Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 495/2022-T
Data da decisão: 2023-02-13  IRC  
Valor do pedido: € 16.830,00
Tema: IRC – OIC não Residentes – Retenções na Fonte – Discriminação e Violação da Livre Circulação de Capitais – Arts. 22.º, n.ºs 1 a 3 e 10 EBF e 63.º do TFUE.
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SUMÁRIO

  1. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
  2. A legislação portuguesa de IRC ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado Membro, ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17.03.2022.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais (presidente), Filipa Barros e Pedro Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 31-10-2022, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

A...., doravante “Requerente”, organismo de investimento coletivo (“OIC”), constituído de acordo com o direito luxemburguês e a operar nesse país, com o número de identificação fiscal português ..., com sede na Rue ... ...,  ..., Luxemburgo, representado por B..., com o número de identificação fiscal português ..., na qualidade de sociedade gestora, veio, em 23-08-2022, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer ao CAAD a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra os atos de liquidação de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativos aos dividendos distribuídos nos anos de 2019 e 2020, com vista à declaração de ilegalidade e anulação, com a consequente restituição do imposto pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

  1. A Requerente é um OICVM, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM.
  2. Foi constituída e operando ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, a Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OICVM.
  3. A Requerente é administrada pela sociedade B..., entidade também com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo.
  4. A Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo.
  5. Em Maio e Setembro de 2019, a Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 5.382.073,48, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte.
  6. Em Maio, Julho e Dezembro de 2020, a Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 2.821.730,27, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte.
  7. As retenções na fonte de IRC em causa foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ..., ..., ... e ..., pelo C..., pessoa coletiva titular do número de identificação fiscal em Portugal ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC.
  8. A Requerente, sustenta, que não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do presente pedido de revisão oficiosa, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo.
  9. E, não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 21 de Dezembro de 2021, apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC, referentes aos períodos de 2019 e 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 137.º do CIRC.
  10. No seu entender, os OICVM não residentes são objeto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs  1, 3 e 10, do EBF, é aplicável apenas aos OICVM residentes em  Portugal, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo  da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Directiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OICVM não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Directiva 2009/65/CE acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.
  11. Defende que inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório decorrente da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pela Requerente em 2019 e 2020, conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
  12. Conclui, que as liquidações de IRC por retenção na fonte, enfermam do vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a respetiva anulação, com a consequente restituição do imposto indevidamente retido na fonte, no montante total de EUR 1.230.570,50, ao abrigo do artigo 100.º da LGT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 23-08-2022, e automaticamente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 12-10-2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 31-10-2022, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, com defesa por impugnação, em 06-12-2022, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. A Requerente descreve o regime fiscal dos organismos de investimento coletivo, que se constituem e operam de acordo com a legislação nacional, recorrendo para o efeito, aos normativos do Código do IRC e artigo 22.º do EBF; porém, existem dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo;
  2. Um, tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.
  3. Com efeito, foi aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos. Ora, a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
  4. O outro prende-se justamente com a tributação incidente sobre os dividendos, porquanto, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cf. n.º 10 do artigo 22.º do EBF).
  5. Sustenta que a Requerente nada adianta sobre a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, prevista no n.º 8 do artigo 22.º do EBF, que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º
  6. Por conseguinte, os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano.
  7. Mais sustenta que os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos.
  8. Defende a Requerida que, do alegado pela Requerente é possível concluir que os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos em Luxemburgo, não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que, aparentemente, os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos.
  9. Defende que um OIC constituído e estabelecido em Portugal, embora isento de retenção na fonte, está sujeito a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, esses rendimentos, quando forem parte integrante do valor líquido global do OIC, em cada trimestre, ainda sofrem a incidência do Imposto do Selo. E que os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um Fundo de Investimento constituído ao abrigo da legislação de Luxemburgo, apenas foi objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT).
  10. Mais defende, que contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
  11. Alega, que o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e o Luxemburgo, devendo ser mantida na ordem jurídica.
  12. Sobre o pedido de juros indemnizatórios, entende a Requerida, que os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT. E devendo apenas considerar-se para efeitos de eventual contagem de juros a partir data que se considera o indeferimento da revisão oficiosa.
  13. Conclui pela improcedência por não provado do presente pedido de pronúncia arbitral, e, consequentemente, absolvida a entidade Requerida, tudo com as devidas e legais consequências.

Por despacho de 11.01.2023, foram as partes notificadas da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.

 

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IRC, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da data da presunção do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários impugnados.

É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e anos tendo em conta que estão em discussão as mesmas circunstâncias de facto (distribuição de dividendos de fonte portuguesa a OIC não residente) e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, conforme previsto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. A Requerente é um organismo de investimento coletivo, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009. Cf. documentos n.os 2, 3 e 4 do PPA.
  2. A Requerente é administrada pela sociedade B..., com o número de identificação fiscal português ..., entidade com residência no grão-ducado do Luxemburgo. Cf. documentos n.o 4 do PPA.
  3. Em Maio e Setembro de 2019, a Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, tendo recebido na qualidade de acionista dividendos no montante total de € 5.382.073,48, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, à taxa de 15%, resultando no imposto (IRC) pago de € 807.311,03, conforme resulta detalhado no quadro seguinte, cf. doc. 6 do PPA.

 

  1. Em Maio, Julho e Dezembro de 2020, a Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, tendo recebido na qualidade de acionista dividendos no montante total de € 2.821.730,27, sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, à taxa de 15%, resultando no imposto (IRC) pago de € 423.259,51, conforme resulta detalhado no quadro seguinte, cf. doc. 6 do PPA.

 

 

 

 

  1. As retenções na fonte de IRC em causa foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n. os ..., ..., ..., ...e..., pelo C..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC. – cfr. documento n.º 5 da PPA.
  2. A Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do presente pedido de revisão oficiosa, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo – Cf. documento n.º 6 PPA.
  3. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 21 de Dezembro de 2021, apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes aos períodos de 2019 e 2020, abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 137.º do CIRC – cf. Documento n.º 1 da PPA.
  4. O referido procedimento de revisão oficiosa encontra-se pendente junto da Administração Tributária, correndo os seus termos sob o n.º ...2021... .
  5. Decorridos quatro meses sobre a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, dia 21 de Dezembro de 2021, a ora Requerente não foi notificada pela Administração Tributária de decisão final em sede do respetivo procedimento, verificando-se assim uma situação de indeferimento tácito, em 22 de Abril de 2022. cf. Documento n.º 1 da PPA.
  6. A Requerente apresentou no CAAD, em 23 de Agosto de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem à presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

§3.2. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis dentro das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

  1. Matéria de Direito

§4.1. Retenção na Fonte de IRC aos OIC não Residentes – Violação da Liberdade de Circulação de Capitais – Artigo 63.º do TFUE

No presente processo cabe apreciar a ilegalidade invocada pela Requerente resultante da alegada incompatibilidade do regime português de tributação de dividendos em sede de IRC, auferidos por OIC, com o princípio de livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE.

Em concreto, cabe apreciar se os OIC não residentes são objeto de uma discriminação que impõe um tratamento menos favorável relativamente ao concedido aos OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

Para o efeito, vejamos o que dispõem a lei vigente à data dos factos para os OIC residentes e não residentes, ainda que de forma sucinta e limitada ao necessário à presente decisão.

Quanto aos OIC residentes, a tributação dos dividendos por si auferidos era essencialmente conformada pelo disposto no artigo 22.º do EBF na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro. Para o que aqui importa, dispunha-se o seguinte no referido artigo:

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

(…)

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

(…)

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.”.

Face ao regime legal exposto, resultava do regime previsto no artigo 22.º do EBF que os dividendos auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional não eram considerados como rendimento para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, prevendo-se a exclusão de retenção na fonte daquele imposto.

Por conseguinte, os OIC residentes continuavam sujeitos às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do código do IRC, conforme previsto no n.º 8, do artigo 22.º do EBF.

Assim, da leitura do disposto legal acabado de citar, a exclusão de tributação em sede de IRC dos dividendos auferidos por OIC apenas se aplicava àqueles que fossem constituídos e operassem de acordo com a legislação nacional.

Já os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC não residentes, como se verifica in casu, eram sujeitos a tributação em sede de IRC através de retenção na fonte à taxa liberatória de 25%, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 2, do artigo 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), e n.º 5, e do artigo 87.º, n.º 4, todos do código do IRC.

No presente caso, a taxa de 25% podia ser objeto de limitação ao abrigo da CDT celebrada entre Portugal e o Luxemburgo que fixa em 15% a taxa aplicável aos dividendos, sendo que o montante efetivo de tributação suportado não podia beneficiar de crédito de imposto no Estado da residência do Luxemburgo.

Face ao exposto, cumpre então aferir se assiste razão à Requerente quando alega a existência de uma discriminação violadora do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE.

A questão de direito a decidir respeita assim à compatibilidade com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OIC constituídos noutro Estado-Membro, no caso na Luxemburgo, com observância dos requisitos da Diretiva 2009/65/CE.

Esta questão jurídica foi objeto de pronúncia recente pelo Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de março de 2022, no processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, suscitada pelo Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), sob aplicação do mesmo enquadramento legislativo.

Uma vez que “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, em conformidade com o disposto no n.º 3, do artigo 8.º do Código Civil, e tendo em conta que a jurisprudência do TJUE quanto à interpretação do Direito da União tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, enquanto corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, cabe tomar em consideração as considerações do TJUE que versaram questão idêntica à dos presentes autos, designadamente ao acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN, proferido no processo C‑545/19, em 17 de Março de 2022.

Nesse processo de reenvio estava em causa um OIC constituído ao abrigo da legislação alemã, de acordo com os requisitos da Diretiva 2009/65/CE, que estava isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas na Alemanha o que o impedia de recuperar o imposto suportado (por retenção na fonte) em Portugal, sobre os dividendos recebidos de fonte portuguesa, sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional ou de formular um pedido de reembolso desse imposto, fosse ao abrigo da Convenção ou da legislação doméstica alemã.

A Requerente, OIC, era estabelecida noutro Estado Membro da União Europeia (in casu, Luxemburgo), verifica-se, assim, o total paralelismo com a situação a apreciação, o que justifica a aplicação da conclusão interpretativa alcançada pelo Tribunal de Justiça no processo assinalado, no sentido de que o artigo 63.° do TFUE se opõe a uma legislação de um Estado-Membro [como a portuguesa], por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção (no mesmo sentido, veja-se igualmente as decisões do CAAD n.º 129/2022-T, n.º 128/2022-T, n.º 821/2021-T, n.º 817/2021-T, n.º 816/2021-T,  nº 746/2021-T, nº 593/2021-Tn.º 382/2021-T).

Neste âmbito, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça, a questão é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais constante do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE que proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – v. pontos 33 e 36 do acórdão no processo C-545/19.

Mais refere:

“37      No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

Por conseguinte, com plena aplicabilidade à situação em análise, é indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata de modo desfavorável os OIC não residentes face aos OIC residentes, em relação à tributação sobre o rendimento, sob a forma de retenção na fonte, dos dividendos recebidos de sociedades estabelecidas em Portugal [v. o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF conjugado com os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4 do Código do IRC].

A discriminação, enunciada pelo Tribunal de Justiça, é desconforme ao direito da União Europeia exceto se, de duas uma: i) respeitar a situações que não sejam objetivamente comparáveis; ou (ii) for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

Vejamos sobre estes dois motivos de exclusão, na parte relevante, o aludido acórdão  para a matéria em discussão dos autos [C-545/19], que se transcreve:

“ Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).

64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).

65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73        Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

Do exposto, resulta da apreciação do Acórdão do Tribunal de Justiça que o tratamento diferenciado pela legislação portuguesa não é admissível, por se verificar, por um lado, a comparabilidade dos OIC residentes e não residentes (constituídos num Estado-Membro da União Europeia), não ocorrendo, por outro lado, uma razão imperiosa de interesse geral que o justifique.

Existem várias decisões proferidas sobre idêntica questão, enunciamos a decisão arbitral proferida no processo n.º 99/2019-T, de 22 de julho, onde se decidiu que o Tribunal de Justiça ponderou “(i) quer o facto de os OICs Residentes serem alvo de uma diferente modalidade de tributação/de técnicas de tributação diferentes (a saber, em IS e em TAs), (ii) quer o facto de o regime tributário em questão ter sido concebido numa lógica de tributação à saída e o de, assim, os dividendos serem tributados na esfera dos Participantes”.

A decisão proferida no processo arbitral n.º 370/2021-T:

Por outro lado, o Estado português não compensa aos titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros residentes em território português ao imposto português retido a estes em Portugal, o que é suficiente para que se considere a tributação desses residentes não estar salvaguardada pela doutrina do Acórdão [do Tribunal de Justiça] C-282/07.

Segundo o nº 23 daquele Acórdão, a possibilidade de reservar a isenção da retenção na fonte aos OICVMs residentes, como fez o legislador nacional, não pode ir além do necessário para garantir a coerência do regime fiscal em causa, o que deve ser determinado caso a caso, o que não acontece no presente caso: a coerência do sistema fiscal não justifica a abdicação pelo Estado português do poder de tributação dos não residentes titulares de unidades de participação em OICVMs nacionais, nem o não reconhecimento aos residentes titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros de crédito do imposto retido em Portugal .

Tendo o legislador optado por isentar os rendimentos redistribuídos por OICVMs nacionais a não residentes, a retenção aos OICVMs estrangeiros mas que respeitem as exigências impostas pela lei nacional aos OICVMs violaria o princípio da equivalência de tratamento, já que a sua única justificação seria a garantia da cobrança de um imposto à qual, em situações equiparadas, renunciou.

Com efeito, de acordo com o nº 28 do Acórdão do TJUE C-338/11 a 347/11[3], apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela regulamentação nacional da tributação dos OICVMs devem ser tidos em conta para efeitos de apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situações objetiva.

Quando um Estado-Membro escolha exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICVMs beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações dos OICMVs seria desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação: a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório ou não da referida regulamentação deve ser realizada apenas ao nível do veículo de investimento, o OICVM, e não ao nível do investidor.”

Retomando os autos, tendo por base a jurisprudência do TJUE constante do acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN, proferido no processo C‑545/19, em 17 de Março de 2022, cujo teor foi transcrito de forma extensa, e tendo em conta a similitude da matéria de facto e de direito dos presentes autos com aquele processo, considera‑se que à data dos factos a legislação interna aplicável à tributação de dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC implicava uma restrição ao princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, na medida em que impunha um tratamento menos favorável aos OIC não residentes sem que existisse para o efeito um motivo válido e legítimo que justificasse essa diferença de tratamento.

Para concluir, a interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele. (neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11- 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593)

Termos em que se decide pela procedência do pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, com a consequente restituição do imposto pago (v. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e artigo 100.º da LGT, este ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

 

§4.2. Dos Juros indemnizatórios e da restituição do imposto indevidamente pago

A Requerente peticiona juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT computados desde o dia em que se formou a presunção de indeferimento tácito, nesse sentido cumpre então aferir se a Requerente tem ou não direito a juros indemnizatórios.

Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, posição que tem sido acolhida pela jurisprudência.

Retomando o disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.º 3 do CPPT, são devidos quando se verifique a condição de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Para tanto, propugna o entendimento de que o facto de a retenção ter sido realizada por uma entidade privada não obsta a que a mesma não esteja a exercer um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do Código do IRC, pelo que o erro na liquidação terá de ser necessariamente “imputável aos serviços”.

Quanto à aplicação da alínea d), do n.º 2, do artigo 43.º da LGT, entendeu-se no acórdão arbitral proferido em 10 de Novembro de 2021, no âmbito do processo tramitado no CAAD com o número 189/2021-T, o seguinte:

Ao referir como fundamento do direito a juros indemnizatórios decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, o legislador da Lei nº 9/2019, reportou-se diretamente ao mecanismo de fiscalização abstrata da inconstitucionalidade ou ilegalidade regulado no art. 281º da CRP e não à recusa de aplicação em casos concretos por qualquer tribunal de normas legislativas ou regulamentares com fundamento na sua ilegalidade ou inconstitucionalidade que, aliás, está sempre sujeita ao controlo do Tribunal Constitucional., nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 280º da CRP.

Ora, como se referiu, a incompatibilidade de norma de direito nacional com norma de direito internacional, incluindo o TFUE e o próprio direito derivado da União Europeia, vinculativa do Estado português, não está sujeita à fiscalização abstrata do TC, sendo apenas a recusa da sua aplicação pelos tribunais nacionais – e não a sua aplicação por estes- passível de recurso para o TC.

Tal Lei nº 9/2019, como explica o referido Acórdão do STA de 23/10/2019, segue-se à prolação do Acórdão n.º 848/2017, do Tribunal Constitucional, de 13/12/2017 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do Regulamento Geral de Taxas, Preços e Outras Receitas do Município de Lisboa, ao abrigo das quais foram efetuadas as liquidações impugnadas, por violação do disposto no n.º 2 do art.º 103.° e na alínea i) do n.º 1  do art.º 165º, da CRP, bem como do nº 1 do art.º 43.º da LGT.

Tal possibilidade de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral não é aplicável, porque o não prevê, o nº 1 do art.º 281º da CRP, às normas de direito nacional incompatíveis com o TFUE e o direito derivado, apenas passíveis da fiscalização concreta, em caso de recusa da sua aplicação, prevista na alínea i) do nº 1 do art.º 70º da LOTC.

As referidas decisões do CAAD, da autoria de tribunais arbitrais e não de tribunais judiciais, não têm caráter geral e o respetivo caso julgado limita‑se ao processo em que foram proferidas, não podendo ser consideradas para efeitos do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do nº 3 do art.º 43º da LGT. Do mesmo modo, o Acórdão do TJUE no proc. C-169/2020 limita-se à verificação do incumprimento pelo Estado português das obrigações previstas no art.º 110º do TFUE, não contendo qualquer declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade do art.º 217º da Lei nº 42/2016, reservada aos tribunais nacionais”.

Em todo o caso, a verdade é que tal como se referiu no acórdão arbitral proferido em 28 de Março de 2022, no âmbito do processo tramitado no CAAD com o número 625/2020-T:

(…) há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:

– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa  mesma liquidação» ( [1] );

    – «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» ( [2] );

– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária» ( [3] ).

– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» ( [4] )”.

Portanto, o facto de a ilegalidade decorrer da violação do Direito da União Europeia não obsta a que se considere verificado um erro que confira o direito a juros indemnizatórios, bastando para o efeito que tal erro seja imputável aos serviços. No presente caso o IRC contestado pela Requerente foi apurado e liquidado através do mecanismo da retenção na fonte, não tendo existido em tal operação uma intervenção direta da AT. Sem prejuízo de lhe ser imputável à AT, tal como entendeu o STA no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18 de Janeiro de 2017, que se transcreve na parte relevante :

 “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.

Por conseguinte, uma vez que nos presentes autos o imposto retido na fonte foi objeto de pedido de revisão oficiosa por parte da Requerente, tacitamente indeferido, verifica-se que a partir dessa data de indeferimento o erro que inquinou as liquidações contestadas passou a ser imputável à AT, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, contados a partir da data do indeferimento tácito.

Aplicando a jurisprudência citada aos presentes autos, julga-se que são devidos juros indemnizatórios à Requerente desde 22 de Abril de 2022, data da formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, e até ao integral e efetivo reembolso do imposto pago em excesso, calculados à taxa legal supletiva, nos termos conjugados dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, devendo o concreto montante de juros devidos ser apurado em sede de execução do presente acórdão.

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros, neste Tribunal Arbitral, em:

  1. Anular as liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, referentes a 2019 e 2020, no valor de € 1.230.570,54;
  2. Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT.

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 1.230.570,54, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações de IRC cuja anulação constitui o objeto desta ação.

 

  1. Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 16.830,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

13 de fevereiro de 2023

 

Os Árbitros,

 

 

Prof. Doutor Rui Duarte Morais

 

 

Filipa Barros

 

 

Pedro Guerra Alves, Relator