Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 184/2013-T
Data da decisão: 2014-03-14  IRS  
Valor do pedido: € 454.230,22
Tema: IRS - Tributação de mais-valias na alienação onerosa de participações sociais em micro e pequenas empresas; art. 43. do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

A e B (de ora em diante os “Requerentes”), contribuintes n.º …  e n.º … respetivamente, com domicílio … , requereram a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado “RJAT”, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo por objeto a anulação do IRS de 2010, consubstanciada  em ilegalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico, em ilegalidade no indeferimento da reclamação graciosa, em ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRS sob o número …, ilegalidade da liquidação de juros compensatórios sob o número … e, finalmente, ilegalidade da Demonstração de Acerto de Contas, mediante a qual lhes foi fixado o dever de pagar a importância de 908.460,43€ (novecentos e oito mil, quatrocentos e sessenta euros e quarenta e três cêntimos), a título de imposto e de juros compensatórios.

 

1.      É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por AT ou Requerida), que sucedeu à Direção–Geral dos Impostos.

 

2.      O pedido de constituição de tribunal arbitral foi validado e aceite em 28 de Julho de 2013 pelo Exm.º Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”), tendo sido a AT notificada da apresentação do aludido pedido na mesma data.

 

3.      Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral, tendo aceite a designação nos termos legalmente previstos.

 

4.      O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 4 de Outubro de 2013 para apreciar e decidir o objeto do presente processo.

 

5.      Em síntese, os Requerentes sustentam a sua pretensão no seguinte:

 

ü  A liquidação impugnada, que tributa a mais-valia resultante da alienação das participações sociais do Requerente na sociedade “C, Unipessoal, Lda”, terá desconsiderado as circunstâncias de o volume de negócios anual e o balanço total daquela sociedade não exceder os 10 milhões de euros e de a mesma não empregar 10 ou mais pessoas.

ü  É certo que a alienação das partes sociais ocorreu em Junho de 2010 e nesse ano a nova gerência da sociedade, que passou a designar-se de D, Lda, não requereu ao IAPMEI, não requereu o certificado de PME a esta entidade, o que, de resto, também, não aconteceria em 2011, somente voltando a fazê-lo em 2012.

ü  Todavia, tal omissão não ficou a dever-se a qualquer negligência dos Requerentes, já que não tinham mais competência para o fazer, sendo certo, contudo, e como se disse supra, em termos substanciais a sociedade preenchia em 2010 os requisitos substanciais que permitiriam qualificá-la como PME.

ü  Acresce que a AT reconheceu, no seu projeto de decisão quanto à reclamação graciosa efetuada pelos Requerentes, que no ano de 2010 o volume de negócios anual da empresa C, Unipessoal, Lda, NIPC…, foi de 2.628.770,59€, tendo empregado menos de 50 pessoas (cfr. Doc. 8 do pedido de pronúncia arbitral).

ü  Face às referidas circunstâncias, entendem os Requerentes estarem preenchidos os requisitos do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, pelo que, nos termos dos números 3 e 4 do artigo 43.ºdo Código do IRS (CIRS), na redação dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, a mais-valia por si obtida apenas deveria ser tributada em 50%, já que a sociedade cujas participações foram por si alienadas integraria o conceito de pequena empresa, à luz daquele Anexo.

ü  Consideram, assim, os Requerentes que o n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, na redação dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, remete exclusivamente para o Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, e não para a totalidade desse mesmo decreto-lei.

ü  Por outro lado, dispõe o artigo 72º, nº 4 do CIRS que o saldo positivo entre mais e menos-valias previsto na alínea b) do artigo 10º do mesmo diploma legal é tributado a uma taxa autónoma de 20% ou, em alternativa, tais mais-valias, se consideradas no momento em que se efetivou a transação (1.6.2010) e não no fim do período de tributação (31.12.2010), seriam sujeitas a uma taxa de tributação de 10%;

ü  A não ter seguido aquele entendimento, entendem os Requerentes que a AT incorre no equívoco de considerar que o regime supra descrito é um regime excecional de tributação das mais-valias, ao qual o contribuinte pode ter acesso, verificadas determinadas condições, já que, continuam os requerentes, o regime resultante da alínea a) do n.º 1doartigo 9.º,da alínea b)do n.º 1doartigo 10.º, dos n.ºs 1e 3 do artigo 43º, e do n.º 4 do artigo 72.º, todos do CIRS, não representa, no atual enquadramento jurídico, um regime de exceção que o legislador tenha condicionado à apresentação de um documento emitido por uma terceira entidade.

ü  Para além disso, uma vez que o n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, na redação em causa, remete expressamente para o Anexo, não é manifestamente possível invocar que se trata de uma remissão para a aplicação do Decreto-Lei n.º 372/2007, como sugerido pela AT no relatório de conclusões da ação inspetiva que deu origem à liquidação de IRS impugnada.

ü  Sustentam os Requerentes que a norma do artigo 43.º do CIRS aplicável visa onerar fiscalmente os ganhos, quando obtidos por pessoas singulares, decorrentes de mais-valias obtidas com a alienação de participações em sociedades que não sejam micro, pequenas e médias empresas, e, inversamente, destinar um ónus fiscal menos gravoso quando tais sociedades possam ser qualificadas como tal.

ü  Apontam ainda os Requerentes que a AT desconsidera a circunstância de a entidade com legitimidade para requerer a certificação (ou seja, a própria micro, pequena ou média empresa) é uma entidade completamente diferente do seu ex-sócio (o particular sujeito a IRS), não podendo, na perspetiva dos Requerentes, a tributação ao abrigo do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS estar dependente de um ato ou impulso, meramente formal, de um terceiro, manifestamente alheio aos efeitos de uma tal exigência.

ü  Notam, também, os Requerentes que a certificação será exigida às empresas na sua relação com as entidades identificadas no n.º 3 do artigo 3.º do referido decreto-lei, e que não será já exigida aos particulares que não se confundem com a empresa e até podem já não ter qualquer relação com a empresa, pelo que a estes últimos será sempre aplicável o regime constante do n.º 3 do art.º 43.º do CIRS, desde que se verifique, no plano substancial, que a empresa cujas participações foram alienadas era uma micro, pequena ou média empresa.

ü  Terminam os Requerentes sustentando que a posição da AT na liquidação impugnada (que se materializa no Documento de Acerto de Contas) será violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ínsitos nas normas dos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 1 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária, bem como do princípio da prevalência da substância sobre a forma.

6.      Na sua resposta, a AT vem tecer as seguintes considerações:

 

Começa a AT por invocar a exceção da cumulação ilegal de pedidos, o que, na sua ótica constitui uma exceção dilatória que obsta a que se conheça o mérito da causa e importa a absolvição da instância, na justa medida em que os Requerentes solicitam que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico, da reclamação graciosa, da ilegalidade da liquidação adicional de IRS, bem como de juros compensatórios e finalmente do acerto de contas.

 

Por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

 

ü  Os Requerentes sufragam uma interpretação da lei que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime jurídico aplicável como um todo, bem como, uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no CIRS, fundando-se numa interpretação estritamente literal da lei.

ü  Dos preceitos aplicáveis resultará inequivocamente que, para efeitos de aplicação do regime contido no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS, o legislador fiscal exige a verificação de dois requisitos cumulativos: um de natureza material e outro de natureza formal.

ü  O requisito material traduzir-se-á em as mais-valias obtidas decorrerem de alienações de participações em sociedades que constituam efetivamente pequenas empresas e o requisito formal traduzir-se-á em as entidades em causa gozarem do referido estatuto certificado, através do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I.P. (IAPMEI), nos termos previstos no respetivo Decreto-Lei n.º 327/2007, de 6 de novembro, válido à data das alienações.

ü  O regime previsto no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS será uma exclusão tributária, como tal, tratando-se de uma norma de exceção, dado que constitui uma norma de afastamento excecional do regime regra que seria a tributação em 100% do saldo entre as mais e menos-valias obtidas com alienação de participações sociais, torna-se necessário rodear a referida isenção de particulares cautelas, de forma a evitar situações abusivas, de aplicação a empresas que não comprovem essa qualidade ou a concessão de uma vantagem excessiva face aos objetivos visados, encontrando-se subordinada à verificação de um conjunto de condicionalismos, referentes à finalidade da referida isenção, uns de natureza material e outro de natureza formal.

ü  O princípio da prevalência da substância sobre a forma, emanação do princípio da justiça material, não terá a virtualidade de permitir que se faça letra morta das normas jurídicas que consagram pressupostos de natureza formal, quando a lei expressamente os consagrou.

ü  Relativamente aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, não são afetados por exigências relacionadas com a diligência e o cumprimento das obrigações legais dos contribuintes.

ü  Veio ainda a AT em requerimento solicitar que sejam desentranhados dos autos os documentos juntos pelos Requerentes pelos quais os mesmos pretendem demonstrar que a sociedade preenchia os requisitos legais para ser considerada micro ou pequena empresa, nos termos do Anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, mormente o relatório único relativo a 2009, a IES relativa ao mesmo ano, o Balanço relativo a 2009, a IES relativa a 2008 e o Balanço relativo a este mesmo ano, já que, do ponto de vista da AT, o Tribunal Arbitral não poderá substituir-se ao IAPMEI na qualificação de uma entidade como micro ou pequena empresa.

 

7.      Realizou-se no dia 11 de dezembro de 2013, pelas 15.00 horas, a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada a respetiva ata que se encontra junta aos autos. Em tal reunião decidiu-se que em relação à exceção invocada pela Requerida na sua resposta, o Tribunal se pronunciará sobre a mesma na decisão final e procedeu-se à marcação de nova reunião para inquirição da testemunha arrolada pelos Requerentes, bem como para a produção de alegações.

8.      No dia 14 de janeiro de 2014, pelas 11.30, efetuou-se nova reunião, conforme agendado, tendo sido inquirida a testemunha E, após o que as partes procederam à produção de alegações escritas sucessivas.

9.      Acrescente-se, ainda, que os Requerentes solicitaram a junção aos autos do contrato de cessão de quotas, realizado no dia 1.6.2010, bem como do Acórdão do STA de 12-4.2013, processo 01582/13. O Tribunal Arbitral, por despacho junto aos autos, deliberou admitir, a junção de tais documentos estribado no princípio da consagração do princípio do inquisitório pleno e da verdade material, constante dos artigos 16º, als. c) ee)e 19º do RJAT.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

1-      Os Requerentes apresentaram duas declarações modelo 3 de IRS, para o ano de 2010não declarando, contudo, as mais-valias resultantes da alienação das quotas realizada por escritura da sociedade C, Unipessoal, Lda, em Junho de 2010, pelo valor de 4.830.635,00€.

 

2-      A autoridade tributária realizou um procedimento inspetivo ao sujeito passivo ora Requerente, tendo sido verificado que este havia omitido na sua declaração de rendimentos a mais-valia realizada.

 

 

3-      No dia 1 de junho de 2010, foi celebrado um contrato de compra e venda da quota da sociedade supra referida, por efeito do qual o Requerente declarou vender à sociedade F, SA.,a quota de que era titular no valor nominal de 500.000€, pelo preço total de 4.830.635,00€.

 

4-      No decurso ação realizada pela inspeção tributária, constatou-se que os Requerentes não declararam o ganho obtido e, em consequência, os ora Requerentes, para efeitos da correção da situação tributária, produzido antes da conclusão da inspeção uma declaração de substituição do IRS de 2010, não preenchendo, contudo, na sua ótica devidamente a declaração pelo que daí redundou numa liquidação em que não foi considerada a redução a 50% do saldo das mais e menos-valias resultantes da alienação subjudice.

 

 

5-      Daqui resultou o apuramento do ganho omitido (valor de realização - valor de aquisição atualizado) no montante de 4.330.635,00€, o qual foi decidido tributar à taxa especial de 20%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do CIRS, de que resultou um imposto a pagar de 866.127.00€, a que acresceram 136.331,13€ de juros compensatórios, num montante total de 934.362,68€

.

6-      Os requerentes deduziram uma reclamação graciosa relativa à liquidação do tributo, que haveria de ser indeferida e posteriormente apresentaram recurso hierárquico de tal indeferimento.

 

7-      O volume de negócios da sociedade C, Unipessoal,Lda, foi, em 2010, inferior a €10.000.000,00 e o número de trabalhadores inferior a 50 pessoas.

 

 

8-      A sociedade D, Lda, não requereu, por razões alheias aos Requerentes, a certificação eletrónica prevista no Decreto-Lei n.º 327/2007, de 6 de novembro,por referência ao ano de 2010.

 

9-      A Direção de Finanças, no âmbito do projeto de relatório de indeferimento da reclamação graciosa, reconheceu que a sociedade C, Unipessoal, Lda., no ano de 2010 teve um volume de negócios inferior a 10 milhões de euros e empregou menos de 50 pessoas.

A.2. Factos dados como não provados

 

Nada a assinalar.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada

A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental e testemunhal apresentada.

 

.

 

B. DO DIREITO

 

 O quadro legal relevante. Apreciação das questões suscitadas.

 

B.1- Defesa por exceção

 

A Requerida AT veio defender-se por exceção argumentando que:

Os pedidos apresentados pelos Requerentes são incompatíveis entre si.

Ou seja, uma eventual procedência do pedido de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS n.º … esvazia de conteúdo e de utilidade processual a apreciação do pedido de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.

A cumulação ilegal de pedidos constitui uma exceção dilatória inominada que obsta a que se conheça do mérito da causa e importa a absolvição da instância da parte contrária, nos termos do artigo 577.º e 288.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária (RJAT).

Os Requerentes vieram responder à exceção argumentando no sentido da sua improcedência.

Os Requerentes pediram, em substância, a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do Recurso Hierárquico, do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa e dos actos de liquidação adicional de IRS n.º …, de liquidação de juros compensatórios n.º … e de acerto de contas n.º … .

Convém ter aqui presente o disposto no artigo 16.º do RJAT designadamente na sua alínea a), no sentido de que a tramitação processual deve visar obter uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas. O artigo 3.º, n.º 1, do RJAT dispõe que "A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito".

Também o CPTA consagrou o princípio da livre cumulação de pedidos no seu artigo 4.º e neste sentido vai a jurisprudência do STA designadamente a citada pelos Requerentes.

Acórdão proferido no processo 0723/11, datado de 16/11/2011 (2.ª SECÇÃO):

"I - A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objecto imediato a decisão da reclamação e por objecto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação.

II - Anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto tributário, uma vez que este é competente para conhecer em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao acto tributário" (...)

"Daqui resulta então que, deduzida impugnação judicial do indeferimento de uma reclamação graciosa, das duas uma:
a) ou o tribunal confirma o indeferimento, mantendo-se o acto tributário impugnado;

b) ou o tribunal anula esse indeferimento, nomeadamente por vício procedimental; neste caso, o tribunal tem de apreciar os vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que a impugnação tem por objecto, tanto a decisão da reclamação, como os vícios do próprio acto de liquidação"; 

e o Acórdão proferido no processo 01138/12, datado de 11/09/2003, (2.ª SECÇÃO):

"I - Constituindo embora o acto administrativo de indeferimento do recurso hierárquico o objecto imediato da impugnação judicial, é, contudo, o acto de liquidação - seu objecto imediato - que verdadeiramente se controverte na impugnação".

Ainda no sentido de permitir a cumulação de pedidos por razões de economia de meios e uniformidade de decisões v. também os Acórdãos do STA nos processos 0608/11 de 16/11/2011 embora em situações diferentes e 0496/12 de 11/10/2012 e ainda o Acórdão do TCA Sul no processo 03271/09 de 03/11/2009 e o Acórdão do TCA Norte no processo 00373/04.6BEVIS de 13/09/2012.

Em consequência, julga-se improcedente a exceção invocada pela Requerida.

Invoca ainda a Requerida que, com a junção aos autos do Acórdão do STA, os Requerentes pretenderiam a ampliação da causa de pedir em data posterior à da contestação, pelo que deve o Tribunal analisar a pretensão dos mencionados Requerentes nos termos e com os fundamentos que a mesma petição foi inicialmente apresentada.

Também aqui não procede a exceção invocada, já que a simples junção aos autos de um acórdão do STA não altera a fundamentação do pedido, tanto mais que o acórdão se encontra publicado e o mesmo em nada altera a realidade material subjacente e sempre poderia ser levado em linha de conta tal acórdão pelo Tribunal no momento de proferir a respetiva decisão.

 

B.2- Defesa por impugnação

A primeira questão a ter de ser resolvida tem a ver com o quadro legal à data da operação de cessão de quotas, ou seja, 1.6.2010 no domínio da tributação das mais-valias: ou seja, estava então em vigor o artigo 10º, nº 3 do Código do IRS na redação à data, conjugado com o artigo 72º, nº 4do mesmo Código, que mandava tributar o saldo positivo entre mais e menos-valias resultantes da venda de partes sociais à taxa de 10% ou, em alternativa, o facto tributário ocorre somente no fim do ano, visto que a tributação é entre o saldo positivo de mais e menos-valias e, consequentemente, já estava em vigor o regime jurídico instituído pela Lei nº 15/2010, de 26 de julho que estabeleceu, entre outros aspetos, uma taxa 20% para a tributação do saldo positivo entre mais e menos-valias.

 

Diga-se que subscrevemos por inteiro o ponto de vista expresso no Acórdão 01582/13, mediante o qual e transcrevemos a parte que importa do respetivo sumário:

“II- Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores sujeitos a IRS como incremento patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10º, nº 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12º, nº 1 da LGT e do CC)”.

 

De facto, para nós é claro que nos termos do nº 3 do artigo 10º conjugado com a alínea b) do artigo 10º, nº 1, o momento em que ocorre o facto tributário é o da alienação das partes sociais e essa é pacífico que ocorreu a 1.6.2010. Logo, a consequência lógica é que há lugar a tributação à taxa especial de 10% (para o caso de o contribuinte não optar pelo englobamento). O facto tributário ocorreu com a venda das participações sociais. O resto, ou seja, o apuramento do saldo no fim do ano tem exclusivamente a ver com a forma como é determinada a matéria coletável, mas não constitui tal apuramento o verdadeiro facto tributário. Aliás, nada impede que seja estabelecido um mecanismo de pro rata temporis em que se calcule o saldo das mais-valias até 26.7.2010 de uma forma e a partir de 27.6.2010. Pode ser pouco prático, mas isso não é relevante em termos jurídicos, sobretudo quando está em causa a aplicação retroativa de uma norma de incidência.

 

Aliás, neste sentido vai também o Acórdão do STA que temos vindo a citar quando diz:

“É que o art.12º, nº 2 da LGT dispõe claramente que “se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”. Ou seja, apenas pode ser tributado à taxa de 20% o saldo entre as mais-valias e as menos-valias relativo ao período decorrido a partir de 27.7.2010”.

 

Acresce ainda que a decisão arbitral 25/2011-T do CAAD vai exatamente também neste sentido.

 

Na fundamentação do acórdão proferido, diz-se expressamente o seguinte:

 

“Tendo a nova lei entrado em vigor a 27 de julho [de 2010], a mesma só poderá ter aplicação, por força do artigo 12º, nº 2 da LGT, relativamente às mais-valias obtidas a partir de tal data e não antes”.

 

Por consequência, tanto quanto nos foi dado apurar, o entendimento ora sufragado concita unanimidade no seio da jurisprudência do STA e, igualmente, do CAAD.

 

Por todos estes motivos, deixa de ser relevante saber qual o regime aplicável às PME’s e se o regime previsto nos nº’s 3 e 4 do artigo 43º do CIRS remetem para o Decreto-Lei nº 372/2007 na sua integralidade ou somente para o anexo do mesmo no que concerne aos requisitos para considerar uma dada entidade como PME e se, no caso vertente, estava feita a prova de que a sociedade cuja participações sociais foram vendidas preenchia ou não tais requisitos.

 

 

 

C. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declararilegal a liquidação adicional de IRS n.º … relativa ao exercício de 2010 e os consequentes atos de liquidação de juros compensatórios nº … e de acerto de contas n.º … .

 

 

D. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 454.230,22, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força do das alíneas a)e b)do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 7.344€ €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente deferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 14 de Março de 2014

 

 

Os Árbitros

 

 

(Manuel Macaísta Malheiros)

(Presidente)

 

 

(Vasco Valdez)

 

 

(Carlos Baptista Lobo)