Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 176/2013-T
Data da decisão: 2014-05-30  IRS  
Valor do pedido: € 4.983,88
Tema: Mais-valias, reinvestimento, caducidade do direito de ação
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

A - IDENTIFICAÇÃO DO PROCESSO

 

CAAD: Arbitragem Tributária.

 

Processo n.º 176/2013-T.

 

Requerentes: A… .

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Árbitro: José António Martins Alfaro, designado em 04-09-2013,pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

 

B - OBJECTO DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

 

O acto tributário consistente na liquidação de IRS n.° 2011 …, de 28.11.2011, no montante de € 4.031,88, relativa ao ano de 2007 e

 

O acto tributário consistente na liquidação de IRS n.° 2012 …, de 02.04.2012, no montante € 952,00, relativa ao ano de 2007,

 

 

Ambos praticados pela Requerida.

 

 

 

C - PEDIDOS

 

 

a)      Anulação dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

b)      Pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, apurados nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.° 2, 100.º, da LGT e 61.º, do CPPT, relativamente ao acto tributário consistente na liquidação de IRS n.° 2011 ..., de 28.11.2011, no montante de € 4.031,88, relativa ao ano de 2007.

 

D - PROCESSO

 

 

1.      Em 22-07-2013, os Requerentes A.., casados entre si, contribuintes respectivamente n.º … e n.º …, residentes na Avenida …Lisboa, requereram, ao abrigo do disposto no artigo 10.° do Decreto-Lei n." 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) e do artigo 1° e 2° da Portaria n° 112-A/2011, de 22 de Março, a constituição de Tribunal Arbitral.

 

 

2.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 19-09-2013.

 

 

3.      Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.°, n.º 2, alínea a), do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para o presente Tribunal Arbitral, tendo aceite nos termos legalmente previstos.

 

 

4.      A Requerida apresentou a sua resposta no dia 01-11-2013, propugnando pela manutenção integral dos actos tributários subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral

 

 

5.      No dia 13-12-2013, decorreu na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que se encontra junta aos autos.

 

 

6.      Nessa reunião, o Ilustre Mandatário dos Requerentes e o Ilustre Representante da Requerida prescindiram das alegações orais.

 

 

7.      Em 02-04-2014, o Tribunal proferiu despacho interlocutório sobre a excepção de caducidade do direito dos Requerentes de requerer pronúncia arbitral quanto à liquidação adicional de IRS n.º 2012 ..., de 02.04.2012, no montante € 952,00, relativa ao ano de 2007.

 

 

 

E - MATÉRIA DE FACTO

 

 

Factos provados:

 

Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

1.      Em Dezembro de 2011, os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2011 ..., no qual era determinado IRS e juros compensatórios, no valor de € 4.031,88.

 

 

2.      A prática deste acto tributário não foi precedida de audição prévia dos Requerentes.

 

 

3.      A liquidação enviada aos Requerentes continha o NIF dos contribuintes, número e data da liquidação, ano a que respeitam os rendimentos, bem como, a nota demonstrativa da liquidação (nota que contém as operações aritméticas que conduzem ao cálculo do imposto, indicando, também, a descrição das variáveis tais como, o “rendimento global”, as “deduções específicas”, as “deduções à colecta”, etc.)

 

 

4.      Nenhuma fundamentação para a alteração ao rendimento consta do acto de liquidação em causa e notificado aos Requerente.

 

 

5.      Os Requerentes não lançaram mão do procedimento previsto no artigo 37.°, n.º 1, do CPPT.

 

 

 

6.      No 21 de Março de 2002, os Requerentes adquiriram, pelo preço de € 69.831,71 para sua habitação própria permanente, a fracção autónoma designada pela letra "AB" correspondente ao rés-do-chão, do prédio urbano sito no ..., n.º 7 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....º, da freguesia de São Paulo, em Lisboa.

 

 

 

7.      Em 5 de Junho de 2007, os Requerentes adquiriram, para habitação própria e permanente e pelo preço de € 330.000,00 a fracção autónoma designada pela  letra "G", correspondente ao 3.º andar direito, do prédio urbano sito na Avenida ..., n.º 55 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....º, da freguesia da Lapa, em Lisboa.

 

 

8.      Para a aquisição da fracção autónoma referida no número imediatamente anterior da presente decisão, os Requerentes contraíram um crédito bancário no montante de € 85.000,00.

 

 

9.      Em 15 de Junho de 2007, os Requerentes venderam a fracção autónoma designada pela letra "AB" correspondente ao rés-do-chão, do prédio urbano sito no ..., n.º 7 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....º, da freguesia de São Paulo, em Lisboa, pelo preço de € 350.000,00.

 

 

10.  Em 16 de Outubro de 2008 foi apresentada, por técnico oficial de contas, a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2007.

 

 

11.  A referida declaração incluiu o Anexo G relativo a mais­valias e outros incrementos patrimoniais, indicando como valor de realização o de € 350.000,00, dos quais iriam ser ser reinvestidos, sem recurso ao crédito, o valor de € 275.000,00,

 

 

12.  No mesmo ano foi declarado um valor de reinvestimento de € 250.228, 16, valor indicado no campo 506 da declaração modelo 3, ficando o restante valor para reinvestimento nos exercícios seguintes.

 

 

13.  O valor declarado de reinvestimento no ano de 2007 de € 250.228,16 referia-se ao seguinte:

 

i.                    € 245.000,00 no preço de aquisição sem recurso ao crédito do imóvel melhor identificado supra e

 

ii.                  € 5.228,16 em obras de melhoramento.

 

 

 

14.  No ano de 2007, o valor de reinvestimento foi superior ao declarado, pois para além da aplicação de € 250.228,16 os Requerentes aplicaram em encargos com a aquisição da referida fracção um valor global de € 19.128,98, ascendendo o total do valor de realização aplicado no reinvestimento no ano de 2007 a € 269.357,14.

 

 

15.  No ano de 2008 os Requerentes reinvestiram um valor global de € 19.813,46, correspondente a obras de melhoramento do imóvel, designadamente de renovação da cozinha e casas-de-banho, no montante de € 18.889,46 e € 924,00 em estores.

 

 

16.  Este valor não foi mencionado pelos Requerentes na declaração modelo 3 de IRS do ano em que as despesas foram incorridas e, por maioria de razão, não foi mencionado no respectivo anexo G, como valor reinvestido.

 

 

17.  Os Requerentes apresentaram declaração modelo 3 de IRS, de substituição, desse ano, onde consta já a indicação do referido valor como reinvestimento.

 

 

18.  Esta declaração de substituição não deu origem a correcção ao rendimento colectável.

 

 

19.  No ano de 2009 os Requerentes reinvestiram um valor global de € 619,63 no melhoramento do imóvel, designadamente nas janelas.

 

 

20.  Este valor não foi mencionado pelos Requerentes na declaração modelo 3 de IRS do ano em que as despesas foram incorridas e, por maioria de razão, não foi mencionado no respectivo anexo G, como valor reinvestido.

 

 

21.  Os Requerentes apresentaram declaração modelo 3 de IRS, de substituição, desse ano, onde consta já a indicação do referido valor como reinvestimento.

 

 

22.  Esta declaração de substituição não deu origem a correcção ao rendimento colectável.

 

 

23.  No ano de 2010, os Requerentes reinvestiram um valor global de € 480,63 no melhoramento da fracção, designadamente nos estores.

 

 

24.  Os Requerentes apresentaram declaração modelo 3 de IRS, de substituição, desse ano, onde consta já a indicação do referido valor como reinvestimento.

 

 

25.  Esta declaração de substituição não deu origem a correcção ao rendimento colectável.

 

 

26.  Assim, o valor final declarado pelos requerentes como reinvestido foi assim de € 290.270,86, ou seja, superior em € 15.270,86 ao valor de € 275.000,00 indicado como valor de reinvestimento na declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2007.

 

 

27.  Em 10 de Janeiro de 2012, os Requerentes procederam ao pagamento voluntário do imposto e juros compensatórios decorrentes da liquidação de IRS n.° 2011 ..., de 28.11.2011, no montante de € 4.031,88, relativa ao ano de 2007.

 

 

28.  Em Janeiro de 2012 foi tempestivamente apresentada reclamação graciosa contra o acto tributário consistente na liquidação de IRS n.° 2011 ..., de 28.11.2011, no montante de € 4.031,88, relativa ao ano de 2007.

 

 

29.  Os Requerentes foram notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e

 

 

30.  Em 17.04.2012, na sequência da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, os Requerentes interpuseram tempestivamente recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças.

 

 

31.  Em 30.04.2013 os Requerentes foram notificados da decisão proferida no processo de recurso hierárquico n.º RHQ …, a qual manteve na íntegra a decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa.

 

 

32.  O termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária relativa à da liquidação adicional de IRS n.º 2012 ..., de 02.04.2012, no montante € 952,00, ocorreu em 1 de Agosto de 2012.

 

 

33.  Relativamente a esta liquidação, os Requerentes deduziram pedido arbitral directo, ou seja, sem que precedentemente tenham lançado mão de reclamação graciosa.

 

34.  O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 22-07-2013.

 

 

Motivação da matéria de facto:

 

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

 

 

Factos não provados:

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

 

E - APRECIAÇÃO DA QUESTÃO PRÉVIA DA CADUCIDADE DO DIREITO DE REQUERER PRONÚNCIA ARBITRAL

 

 

1.      Em despacho interlocutório, proferido em 02-04-2014 e porque o Tribunal deve «ouvir as partes quanto a eventuais excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido» - artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAT- e ainda por concretização do princípio do contraditório - artigo 16.º, alínea a), do RJAT-, deste modo se evitando decisões-surpresa, foi determinado que Requerentes e Requerida fossem notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a excepção de caducidade do direito dos Requerentes de requerer pronúncia arbitral quanto à liquidação adicional de IRS n.º 2012 ..., de 02.04.2012, no montante € 952,00, excepção que o Tribunal entendia ocorrer.

 

 

 

2.      Os Requerentes responderam, em resumo, que se deverá dar por não verificada a excepção em causa, devendo os autos prosseguir até à prolação de uma decisão de mérito sobre a situação objecto de litígio nos autos, a qual se reconduz à análise mediata da legalidade das liquidações nrs. 2011 ... e 2012 ....

 

 

3.      Já a Requerida respondeu, também em resumo, ser manifesta a intempestividade do pedido de apreciação arbitral da legalidade da liquidação n.º 2012 …, de 02/04/2012, no montante de €952,00, pelo que deverá o Tribunal Arbitral, em consonância, declarar a excepção da caducidade, com as legais consequências.

 

Decidindo:

 

4.      A caducidade do direito de requerer pronúncia arbitral constitui uma excepção peremptória e que, a proceder, obstará ao conhecimento do mérito do pedido quanto ao acto tributário em causa.

 

 

5.      Será, pois, conhecida previamente.

 

 

6.      Tal como decorre dos factos dados como provados e resulta do documento n.º 2, que instruiu o requerimento inicial dos Requerentes, o termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária em causa ocorreu em 1 de Agosto de 2012.

 

 

7.      Igualmente como decorre dos factos dados como provados, o referido acto tributário, embora objecto do pedido de pronúncia arbitral, não foi objecto da reclamação graciosa precedente, na sequência da qual haja sido apresentado o pedido de pronúncia arbitral a que se referem os presentes autos.

 

 

8.      Deste modo e in casu, o prazo dos Requerentes para requerer pronúncia arbitral foi de noventa dias, contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária em causa - artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, ex vi do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. 

 

 

9.      Ora, a apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral - que facto interruptivo do prazo de caducidade do direito dos Requerentes a pedir pronúncia arbitral - ocorreu apenas em 20 de Julho de 2013.

 

10.  Verifica-se assim que, aquando da apresentação do pedido arbitral, há muito decorrera o prazo para os Requerentes requererem pronúncia arbitral quanto ao acto de liquidação em causa.

 

 

11.  Acto esse que juridicamente não tem qualquer origem na reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes, mas sim num procedimento desta autónoma - procedimento administrativo de liquidação.

 

 

12.  Em consequência, o Tribunal declara verificada a excepção de caducidade do direito dos Requerentes de requerer pronúncia arbitral quanto à liquidação adicional de IRS n.º 2012 ..., de 02.04.2012, no montante € 952,00.

 

 

 

F - SANEAMENTO

 

 

1.      O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

 

2.      As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

 

3.      Não há quaisquer vícios que invalidem o processo.

 

 

4.      Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido, quanto ao acto tributário consistente na liquidação de IRS n.° 2011 ..., de 28.11.2011, no montante de € 4.031,88, relativa ao ano de 2007

 

 

 

H - APRECIAÇÃO DO PEDIDO

 

 

1.      Os Requerentes apontam ao acto tributário em causa os seguintes vícios:

 

- Falta de audição prévia à prática do acto;

 

- Falta de fundamentação e

 

- Erro na determinação da matéria colectável.

 

 

Vejamos, então:

 

 

Quanto à falta de audição prévia:

 

 

2.      Sucintamente invocam os Requerentes que deveriam ter sido ouvidos pela Requerida, previamente à prática do acto tributário em causa.

 

 

3.      Consta do probatório que os Requerentes manifestaram, na respectiva declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2007, a intenção de reinvestimento do valor de realização.

 

 

4.      Não obstante, os Requerentes não declararam qualquer reinvestimento nas declarações modelo 3 de IRS dos anos seguintes - 2008, 2009 e 2010,

 

 

5.      Só o tendo feito em declarações de substituição, apresentadas em momento posterior.

 

 

6.      Em face desta omissão declarativa, encontrava-se a Requerida obrigada a notificar os Requerentes em sede de audição prévia à prática do acto de liquidação?

 

 

7.      A regra geral é a da «participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito» - artigo 60.º, n.º 1, da LGT - e, em particular no caso dos presentes autos, «antes da liquidação» - alínea a), da referida norma.

 

 

8.      Esta regra assim enunciada conhece diversas excepções, sendo a que ao caso interessa a que estatui que «é dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte […]» - artigo 60.º, n.º 2, alínea a), da LGT,

 

 

 

9.      Entende o Tribunal verificar-se no caso dos autos a excepção vinda de mencionar.

 

 

10.  Com efeito, declaração do contribuinte não é apenas o que o contribuinte declara, como também, em certos casos, aquilo que ele não declara.

 

 

11.  Ou seja, a lei retira consequências jurídicas, quer do que o particular inscreve nas declarações que apresenta, quer do que não inscreve.

 

 

12.  No caso dos presentes autos, os Requerentes declararam na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2007 a sua intenção de reinvestimento nos (três) anos seguintes.

 

 

13.  Não obstante, nas declarações dos anos seguintes, não só não declararam a manutenção de tal intenção, como não inscreveram nas respectivas declarações qualquer valor a título de reinvestimento do valor de realização.

 

 

14.  Nestas circunstâncias, estava a Requerida legalmente obrigada a retirar consequências jurídicas do silêncio dos Requerentes, ou seja, a praticar a liquidação sobre o valor de realização que, por virtude da intenção de reinvestimento declarada na declaração modelo 3 de IRS em 2007, se encontrava desde então suspensa.

 

 

15.  Não se trata, como refere a Requerida, de uma “liquidação automática”, mas sim de, nesta situação, o silêncio do particular ter um valor declarativo próprio e assim determinar a AT à prática de uma liquidação que resulta da declaração do contribuinte, por força de uma actividade vinculada - vd. o Acórdão do STA, proferido em 25-06-2008, no processo n° 392/08.

 

 

16.  Acresce dizer que exigir a audição prévia do particular em situações como esta, implicaria que a AT devesse perguntar aos particulares, em cada situação semelhante, qual deveria ser o significado que deveria ser atribuído ao seu silêncio declarativo, o que não parece razoável nem é, de resto, sufragado pela lei.

 

 

 

17.  A inexigibilidade de audição prévia na situação a que se reportam os presentes autos é reconhecida pelos tribunais tributários.

 

 

18.  Veja-se por todos o Acórdão do STA, proferido em 15-11-2006, no processo n.º 759/06, o qual doutrina que «tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos […] a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos nºs 1 alínea a) e do 2 do art. 60º da Lei Geral Tributária».

 

 

19.  Mais conclui aquele aresto que, para beneficiar da exclusão de tributação, cabia ao particular demonstrar que havia reinvestido o valor realizado na venda.

 

 

20.  Daí que ali se tenha escrito que «não bastava, pois, a mera intenção de reinvestir, constante na declaração de rendimentos relativa ao ano de 1998. Contudo, nas declarações de 2000 e 2001, o recorrente não demonstrou ter efectuado tal reinvestimento, pois que não apresentou o competente anexo G, motivando a liquidação adicional. Que, assim, se efectuou “com base nas declarações do contribuinte” de 1999, 2000 e 2001, pelo que, nos termos do artigo 60º, nº 2, da LGT, não era necessária, por dispensada a sua audição».

 

 

21.  Em conclusão, não procede o vício invocado pelos Requerentes.

 

 

 

Quanto à falta de fundamentação do acto tributário:

 

 

22.  Os Requerentes defendem que ocorre falta de fundamentação da liquidação em causa, já que o conteúdo da notificação da liquidação não continha elementos suficientes que permitissem surpreender o iter volitivo ou, se se quiser, a motivação do acto tributário em causa.

 

 

23.  Consta como facto provado que nenhuma fundamentação para a alteração ao rendimento consta do acto de liquidação em causa e notificado aos Requerentes.

 

 

24.  Com efeito, analisando o teor da liquidação (oficiosa) efectuada pela Requerida, esta procedeu a uma correcção ao rendimento global dos Requerentes, correcção essa da qual resultou a liquidação aqui em causa

 

 

25.  E sem que da nota de liquidação a Requerida fizesse constar quais os motivos de tal correcção ou a que rendimentos específicos respeitava.

 

 

26.  Sendo que no ano de 2007, os aqui Requerentes haviam declarado rendimentos de diversas categorias.

 

 

27.  Tal como se apresenta a liquidação notificada, omissa das concretas razões de facto que a motivaram, não é possível a um destinatário normal descortinar, prima facie e sem mais, quais os rendimentos que foram alterados e quais os motivos que subjazeram à tributação oficiosa.

 

 

28.  E não o sendo, é impossível ao julgador - tal como antes aos destinatários - saber quais as razões pelas quais a Requerida entendeu corrigir o rendimento global dos Requerentes e entendeu ser devido imposto adicionalmente e, ainda, porquê nos valores que constam da nota de liquidação e não em quaisquer outros.

 

 

29.  Com efeito, do teor da liquidação não resulta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o motivo da alteração ao rendimento global que a Requerida operou entre a primeira liquidação e a liquidação aqui em causa.

 

 

30.  Nem sequer resulta em lado algum que tal diferença de valor provenha da alteração aos rendimentos da categoria G, pois que a liquidação em causa não discrimina os rendimentos tributáveis por categorias.

 

 

31.  É certo que todos o sabemos agora, mas no momento da prática da liquidação só a Requerida o sabia.

 

 

32.  E após a notificação da liquidação, apenas a Requerida continuou a sabê-lo.

33.  As leis constitucional e tributária são expressas quanto ao dever de motivar os actos tributários (artigos 268.°, n.° 2, da Constituição, 77.,° da LGT e 66.°, n.° 2, do Código do IRS), admitindo-a de forma sucinta - é certo - e mesmo por remissão, mas impondo-a sempre de forma expressa, que não meramente implícita, presumível ou intrínseca, pois não incumbe aos particulares anteverem, anteciparem ou preverem os motivos que conduziram à alteração da sua situação tributária.

 

 

34.  Constitui dever nuclear da Requerida - enquanto órgão da Administração pública - o de fundamentar nos termos legais os actos tributários e em matéria tributária potencialmente lesivos, sem excepções à regra, ao contrário do que sucede quanto à audição prévia – esta sim, legalmente dispensável, quando a liquidação se faça com base nas declarações dos contribuintes.

 

 

35.  E tal dever não foi cumprido pela Requerida.

 

 

 

36.  Contra o que vem de dizer-se, não se esgrima que os Requerentes poderiam - ou até deveriam - ter lançado mão do procedimento previsto no artigo 37.°, do CPPT.

 

 

37.  É que o artigo 37.º, do CPPT só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não as consequências dos vícios dos actos notificados.[1]

 

 

38.  Daí que no âmbito do art. 37.º a AT apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado.

 

 

39.  Ora, no caso dos presentes autos, o vício não é apenas da notificação, é intrínseco ao próprio acto notificado, pelo que o recurso ao mecanismo previsto no artigo 37.º, do CPPT, nada acrescentaria.

 

 

 

40.  Acresce que se na notificação foi omitida a indicação da fundamentação do acto, o não uso da faculdade prevista naquele artigo 37.º apenas tem como consequência que o destinatário perdeu o direito a ser notificado dessa fundamentação, mas não provoca a perda do direito a que o acto notificado esteja fundamentado e a invocar o respectivo vício de falta de fundamentação. [2]

 

 

41.  Razões pelas quais o não uso da faculdade prevista no artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, não implica quaisquer consequências quanto à (in)validade do acto notificado.

 

 

 

42.  E também que não se diga que aos Requerentes era fácil descobrir a fundamentação do acto, que era simples perceber-se a motivação da Requerida.

 

 

43.  Com efeito, a lei admite - e bem - que a fundamentação possa ser sucinta, mas ela tem que existir.

 

 

44.  Já que a exigência constitucional e legal da fundamentação dos actos administrativos lesivos da esfera jurídica dos particulares não se satisfaz nem com uma mera “fundamentação” contextual nem muito menos com uma fundamentação do tipo “só poderia ser disso”.

 

 

45.  Claro que os Requerentes, no presente caso, parecem ter “acertado” na motivação da Requerida.

 

 

46.  Mas precisaram de “acertar”, melhor é dizer, precisaram de presumi-la, quando não de adivinhá-la.

 

 

47.  E ao fazê-lo, fizeram mais do que deviam, enquanto a Requerida fez notoriamente muito menos do que devia.

 

 

48.  Por fim, não colhe o argumento de que se trata de actos praticados em massa e/ou pelo “sistema” e que, nessa medida, a exigência de fundamentação do acto deveria ser diversa.

 

 

49.  Antes de mais, a Constituição não recebeu tal distinção entre a fundamentação de actos em massa e a dos restantes actos.

 

 

50.  Mas, além disto, a verdade é que se os actos são “em massa” para a Requerida, jamais o são para o particular - e neste caso não foram certamente.

 

 

51.  E a fundamentação é exigida no interesse do particular, não no da Administração pública.

 

 

52.  Daí que o grau de exigência na fundamentação haja de aferir-se pela conteúdo do acto praticado e não em função das limitações - técnicas, mas também orçamentais - dos sistemas informáticos.

 

 

53.  E no caso, o conteúdo do acto consiste na alteração da situação tributária dos Requerentes.

 

 

54.  Em consequência, verifica-se o vício de falta de fundamentação do acto tributário sob escrutínio, o que haverá necessariamente de conduzir à respectiva anulação.

 

 

Quanto ao erro na determinação da matéria colectável:

 

 

55.  Não obstante o acto submetido à presente pronúncia arbitral se encontrar viciado por falta de fundamentação, entende este Tribunal revelar-se útil a pronúncia arbitral - ainda que sumária - sobre o terceiro vício invocado pelos Requerentes, qual seja erro na determinação da matéria colectável, por se ter verificado a realização efectiva do reinvestimento.

 

 

56.  Resulta do probatório que os Requerentes, não obstante terem declarado na declaração modelo 3, de IRS, do ano de 2007, a intenção de reinvestimento do valor de realização remanescente, não inscreveram nas declarações de rendimentos dos três anos seguintes qualquer valor de reinvestimento.

 

 

 

57.  E que só após mais tarde procederam à apresentação de novas declarações modelo 3 de IRS, nas quais inscreveram já, no respectivo anexo G, os valores que entenderam terem sido reinvestidos em cada um daqueles anos.

 

 

58.  Tais declarações de substituição não foram “liquidadas”, pelo que delas não resultou a prática de qualquer acto por parte da AT.

 

 

59.  É possível que o reinvestimento realizado seja ainda considerado nestas condições?

 

 

60.  Somos de opinião que sim.

 

 

61.  Primeiro que tudo, haverá que dizer que as declarações fiscais apresentadas pelos particulares revestem a natureza de meras declarações de ciência.

 

 

62.  O mesmo é dizer que tais declarações não têm efeitos constitutivos quanto à situação tributária dos seus autores.

 

 

63.  Depois, importa sublinhar que tais declarações são meras representações da realidade - em princípio com esta coincidentes.

 

 

64.  Porém, quando a realidade divirja da sua representação declarativa - em particular mas não-só, em matéria tributária -, é imperativo que se tribute a realidade.

 

 

65.  Isto só não sucederá em situações excepcionais - por exemplo, quando ocorra séria violação do dever de cooperação do particular e mesmo assim, a AT deverá ter sempre em conta a possibilidade de adequar a representação possível da realidade da situação tributária à própria realidade.

 

 

66.  Daqui decorre que, demonstrando-se que, apesar de não atempadamente declarado, o reinvestimento ocorreu efectivamente, é dever da AT corrigir a errada representação da realidade, em vez de ignorá-la.

 

 

67.  E assim, ainda que o vício de falta de fundamentação do acto tributário em causa não tivesse procedido, sempre procederia o vício de erro na determinação da matéria colectável, porque demonstrado documentalmente nos autos o efectivo reinvestimento.

 

 

 

Juros indemnizatórios

 

 

68.  Os Requerentes pedem ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

 

69.  Dispõe o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

 

70.  Do decidido, decorre que a anulação do acto tributário tem por causa erro imputável à Requerida,

 

 

71.  Já que esta tinha o dever legal - de origem expressamente constitucional - de proceder à fundamentação do acto e, não obstante, não o fez.

 

 

72.  Não ignora este Tribunal que boa parte da jurisprudência e da doutrina entendem não haver lugar a juros indemnizatórios quando se verifique anulação por vício de forma, como é o caso destes autos.

 

 

73.  Mas a verdade é que - com o devido respeito por entendimento divergente - o artigo 43.º, n.º 1, da LGT singularmente exige «erro imputável aos serviços», aí não distinguindo entre as várias formas de erro, nem entre erro e vício.

 

 

74.  Entende pois o Tribunal que o vício de forma, consistente na falta de fundamentação do acto sob escrutínio, constitui erro imputável aos serviços da Requerida, gerador de responsabilidade indemnizatória, ao abrigo do artigo 43.º, da LGT.

 

 

 

75.  Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre os dias em que foi efectuado o pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito.

 

 

 

I - DECISÃO

 

 

Nos termos anteriormente expostos, decide este Tribunal Arbitral:

 

 

1)      Declarar verificada a excepção de caducidade do direito dos Requerentes a requerer pronúncia arbitral quanto à liquidação adicional de IRS n.º 2012 ..., de 02.04.2012, no montante € 952,00 e, em consequência, julgar improcedente o pedido relativo a este acto tributário.

 

 

2)      Julgar procedente na totalidade, por violação de lei, a impugnação da legalidade do acto tributário consistente na liquidação de IRS n.° 2011 ..., de 28.11.2011, no montante de € 4.031,88, relativa ao ano de 2007 e, em consequência, anular na totalidade a referida liquidação.

 

 

3)      Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto em causa até ao momento da restituição da quantia indevidamente paga, relativamente à liquidação de IRS n.° 2011 ..., de 28.11.2011, no montante de € 4.031,88, relativa ao ano de 2007, agora anulada.

 

 

Fixa-se o valor do processo em € 4.983,88, nos termos do artigo 97.°-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos seguintes termos:

 

a)      A pagar em 90% pelos Requerentes, uma vez que estes decaíram quanto à impugnação da liquidação de IRS, relativa ao ano de 2007, n.° 2012 ..., de 02.04.2012, no montante € 952,00 e, com a sua conduta declarativa omissiva, determinaram a Requerida à prática da agora impugnada liquidação de IRS, relativa ao ano de 2007, n.° 2011 ..., de 28.11.2011, no montante de € 4.031,88, a ela dando origem.

 

b)      A pagar em 10% pela Requerida, uma vez que esta foi vencida no pedido de juros indemnizatórios,

 

tudo nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, em 30 de Maio de 2014

 

 

 

O Árbitro,

 

 

 

 

 

 

 

 

José António Martins Alfaro

 

 

 

 

 

 

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo

 

 



[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume I, 6.ª ed., 2011, pág. 349, nota 3, ao artigo 37.° do CPPT

[2] JORGE LOPES DE SOUSA, ob.cit., pág. 350