Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 175/2013-T
Data da decisão: 2014-01-16  IRC IVA  
Valor do pedido: € 119.145,10
Tema: IVA/IRC - Incompetência material do Tribunal Arbitral relativamente à anulação das liquidações adicionais resultantes da aplicação de métodos indiretos
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I – RELATÓRIO

 

1.      A..., Lda, (Requerente), contribuinte fiscal n.º ..., com sede na Av. …, apresentou em 19 de julho de 2013 um pedido de constituição de Tribunal Arbitral para obtenção de pronúncia arbitral, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 2.º, n.º 2 do artigo 3.º  e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante designado “RJAT”) previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 janeiro, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT). O referido pedido de pronúncia arbitral visa a anulação das liquidações adicionais mensais de IVA resultantes da aplicação de métodos indiretos ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), e do artigo 90.º do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), quanto ao IVA em falta relativo aos exercícios de 2008 e 2009 nos montantes respetivamente de € 35.225,11 e € 10.107,99, cujos documentos de cobrança se encontram descriminados no pedido de pronúncia arbitral e anexos ao mesmo, às quais acrescem juros compensatórios referentes aos exercícios fiscais de 2008 e 2009 das liquidações acima mencionadas, e cujos documentos de cobrança se encontram igualmente descriminados no pedido de pronúncia arbitral e anexos ao mesmo nos montantes de € 5.877,64 e € 1.231,15. Também no pedido de pronúncia arbitral se pretende anular as liquidações adicionais referentes a IRC, juros compensatórios e juros de mora relativos aos exercícios fiscais de 2008 e 2009, respetivamente, no montante de € 51.905,20 e € 14.798,05 correspondentes à fixação de um lucro tributável relativo aos anos fiscais supra mencionados de, respetivamente, € 201.427,22 e € 68.366,94, resultantes da aplicação de métodos indiretos ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), e do artigo 52.º (atual artigo 57.º) do Código de Imposto sobre as Pessoas Coletivas (CIRC). O total das liquidações adicionais impugnadas para efeitos de IVA e IRC e respetivos juros compensatórios e de mora ascende a € 119.145,14[1].

2.      A Requerente fundamenta o seu pedido, alegando em síntese, o seguinte:

2.1.No pedido de pronúncia arbitral (petição inicial) a Requerente para além de reafirmar a sua não concordância com a aplicação dos métodos indiretos ao abrigo do artigo 52.º (atual artigo 57.º) do CIRC e alínea b) artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º, ambos da LGT pelos motivos detalhados no ponto II do Relatório da Inspeção, vem contestar a forma e a metodologia usada pela AT na determinação da matéria tributável em IVA e determinação da matéria coletável em IRC.

2.2.Não concorda com a forma e metodologia usada em sede de avaliação indireta por parte da AT, uma vez que esta, a AT, para determinar a matéria tributável para efeitos de IVA e a matéria coletável para efeitos de IRC usou o rácio da média nacional da margem bruta sobre o preço de venda tendo em conta o CAE (Código da Atividade Económica) da A.... Ora, mesmo nos casos em que se utilizam presunções, como é o caso da avaliação indireta através da aplicação de métodos indiretos, as mesmas (presunções) deverão aproximar-se o mais possível da realidade de mercado onde o contribuinte exerce a sua atividade por respeito ao princípio constitucional da tributação pelo lucro real. Assim, decorrente deste princípio, mesmo fazendo-se uso do mesmo critério usado pela AT – margem bruta sobre o preço de venda - haveria que se apurar o referido rácio (margem bruta sobre o preço de venda) a partir das vendas da empresa, o que implicaria a adoção de uma amostra representativa das vendas da mesma, o que não foi feito pela AT em sede de inspeção.

2.3.Embora inicialmente em sede de Comissão de Revisão de determinação das matérias tributável e coletável para efeitos, respetivamente, de IVA e IRC, a Técnica da AT tivesse aceitado a utilização da técnica da amostragem proposta pela Requerente, tendo para esse efeito a Requerente apresentado uma amostra de documentos de Vendas para 2008 e 2009 a partir da qual se apuraram margens diferentes daquelas que foram adotadas pela AT para efeitos de determinação da matéria tributável para efeitos de IVA e coletável para efeitos de IRC, posteriormente, em sede Comissão de Revisão, não foi aceite a amostra proposta pela Requerente por parte da Técnica da AT. As razões para a não aceitação da amostra proposta pela Requerente por parte da Técnica da AT constam do artigo 19.º do pedido de pronúncia arbitral com a respetiva contestação por parte da Requerente, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.

2.4.Alternativamente, a Requerente entende que a persistir a opção por parte da AT pela utilização do rácio da média da margem bruta sobre o preço de venda, deveria ser utilizada não a média nacional mas sim a Média da Margem “regional” (Unidade Orgânica de …) dos rácios da AT ao CMVC (Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas) apurando-se assim valores bastantes mais baixos para efeitos de matéria tributável em IVA e matéria coletável em IRC (artigo 27.º do pedido de pronúncia) que os apurados pelos Serviços de Inspeção.

2.5.Também em termos de metodologia usada pela AT para efeitos de aplicação dos métodos indiretos, é questionada a não utilização doutro indicador (mais corretamente doutra medida estatística de localização de partição[2]), como os quartis, em vez da média (medida estatística de localização de tendência central[3]), assim como a não fundamentação para a utilização da média nacional da margem bruta sobre as vendas. Utilizando-se a amostra das vendas selecionadas para efeitos de Comissão de Revisão ao abrigo do artigo 91.º da LGT que a da AT não aceitou, constata-se que a margem bruta das vendas apurada se situa mais próximo do 1.º quartil de base regional do que a média regional (artigo 33.º do pedido de pronúncia arbitral). Assim, caso se utilizasse a informação em termos de rácios disponível pela AT, deveria utilizar-se as margens brutas sobre as vendas de base regional situadas no 1.º quartil dando origem ao apuramento de matéria tributável para efeitos de IVA e matéria coletável para efeitos de IRC diferentes daqueles que foram utilizados pelos Serviços de Inspeção (artigo 36.º do pedido de pronúncia arbitral).   

2.6.Considera que, relativamente a situações em que não há justificação a nível da contabilidade para a saída de produtos a adoção do critério de correções técnicas em sede de avaliação direta ao invés da aplicação de métodos indiretos, seria o mais adequado.

2.7.Conclui pedindo que:

2.7.1.      Apesar de não concordar com a aplicação de métodos indiretos, a utilizar-se os métodos indiretos então que se utilize como critério o rácio da margem bruta sobre o preço de venda e não a média de âmbito nacional da margem bruta sobre o preço de venda, como fez a AT, mas o resultante da amostra às vendas da empresa, por espelhar melhor a realidade da empresa em termos de mercado, corrigindo-se em conformidade por diferença as liquidações adicionais efetuadas e respetivos juros compensatórios e de mora; ou

2.7.2.      A utilizarem-se os rácios existentes no cadastro da AT, que se utilize o 1.º quartil dos indicadores ”regionais” ou da Unidade Orgânica de …, corrigindo-se em conformidade por diferença as liquidações adicionais efetuadas e respetivos juros compensatórios e de mora; ou

2.7.3.       A utilizarem-se os rácios existentes no cadastro da AT, que se utilize não a média do rácio da margem bruta sobre as vendas de âmbito nacional mas sim de âmbito regional, isto é, o referente à Unidade Orgânica de … corrigindo-se em conformidade por diferença as liquidações adicionais efetuadas e respetivos juros compensatórios e de mora.

3.      A Requerente optou por não designar árbitro. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 22 de julho de 2013.

4.      Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico da CAAD, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros o Juiz Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, como Presidente, a Dra. Conceição Pinto Rosa e o Dr. Júlio César Nunes Tormenta, como Vogais, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

5.      O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 30 de setembro de 2013, em conformidade com a alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias. O processo não enferma de nulidades.

6.      A Requerida apresentou Resposta na qual:

6.1.deduz defesa por exceção fundada na incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria. Para tanto, invoca o disposto na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (“Portaria de Vinculação “), segundo a qual é subtraída à jurisdição arbitral “pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por método indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”;

6.2.adicionalmente, para fundamentar a sua posição invoca jurisprudência firmada em sede arbitral através do Processo Arbitral n.º 17/2012-T em que a exceção invocada foi caracterizada como de incompetência material do Tribunal Arbitral. Por outro lado, invoca igualmente em sede de jurisprudência arbitral o Processo Arbitral n.º 70/2012-T, que decidiu para a exceção invocada na presente lide, que a mesma assumia a forma de “exceção dilatória inominada de falta de vinculação da ATA” e não de incompetência material como defendido no Processo Arbitral 17/2012-T, conduzindo à mesma consequência jurídica do ponto de vista processual: a absolvição da instância arbitral da Requerida. Em termos de doutrina, são igualmente invocados os comentários do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ao RJAT publicados no “Guia da Arbitragem Tributária” onde nas fls. 138 e 139, se reforça a ideia que embora ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 2.º do RJAT caiba na competência dos Tribunais Arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável e determinação da matéria coletável em que foram utilizados métodos indiretos, a AT através da alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março se exclui da vinculação à jurisdição arbitral no que toca a pretensões relativas a atos de determinação da matéria tributável e atos de determinação da matéria coletável, ambos por métodos indiretos incluindo a decisão do procedimento de revisão. Assim, conclui que quer se defenda que se está perante uma exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral ou de uma exceção dilatória inominada por falta de vinculação da AT, a consequência processual será sempre a mesma, isto é, absolvição da instância da Requerida.

6.3.A título subsidiário, e por impugnação, sustenta que não tem fundamento o alegado erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, conforme a Requerente defende, devido às graves deficiências evidenciadas na contabilidade da Requerente, cfr. artigo 36.º da Resposta. Das mesmas, decorre a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável em sede de IVA e IRC, contemporânea com a inspeção realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária, tendo como consequência a cessação da presunção de veracidade das declarações fiscais apresentadas pela Requerente em sede de IVA e IRC que gozavam antes da inspeção, e, como tal a necessidade de avaliação indireta com base em indícios, presunções ou outros elementos que a AT disponha, conforme o disposto respetivamente nas alíneas a) e c) do n.º2 do artigo 75.º e n.º1 do artigo 90.º, ambos da LGT.

6.4.As deficiências da contabilidade da Requerente subsumem-se às indicadas na alínea b) do n.º1 do artigo 87.º e alínea b) do artigo 88.º, ambos da LGT, traduzindo-se as mesmas na impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC, dando origem à aplicação de métodos indiretos ao abrigo do disposto no ex-artigo 52.º do CIRC (atual artigo 57.º do CIRC) e artigo 90.º do CIVA, alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º da LGT, tendo ficado provado, quer em sede de inspeção quer mais tarde em sede de Revisão da Matéria Tributável ao abrigo do artigo 91.º da LGT, estarem reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos.

6.5.De igual modo, a Requerida impugna o eventual erro na quantificação da matéria coletável, uma vez que a Requerente não provou quer em sede de inspeção quer em sede de Revisão da Matéria Tributável, o excesso de quantificação da matéria tributável nem a não verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indiretos, ónus que impendia sobre aquela (Requerente) devido ao regime do ónus da prova plasmado no número 3 do artigo 74.º da LGT.

6.6.Quanto ao critério utilizado para a avaliação indireta- rácio nacional da margem bruta sobre as vendas de mercadorias do setor de atividade onde o sujeito passivo se encontra inscrito (CAE 47410), o qual se situa em 16,87% (para 2008) e 14,79% (para 2009) – o mesmo se justifica uma vez que a Requerente efetua vendas para todo o território nacional e não especificamente para uma determinada região.

6.7.Da factualidade carreada para os autos, a Requerida pugna pela procedência da exceção dilatória invocada e absolvição de instância e subsidiariamente, pela improcedência da ação por não se ter provado que não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos nem o excesso de quantificação de matéria tributável.

6.8.A Requerida apresentou como testemunha B…, Inspetora Tributária, com domicílio profissional na Direção de Finanças de ….    

7.        No dia 15 de novembro de 2013, pelas 10h:30m, teve lugar na sede do CAAD – Centro de Arbitragem Tributária – na Av. Duque de Loulé, n.º 72 – A, em Lisboa, a reunião de árbitros e dos mandatários das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT.

8.        Na reunião de 15 de novembro de 2013 ao abrigo do artigo 18.º do RJAT o Senhor Árbitro Presidente deu a palavra aos mandatários da Requerente e Requerida para que se pronunciassem sobre: tramitação processual; necessidade de serem feitas correções nas peças processuais apresentadas e necessidade de marcação de uma nova reunião para a realização de alegações orais. Depois de ouvidas as partes e após breve exposição destas, o Tribunal Arbitral declarou que relativamente à exceção invocada pela Requerida, tomará conhecimento da mesma na decisão final. O mandatário da Requerida declarou prescindir da inquirição da testemunha arrolada na sua Resposta. Tanto a Requerente como a Requerida prescindiram da apresentação das alegações orais, apresentando por acordo, as respetivas alegações por escrito no prazo de 15 dias.

9.        A Requerente em sede de alegações finais no seu ponto I veio reafirmar a sua não concordância com a liquidação de IRC e IVA dos anos de 2008 e 2009 contestando a forma e metodologia usada na determinação da base coletável e da matéria tributável com base em fundamentos semelhantes aos apresentados no pedido de pronúncia arbitral. Relativamente à exceção apresentada pela AT fundamentada na conjugação do n.º1 do artigo 2.º com o n.º1do artigo 4.º, ambos do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março, chega à conclusão que da previsão legal do n.º1 do artigo 4.º do RJAT se deduz que a referida norma atribui a vinculação por Portaria do “tipo e valor máximo dos litígios” e não sobre a delimitação e competência dos Tribunais Arbitrais. O âmbito material da Portaria, ainda segundo a Requerente, diz respeito ao valor máximo dos diferentes tipos de litígio imputável à jurisdição arbitral e não à redefinição do perímetro de competência da referida jurisdição a qual está prevista no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/ 2011 de 20 de janeiro (diploma legal que instituiu o RJAT em Portugal com base na Autorização Legislativa plasmada na Lei 3-B/2010 de 28 de abril). Mais refere que os comentários do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no “Guia da Arbitragem Tributária” fls. 138 e139 reforçam a ideia que os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciação da matéria controvertida. Conclui relativamente à questão do âmbito material da Portaria de Vinculação e com importância para a lide, que importa saber se a mesma (Portaria) é legal ao excluir da jurisdição arbitral todas as situações que tenham como objeto a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável e determinação da matéria coletável em que foram utilizados métodos indiretos.

10.    A Requerente volta a defender que não ficou provada a impossibilidade de determinação da matéria coletável por métodos diretos, no caso de terem sido detetados eventuais erros técnicos, tendo sim, faltado por parte da AT a adoção de normas e procedimentos de auditoria convenientes com vista ao apuramento da matéria tributável. O objeto do litígio tem a ver com a forma e método de determinação dos valores presumidos que deram origem às liquidações adicionais em sede de IRC e IVA relativamente a 2008 e 2009 e que os mesmos em obediência ao princípio constitucional de tributação pelo lucro real deverão ter o máximo de aderência à realidade do mercado onde a A... atua. Assim, a A... apresentou elementos e provas em sede de inspeção, demonstrando o irrealismo das presunções assumidas pela AT que estiveram na base das liquidações adicionais de IRC e IVA relativas ao exercício de 2008 e 2009 impugnadas em sede arbitral, mas, que não tiveram acolhimento por parte da AT. Também em sede de Resposta por parte da AT, a mesma não conseguiu provar que o trabalho levado a cabo pelos Serviços de Inspeção foi suficiente para se poder retirar conclusões que fundamentassem a aplicação de métodos indiretos nem que a forma e a metodologia usada por parte da AT é a mais aderente à realidade da A... tendo em conta a atividade específica desta.

11.    A Requerida contra alegou defendendo que o objeto da lide em análise é constituído pelas liquidações adicionais de IVA e IRC resultantes da aplicação de métodos indiretos. Por outro lado, afirma que de acordo com o n.º1 do artigo 2.º do RJAT, os Tribunais Arbitrais são competentes para a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos e que face à natureza voluntária deste tipo de jurisdição, torna-se necessário um ato de vinculação por parte da AT, o qual é efetuado através de Portaria assinada pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e justiça que estabelecerá o tipo e valor máximo dos litígios a que a AT se vincula. Essa vinculação veio a efetivar-se através da Portaria n.º 12-A/201 de 22 de março (Portaria de Vinculação) introduzindo-se duas limitações quanto a essa vinculação, sendo uma de natureza qualitativa (objeto do litígio) e outra de natureza quantitativa (valor do litígio). Embora o RJAT no seu artigo 2.º estabeleça duma forma genérica quais os objetos de litígios relativamente aos quais os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar, a Portaria de Vinculação na alínea b) do artigo n.º 2.º vem desvincular a AT à jurisdição arbitral quando se esteja perante “pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”, tendo já sido proferidas decisões arbitrais confirmando o estatuído na alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação (Processos 17/2012-T e 70/2012-T). Por outro lado, em termos meramente quantitativos, a AT só se vincula à jurisdição arbitral quando em termos absolutos o valor do litígio não seja superior a 10.000.000 € (dez milhões de euros), cfr. n.º1 do artigo 3.º da Portaria de Vinculação, e, sejam cumpridos determinados requisitos em termos do perfil do árbitro presidente, cfr. alíneas a) e b) do n.º2 do artigo 3.º da Portaria de Vinculação. Para reforçar a ideia de que perante litígios cujo objeto seja a análise de pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão, a AT invoca os comentários do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no “Guia de Arbitragem Tributária” fls. 138 e 139, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, concluindo adicionalmente que resulta da própria Lei através do n.º1 do artigo 4.º do RJAT que a vinculação da AT à jurisdição tributária se efetiva através duma Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e valor máximo dos litígios abrangidos.  

12.    A Requerida igualmente refere que em termos do mérito da causa, a Requerente não carreou para os autos fundamentos, argumentos ou factos novos em sede de alegações finais, reiterando tudo o que arguiu na contestação/Resposta efetuada ao pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, concluindo que não existe qualquer dos vícios que a Requerente imputou à AT. Em seguida explicita factos e fundamentos constantes dos artigos 11.º a 36.º das alegações finais, dos quais resultaram a aplicação dos métodos indiretos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido. Nas Conclusões das suas alegações finais afirma:

12.1.                   O objeto do processo arbitral em análise incide sobre liquidações decorrentes de correções efetuadas através da aplicação e métodos indiretos;

12.2.                   Decorre da lei, mais especificamente do artigo 4.º do RJAT, que a vinculação da AT à jurisdição arbitral se efetiva através de uma Portaria dos membros do Governo da área das finanças e da justiça que estabelecerá os termos e as condições de vinculação atendendo à especificidade (objeto do litígio) e valor dos litígios;

12.3.                   A vinculação efetivou-se através da Portaria 112-A/2011 de 22 de março, estabelecendo que a AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral quando o objeto do litígio disser respeito a pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão, pelo que qualquer decisão de mérito das liquidações controvertidas no presente Processo não vinculam a AT;

12.4.                   Em termos de ónus da prova e à questão de mérito, a Requerente não carreou para os autos em termos de alegações finais, quaisquer fundamentos argumentos ou factos novos;

12.5.                   Provou-se que a contabilidade da Requerente apresentava graves deficiências, a presunção de veracidade das declarações fiscais que as mesmas gozavam antes da inspeção cessou devido à factualidade constante e provada nos autos;

12.6.                   A Requerente quer em sede de Direito de Audição, de Revisão de Fixação da Matéria Tributável e no Pedido de Pronúncia Arbitral, não fez prova da não verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos nem de qualquer excesso de quantificação da matéria tributável e coletável resultante da aplicação dos métodos indiretos;

12.7.                      A AT provou estarem reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos,

pelo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente absolvendo-se a Requerente.

13.    Em face do exposto, importa delimitar as principais questões decidendas, e enquadrar, assim, o objeto do litígio. Atentos os contornos da relação tributária configurada nos articulados, são duas as questões essenciais a dilucidar:

13.1.                   A primeira a título de questão prévia, suscitada pela Requerida, refere-se à falta de jurisdição do Tribunal Arbitral por incompetência do mesmo em razão da matéria ou por falta de vinculação da AT sob a forma de exceção dilatória inominada e consequentemente a questão da legalidade da Portaria de Vinculação suscitada pela Requerente;

13.2.               A segunda questão a ser objeto de apreciação invocada pela Requerente, respeita à verificação do excesso de quantificação na determinação da matéria tributável para efeitos de IVA e da matéria coletável para efeitos de IRC relativas aos exercícios fiscais de 2008 e 2009 efetuada por critérios de avaliação indireta, caso o pressuposto processual relativo à incompetência do tribunal em razão da matéria ou a exceção inominada por falta de vinculação por parte da AT seja improcedente.

 

***

 

II. DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

 

14.    Suscita a Requerida quer na Resposta quer nas alegações finais a questão prévia de incompetência deste Tribunal em razão da matéria ou por falta de vinculação da mesma (AT) à jurisdição arbitral relativamente à matéria controvertida por conjugação do n.º1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 4.º, ambos do RJAT, e do artigo 2.º da Portaria de Vinculação. A Requerente por sua vez nas alegações finais defende a improcedência da exceção levantada pela Requerida considerando que os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar a matéria controvertida porque a não ser assim, estar-se-ia perante uma ilegalidade, uma vez que se permitiria que uma Portaria (Portaria de Vinculação) ao redefinir as competências dos Tribunais Arbitrais viesse revogar matérias constantes de um Decreto-Lei (Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro) mais concretamente o artigo 2.º do diploma em causa que versa sobre a “Competência dos Tribunais Arbitrais e direito Aplicável”.

15.         A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria[4], pelo que importa antes de mais proceder à sua apreciação. A competência dos tribunais é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional. Em sentido qualitativo, será a suscetibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa[5]. Assim, atendendo a que a procedência da exceção suscitada pela Requerida, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões em conflito, importando delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se esta abrange, ou não, os atos praticados pela AT e se a AT, neste caso, está vinculada à jurisdição deste Tribunal.

16.    Conforme é referido no Processo Arbitral n.º 99/2012-T “O n.º1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril, autorizou o Governo a «legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária», devendo, segundo o seu n.º2, «constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro concretizou a mencionada autorização legislativa e «instituiu a arbitragem limitada a determinadas matérias arroladas no seu n.º2» fazendo «depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”

17.    O âmbito da jurisdição arbitral é delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º1, os critérios de competência material. No n.º1 do artigo 2.º do RJAT determina-se que cabe na competência dos Tribunais Arbitrais:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

 b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (alterada pelo artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, em vigência desde 1 de janeiro de 2012)

c) revogada (revogada pelo artigo 161.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, em vigência desde 1 de janeiro de 2012).

18.    Por outro lado, devido ao carácter voluntário das partes (Contribuintes e AT) de acesso à jurisdição arbitral uma vez que a arbitragem tributária deve ser um direito potestativo dos contribuintes em conformidade com o estatuído no n.º3 do artigo 124.º da Lei n.º3-B/2010 de 28 de abril (Orçamento de Estado para 2010), o RJAT prevê no seu n.º1 do artigo 4.º que a vinculação da AT dependa de Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e justiça, que estabelecerá, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Ora, essa vinculação veio a materializar-se através da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março (Portaria de Vinculação) onde no artigo 2.º sob a epígrafe “Objecto de Vinculação” se restringe de forma expressa as pretensões que podem ser submetidas aos Tribunais Arbitrais Tributários com a correspondente vinculação por parte da AT. Assim, há que apelar às regras de interpretação das normas jurídicas para se procurar obter o alcance e sentido do artigo 2.º da Portaria de Vinculação.

19.    Relativamente à interpretação de normas jurídicas, no Acórdão de 21 de Junho 2012 do Tribunal da Relação do Porto (JusNet 4029/2012) foi referido o seguinte:

(…)

Assim, é sabido, porém, que a interpretação não se esgota na letra da lei.

Com efeito, nos termos do art. 9º nº 1 do CC, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2).

Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).

O elemento literal é, assim, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa: eliminar aquele sentido que não tenha qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei[6] .

A apreensão do sentido literal deve, por isso, ser acompanhada de uma actividade de interligação e valoração em que intervêm elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. ”.

 

20.    A nível da própria doutrina afirma-se que “Assim, não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado que não resulte expresso” (v. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª edição, 2012, Encontro da Escrita, p. 120). Deste modo, há que atender não só ao elemento literal mas também a outros elementos como o sistemático e histórico com vista à aplicação das regras da hermenêutica jurídica.

21.    Quanto ao elemento literal, constata-se que o artigo 4.º n.º1 do RJAT (versão constante do artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro, em vigência desde 1 de janeiro de 2012) prevê que a vinculação da AT se materialize através de Portaria e que a mesma estabelece “ (…), designadamente, o tipo e valor dos litígios abrangidos”, o que veio a acontecer através da Portaria 112- A/2011 de 22 de março (Portaria de Vinculação). Assim, o RJAT prevê que a AT se vincule através de Portaria só em determinado tipo de litígios e para que a vinculação se materialize, seja estabelecido um valor máximo. A Portaria de Vinculação vem precisamente estabelecer quais as matérias tributárias relativamente às quais a AT se vincula à jurisdição arbitral. Dentre as matérias relativamente às quais não há vinculação por parte da AT à jurisdição arbitral são as referentes à aplicação dos métodos indiretos, conforme infra se transcreve:

 

Artigo 2º

Objecto de vinculação

(…)

 

a)       (…)

b)       Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão

 

22.    Fazendo apelo ao elemento sistemático constata-se que o legislador quis reforçar a ideia de que devido ao carácter voluntário deste tipo de jurisdição, jurisdição arbitral, teria de haver um ato de vinculação por parte do sujeito ativo (a AT em representação do Estado) da relação tributária podendo essa vinculação ser materializada através de um ato regulamentar (Portaria) condicionado ao cumprimento de determinados critérios substantivo (“…. tipo de litígios …”) e quantitativo (“… valor máximo dos litígios abrangidos…) e como tal no artigo 4.º do RJAT sob a epígrafe “Vinculação e funcionamento” se concretizar qual o ato regulamentar (Portaria) e a referência em termos genéricos aos critérios substantivos e quantitativos que teriam que ser respeitados para que essa vinculação se pudesse materializar legalmente. No preâmbulo da Portaria de Vinculação pode ler-se que “com a presente portaria, a administração fiscal vincula-se também à jurisdição do CAAD (…) associando-se a este mecanismo de resolução alternativa de litígios e nos termos e condições aqui estabelecidos, atendendo à especificidade e valor das matérias em causa” estando plasmado o sentido e alcance que o legislador manifestou no artigo 4.º do RJAT e que veio a ser densificado nomeadamente nos artigos 1.º (entidades vinculadas à data da Portaria – DGCI[7] e DGAIEC[8]- que atualmente corresponde à atual AT[9]), 2.º (objeto da vinculação) e 3.º (termos da vinculação) da Portaria de Vinculação.

23.    O entendimento acima expresso pode ver-se plasmado no Processo Arbitral n.º 151/2013-T[10] no ponto 2.2.2 em que se afirma “Como se vê por aquele artigo 4.º, os termos da vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não foi estabelecida por lei, sendo, antes, por ela atribuído aos ministros das finanças e da justiça um poder discricionário de, no exercício das suas competências administrativas (através de uma portaria, que tem natureza de acto regulamentar) definirem a vinculação da administração tributária àqueles tribunais arbitrais” reforçando o entendimento de que não existe qualquer ilegalidade quanto à exclusão por parte da AT à jurisdição arbitral relativamente às pretensões relativas a impostos cuja administração pertença à AT identificadas na alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação e, consequentemente, a referida Portaria de Vinculação não estar ferida de qualquer ilegalidade, como foi questionado pela Requerente. Aliás, refira-se que no Processo Arbitral n.º 99/2012 foi afirmado que “O artigo 2.º da referida Portaria fundamenta-se no artigo 4.º do RJAT o qual se limita a dar execução ao artigo 124.º da Lei n.º3-B/2010, sendo que o âmbito da autorização abrange as matérias aí referidas. O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) como resulta da comparação do seu normativo com o da referida Lei não ultrapassou a autorização concedida”, entendimento que este Tribunal Arbitral perfilha e daí não se descortinar qualquer fundamento ao abrigo do qual se possa invocar qualquer ilegalidade da Portaria de Vinculação, nomeadamente, o seu artigo 2.º.  

24.    Importa agora aferir se a matéria controvertida se enquadra na exclusão prevista na alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação ou não. A pretensão da Requerente visa a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IRC e IVA e respetivos juros compensatórios e de mora relativos aos exercícios fiscais de 2008 e 2009 resultantes da aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria tributável para efeitos de IVA e determinação da matéria coletável para efeitos de IRC efetuados pela AT. Nos termos do n.º1 do artigo 62.º n.º1 do CPPT “Em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar, por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de violar manifestamente competências legais” quando se estiver na presença de um ato de fixação ou de revisão da matéria tributável sujeito a um procedimento especifico (cfr. artigos 91.º e seguintes da LGT), o ato de liquidação tributária é o ato administrativo subsequente desse ato de fixação e revisão da matéria tributável e que será efetuado de acordo com a decisão relativa a esse procedimento específico estatuído na LGT. Assim, convém averiguar se as liquidações controvertidas estão na previsão do n.º1 do artigo 62.º do CPPT ou não. Ora, entende este Tribunal Arbitral que se enquadra no n.º1 do artigo 62.º do CPPT o caso da fixação da matéria tributável por métodos indiretos cuja revisão está sujeita ao regime específico dos artigos 91.º e seguintes da LGT. A decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos determina o conteúdo da subsequente liquidação, fazendo sentido por isso, incluir no mesmo regime processual os atos de fixação da matéria tributável por métodos indiretos e os atos de liquidação resultantes da matéria tributável determinada com base em métodos indiretos, situação que já foi objeto de análise e decisão arbitral no Processo Arbitral n.º17/2012-T[11]. Daqui resulta que as liquidações de impostos cuja administração esteja cometida à AT e que resultem de aplicação de métodos indiretos sobre as quais se pede pronúncia arbitral, se encontram abrangidas pela exclusão prevista na alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação.

25.    No Processo Arbitral n.º 17/2012-T afirmou-se que “Na verdade, a falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral traduz-se na impossibilidade subjetiva do julgado que, se fosse proferido por este tribunal nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que o haveria de executar, consubstanciando-se, portanto, falta de jurisdição, a qual é delimitada em função da matéria e, portanto, consubstancia, a incompetência material deste tribunal”, tendo-se concluído por uma exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral. Num outro julgado, Processo Arbitral n.º70/2012-T, em que a Requerente impugnava a legalidade da liquidação para efeitos de IVA resultante da aplicação por métodos indiretos, a Requerida em sede de Resposta, levantou o incidente de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, com fundamento na alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação. O Tribunal Arbitral decidiu pela procedência da exceção levantada por se tratar de uma exceção dilatória inominada por falta de vinculação da AT e não de incompetência material, uma vez que a Portaria de Vinculação não revogou a norma de competência atribuída aos Tribunais Arbitrais prevista no artigo 2.º do RJAT, decisão que este Tribunal Arbitral perfilha pelas razões infra.

26.    Pelo acima exposto quando a Portaria de Vinculação na alínea b) do artigo 2.º refere que “Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão” vem expressamente excluir a vinculação da AT à jurisdição arbitral quando estivermos perante liquidações de impostos cuja administração pertença à AT em conformidade com o disposto no n.º1 do artigo 2.º do RJAT e que as mesmas resultem da aplicação de métodos indiretos. A razão da não submissão da AT à jurisdição arbitral é a falta de vinculação da AT plasmada na alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação e por isso se estar perante uma exceção dilatória inominada. Como se refere no Processo Arbitral n.º 99/2012-T “A falta de vinculação da AT ao tribunal arbitral traduz-se na imediata impossibilidade da eficácia subjetiva de uma decisão que se fosse proferida por este tribunal pois não produziria quaisquer efeitos sobre a parte supostamente obrigada a cumpri-la, consubstanciando a incompetência do tribunal”, posição que este Tribunal Arbitral perfilha.

27.       Refira-se que quer se defenda que se está perante uma exceção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria ou perante uma exceção dilatória inominada por falta de vinculação por parte da AT, a consequência jurídica processual só pode ser uma, i.e. a absolvição da instância da Requerida, nos termos do disposto nos n.º1 e 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º, ambos do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT e alíneas a) e e) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT.

28.    Em face do exposto, conclui-se pela procedência da exceção por falta de vinculação suscitada pela Requerida. A procedência da exceção dilatória de falta de vinculação por parte da AT obsta ao conhecimento do mérito do pedido e conduz à absolvição da Requerida da instância.

 

***

 

III – DECISÃO

Termos em que, acordam neste Tribunal Arbitral Coletivo:

- Julgar procedente a exceção dilatória inominada de falta de vinculação da AT suscitada pela Requerida;

- Julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo;

- Absolver da instância a Requerida;

- Condenar a Requerente no pagamento das custas.

 

IV – VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no n.º2 do artigo 306.º do CPC e alínea a) n.º1 do artigo 97.º-A n.º1 do CPPT e n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem fixa-se ao processo o valor de € 119.145,10 (cento dezanove mil cento quarenta cinco euros e dez cêntimos)

 

V – CUSTAS

Custas a cargo da entidade Requerente no valor de € 3.060,00 nos termos do artigo n.º4 do artigo 22.º do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária cfr. artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de janeiro de 2014

 

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

Conceição Pinto Rosa

 

Júlio César Nunes Tormenta

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º n.º 5 do Código Processo Civil (CPC) aplicável por remissão do artigo 29º n.º 1 alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e revistos.

 

 

      

 



[1] Há uma ligeira diferença para o valor da causa indicado que foi de € 119.145,10.

[2] As medidas de localização de partição mais conhecidas são: quartil, decis e percentil.

[3] As medidas de localização de tendência central mais conhecidas são: média, moda e mediana.

[4] Cfr. n.º1 do artigo 29.º n.º1 do RJAT, artigo 16.º do Código de Procedimento e Processo Tributário- “CPPT”, artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – “CPTA” e artigo 96.ºdo Código de Processo Civil – “CPC”(versão ao CPC de 2013 ao abrigo da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho).

[5] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 88 e 89.

[6] Baptista Machado, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, 10ª Reimp., 182.

[7] DGCI – Direção Geral dos Impostos;

[8] DGAIEC – Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos sobre o Consumo;

[9] AT – Autoridade Tributária e Aduaneira que veio a partir de 2012 suceder em todas as atribuições e competências da DGCI e DGAIEC por força do Decreto-Lei n.º 118/2011 de 15 de dezembro.

[10] Disponível em www.caad.org.pt

[11] Disponível em http://www.caad.org.pt