite informar o devedor de que deve regularizar o valor do IVA que tenha eventualmente podido deduzir a montante, é suscetível de contribuir tanto para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude como para eliminar o risco de perda de receitas fiscais (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska, C 588/10, n.º 32 e 33).

 

 

3.3.2. Apreciação da questão das regularizações relativas a clientes cessados

 

O n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, aplicável aos créditos vencidos antes de 01-01-2013 (artigo 198.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), estabelece o seguinte:

 

11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.

 

O n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA, aplicável aos créditos vencidos a partir de 01-01-2013, estabelece o seguinte:

 

9 – No caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.

 

Em ambos os casos, prevê-se que a redução do valor tributável do IVA, em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto.

Esta comunicação constitui uma formalidade que tem em vista que o sujeito passivo adquirente, rectifique a dedução do montante de IVA que pôde efectuar.

 O TJUE pronunciou-se sobre a compatibilidade destas exigência de comunicação no acórdão de 06-12-2018, proferido no processo C‑672/17 Tratave, no sentido de que «o princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar».

Embora este acórdão tenha sido proferido relativamente a situações de insolvência do devedor, da sua fundamentação inferem-se os limites e condições em que tal regime pode ser considerado compatível com aqueles artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE.

Refere-se neste acórdão do TJUE o seguinte:

 

29  O artigo 90.º, n.º 1, desta diretiva, que visa os casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, obriga os Estados-Membros a reduzirem o valor tributável e, por conseguinte, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo, sempre que, depois de efetuada uma transação, este não receba uma parte ou a totalidade da contraprestação. Esta disposição constitui a expressão de um princípio fundamental da Diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contraprestação efetivamente recebida e que tem por corolário que a autoridade tributária não pode cobrar a título de IVA um montante superior ao montante que o sujeito passivo recebeu (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 26 e 27. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 22. e de 20 de dezembro de 2017, Boehringer Ingelheim Pharma,C-462/16, EU:C:2017:1006, n.º 32).

 

 30 No entanto, o artigo 90.º, n.º 2, da Diretiva IVA autoriza os Estados-Membros a derrogarem esta regra em caso de não pagamento total ou parcial do preço da operação (Acórdãos de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 23, e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing,C-404/16, EU:C:2017:759, n.º 27).

 

 31  Além disso, nos termos do artigo 273.º da Diretiva IVA, os Estados-Membros podem prever as obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, desde que, nomeadamente, essa faculdade não seja utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às previstas no capítulo 3 da mesma diretiva (Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 36).

 32  Dado que, fora dos limites por elas estabelecidos, as disposições do artigo 90.º, n.º 1, e do artigo 273.º da Diretiva IVA não especificam as condições nem as obrigações que os Estados-Membros podem prever, há que concluir que essas disposições conferem a estes uma margem de apreciação, nomeadamente, quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades tributárias, para efeitos de proceder a uma redução do valor tributável (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.º 23. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 37. e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing,C-404/16, EU:C:2017:759, n.º 42).

 

 33  Decorre, no entanto, da jurisprudência que as medidas adotadas para evitar fraudes ou evasões fiscais só podem, em princípio, derrogar as regras relativas ao valor tributável dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico. Com efeito, devem afetar o menos possível os objetivos e os princípios da Diretiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.º 28. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 38. e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing,C-404/16, EU:C:2017:759, n.º 43).

 

(...)

 

 35  No caso em apreço, um requisito como o que está em causa no processo principal, que sujeita a redução correspondente do valor tributável de um sujeito passivo, em caso de não pagamento, à comunicação prévia, por este, ao seu devedor, que seja sujeito passivo do imposto, da sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA, enquadra-se, simultaneamente, no artigo 90.º, n.º 1, e no artigo 273.º da Diretiva IVA (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 24 e 25).

 

 36  Quanto à observância dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, há que constatar que este requisito, que permite informar o devedor de que deve regularizar o valor do IVA que tenha eventualmente podido deduzir a montante, é suscetível de contribuir tanto para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude como para eliminar o risco de perda de receitas fiscais (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 32 e 33).

 

(...)

 

39 Além disso, uma vez que a satisfação do requisito em causa no processo principal permite ao sujeito passivo, fornecedor de bens ou serviços, recuperar a totalidade de IVA entregue em excesso à Autoridade Tributária a título de créditos não pagos, este requisito, em princípio, não põe em causa a neutralidade do IVA (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.º 37).

 

(...)

 

42 Atendendo ao conjunto de considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a redução do valor tributável do IVA, em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar. (negrito nosso)

 

Decorre os transcritos parágrafos 33, 36 e 42, que o TJUE considera que esta exigência de comunicação prévia é uma medida adoptada para evitar fraudes ou evasões fiscais  pelo que, em princípio, a derrogação das regras relativas ao valor tributável que da sua aplicação pode resultar só é admitida «dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico» (n.º 33), que, neste caso, é «informar o devedor de que deve regularizar o valor do IVA que tenha eventualmente podido deduzir a montante» (n.º 36), isto é, fornecer informação para que o «adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto», possa proceder à «retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar» (n.º 42).

Tanto o texto do n.º 11 do artigo 78.º como o do n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA restringem a aplicação do dever de comunicação aos casos de se estar perante um adquirente do bem ou serviço, «que seja sujeito passivo do imposto», o mesmo resultando do citado acórdão do TJUE.

Ora, isso não sucede nos casos do devedor que cessou actividade, como se refere no acórdão arbitral de 06-01-2017, proferido no processo n.º 317/2016-T ( [3] ):

Com efeito, a circunstância de uma empresa não estar extinta, de manter a sua personalidade jurídica, de ter um representante fiscal e de manter (algumas) obrigações declarativas, não significa que ela tenha actividade.

Pelo contrário, a apresentação de uma declaração de cessação de actividade por uma empresa, aceite pela AT, indica que a mesma deixou de exercer qualquer actividade.

Ora, conforme a citação do Prof. Xavier de Basto, feita pela própria Requerida no ponto 63 da sua resposta, “O “sujeito passivo”, na acepção da directiva, engloba pois aquelas pessoas que, por exercerem uma actividade económica, praticam, e, provavelmente com carácter continuado, operações tributáveis.” (sublinhado nosso).

Ora, como se referiu, a apresentação de uma declaração de cessação de actividade, devidamente aceite pela AT, indica que a pessoa em causa, cessou de exercer qualquer actividade económica, e deixou de praticar, justamente, operações tributáveis, não sendo, por isso, sujeito passivo, na acepção quer da Directiva IVA, quer do CIVA, não obstando a tal, manifestamente, quer não extinção da empresa, quer a manutenção da personalidade jurídica, quer a existência de um representante fiscal, quer a manutenção de (algumas) obrigações declarativas.

E, se é verdade, como afirma a AT, que o TJUE tem entendido que o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que tenha cessado uma actividade comercial mas continue a exercer alguma forma de actividade é considerada um sujeito passivo na acepção daquele artigo, o certo é que, no caso, aparte a declaração de cessação de actividade, e a sua aceitação pela AT, nada se apura mais, pelo que, se a AT, em ordem a fundar a correcção que operou, pretendia sustentar a obrigação da Requerente dar cumprimento ao disposto no artigo 78.º/11 do CIVA, deveria ter demonstrado que, não obstante a cessação de actividade para efeitos de IVA dos clientes da Requerente, estes continuavam a exercer algum tipo de actividade (como, por exemplo, pagar rendas ou outros encargos referentes ao local que serviu para o exercício da sua actividade).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a obrigação de comunicar ao adquirente do bem ou serviço se reporta a quem era sujeito passivo do imposto à data da operação, dizendo que «só estes poderão proceder à retificação da dedução inicialmente efectuada» e «que as empresas adquirentes ainda podem ter procedido à dedução do imposto, mas, à data da regularização, estavam impossibilitadas de proceder à devida regularização a favor do Estado, por se encontrarem cessadas em sede de IVA» [artigos 47.º e 52.º iii) da Resposta], mas esta argumentação, em vez de contrariar a tese da Requerente, antes a corrobora. Na verdade, nestes casos de regularização pelo fornecedor posterior à cessação de actividade do adquirente, este já não é sujeito passivo e, por isso, não poderá proceder à rectificação da dedução do montante de IVA que tivesse efectuado.

Sendo assim, não pode ser atingida a finalidade a que se destinava a comunicação, o que a torna uma formalidade inútil e, por isso, não permite entrevê-la «dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico» de «evitar fraudes ou evasões fiscais», que são aqueles em que podem ser admitidas derrogações às regras relativas ao valor tributável, à face do artigo 273.º da Directiva n.º 2006/112/CE e da referida jurisprudência do TJUE (designadamente o n.º 33 do acórdão de 06-12-2018, proferido no processo C‑672/17 Tratave).

Pelo exposto, é de concluir que as interpretações do n.º 11 do artigo 78.º e do n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA que se compaginam com o Direito da União e, por isso, têm de ser adoptada por força do princípio da sua primazia sobre o Direito Nacional que decorre do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, são no sentido de as obrigações de comunicação ali previstas não se aplicarem nos casos em que o adquirente dos bens ou prestação de serviços não é sujeito passivo de IVA, no momento em que o fornecedor procede à regularização.

Consequentemente, é errada, por incompatibilidade com o Direito da União, designadamente os artigos 90.° e 273.° da Diretiva IVA, a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao efectuar as correcções relativas a créditos da Requerente sobre empresas cuja actividade cessara.

Por isso, as liquidações enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, nas partes que têm subjacentes essas correcções, o que justifica a anulação das liquidações nas partes correspondentes.

 

 

3.4. Questão da regularização do IVA relativo a créditos sobre clientes isentos ou particulares

 

A Requerente efectuou, no ano de 2018, regularizações no montante de €27.165,81, relativas a operações efectuadas com clientes isentos ou particulares (não sujeitos passivos de imposto) respeitantes a créditos vencidos anteriormente a 2013.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção, não aceitando a regularização, por entender que «a A... não podia regularizar a seu favor o IVA destes créditos, uma vez tinham já decorrido 4 anos (prazo da caducidade) do momento em que a alínea a) do n.º 8 do artigo 78º do Código do IVA permitia a regularização do IVA a seu favor».

Refere ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária que, «sendo a data de vencimento de todos créditos objeto desta análise anterior a 2013, a questão temporal é determinante no direito à dedução, pois havendo o direito à regularização, o sujeito passivo pode exercer tal direito, no decurso de 4 anos após o nascimento do direito à dedução, tendo em conta o disposto no nº 2 do artigo 98º do Código do IVA».

A Requerente defende, em suma, que não é aplicável o n.º 8 do artigo 78.º do CIVA, por as regularizações relativas a clientes isentos ou não sujeitos passivos não terem sido baseadas na mora, mas sim em incobrabilidade, ao abrigo do n.º 7 do artigo 78.º, e que o prazo de quatro anos se conta a partir do momento em que esta ocorreu.

No presente a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a dizer sobre esta questão que «a Recorrente não podia regularizar a seu favor o IVA dos créditos resultantes de operações efetuadas com clientes isentos ou particulares, uma vez que tinha já decorrido o prazo limite de caducidade de quatro anos desde o momento em que a al. a) do n.º 8 do art.º 78.º do Código do IVA permitia a regularização do IVA a seu favor (correção de € 27.165,81)».

A Autoridade Tributária e Aduaneira nada disse sobre esta alegação da Requerente de que as regularizações aqui em causa se basearam em incobrabilidade e não em mora, o que justificou que se considerasse provada a afirmação da Requerente, pois seria fácil à Autoridade Tributária e Aduaneira contrariá-la, se não correspondesse à realidade, através do mero exame das declarações periódicas, onde se inclui um subcampo próprio para indicação das regularizações efectuadas ao abrigo do n.º 7 do artigo 78.º.

O artigo 78.º, n.ºs 7 e 8, do CIVA, nas redacções vigentes em 2018, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

 

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil;

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código;

c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º -F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

d) Nos termos previstos no Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), após celebração do acordo previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto.

 

8 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

 

a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;

 

O artigo 98.º, n.º 2, do CIVA estabelece o seguinte:

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.

 

 

Como resulta da matéria de facto fixada, as regularizações relativas a clientes da Requerente isentos ou não sujeitos passivos de IVA foram efectuadas com base em incobrabilidade, ao abrigo do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, e não com base em mora, ao abrigo do n.º 8 do mesmo artigo.

Por outro lado, baseando-se estas regularizações em incobrabilidade, o prazo de quatro anos para dedução do imposto, previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, conta-se do momento em que ocorreu a incobrabilidade, como esclareceu o TJUE no acórdão de 03-03-2021, processo n.º C-507/20, com o seguinte sumário:

 

O artigo 90.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com os princípios da neutralidade fiscal e da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado-Membro fixa um prazo de prescrição no termo do qual o sujeito passivo, que dispõe de um crédito que se tornou definitivamente incobrável, deixa de poder invocar o seu direito de obter uma redução da matéria coletável, esse prazo deve começar a correr não a partir da data do cumprimento da obrigação de pagamento inicialmente prevista, mas da data em que o crédito se tornou definitivamente incobrável.           

 

Assim, em face da primazia do Direito da União sobre o Direito Nacional, que decorre do n.º. 4 do artigo 8.º da CRP, tem de se entender que não ocorreu a caducidade do direito de efectuar estas regularizações com dedução do IVA.

Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, designadamente por violação do artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que justificam a sua anulação, nas partes correspondentes a esta correcção.

 

 

3.5. Juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas

 

As liquidações de juros compensatórios e as demonstrações de acerto de contas têm como pressuposto as respectivas liquidações de IVA (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.

 

 

3.6. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vícios que impedem a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas.

 

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

 

Em 30-08-2021, 07-10-2021 e 15-12-2021, a Requerente pagou as quantias de € 1.827.802,34, € 63,51 e € 89,56 (€ 58,11+€ 31,45) relativas às liquidações impugnadas, o que perfaz o montante global de € 1.827.955,41.

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

         De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

         Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

         O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso das quantias indevidamente pagas, no montante de € 1.827.955,41.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados com base nas quantias de cada um dos pagamentos e desde a respectiva data em que foi efectuado, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as seguintes liquidações:

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 03;

– de IVA n.º 2021..., referente ao mesmo período 2018 03;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 04;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 05;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 06;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 07;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 08;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 09;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 10;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 11;

– de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 12;

– de juros compensatórios n.º 2021..., referente à liquidação de IVA n.º 2021 ... relativa ao período 2018 01;

– de juros compensatórios n.º 2021..., referente à liquidação de IVA n.º 2021 ... relativa ao período 2018 02;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021 ...referente ao período 2018 04;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 05;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 06;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 07;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021 ...referente ao período 2018 08;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021 ..., referente ao período 2018 09;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 10;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 11;

– de juros compensatórios n.º 2021..., relativa à liquidação de IVA n.º 2021..., referente ao período 2018 12;

  1. Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 1.827.955,41;
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.904.851,06, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 25.092,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 07-12-2022

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)

 

 

 

(Francisco Carvalho Furtado)

 

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

[2](  ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: de 11-2-93, do Pleno, processo n.º 026389, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-10-95, página 103; de 4-11-93, processo n.º 031798, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 6007; e de 03-02-94, processo n.º 032325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 20-12-96, página 791.         

No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-1999, processo n.º 023720; e 19-12-2007, recurso n.º 0874/07.

[3] Cuja jurisprudência é seguida nos processos arbitrais n.ºs 65/2018-T e 605/2018-T.