Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 208/2013-T
Data da decisão: 2014-05-14  IMI  
Valor do pedido: € 240.206,95
Tema: IMI – competência do Tribunal Arbitral; tempestividade
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

 

 

1.      Relatório

 

 

A - Geral

 

 

1.1.            A, sociedade com sede na Avenida …, em .., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva … (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 30.08.2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo em matéria tributária, que foi aceite, visando a anulação parcial das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (de ora em diante IMI) n.º 2008 …, de 27.02.2009, revista pela demonstração da revisão oficiosa da liquidação de IMI n.º 2008 …, de 04.06.2009, e n.º 2008 …, de 04.06.2009, correspondente às primeira e segunda prestações de IMI do ano 2008 (de ora em diante Liquidações Impugnadas) de cerca de 270 (duzentos e setenta) prédios de que é proprietária e que se encontram listados no art.º 10.º do requerimento de constituição de tribunal arbitral colectivo (de ora em diante prédios).

 

1.2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro-presidente), Ana Teixeira de Sousa e Nuno Pombo, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído a 30.10.2013.

 

1.4.            No dia 30.10.2013 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.5.            No dia 29.11.2013 a Requerida apresentou a sua resposta bem como o despacho de designação dos Senhores Dr. … e Dr. … para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

1.6.            A Requerente é proprietária dos prédios, tendo sido notificada, em 2009, das liquidações impugnadas. 

 

1.7.            No dia 31.12.2012, a Requerente requereu, ao abrigo do disposto no art.º 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (de ora em diante LGT), revisão oficiosa das Liquidações Impugnadas, não tendo recebido qualquer resposta no prazo de 4 (quatro) meses a contar da sua apresentação, razão por que se deve ter por tacitamente indeferido o dito requerimento, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 57.º, n.º 1 e n.º 5 da LGT.

 

1.8.            Na sequência da entrada em vigor da reforma da tributação do património aprovada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, a Autoridade Tributária procedeu à actualização do valor patrimonial tributário dos prédios, alegando a Requerente nunca ter sido notificada do resultado dessas actualizações feitas ao valor patrimonial dos prédios de que era proprietária.

 

1.9.            Em 2004, com a notificação das liquidações de IMI dos prédios de que era proprietária relativas ao ano de 2003, e dadas as diferenças face às liquidações do mesmo imposto referentes ao ano imediatamente anterior, depreendeu a Requerente que a referida actualização do valor patrimonial dos referidos prédios havia tido lugar.

 

1.10.        Contudo, das liquidações de IMI dos prédios de que era proprietária relativas a 2003 não constam o método e os critérios que subjazeram ao apuramento dos actualizados valores patrimoniais tributários respectivos, ausência que “dificultou o exercício do necessário juízo crítico sobre a oportunidade da reclamação com base em erro de facto ou de direito”, pelo que a Requerente se viu “compelida a aceitar” a dita fixação.

 

1.11.        Esse “juízo crítico” de que fala a Requerente sugere a necessidade de poder ser escrutinada a correcta aplicação dos critérios eleitos pelo regime transitório estabelecido pela reforma referida em 1.8. para a actualização geral do valor patrimonial de prédios urbanos não arrendados.

 

1.12.        Entretanto, alguns dos prédios foram vendo o seu valor patrimonial tributário actualizado em função de primeiras transmissões, modificações substanciais ou pedidos voluntários de avaliação, ainda que cerca de metade dos prédios mantenha o valor patrimonial tributário que resultou da avaliação promovida pela administração tributária na sequência da entrada em vigor da reforma a que se fez alusão em 1.8. e com base no qual, desde essa data lhe vêm sido liquidadas e cobradas as respectivas prestações tributárias relativas ao IMI.

 

1.13.        Tanto assim que, também das liquidações impugnadas não constam “os motivos que determinaram a fixação do valor patrimonial tributário” dos prédios.   

 

1.14.        Assim, e relativamente às Liquidações Impugnadas, a Requerente nunca pôde validar os critérios a que apelava o regime transitório de avaliação de prédios urbanos imposto pela reforma mencionada no 1.8., nomeadamente o ano de inscrição na matriz e o valor patrimonial inicialmente fixado nesse ano da inscrição.

 

1.15.        Conclui, portanto, a Requerente no sentido de padecerem as liquidações impugnadas do “vício de forma” de ausência de fundamentação, em violação do princípio que a impõe em todos os actos da administração, princípio que encontra respaldo em várias disposições normativas, nomeadamente, no n.º 3 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante CRP), nos n.º 1 e n.º 2 do art.º 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (de ora em diante CPPT), no n.º 2 do art.º 77.º da LGT e no artigos 124.º e 125.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força da alínea c) do art.º 2.º da LGT, o que torna as Liquidações Impugnadas parcialmente inválidas.

 

1.16.        A parte das liquidações impugnadas inválida é justamente a que respeita àqueles Prédios cujo valor patrimonial tributário foi fixado no âmbito da reavaliação geral imposta pelo regime transitório estabelecido na reforma referida em 1.8. e que são mencionados na alínea c) do art.º 86.º do requerimento de pronúncia arbitral.

 

1.17.        A Requerente procedeu ao pagamento do tributo que lhe era exigido pelas liquidações impugnadas, pelo que pede a devolução do que indevidamente lhe foi cobrado.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

1.18.        A Requerida, na sua resposta, entende que o requerimento de revisão oficiosa referido em 1.7. é “um meio inidóneo para fazer valer as pretensões” da Requerente, uma vez que, no seu juízo, o vício de falta de fundamentação não está abrangido pelo conceito de “erro imputável aos serviços”, para efeitos do regime de revisão oficiosa de actos tributários estabelecido no art.º 78.º da LGT, pelo que o alegado indeferimento tácito do requerimento de revisão oficiosa não pode suscitar o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

1.19.        Entende igualmente a Requerida que as liquidações impugnadas não são sindicáveis com base nos motivos apresentados pela Requerente, uma vez que o valor patrimonial dos prédios foi notificado à Requerente em 2004, tendo tido a Requerente oportunidade, nessa ocasião, de reclamar, solicitar a sua determinação de acordo com as regras do Código do IMI ou impugnar judicialmente a fixação do valor patrimonial dos prédios.

 

1.20.        Sucede que a Requerente optou por não reclamar, não solicitar nova avaliação dos valores patrimoniais nem impugnar judicialmente essa fixação, pelo que a mesma se deve ter por definitiva, sob pena de se considerar que todas as liquidações de IMI ocorridas ou a ocorrer depois de 2004 são sindicáveis pelo eventual vício de falta de fundamentação da fixação desse valor em 2003.

 

1.21.        As liquidações impugnadas resultam de valores patrimoniais fixados no âmbito do regime transitório de avaliação de prédios urbanos imposto pela reforma mencionada no 1.8., os quais foram notificados à Requerente, tendo ela podido, se quisesse, nessa altura, alegar o vício de forma que ora invoca para pôr as em crise o IMI de 2008.

 

1.22.        Nessa medida, o que subjaz ao pedido de pronúncia arbitral é a fixação do valor patrimonial tributário dos prédios, na sequência da actualização que teve lugar em 2003 e não propriamente o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa referido em 1.7., sendo certo que esse valor, com excepção da actualização periódica prevista no art.º 138.º do Código do IMI, corresponde, nas liquidações impugnadas, ao que havia sido notificado à Requerente em 2004.

 

1.23.        Sustenta ainda a Requerida a inexistência de acto impugnável, uma vez que a Requerente nunca reagiu, contenciosa ou judicialmente, das liquidações impugnadas, limitou-se a fazer uso, indevido, do pedido de revisão oficiosa, cujo pretenso indeferimento tácito motiva o presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que se acham precludidos os meios de defesa que a ordem jurídica coloca ao dispor da Requerente. Aliás, nem de indeferimento tácito se pode propriamente falar, porquanto não estavam reunidos os pressupostos da dita revisão, o que significa que a Requerida não tinha o dever de decidir.

 

1.24.        Na ausência de acto impugnável, conclui a Requerida no sentido da sua absolvição da instância, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 576.º do Código do Processo Civil (de ora em diante CPC), aplicável por força da alínea e) do art.º 29 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), não podendo pois ser conhecido o objecto do pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 278.º do CPC, aplicável por via da alínea e) do art.º 2.º do CPPT, da alínea e) do art.º 29.º do RJAT, da alínea a) do n.º 1 do art.º 87.º e da alínea c) do n.º 1 do art.º 89.º, ambas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis ex vi alínea c) do art. 2.º do CPPT e da alínea c) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

1.25.        Sem prejuízo das excepções dilatórias que invoca, entende a Requerida que a regra das reavaliações realizadas por força do regime transitório da reforma mencionada no 1.8. se resume à aplicação de coeficientes fixados na Portaria n.º 1337/2003, de 5 de Dezembro a valores patrimoniais já conhecidos dos contribuintes, pelo que essa actualização não carecia de ser notificada, de forma autónoma, aos sujeitos passivos (com excepção da actualização respeitante a prédios urbanos isentos de IMI – art.º 20.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro), sendo estes apenas notificados dos novos valores patrimoniais tributários, através de documento de cobrança.

 

1.26.        Sustenta, pois, a Requerida que a Requerente foi regular e validamente notificada da actualização dos valores patrimoniais dos prédios, através das liquidações de IMI referentes ao ano de 2003, tendo optado por conformar-se com eles, por não ter feito uso de nenhum dos meios de defesa previstos na lei.

 

 

D – Reacção da Requerente às excepções invocadas pela Requerida na sua Resposta

 

 

1.27.        No dia 09.12.2013 a Requerente, por escrito, ao abrigo do princípio do contraditório, apresentou a sua oposição às excepções invocadas pela Requerida na sua resposta, uma vez que elas obstam ao conhecimento do mérito do pedido.

 

1.28.        Entende a Requerente que o pedido de revisão oficiosa mencionado em 1.7. não é um meio impróprio nem inidóneo de reacção contra as liquidações impugnadas, uma vez que são elas e não as liquidações de 2003 que são objecto, mediato ou imediato, do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.29.        Sustenta a Requerente que o pedido de revisão oficiosa se funda num “erro imputável aos serviços” nas liquidações impugnadas, cabendo nesse conceito o vício de forma consistente na falta de fundamentação do valor patrimonial dos prédios.

 

1.30.        Por nunca lhe ter sido notificada a actualização dos valores patrimoniais dos prédios de que era proprietária, nos termos do regime transitório estabelecido pela reforma a que se alude no 1.8., entende a Requerente que enfermam de ilegalidade todos os actos tributários subsequentes e a circunstância de nunca ter reagido das liquidações anteriores não sana o vício que afecta as liquidações impugnadas.

 

 

E – Posição da Requerida relativamente à reacção da Requerente às excepções invocadas pela Requerida na sua Resposta

 

 

1.31.        A Requerida no dia 23.12.2013 apresentou por escrito a sua posição no que respeita à reacção da Requerente às excepções por si invocadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral. 

 

1.32.        Entende a Requerida que o RJAT não prevê a apresentação de qualquer articulado subsequente à apresentação da resposta pela Requerida, razão por que pede ao tribunal arbitral que desentranhe dos autos o documento apresentado pela Requerente no dia 09.12.2013 e que dele não tome conhecimento, sob pena de violação do disposto na alínea b) do art.º 18.º do RJAT.

 

1.33.        Entende ainda a Requerida que a Requerente, no requerimento apresentado, não só se opõe às excepções por si invocadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral como tece considerações a elas alheias, respeitantes ao fundo da questão a decidir, o que não deve ser admitido.

 

 

F – Conclusão do Relatório

 

 

1.34.        No dia 07.01.2014, pelas 11h, teve lugar a primeira (e única) reunião do tribunal arbitral colectivo com as partes, tendo a Requerente solicitado que fosse admitida a possibilidade de apresentar alegações por escrito, o que o tribunal deferiu, não tendo nenhuma das partes, por estar em causa matéria exclusivamente de direito, visto necessidade da realização de qualquer diligência adicional.

 

1.35.        Assim, foi concedido um prazo de 15 (quinze) dias, sucessivos, para que a Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentassem as suas alegações escritas, o que ambas fizeram, em tempo.

 

1.36.        Nas suas alegações, a Requerente reitera, em termos substancialmente idênticos, o que havia sido já apresentado no pedido de pronúncia arbitral e no requerimento de 09.12.2013.

 

1.37.        Por sua vez, a Requerida, nas suas alegações, mantém tudo aquilo que expendeu na sua resposta, não apresentando nada de novo que em termos substanciais se mostrasse materialmente relevante para a apreciação a que cumpre proceder. 

 

1.38.        O tribunal arbitral colectivo, dada a especial complexidade do processo proferiu, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, dois despachos de prorrogação do prazo para a prolação da decisão, tendo a respectiva data sido fixada para o dia 24 de Junho de 2014.

 

1.39.        O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

1.40.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

1.41.        O processo não padece de qualquer nulidade, mostrando-se reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral. Tendo sido suscitadas pela Requerida excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, irão ser, primeiro, apreciadas as invocadas excepções e, caso elas se mostrem improcedentes, o mérito da causa.

 

 

2.      Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

2.1.1.      A Requerente é titular de direitos reais sobre cerca de 270 (duzentos e setenta) prédios, que se encontram listados no art.º 10.º do requerimento de constituição de tribunal arbitral colectivo.

 

2.1.2.      A Requerente, em 2004, foi notificada das liquidações de IMI dos prédios de que era proprietária relativas ao ano de 2003.

 

2.1.3.      Das liquidações de IMI dos prédios de que a Requerente era proprietária relativas ao ano de 2003 consta, para cada um deles, um valor patrimonial diferente do que havia sido pela Requerida considerado no ano anterior em sede de tributação desse mesmo património imobiliário.

 

2.1.4.      Procedeu, pois, a Requerida à actualização do valor patrimonial de cada um dos prédios de que a Requerente era proprietária na sequência da entrada em vigor do Código do IMI, tal como previsto pelo regime transitório estabelecido pela reforma referida em 1.8..

 

2.1.5.      A Requerente depreendeu que a Requerida, relativamente ao IMI de 2003 dos prédios de que era proprietária, havia procedido a uma actualização do respectivo valor patrimonial tributário.

 

2.1.6.      Nunca a Requerida apresentou à Requerente qualquer outro documento em que especificamente constem o método e os critérios que subjazeram ao apuramento dos actualizados valores patrimoniais tributários de cada um dos prédios de que a Requerente era proprietária.

 

2.1.7.      A Requerente foi devidamente notificada das liquidações de IMI dos prédios de que era proprietária relativas aos anos de 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008.

 

2.1.8.      A Requerente nunca fez uso dos mecanismos que a ordem jurídica coloca à sua disposição para pôr em crise as liquidações de IMI relativas ao ano de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007.

 

2.1.9.      A Requerente pagou o IMI referente aos anos de 2003 a 2008 de cada um dos prédios de que era proprietária.

 

2.1.10.  No dia 31.12.2012 a Requerente dirigiu à Requerida, mais propriamente à Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, um pedido de revisão oficiosa pelo qual solicita a anulação parcial da liquidação de IMI referente ao exercício de 2008 (doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

2.1.11.  A Requerida não apresentou qualquer resposta ao pedido de revisão oficiosa referido em 2.1.10..

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa, que devam considerar-se não provados.

 

 

3.      Matéria de direito

 

Questões prévias

 

a)      Da resposta escrita da Requerente às excepções invocadas pela Requerida na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral 

 

3.             

3.1.             

3.1.            Na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida, como se deixou dito, invocou excepções dilatórias, tendo a Requerente dirigido ao tribunal arbitral colectivo uma reacção escrita. Entende a Requerida que “a resposta às excepções por escrito vertidas no requerimento da Requerente viola claramente o disposto na alínea b) do art.º 18.º do RJAT”, pelo que pede o “seu desentranhamento do processo”.

 

Esta é, pois, a primeira questão que importa dilucidar.

 

3.2.            A arbitragem em matéria tributária é dominada por diversos princípios, entre os quais o do contraditório, o da celeridade processual e o da autonomia do tribunal na condução do processo.

 

O primeiro desses princípios, o do contraditório, impõe que às partes seja assegurada a faculdade “de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo” [alínea a) do art.º 16.º do RJAT]. Já o da celeridade encontra expressão no n.º 1 do art.º 21.º do RJAT, que refere que a “decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral”. Aliás, a alínea c) do art.º 16.º que estabelece o último princípio a que se fez referência, o da autonomia, funda no da celeridade a sua existência, uma vez que afirmado claramente que a “autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras a observar” tem por objectivo a “obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas”.

 

3.3.            Ainda que se aceite, como refere a Requerida, que o RJAT tem como objectivo fundamental a “celeridade e a eficácia na resolução de litígios”, daqui não decorre a impossibilidade legal de serem apresentadas ao tribunal arbitral posições escritas das partes, para além do pedido de pronúncia arbitral e da respectiva resposta da administração tributária e aduaneira. Como bem refere a Requerida, o tribunal arbitral dispõe de “um limite temporal de seis meses” para proferir a decisão arbitral, cabendo-lhe, pois, com total autonomia, conduzir o processo nos termos que entender, desde que seja garantida a pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas em tempo útil.

                                                                                                   

3.4.            Ainda que a alínea b) do art.º 18.º refira que na primeira reunião com as partes se deve ouvi-las “quanto a eventuais excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido”, não se pode interpretar esta disposição no sentido de com ela se pretender coarctar a faculdade de as partes se pronunciarem por escrito sobre essas excepções, mesmo antes da primeira reunião, se a isso não se opuser o tribunal arbitral. Como se aceitará, nenhum interesse sério da Requerida ficará prejudicado caso o tribunal arbitral colectivo entenda aceitar a posição escrita que a Requerente apresentou a propósito das excepções invocadas pela Requerida na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, desde que, claro, se garanta a uma decisão arbitral no prazo estabelecido.

 

3.5.            Assim, julga o tribunal arbitral colectivo ser de admitir a posição escrita que a Requerente apresentou a propósito das excepções invocadas pela Requerida na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, indeferindo consequentemente o requerimento da Requerida em que esta pede o seu desentranhamento do processo.

 

b)     Da impropriedade do pedido de revisão oficiosa e excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

3.6.            No dia 31.12.2012, a Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no art.º 78.º, n.º 1 da LGT, pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI n.º 2008 ..., de 27.02.2009, revista pela demonstração da revisão oficiosa da liquidação de IMI n.º 2008 ..., de 04.06.2009, e n.º 2008 ..., de 04.06.2009, correspondente às primeira e segunda prestações de IMI do ano 2008, não tendo recebido qualquer resposta no prazo de 4 (quatro) meses a contar da sua apresentação.

 

3.7.            Na sua resposta, a Requerida começou por alegar que o requerimento de revisão oficiosa é “um meio inidóneo para fazer valer as pretensões” da Requerente, uma vez que, no seu juízo, o vício de falta de fundamentação não está abrangido pelo conceito de “erro imputável aos serviços”, para efeitos do regime de revisão oficiosa de actos tributários estabelecido no art.º 78.º da LGT, pelo que o alegado indeferimento tácito do requerimento de revisão oficiosa não pode suscitar o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

3.8.            Efectivamente, julga a Requerida que as liquidações impugnadas não são sindicáveis com base nos motivos apresentados pela Requerente, uma vez que o valor patrimonial dos prédios foi notificado à Requerente em 2004, tendo tido a Requerente oportunidade, nessa ocasião, de reclamar, solicitar a sua determinação de acordo com as regras do Código do IMI ou impugnar judicialmente a fixação do valor patrimonial dos prédios.

 

3.9.            Sucede que a Requerente optou por não reclamar, não solicitar nova avaliação dos valores patrimoniais nem impugnar judicialmente essa fixação, pelo que a mesma se deve ter por definitiva, no entender da Requerida.

 

3.10.        Sustenta ainda a Requerida a inexistência de acto impugnável, uma vez que a Requerente nunca reagiu, contenciosa ou judicialmente, das liquidações impugnadas, tendo-se limitado a fazer uso, indevido, do pedido de revisão oficiosa, cujo pretenso indeferimento tácito motiva o presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que se acham precludidos os meios de defesa que a ordem jurídica coloca ao dispor da Requerente.

 

3.11.        Atendendo à posição das Partes, assumida nos articulados apresentados e nas alegações produzidas, e em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 608.º do CPC, constituem questões centrais a dirimir por este tribunal arbitral as seguintes:

i)                    A alegada impropriedade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente que conduziria à inimpugnabilidade do acto por falta de objecto;

ii)                  A consequente excepção de intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral;

iii)                A alegada ilegalidade das liquidações de IMI n.º 2008 ..., de 27.02.2009, revista pela demonstração da revisão oficiosa da liquidação de IMI n.º 2008 ..., de 04.06.2009, e n.º 2008 ..., de 04.06.2009, correspondente às primeira e segunda prestações de IMI do ano 2008.

 

3.12.        Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 608.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, deve a excepção ser conhecida em primeiro lugar, uma vez que a sua procedência terá como efeito a extinção da instância o que, consequentemente, torna irrelevante a apreciação do pedido.

 

3.13.        Cabe, pois, a este tribunal arbitral decidir sobre a idoneidade do meio processual utilizado pela Requerente e objecto do pedido de pronúncia do tribunal, que se traduz na apresentação de pedido de revisão oficiosa, apresentado ao abrigo do artigo 78º da LGT, das liquidações de IMI supra identificadas referentes ao ano de 2008, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 31.12.2012, com base na falta de fundamentação dos actos tributários de liquidação do IMI de 2008.

 

3.14.        Ou seja, cabe em primeira instância ao tribunal arbitral decidir se deve integrar-se no conceito de “erro imputável aos serviços” o vício de forma de ausência de fundamentação.

 

3.15.        A Requerida entende que não e invoca o voto de vencido do Ac. do STA de 14.03.2012, n.º 01007/11, do Conselheiro Lino Ribeiro: “a falta de fundamentação ou a errada interpretação da norma aplicada, são ilegalidades que não se enquadram no conceito de “erro”, como ignorância ou imperfeito conhecimento das regras do Direito, ou das circunstâncias de facto, revelada pela declaração, e não na vontade de quem emitiu o acto. De outra forma corre-se o risco de transformarmos as anulabilidades em nulidades, caso o tributo não tenha sido pago. O erro previsto naquela norma só pode ser o “erro material” ou o “erro obstáculo” que pode ser corrigido a todo o tempo, ou no prazo de quatro anos, conforme o imposto tenha ou não sido pago”.

 

3.16.        A Requerente, por seu turno, entende que sim – que a “erro imputável aos serviços” pode corresponder qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração – v. Ac. do STA de 22.03.2011, processo n.º 1009/12 e ainda o já referido Ac. do STA de 14.03.2012, processo n.º 01007/11.

 

3.17.        O artigo 78º da LGT, na parte relevante para apreciação do caso, dispõe o seguinte:

 

Art.º 78º - Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3 – ……………………………………………………………………………

4 – …………………………………………………………………….….
5 – ……………………………………………………………………………

6 - ……………………………………………………………………………

7        - …………………………………………………………………………

 

3.18. O artigo 78.º da LGT, na parte que ora nos importa, prevê que o acto tributário possa ser objecto de revisão pela entidade que o praticou em duas situações:

a.            Por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa, com fundamento em qualquer ilegalidade;

b.           Por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

3.19.        Tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo de revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão à Administração Tributária.

 

3.20.        Efectivamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem decidindo, de forma constante, que, tal como a administração tributária pode, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento de erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, naquele prazo de revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento erro imputável aos serviços - vide neste sentido os Acórdãos de 11.05.2005, processo 0319/05, e de 02.11.2005, processo 512/05, in www.dgsi.pt e também os Acórdãos de 20/03/2002, 19/11/2003 rec. 1181/03, 17/12/2002 rec. 1182/03, 29/10/2003 rec. 462/03, 02/04/2003 rec. 1771/02, 20/07/2003 rec. 945/03, 30/01/2002 rec. 26.231, todos citados no primeiro aresto a que fazemos referência.

 

3.21.        A possibilidade de o contribuinte suscitar o pedido de revisão oficiosa junto da administração tributária, no prazo de 4 anos, (exceptuado o fundamento de duplicação de colecta ou de injustiça grave e notória, que não foi alegado pela Requerente em nenhuma circunstância e não tem aplicabilidade in casu) depende da verificação dos pressupostos de “erro imputável aos serviços” nas liquidações controvertidas de 2008, por vício de falta de fundamentação.

 

3.22.        Cabe pois a este tribunal arbitral aferir da interpretação do conceito de «erro imputável aos serviços», referido naquele normativo legal e da inclusão neste conceito do vício de “falta de fundamentação” como fundamento do pedido de revisão do acto tributário, de forma a decidir se está investido na obrigação legal de decidir sobre o mérito da causa.

 

3.23.        Na verdade, a não verificação dos referidos pressupostos prejudica a procedência do pedido da Requerente quanto ao objecto bem como quanto à tempestividade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 87.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 89.º, ambos do CPTA, e alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, aplicáveis por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

3.24.        Ora a este propósito e no quadro da interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” plasmado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, escreve o Exmo. Sr. Conselheiro Jorge de Sousa in CPPT anotado, Vol. I, pág.472 e segs., que “a utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência pelo que a utilização daquela expressão “erro” tem um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”.

 

3.25.        Acompanha esta posição a jurisprudência do STA – v. Ac. processo n.º 892/2009, de 02/12/2009, Ac. processo n.º 0999/2009, de 17/03/2010 e Ac. processo n.º 244/2008, de 01/10/2008, entre outros.

 

3.26.        Como decorre firmemente desta jurisprudência do STA, a expressão “erro imputável aos serviços” refere-se a “erro” e não a “vício”, o que inculca que quer relevar apenas os erros sobre os pressupostos de facto ou de direito que levaram a Administração a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não considerando os vícios formais ou procedimentais que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não implicam, necessariamente, uma errónea definição daquela relação (cf. ainda neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2007, recurso 80/07, de 21.01.2009 recurso 945/08, e de 1.10.2008, recurso 244/08, todos in www.dgsi.pt e ainda Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 4 edição, pág. 293).

 

3.27.        Esta é, aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa, ob. citada a págs. 295 “uma restrição que se compreende. Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade”.

 

3.28.        “Mas, o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu”.

 

3.29.        Nos termos da jurisprudência citada, o “erro imputável aos serviços” deve, pois, ser entendido como erro relativo ao apuramento da situação tributária do contribuinte, não se abrangendo nesse conceito os vícios formais ou procedimentais.

 

3.30.        Seguimos aqui muito de perto, sufragando, a doutrina subscrita pelo Ac. do STA de 04/11/2009, processo n.º 0665/2009, o qual, a propósito da integração do conceito de “erro imputável aos serviços” previsto no artigo 43.º n.º 1 da LGT, considera que deverá ter o mesmo alcance que o conceito nominalmente idêntico utilizado pelo n.º1 do artigo 78.º da LGT, que distingue entre “erro imputável aos serviços” e qualquer outra “ilegalidade” nos seguintes termos:

 

3.31.        “A utilização da expressão erro e não vício ou ilegalidade inculca a intenção do legislador de eleger como fundamento dos juros indemnizatórios apenas o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (art.º 43.º n.º1 LGT).

 

3.32.        A ocorrência de vício de forma per si, significando a violação de uma norma reguladora da actividade da administração tributária, nada revela sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária, face às normas fiscais substantivas aplicáveis.

 

3.33.        As situações em que há lugar a pagamento de juros indemnizatórios são indicadas no art.º 43.º da LGT.

 

3.34.        Relativamente a anulação de actos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é indicado no n.º 1 deste artigo, nos termos do qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

3.35.        Assim, à face deste n.º 1, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal.

 

3.36.        Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito.

 

3.37.        Mas, a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. ( ) Sobre o uso desta terminologia, consagrada na doutrina e na jurisprudência, pode ver-se MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, volume I, páginas 564-566).

 

3.38.        Na verdade, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» têm um âmbito mais restrito do que a expressão «vício», que é utilizada legislativamente para referenciar qualquer ilegalidade.

 

3.39.        Por outro lado, constata-se que no CPPT se utiliza a expressão «vícios» quando se pretende aludir, genericamente, a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença).

 

3.40.        Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro», tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios.

 

3.41.        Esta é, aliás, uma restrição que se compreende.

 

3.42.        Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais e formais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade.

 

3.43.        Mas, o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, não implica qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Fiscal com base no acto inválido, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou preterição de formalidade legal ou a falta de competência da autoridade que a exigiu”.

 

3.44.        Ora no caso controvertido objecto da decisão do STA no processo nº 0665/09, os actos de liquidação impugnados não tinham sido declarados nulos por qualquer vício próprio, mas sim, como reflexo do vício de falta de fundamentação do acto de avaliação que tiveram como pressuposto.

 

3.45.        E, desta forma, concluiu o STA que a nulidade dos actos de liquidação impugnados no processo, que resultou apenas de vício de falta de fundamentação que inquina o acto de avaliação, não representou qualquer erro de facto ou de direito.

 

3.46.        Consequentemente, o STA determinou que se estava perante uma situação em que não se demonstra ter ocorrido erro de facto ou de direito, em que não está demonstrada antijuricidade a nível da relação tributária substantiva subjacente aos actos de liquidação impugnados e em que, por isso, não se justifica o direito a juros indemnizatórios por não estar preenchido o conceito de “erro imputável aos serviços”.

 

4.            Conclusões do Tribunal

 

4.1. Em síntese, e no caso sub judice, considera o tribunal arbitral que:

 

4.2.            A Requerente poderia ter invocado o vício da falta de fundamentação do acto de avaliação, verificado em 2003, a montante, através da apresentação de:

i)                    Reclamação administrativa

ii)                  Impugnação judicial

iii)                Pedido de revisão

 

4.3.            Não o tendo feito, não pode agora aproveitar o meio de defesa previsto no artigo 78.º da LGT, mesmo relativamente ao acto de liquidação de IMI de 2008, uma vez que o pedido de revisão a apresentar ao abrigo deste artigo implica a verificação de “erro imputável aos serviços”.

 

4.4.            E a falta de fundamentação, a existir, não integra o conceito de “erro imputável aos serviços” tratando-se antes de um “vício” ligado ao procedimento tributário com um âmbito e alcance mais restritos que o “vício” correspondente a qualquer ilegalidade.

 

4.5.            Não sendo assim sindicável o acto de liquidação de IMI relativamente ao ano de 2008 com base nas alíneas c) e h) do artigo 89.º do CPTA, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT.

 

5.       Decisão 

 

5.1.            Em face do exposto, acordam os árbitros que constituem este tribunal arbitral colectivo julgar procedentes as excepções suscitadas pela Requerida, a saber as da inimpugnabilidade do acto por falta de objecto e da intempestividade / caducidade do pedido de pronúncia arbitral.

 

5.2.            Uma vez que a procedência das excepções dilatórias obsta ao conhecimento do mérito do pedido, os árbitros que constituem este tribunal arbitral colectivo acordam, consequentemente, em absolver Requerida da instância

 

 

6.       Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 240.206,95 (duzentos e quarenta mil, duzentos e seis euros e noventa e cinco cêntimos).

 

 

7.       Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Maio de 2014

 

Os Árbitros

 

 

Manuel Macaísta Malheiros

 

 

 

Ana Teixeira de Sousa

 

 

 

Nuno Pombo

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.



[1] A redacção da presente decisão arbitral obedece à ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.