Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 219/2013-T
Data da decisão: 2014-05-02  Selo  
Valor do pedido: € 6.307,94
Tema: IS – Verba 28 da TGIS – Propriedade Vertical
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

Processo n.º 219/2013-T

 

Autora / Requerente: A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: Imposto de Selo – verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo

 

 

I – Relatório

 

A) Tramitação processual 

1. Em 9 de Setembro de 2013, A (doravante Requerente), contribuinte fiscal nº ..., residente na …, Serviço de Finanças de ... - …, veio ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de Imposto do Selo identificadas pelos nºs de documento 2012 ... e 2012 ....

2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

4. O tribunal arbitral ficou constituído em 13 de Novembro de 2013.

5. Em 27 de Janeiro de 2014 realizou-se a reunião do tribunal arbitral nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT. As partes declararam que não tinham mais nada a acrescentar ou comentar acerca das peças processuais. O tribunal notificou o mandatário da Requerente para juntar aos autos a indicação dos herdeiros da herança e o regime de bens vigente entre o autor da herança e a Requerente, contando-se o prazo de vista da Requerida a partir da notificação da junção. Notificadas ficaram as partes para se pronunciarem sobre se pretendem ou não dispensar alegações orais, o que vieram a fazer em 27 de Abril (AT) e 28 de Abril (Requerente), de 2014, no sentido da dispensa da sua produção.

6. Em 5 de Fevereiro de 2014, a Requerente juntou aos autos informação sobre a identificação dos herdeiros da herança e regime de bens da Requerente e do autor da herança, juntando certidão comprovativa, através de cópia de escritura de habilitação de herdeiros e do acto de abertura, em 5 de Agosto de 2011, de testamento cerrado, com cópia do mesmo.

 

B) Posição das Partes

7. O Pedido de pronúncia arbitral   

No pedido inicial a Requerente invocou, em síntese, que:

-          A liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2012 (documentos nº 2012 ... e nº 2012 ...), relativamente ao imóvel a que foi fixado um Valor Patrimonial Tributário (VPT) de € 1.261.589,63, de acordo com a verba 28, aditada ao Código de Imposto de Selo pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade;

-          A AT indeferiu a reclamação graciosa apresentada da referida liquidação sem responder à invocação pela Requerente de ilegalidade e inconstitucionalidade do imposto, assim violando o disposto no art. 55º da LGT e contrariando a generalidade da doutrina que sustenta que a AT está obrigada a adoptar a interpretação mais conforme com a Constituição.

-          A liquidação violou o princípio da igualdade fiscal (derivado do princípio geral da igualdade - artigo 13º da CRP - que exige a observância do critério da capacidade contributiva), igualdade horizontal e vertical, sobretudo esta, porque a Requerente, que possui um património no valor de cerca de 1.5 milhões de euros, suporta o Imposto do Selo, mas um hipotético contribuinte que possua património no valor de 9 milhões e 900 mil euros, não suporta um cêntimo deste imposto.

-          Quanto à desigualdade horizontal, a Requerente, que possui um imóvel cujo VPT ultrapassa, ainda que por pouco, €1.000.000 paga Imposto do Selo, mas outro, hipotético contribuinte que possua dez (10) imóveis cujo VPT seja de € 990.000 não paga um cêntimo de imposto.

-          E nenhum dos casos apresentados demonstra capacidade contributiva assim tão inferior à da Requerente (que detém um imóvel com valor tributário ligeiramente superior a um milhão de euros).

-          Também a lei manifesta aplicação desigual ao não sujeitar a impostos prédios urbanos sem afectação para habitação (por exemplo, os afectos a actividades de comércio ou de serviços).

-          Trata-se de soluções arbitrárias que são vedadas ao legislador fiscal pelos comandos constitucionais, pela doutrina e pela jurisprudência constitucional, designadamente os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 142/04 e n.º 348/97.

-          E mesmo quando o Tribunal Constitucional realça que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (cf. Acórdão do TC n.º 142/04), não deixa de afirmar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal.

-          Recentemente o TC veio reforçar a relevância do princípio da igualdade na verificação da validade constitucional das soluções normativas (Ac. 187/2013).

-          A presente liquidação de Imposto do Selo viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal (artigo 13º da CRP); porque baseada: (i) numa norma que trata contribuintes que se encontrem em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; (ii) numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional, constitucionalmente inadmissível, deve ser anulada.

-          A liquidação viola ainda o princípio da segurança jurídica (art. 2º da CRP), princípio estruturante do Estado de Direito, por se tratar de um imposto lançado em 29 de Outubro, cujo facto tributário se verifica dois dias após o lançamento do imposto, e que deve ser pago em cerca de 30 dias.

-          Quando o legislador lança impostos inesperados (e elevados) cuja relação jurídico-tributária se constitui dois dias após a publicação da norma/do lançamento do imposto, põe em causa a serenidade e confiança no quadro legislativo e fiscal.

-          Este imposto viola um aspecto fundamental da segurança jurídica - o princípio da irretroactividade da lei fiscal - porque de acordo com a alínea b) do nº 1 do art. 6º do diploma em questão, o sujeito passivo do imposto, em 2012, era o proprietário, usufrutuário ou superficiário, do imóvel dois dias após o lançamento do imposto.

-          Num caso, em que um qualquer agente económico se encontra impossibilitado de prevenir a sujeição a este imposto alienando em dois dias um imóvel cujo VPT é de, pelo menos, um milhão de euros, estamos perante um fenómeno de retroactividade material (Acórdão TC 63/96, 24/01/2006).

-          Nem há estado de necessidade financeira do Estado que justifique tamanho atropelo a um princípio constitucional tão estruturante do Estado de Direito como o da segurança jurídica, nem a violação directa de um princípio que o legislador Constitucional português entendeu plasmar de forma expressa e inequívoca no nº 3 do artigo 103.º da nossa lei fundamental – o de que a lei fiscal não pode ter eficácia retroactiva.

-          Sendo ilegal a liquidação, terá a Requerente direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, de acordo com o artigo 43º da LGT e no prazo e nas condições fixadas no artigo 61.º do CPPT, ou seja calculados até ao efectivo reembolso do imposto (e juros compensatórios correspondentes) considerado indevidamente pago.

 

8. Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

A Requerida respondeu, em síntese:

-          Ao contrário do afirmado pela Requerente, a AT apreciou e decidiu a reclamação graciosa, tendo notificado a respectiva decisão, cujos fundamentos e conclusões agora reitera; 

-          Porque o prédio inscrito sob o artigo U-... (…, ...) tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional e apresentava, em 31.12.2011, o valor patrimonial tributário de €1.261.589,63, o acto de liquidação deve ser mantido por consubstanciar uma correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12. 

-          Com a alteração do art. 1º do CIS, e aditamento à TGIS da verba 28, pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10/2012, o Imposto do Selo passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000.

-          Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional em sede de IS, há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67º, nº 2 do CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10.

-          Na aplicação da verba 28 da TGIS, tem que se ter em conta a definição de prédio no nº 1 do art. 2º do CIMI, a noção de “valor das edificações autorizadas, no nº 2 do art. 45º do mesmo Código,” e o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI,

-          A própria verba 28 da TGIS ao remeter para a expressão “prédios com afectação habitacional” apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do art. 6º do CIMI.

-          E a indicação da afectação habitacional do prédio ou decorre da iniciativa do contribuinte (art. 37º do CIMI) ou da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal respectiva. No caso, o prédio foi qualificado como sendo de afectação habitacional e o Requerente conformou-se com a aplicação do coeficiente de afectação, aceitando a avaliação efectuada pela AT e prescindindo do uso dos mecanismos de defesa (segunda avaliação, impugnação judicial).

-          O conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende desde logo os prédios edificados, como é o caso, não existindo qualquer violação do princípio da igualdade do art. 13º da CRP.

-          A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000 ou seja, incide sobre o valor do imóvel.

-          Também a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

-          A constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem para todos os efeitos legais, nos termos previstos no art. 2º, nº 4 do CIMI e art. 1414º e seguintes do Código Civil, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única unidade.

-          Quanto ao afastamento da incidência de os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais, correspondeu a razões políticas e económicas.

-          Não há violação do princípio da legalidade porque a norma que criou a verba de imposto de selo foi criada por lei, que determina a incidência e a taxa, e foi adequadamente justificada.

-          Não há violação do nº 2 do artigo 104º da CRP porque este respeita apenas aos rendimentos e não a património, além de que o advérbio “fundamentalmente” modera o alcance dessa garantia da tributação do rendimento real, mantendo uma “razoável dose de liberdade conformadora para estabelecer as excepções ou atenuantes a essa regra que se justifiquem” (Casalta Nabais), pelo que sempre seria compatível com a tributação de imóveis de valor superior a € 1.000.000.

-          O facto de a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, determinar que o facto tributário se verifica a 31 de Outubro, não representa violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica, protecção da confiança dos cidadãos, proporcionalidade e capacidade contributiva e, muito menos, da proibição da irretroactividade fiscal.

-          O imposto criado não tem efeitos retroactivos porque aplica-se a factos tributários verificados em data posterior à sua entrada em vigor.

-          Trata da mesma forma todos os contribuintes que relativamente aos bens imobiliários em causa apresentam uma expressiva capacidade contributiva, revelada pela detenção de património de valor superior a € 1.000.000 também por isso justificando o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva.

-          Sendo inquestionável a legalidade da liquidação, não são devidos juros indemnizatórios solicitados pelo Requerente.

 

C) Questões a decidir

9.Objecto do litígio

A Requerente invoca uma dupla ilegalidade (artigo 29º) – da liquidação e da fundamentação do indeferimento da reclamação – mas identifica como objecto do pedido (artigo 2º e pedido final) o acto de liquidação de Imposto de Selo por vício de violação de lei.

 

Toda a fundamentação visa a apreciação da constitucionalidade do disposto na verba 28 (e 28.1), aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, invocando-se violação de diversos princípios constitucionais - da igualdade, da capacidade tributária, da segurança jurídica e da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

D) Saneamento

10. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a); 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

 

II. Fundamentação

 

A) Matéria de facto

11. Factos considerados provados 

a)      A liquidação objecto de apreciação de legalidade refere-se a um imóvel sito no Concelho de ..., freguesia de …, identificado na matriz predial urbana com o nº U-..., com 3 pisos e 5 divisões, sem andares e sem divisão susceptível de utilização independente (caderneta predial, PA, fls. 20), vulgarmente designado como “moradia” ou “vivenda” (esclarecimento do mandatário, prestado a pedido do tribunal, na reunião nos termos do art. 18º do RJAT).

b)      Ao referido imóvel, inscrito na matriz em 2006, foi determinado, em 2011, um Valor Patrimonial Tributário (VPT), nos termos do CIMI, de € 1.261.589,63 (PA. fls. 20), VPT, valor em vigor no ano de 2012 e em 31 de Dezembro de 2011 (art. 6º resposta da AT).

c)      A titularidade do imóvel pertencia então, em compropriedade, a B e a A (ora Requerente), casados em regime de separação de bens, sendo cada um detentor de quota de ½ da propriedade plena (caderneta predial, PA fls. 20 e certidão junta aos autos em 05/02/2014).

d)     B faleceu em 22 de Julho de 2011 (escritura de habilitação e assento de óbito, documentação junta pela requerente, em 05/02/2014).

e)      Por testamento, B deixou, em propriedade plena, a sua quota-parte no prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., a sua mulher, C (testamento, documentos juntos em 05/02/2014).   

f)       Com data de 7 de Novembro de 2012, foram emitidas duas liquidações de Imposto de Selo, respeitantes ao período de tributação de 01/01/2012 a 31/12/2012, com os nºs ... e ..., a primeira em nome de A e a segunda em nome de B, representado por A (Documentos juntos pela Requerente, com os nºs 1 e 2).                                      

g)      Cada uma das liquidações é referente à quota de ½ da propriedade do imóvel (documentos nº 1 e 2, juntos pela Requerente).

h)      A colecta de € 3.153,97, em cada um dos documentos de liquidação, corresponde a metade do valor resultante da aplicação da taxa de 0,5% ao valor do VPT de € 1.261.589,63 (documentos nº 1 e 2, juntos pela Requerente).

i)        Na “visão de contribuinte” da herança indivisa, NIF … (P.A., fls. 17 e SS.), D consta como cabeça de casal da herança, indivisa, do autor B, e herdeira; os outros herdeiros são E, F e G.

j)        As notas de cobrança contêm indicação de corresponderem ao período de tributação de 2012-01-01 a 2012-12-31 (P.A, fls. 16 a 19).

k)      O imposto foi pago em prazo (documentos nº 5 e 6).

l)        A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação em 19 de Abril de 2013, no Serviço de Finanças de ...-…, invocando ilegalidade e inconstitucionalidade por violação dos princípios da segurança jurídica, igualdade, equidade, proporcionalidade (documento nº 3).

m)    Informação datada de 7 de Maio de 2013, da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de …, que mereceu concordância superior, considerou que a Administração Tributária não podia ter recusado a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, por força da sua subordinação à lei, por estar adstrita ao cumprimento do princípio da legalidade, o que havia sido feito, aplicando-se a verba 28 introduzida na Tabela Geral do Imposto do Selo, assim como o artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10/2012 (PA, fls. 21 a 24).

n)      Por ofício nº 036140, de 21 de Maio de 2013, a Requerente foi notificada para exercer direito de audição prévia, relativamente ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação então enviado, mas não exerceu tal direito (fls. 21 a 28 do PA).

o)      Em 28 de Junho de 2013, a ora Requerente foi notificada, pelo ofício nº DFL... da Direcção de Finanças de …, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por convolação do projecto anteriormente enviado à reclamante (documento nº 4 e PA, fls. 27 a 35).

p)      Em 5 de Setembro de 2013, foi iniciado o presente procedimento no âmbito do CAAD, com apresentação do Requerimento de constituição de tribunal arbitral para pronúncia sobre a legalidade dos actos tributários.

 

12. Factos não provados

A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação da questão de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.

 

 13. Fundamentação da prova

Os factos foram dados como provados com base nos documentos, não impugnados, juntos ao processo e acima indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto fixada.

 

B) Aplicação do direito

14. O indeferimento da reclamação graciosa

Não cabe aos tribunais arbitrais a apreciação de decisões de indeferimento de reclamações graciosas em si mesmas, mas sim a apreciação da legalidade do acto de liquidação objecto de reclamação graciosa (Jorge Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 121 e ss).

 

A Requerente identifica uma dupla ilegalidade (artigo 29º) – da liquidação e da fundamentação do indeferimento da reclamação – mas é a primeira que vem a ser mais detalhadamente analisada (arts. 31º a 60º e pedido final) parecendo que a insistência na falta de apreciação da inconstitucionalidade e na obrigação de a Administração adoptar a interpretação mais conforme com a Constituição (arts. 22º a 28º) visa fundamentalmente reforçar a justificação do pedido de direito a juros indemnizatórios em caso de anulação da liquidação por erro imputável aos serviços (arts. 61º a 69º).

 

Este tribunal arbitral apreciará a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa na medida em que conheceu da legalidade dos actos de liquidação [1] embora não propriamente quanto à alegada falta de fundamentação da decisão da reclamação no que respeita à competência da Administração para apreciar a inconstitucionalidade da liquidação.

 

E, no exercício da competência jurisdicional (artigos 204 e 209º, nº 2, da CRP) [2], o tribunal apreciará se a interpretação dos dispositivos aplicados, designadamente se o disposto na verba 28 e 28. 1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (redacção dada à pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), viola os diversos princípios constitucionais, invocados pela Requerente, da igualdade, da capacidade tributária, da segurança jurídica e da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

15. O imposto do Selo em questão

Está em causa a aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:

  “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

 

Segundo resulta das alterações ao Código do Imposto do Selo introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o imposto do selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do art. 1º e nº 4 do art. 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º [3] do CIMI (nº 4 do art. 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do art. 3º do CIS). 

 

O disposto no CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), conjugados com o art. 1º do CIMI, parecem erigir o prédio em si como o facto tributário (a situação que desencadeia a tributação) desde que atinja o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo, independentemente do número de sujeitos passivos, possuidores (enquanto proprietários, usufrutuários ou superficiários) dos bens em causa.   

 

O artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, prevê, porém, disposições transitórias por virtude das quais, nesse primeiro ano de vigência, ou seja, 2012:

- O facto tributário verifica -se no dia 31 de Outubro (quando, de acordo com o artigo 8º do CIMI, aplicável por remissão do nº 4 do art. 2º do CIS, seria em 31 de Dezembro [4])

- O sujeito passivo do imposto é o titular do prédio (n.º 4 do artigo 2.º do CIS) também nesse dia 31 de Outubro [5];

- O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI por referência ao ano de 2011 [6];

- A liquidação do imposto pela AT é efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012 [7];

- O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro desse ano 2012 [8].

 

Quanto às taxas, a alínea f) do nº 1 do mesmo artigo 6º, da Lei nº 55-A/2012, prevê a aplicação em 2012 de uma taxa inferior à taxa de 1%, prevista no 28.1 para os prédios com afectação habitacional, distinguindo-se ainda entre os casos de prédios avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,5 %) e prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,8 %). [9]

 

O disposto pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, quanto à verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, entrou em vigor no dia seguinte à publicação da lei, ou seja, 30 de Outubro de 2012.

 

16. Os actos tributários objecto de pronúncia

No caso dos autos, é pedida a apreciação da legalidade de duas liquidações, referentes ao ano de 2012, relativamente a um prédio com valor patrimonial tributário (VPT) - determinado em 2011 - de € 1.261.589,63.

 

O prédio é uma moradia, edificação não dividida em partes susceptíveis de utilização independente, e encontrava-se registado na matriz como sendo compropriedade de A e B, que nele tinham a sua residência comum. Casados em regime de separação de bens, cada um deles detinha uma quota de ½ da propriedade. B falecido em 22 de Julho de 2011, deixou testamento atribuindo a sua mulher, A, por conta da quota disponível, a metade da propriedade do imóvel de que era co-titular, e de que, a não ser que tenham surgido (ou venham a surgir) problemas em partilha quanto à definição da quota disponível, virá a ser a única titular da propriedade plena.

 

Mas mesmo admitindo – e será o caso – que à data da aplicação da norma tributária cuja legalidade é objecto do presente litígio, a Requerente A era proprietária apenas de uma quota de ½, e representante da herança de B relativamente à outra metade (embora com expectativa de se tornar a sua proprietária plena) a verba 28, no ponto 28.1, toma como objecto de incidência tributação os prédios, independentemente do número dos seus proprietários.

 

Com efeito, o corpo da verba 28 da TGIS dispõe que o imposto recai sobre propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial utilizado para efeitos de IMI, e os nºs 28-1 e 28.2. especificam que a aplicação da taxa de imposto se faz por prédio.

 

Resulta que o objecto principal da definição da incidência é, tal como no IMI [10], o prédio: eventual situação de compropriedade (art. 82º do CIMI [11]) ou comunhão (art. 81º do CIMI), não se reflecte na incidência do Imposto do Selo que visou a tributação da habitação de luxo.

 

Conclui-se, então, que as liquidações foram efectuadas de acordo com o regime jurídico aprovado pela Lei nº 55-A/2012 (normas aditadas ao CIS e TGIS e disposições transitórias constantes do artigo 6º do diploma), uma, em nome da Requerente enquanto já anteriormente proprietária de ½ do prédio, segundo inscrição na matriz, a outra, relativa à parte objecto de sucessão, por falecimento do titular de restante ½, também segundo inscrição na matriz.

 

17. Controvérsias suscitadas pela verba 28 da TGIS

A aplicação do disposto na verba 28.1 da TGIS tem sido objecto de controvérsia jurídica, existindo já várias decisões proferidas em arbitragem tributária e publicadas no site do CAAD.

 

Duas questões litigiosas são as vulgarmente identificadas como “terrenos para construção” e “propriedade vertical”.

 

17.1. Terrenos para construção

Quanto aos terrenos para construção, a dúvida surgida foi a de saber se os terrenos para construção são subsumíveis no conceito de “prédios com afectação habitacional” e, por isso, incluídos no âmbito da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, no caso do respectivo VPT ser igual ou superior a € 1. 000. 000 [12]

 

Verificando que nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, nem o Código do Imposto do Selo, definem “prédio urbano com afectação habitacional”, procurou-se, face à remissão do n.º 2 do artigo 67.º do CIS, a definição daquele conceito no âmbito do CIMI, tendo em conta o disposto no artigo 4.º (definição de prédios urbanos) e no art. 6º (espécies de prédios urbanos). Da análise dos nºs 2 e 3 deste artigo 6º conclui-se que o CIMI também não contém uma definição específica do que sejam “prédios urbanos com afectação habitacional”, o que denunciaria uma deficiente técnica legislativa por utilização, em normas de incidência tributária, de conceitos que não estão legalmente definidos.

 

Diversas apreciações têm convergido na interpretação de que a expressão “afectação habitacional” não parece poder ter outro sentido que não o de “utilização” habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal, o que não é o caso dos terrenos para construção que, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afectação habitacional, já que nem possuem licença de utilização para habitação, nem são habitáveis, por não estarem sequer edificados. Nos terrenos para construção apenas existe a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder, após a edificação, vir a ter uma “afectação habitacional”, mas isso apenas quando a “afectação habitacional” se concretizar, e nunca antes da sua edificação, é que o prédio urbano se enquadra no âmbito da norma de incidência tributária objectiva em apreço[13].

 

Assim, as decisões até agora proferidas no âmbito do CAAD foram no sentido de que, resultando do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», estes não poderiam ser considerados, para efeitos de incidência descrita na verba 28 da TGIS, como «prédios com afectação habitacional».

 

Procurando, aparentemente, ultrapassar esta questão, a Lei nº 83-C/2013, de 31/12, que aprovou o OE para 2014, alterou (art. 194º) a redacção da verba 28.1 da TGIS que passou a dispor “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

 

17.2. A propriedade vertical

Outra questão que se tem revelado controvertida [14], foi a que passou a identificar-se como da “propriedade vertical” .

 

Trata-se de saber, com vista à aplicação da verba 28 da TGIS, se em prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, algumas das quais com afectação habitacional, o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais.

 

Nos processos referidos, foi questionada a tese da AT de que num prédio em propriedade vertical (não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto de selo é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação nesse edifício.

 

Considerando a aplicação do artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (“às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”), tem sido decidido que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, pelo que quer o respectivo IMI, quer o novo Imposto do Selo devem ser liquidados individualmente em relação a cada uma das partes.

 

Tendo em conta o artigo 12º, nº 3, do CIMI (“cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário”) e a relevância para efeitos de inscrição na matriz predial da autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000 não podendo a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI (a própria lei estabelece expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS incide sobre prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.” )

 

Em casos já julgados no CAAD a interpretação neste sentido foi a considerada compatível com os princípios da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal, tratando de forma igual situações iguais, já que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto.

 

 

18. A situação dos autos

O caso dos autos não se confunde com qualquer das duas situações acima referidas. 

 

Não se trata de um terreno para construção mas sim de um prédio edificado. E também não se trata de um caso de edifício sujeito a tributação por se atender ao valor resultante da soma das suas parcelas autónomas (que em si apresentassem valor inferior ao previsto na verba 28, como acontece nos casos identificados como de “propriedade vertical”) - o prédio em causa é um imóvel inscrito na matriz por valor superior a 1.000.000 de euros e não composto de partes susceptíveis de utilização autónoma.

 

A Requerente não invoca propriamente uma errada interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo mas a sua inconstitucionalidade por violação de diversos princípios constitucionais: da igualdade e da capacidade contributiva; da segurança e confiança; da irretroactividade da lei fiscal.

 

Porque, alega :

  • A tributação do património deveria atingir todos os tipos de património e não apenas o imobiliário;
  • A Requerente não deve ser tratada desigualmente face a outros proprietários de imóveis, cuja titularidade esteja distribuída por prédios de valor inferior a 1.000.000 euros (desigualdade horizontal);
  • Qualquer das situações apontadas – detenção de património não imobiliário ou de múltiplos imóveis, cada um de valor inferior ao limiar tido como de luxo – é susceptível de demonstrar capacidade contributiva não inferior à da Requerente;
  • A sujeição a imposto, em 2012, de um sujeito passivo que era proprietário, usufrutuário ou superficiário do imóvel dois dias após o lançamento do imposto (a alínea b) do nº 1 do art. 6º da Lei nº 55-A/2012), viola o princípio da segurança jurídica (art. 2º da CRP), abala a confiança no sistema jurídico e traduz-se em retroactividade da lei fiscal porque o agente económico não tem possibilidade de prevenir a sujeição a este imposto alienando em dois dias um imóvel cujo VPT é de, pelo menos, um milhão de euros
  • O estado de necessidade financeira do Estado não justifica tais atropelos.

 

 

19. Apreciação dos fundamentos do Pedido

19.1. O sistema fiscal português e a tributação do património

Segundo a Constituição da República Portuguesa (CRP), o sistema fiscal visa “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (nº 1 do artigo 103º).

 

O artigo 104º da CRP [15], caracterizando os impostos mais importantes do sistema fiscal, distingue os impostos sobre o rendimento (pessoas singulares e empresas), património e consumo.

 

Esta classificação tripartida é considerada das mais correntes, generalizada e fundamental no âmbito do direito nacional, da União Europeia e das organizações internacionais, como a OCDE e o FMI [16]

 

Tendo em conta a distinção doutrinal entre impostos pessoais e reais, que atende à estrutura interna dos impostos e a respectiva adequação à força económica do contribuinte, poderá dizer-se que a personalização do imposto se revela largamente impraticável nos impostos sobre o consumo, se concretiza mais facilmente em sede de IRS, e fica tradicionalmente a meio caminho nos impostos sobre o património [17].

 

A Lei Geral Tributária dispõe que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património” (nº 1 do artigo 4º) e que “a tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento” (nº 1 do artigo 5º).

 

Quer estas disposições, quer o artigo 103º da CRP, validam a conclusão de que o sistema fiscal português considera que o “património” revela capacidade contributiva (riqueza possuída) sendo por isso susceptível de ser tributado sob o ponto de vista daquela princípio constitucional [18] [19].

 

E os debates, relatórios, projectos produzidos sobre a tributação do património, durante e após a segunda metade da década de 1990, exprimem tais preocupações. 

 

Em 1996, o Relatório da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal (CDRF) manifestara dúvidas sobre a adequação ao princípio da capacidade contributiva, da tributação patrimonial selectiva tipo Contribuição Autárquica (CA), porque os bens imóveis constituem apenas um dos elementos constitutivos dos patrimónios e nem sequer os mais importantes para titulares de escalões mais elevados, não resultando contributo significativos para igualdade vertical ou horizontal. A CA invocava, aliás, o princípio do benefício mas eram assinaladas incoerências.

 

Quanto a um eventual imposto geral sobre o património, a Comissão admitiu (considerando-o equivalente a um imposto sobre a riqueza líquida) a sua justificação com base no princípio da capacidade contributiva: permitia atingir a capacidade de pagar inerente à simples titularidade de activos patrimoniais, independentemente do rendimento que deles deriva tributada pelo imposto de rendimento, assim como conseguir a discriminação qualitativa de rendimentos atendendo a que os rendimentos de capitais vêem, através da tributação patrimonial, a sua tributação agravada relativamente aos rendimentos do trabalho (que não se capitalizam em activos patrimoniais). A tributação de património era ainda vista como uma forma de melhorar o controlo da determinação da matéria colectável dos impostos de rendimento. (Relatório da Comissão Desenvolvimento da Reforma Fiscal, Ministério das Finanças, 1996, p. 798).

 

Apontadas eram, contudo, as eventuais dificuldades administrativas. Tendo em conta a importância pouco significativa deste imposto como fonte de receita fiscal, nos países da OCDE e UE onde existia, concluía-se, dada a grande carga administrativa, que o recurso à tributação periódica do património líquido seria legitimado apenas por razões de equidade (como complemento da tributação do rendimento).

 

Nessa linha, como proposta para o caso português, a CDRF concluía que a tributação periódica do património líquido não se justificaria como um fim em si mesmo mas como instrumento de correcção de insuficiências reveladas na tributação do rendimento, a ter em conta conjuntamente com outras propostas apresentadas naquele sentido.

 

Num Relatório subscrito, em 1998 (XIII Governo Constitucional) pelo Ministro das Finanças e pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais [20], observa-se: “O património fiscalmente relevante é actualmente constituído por toda a manifestação de riqueza exteriorizada quer pela propriedade, quer pelo uso e fruição de certos bens, imóveis ou móveis sujeitos a registo, quer pelos actos de aquisição onerosa ou gratuita daqueles bens. Não existe entre nós nenhum imposto global e único sobre a riqueza, incluindo créditos das pessoas físicas e a situação líquida das empresas. Existem, como se sabe, várias formas tributárias incidentes sobre o património imobiliário e mobiliário. Mas uma parte substancial das modernas formas de manifestação da riqueza (valores mobiliários, obras de arte, etc.) escapa à tributação do património. É apenas em sede de tributação indirecta que tendencialmente se abrange o património deste tipo (por ex., o IVA sobre as obras de arte), sem prejuízo das isenções em vigor (de facto, a transmissão de valores mobiliários está isenta de IVA e não sujeita a selo, sendo apenas cobrada uma taxa). A inexistência de um imposto geral sobre o património não é apenas o resultado de uma opção legislativa. A fazer-se exigiria meios aperfeiçoados de controlo de riqueza de que só dispõem as administrações fiscais mais evoluídas. Por outro lado, a tributação geral do património não tem em Portugal qualquer tradição ou antecedente. Nos próprios países em que tem lugar a tributação geral do património, a sua função não é coincidente: nalguns casos visa corrigir insuficiências na tributação do rendimento, noutros é um verdadeiro imposto de solidariedade com funções de redistribuição da riqueza. Entre nós o património é, pois, tributado de forma parcelar e parcial.”[21]

 

E identificava-se como concretização da tributação do património imobiliário, os impostos locais Contribuição Autárquica (CA) e IMS (Imposto municipal de Sisa), o Imposto de Sucessões e Doações (ISD) na parte que incide sobre as transmissões gratuitas ”inter vivos“ ou “mortis causa” de imóveis, o Imposto do Selo (IS), na parte em que incide sobre actos translativos de bens e certas Contribuições especiais, que incidem sobre o aumento de valor de certos imóveis devido a construção de infra-estruturas importantes. Quanto ao património mobiliário, referia-se a tributação no Imposto Municipal sobre Veículos, nos Impostos de Circulação e Camionagem e no Imposto sobre Sucessões e doações incidente sobre móveis [22].

 

Em Agosto de 1999, uma “Comissão de Reforma da Tributação do Património”[23] apresentou um Relatório e um Projecto de reforma legislativa [24]. Pretendia-se substituir impostos existentes (como ISD, CA, Sisa) tributando efectivamente os patrimónios não omitindo bens mobiliários, pelo que, para além dos imóveis e bens corpóreos registáveis, abrangia participações sociais e créditos, embora excluísse jóias, antiguidades, obras de arte e colecções. 

 

O relatório reconhecia a delicadeza da tributação do património mobiliário [25] mas, com base em análise de outros sistemas fiscais, concluía que não seria um imposto único sobre o património, de taxa reduzida, que constituiria factor de debandada da riqueza nacional ou de dissuasão para o estabelecimento em Portugal (ibidem, pp. 157 e 159).[26]

 

A “Reforma da Tributação do Património” veio a concretizar-se (na sequência dos trabalhos de uma nova “Comissão para o estudo e implementação da Reforma da Tributação do Património” que funcionou entre 2002 e 2004) apenas alguns anos mais tarde, iniciando-se com as alterações aprovadas pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12/11. A Contribuição Autárquica e a Sisa foram substituídas, respectivamente, pelo IMI e IMT. As transmissões gratuitas passaram a ser sujeitas a Imposto do Selo, com abolição das transmissões gratuitas a favor das pessoas colectivas (integradas no IRC) e com isenção das transmissões a favor de cônjuge, descendentes e ascendentes. [27].

 

Silvério Mateus e Corvelo de Freitas [28] consideravam então (aquando da Reforma de 2003) sobre o Imposto do Selo : “configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.

 

No Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal [29], recorda-se que a redacção do artigo 104.º, n.º 3, da CRP parece acolher a necessidade de a tributação sobre o património não se cingir ao património imobiliário ou, noutra formulação, de não discriminar entre este e o restante património.[30]

 

Da apresentação e comentário sintético acerca do trabalho do subgrupo sobre a “Tributação do património”, os coordenadores do Grupo de Trabalho de 2009 escreveram ainda, designadamente: “É neste contexto que surge a questão da tributação do património mobiliário e do tratamento fiscal das grandes fortunas, temas recorrentes, sobretudo em tempos de maiores dificuldades das finanças públicas. Os detentores de maior património são, pois, habitualmente apontados como devendo contribuir com a sua justa parte para as receitas públicas. O aforismo “tax the rich” tem, como se sabe, uma longa história no debate fiscal. Mais difícil é conceber um sistema de tributação que garanta uma igualdade horizontal e que seja administrativamente viável, pois é sabido que a tributação do dinheiro de residentes depositado fora do país ou de bens não sujeitos a registo, como jóias ou obras de arte, é de muito difícil consecução. A questão que se põe é a de saber se e quando será oportuno introduzir tal tributação. A este propósito, convém não esquecer que, se o objectivo da equidade é um dos conhecidos pilares da teoria fiscal (por isso, como se disse, as mais-valias mobiliárias devem ser objecto de tributação), também outros objectivos, como sejam a eficiência e a competitividade internacional dos sistemas tributários, têm ganho ultimamente um muito maior relevo. A mobilidade internacional das formas de riqueza mobiliária em busca de tratamento fiscal mais favorável tem sido, como se sabe, um factor que tem moderado a respectiva tributação e sobrecarregado os factores imóveis. Acresce que as experiências internacionais conhecidas de introdução do imposto sobre grandes fortunas, como a francesa, não tiveram consequências dignas de registo na receita fiscal, constituíram fonte de forte controvérsia e são hoje postas em causa por largos sectores da doutrina. Por estas razões, o Subgrupo aponta, nesta matéria, para que a tributação das grandes fortunas se efectue sobretudo em sede da obtenção do rendimento, utilizando os mecanismos das taxas ou a redução de benefícios fiscais, para aumentar a tributação efectiva de quem aufere maior rendimento, desaconselhando, de momento, a introdução da tributação generalizada do património.”

 

19.2. As alterações legislativas aprovadas em 2012 (Lei nº 55-A/2012), objectivos e significado

Em 2012, o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei nº 96/XII (2ª), admitida em 26 de Setembro de 2012, em cuja exposição de motivos, as medidas fiscais contidas no diploma eram inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental, dizendo-se: “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

 

As medidas fiscais, apresentadas como um conjunto, eram o agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias e criação de uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros[31].

 

Na discussão do diploma na Assembleia da República, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais [32], desenvolveu a fundamentação das medidas propostas : “O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal. No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais. Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos. Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional. Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais. Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.” E sintetizou : “Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais. Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

 

19.3. Os princípios da igualdade e capacidade contributiva

A fundamentação que a Requerente invoca no sentido da violação dos princípios constitucionais de igualdade e capacidade contributiva é, em síntese, a de que a incidência do novo imposto de selo (verba 28 da TGIS) não atinge todos os tipos de património mas apenas o imobiliário e, relativamente a este, trata desigualmente os proprietários de imóveis.

 

Quanto à alegação de esta tributação ser exclusivamente dirigida ao imobiliário, realçámos já como todas as reformas até agora empreendidas sobre tributação de património têm deixado de fora da sua incidência uma parte (apesar de reconhecida actualmente como a mais importante) da riqueza patrimonial relevante, a mobiliária, sem que as soluções vigentes tenham sido, por isso, consideradas inquinadas de inconstitucionalidade. 

 

Por outro lado, o legislador terá pretendido, conjuntamente com a criação da verba 28 na TGIS, o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais. Isto, conjugadamente com as tradicionais dificuldades e contra-indicações de tributação de riqueza facilmente deslocalizável, pode considerar-se um argumento atenuador das críticas feitas à desigualdade de tratamento de património imobiliário e mobiliário[33].

 

Já quanto aos titulares de património imobiliário, a requerente alega desigualdades entre os titulares de prédios para habitação e entre alguns destes (os sujeitos a tributação) e os titulares de imóveis afectos a fins não habitacionais.

 

Quanto à desigualdade de tratamento de titulares de prédios com “afectação habitacional”, a Requerente aponta a discriminação existente entre o seu tipo de situação, atingida pela norma de incidência enquanto titular de um imóvel cujo valor é superior a 1.000.000 euros e os casos de titulares de diversos imóveis, cujo valor total ultrapassa aquele valor, mas em que o montante de nenhum dos prédios detidos atinge o valor de 1.000.000 euros. 

 

Como acima referido, um dos casos que tem sido objecto de controvérsia é precisamente a determinação do valor relevante para a incidência do Imposto do Selo sobre os prédios em propriedade vertical (em que as partes autónomas para habitação, com utilização independente, num mesmo edifício, não estão constituídas em propriedade horizontal).

 

E, na discussão desse diferendo, a posição contrária à da administração tributária (no sentido de que para um prédio em propriedade vertical, não constituído em regime de propriedade horizontal, o critério para a determinação da incidência do imposto de selo é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação), defende que o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo ao prever que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”, impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabelecendo o critério, que tem de ser único e inequívoco para a definição da regra de incidência do novo imposto, só havendo lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentar um VPT superior a € 1.000.000 [34].

 

Independentemente de uma mais aprofundada reflexão sobre o tema, parece-nos de subscrever a tese de que “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”. (...) “A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal." [35]

 

Quanto à alegada discriminação entre titulares de imóveis afectos a fins habitacionais e não habitacionais, independentemente de eventual avaliação crítica sobre a sua justificação [36], não parece que seja, por si, susceptível de fundamentar um juízo de inconstitucionalidade.

 

Com efeito, atendendo a que os objectivos pretendidos (consolidação orçamental) poderiam ser alcançados por meios diversos, incluindo combinação de diferentes medidas fiscais [37], e que a política fiscal também visa finalidades extra-fiscais, entendemos ser admissível a diferenciação de tratamento de prédios de valor elevado, de acordo com a sua afectação económica, não constituindo essa diferença, neste caso, uma violação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade.

 

No sentido de que a lei interpretanda pressupõe tal diferenciação de tratamento, sem denunciar que a mesma constitua seguramente uma desigualdade ilegítima ou inconstitucional violação do princípio da proporcionalidade, cita-se este excerto da decisão arbitral proferida no processo 53/2014-T: “A correcção desta interpretação no sentido de que só prédios que estejam efectivamente afectos à habitação, se inserem no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é também confirmada pela ratio legis perceptível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afectação habitacional, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também erige em elementos interpretativos”. “Desde logo, a limitação da tributação em Imposto do Selo aos «prédios com afectação habitacional» deixa perceber que não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto os prédios com afectação a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afectos à actividade económica, o que se compreende num contexto em que, como é notório, a economia se encontra em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis máximos históricos, com avalanche de encerramento de empresas derivado de insustentabilidade económica. Tendo em mente esta situação e sendo consabido e público que a reanimação da actividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a actividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afecta a competitividade em termos internacionais.”

 

19.4. Os princípios da não retroactividade e da segurança e confiança jurídicas

A Requerente defende que a entrada em vigor do novo imposto constitui violação do princípio da segurança jurídica (art. 2º da CRP), abalando a confiança no sistema jurídico e traduzindo-se em retroactividade da lei fiscal, contrária ao artigo 103º, nº 3 da CRP.

 

Com vista a demonstrar a existência de retroactividade, argumenta a Requerente que a alínea b) do nº 1 do art. 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, entrada em vigor em 30 de Outubro (no dia seguinte ao da sua publicação), ao prever que o sujeito passivo do imposto, em 2012, seria o proprietário, o usufrutuário ou o superficiário do imóvel em 31 de Outubro de 2012, não dava a estes a possibilidade de prevenirem a sujeição a este imposto alienando em dois dias um imóvel cujo VPT é de, pelo menos, um milhão de euros.

 

Mas segundo as alterações introduzidas no CIS e TGIS pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, o CIMI é o diploma de aplicação subsidiária [38] : nas situações objecto de incidência do imposto previsto na verba 28 da TGIS, o facto tributário ocorrerá em 31 de Dezembro de cada ano (artigo 8º do CIMI, aplicável ex vi nº 4 do art. 2º do CIS).

 

Esse momento temporal é o escolhido pelo CIMI e pelo CIS para a identificação desta situação tributária (sujeitos, matéria colectável). Contudo, no caso do imposto do selo previsto na verba 28 da TGIS, o artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, contém disposições transitórias: no primeiro ano (2012) de vigência do novo imposto o facto tributário não ocorre a 31 de Dezembro mas a 31 de Outubro. E a liquidação não passa para o ano seguinte (artigos 119º e 120º do CIMI e 44º, nº 5 do CIS), efectuando-se no próprio ano do facto tributário.

 

Ou seja, certamente pelas razões de arrecadação de receita fiscal adicional para cumprimento das metas previstas nos sucessivos planos de ajustamento, de consolidação orçamental, a que os portugueses têm estado sujeitos, há uma antecipação de liquidação e pagamento deste novo imposto.

 

E sendo a liquidação efectuada até final do mês de Novembro de 2012, não toma em conta o valor patrimonial tributário em vigor no próprio ano (art. 113º, n º 1, do CIMI) de 2012 mas do ano 2011, anterior à vigência do novo imposto (o que até poderia, quando ainda estava em curso o procedimento de actualização de valores matriciais, ser mais favorável ao sujeito passivo). Possivelmente como compensação pela antecipação do facto tributário e da liquidação e cobrança, manda-se aplicar, em 2012, uma taxa reduzida (0,5% ou 0,8% conforme se trate de prédios avaliados ou não avaliados nos termos do Código do IMI) relativamente à taxa prevista na verba 28 (1%).

 

Qualquer que seja o conceito de retroactividade adoptado [39] não se considera que estes dispositivos violem a proibição de retroactividade fiscal consagrada na CRP.  

 

Ainda que no primeiro ano de vigência da verba 28 da TGIS o momento da ocorrência do facto tributário seja fixado num momento anterior (30 de Outubro) ao que ocorrerá nos anos seguintes (31 de Dezembro), trata-se, em qualquer caso, de momento não anterior ao da entrada em vigor da lei (30 de Outubro).

 E, de resto, a opção pelo dia 31 de Dezembro, tal como no  IMI (artigo 113º, nº 1 do CIMI), para nos anos posteriores a 2012 definir o sujeito passivo responsável pelo pagamento do imposto de selo referente à situação tributária correspondente a cada período anual (titularidade do prédio no último dia de cada ano) constitui uma solução que também poderá parecer imperfeita a quem adquira um prédio durante o ano ou a quem não consiga, apesar de esforços nesse sentido, concretizar atempadamente a alienação de um imóvel...

 No caso da verba 28 da TGIS, apesar de transitoriamente, no ano de 2012, existir uma antecipação em dois meses do momento desencadeador da situação tributária (artigo 6º da Lei nº 55-A/2012), o facto tributário (cujo elemento subjectivo respeita à titularidade da propriedade do prédio afecto a fins habitacionais) ocorre já na vigência das normas que criaram o novo Imposto do Selo, verba 28.1 da TGIS (nos termos do disposto pela Lei nº 55-A/2012).

A situação é diversa da que foi objecto do (invocado pela Requerente) Acórdão do Tribunal Constitucional nº 63/2006, de 24/01/2006, [40] porque o que aí se discutia era a identificação do facto originador do tributo. Enquanto a tese vencedora identificava o facto com o requerimento de licença, outras posições defendiam que o ” facto gerador do tributo é o acto jurídico de licenciamento da edificação – rectius no momento em que é emitido o título correspondente – que é aquele em que o acréscimo de valor do prédio ou terreno passa de potencial a actual, e não o requerimento da licença de construção, bastando ponderar que, se o licenciamento for requerido mas vier a ser indeferido, ninguém sustentará que o tributo seja devido”.[41]

 

Mas, ainda que se entenda que na aplicação da verba 28 da TGIS ao ano de 2012 não existe retroactividade, será de ponderar se, como invoca a Requerente, a situação é susceptível de lesar a confiança legítima da recorrida, de modo tal que se deva ter por violado, no caso, o princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de Estado de direito, nos termos do artigo 2º da Constituição[42].

 

Ponderada toda a situação, já acima descrita, em que surgiu o novo tributo, este tribunal considera que a antecipação do facto em dois meses, no ano de 2012 (ano em que foram, em diversas outras circunstâncias, exigidos múltiplos sacrifícios aos cidadãos justificados por compromissos financeiros do Estado português), não constitui violação dos princípios da confiança e da segurança jurídicas. 

 

20. Conclusões

Deste modo, o tribunal arbitral conclui, pelas razões acima expostas, que, independentemente de eventuais deficiências de redacção da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ou críticas quanto à correspondente opção legislativa, a aplicação do dispositivo à situação da Requerente, assim como de outros preceitos da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, não constitui violação dos princípios de igualdade, capacidade tributária, irretroactividade, segurança e confiança jurídicas.

 

III. DECISÃO

21. Em conformidade, o presente tribunal arbitral decide:

a)      Julgar improcedentes os pedidos de anulação do acto de indeferimento da reclamação graciosa e de anulação das liquidações de Imposto de Selo referentes ao ano de 2012 (nºs de documento 2012 ... e 2012 ...), assim como de reembolso do valor de imposto pago e pagamento de juros indemnizatórios;

b)      Condenar a Requerente em custas.

22. Valor do processo e custas

Fixa-se o valor do processo em € 6.307,94 (seis mil trezentos e sete euros e noventa e quatro cêntimos) nos termos do artigo 97º- A, nº 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, a) do RJAT e do art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

Fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerente e calculadas de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e art. 4º do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 2 de Maio de 2014.

 A Árbitro

 

Maria Manuela Roseiro

 [Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, nº 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga, excepto quanto a citações].

 



[1] A questão de ilegalidade da conduta omissiva da Administração quanto à apreciação da inconstitucionalidade de norma não será pois objecto expresso de pronúncia (sendo porém questão digna de estudo, cf. Acórdão do STA de 12/10/2010, proc. nº 860/10 e doutrina nele referida).

[2] Decisão Arbitral nº 89/2012-T.

[3] Designadamente os proprietários dos prédios em causa, em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeitar, presumindo-se proprietário quem como tal figure ou deva figurar na matriz, nessa data, ou na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio, sendo que na situação prevista no artigo 81.º do CIMI (inscrição de prédio de herança indivisa) o imposto é devido pela herança indivisa representada pelo cabeça-de-casal.

[4] O artigo 8º do CIMI diz que “O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar”.

[5] E não em 31 de Dezembro (aplicação do artigo 8º do CIMI, nota anterior, e nº 1 do artigo 113º, segundo o qual o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da AT, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.

[6] E não em 31 de Dezembro (nº 1 do artigo 113º do CIMI, nota anterior).

[7] Referindo-se a tributação ao ano de 2012, é efectuada no próprio ano e não no ano seguinte, como no caso do IMI (nº 2 do art. 113º dispõe que “A liquidação referida no número anterior é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte”).

[8] E não no ano seguinte como ocorreria por aplicação das regras do IMI (pagamento a partir do mês seguinte ao do envio do documento de cobrança, cf. artigos 119º e 120º do CIMI).

[9] Para 2013, já a liquidação do Imposto do Selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse mesmo ano (nº 2 do artigo 6º da Lei nº 55-A/2012).

 

[10] De acordo com a (tradicional) classificação dos “impostos prediais” como exemplo de imposto real (Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina 1993, p. 52; Manuel Pires e Rita Calçada Pires, Direito Fiscal, Almedina, 2012, p. 73). Porém, relativamente ao IMI, o artigo 48º do EBF constitui um exemplo de personalização (cf. Sérgio Vasques, in Manual de Direito Fiscal, p. 194 e 195. Este Autor refere os impostos sobre o património como estando a meio caminho entre os pessoais e reais, por “permitirem via de regra algum grau de personalização” de que também serão exemplo um tratamento mais favorável de imóveis com baixo valor ou da aquisição de uma primeira casa).

[11] “1-A compropriedade deve inscrever-se em nome de todos os comproprietários, com indicação da parte que caiba a cada um e das correspondentes fracções do valor patrimonial tributário, sem prejuízo do disposto no artigo 92.º quanto à propriedade horizontal. 2-Quando não seja conhecida a parte que caiba a cada um dos comproprietários, o prédio é inscrito em nome de todos eles, por ordem alfabética.” Esta disposição parece confirmar que o IMI incide sobre o valor total inscrito na matriz, ainda que cada titular da propriedade pague na proporção da respectiva quota-parte.

 

 

[12] Por ex. Decisões arbitrais (CAAD) nos processos nºs 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 53/2013-T e 144/2013-T.

[13] O artigo 45.º do CIMI não permitiria qualificar os terrenos para construção como “prédios com afectação habitacional” porque se trata de uma norma que tem por objectivo a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos, tratando-se apenas de uma potencialidade, uma expectativa, não sendo bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma “afectação habitacional” para efeitos da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS. A decisão proferida no processo 49/2013- T considerou que a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser terreno para construção. 

[14] Processos 50/2013-T e 132/2013-T.

[15] “1.O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. 3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos. 4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.”

[16] Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 2012, 7ª edição, p. 82.

[17] Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2013, pp. 193 a 195.

[18] Casalta Nabais, in “O Dever fundamental de pagar impostos”, Almedina, 1998, pp. 482 e 483. O autor considera que não decorre do critério da capacidade contributiva qualquer exclusão dos impostos sobre o património ou o capital (ao contrário do sustentado por alguns autores, quer os que reduzem a aplicabilidade do princípio às manifestações de riqueza que consubstanciem incrementos das fontes produtivas, excluindo as manifestações de riqueza que integrem as próprias fontes produtivas, quer os que limitam as manifestações de capacidade ao rendimento líquido, entendendo que o património só concorre para a formação da capacidade contributiva na medida em que produz ou possa produzir um rendimento se utilizado com diligência normal). Refere ainda o Autor que, mesmo quando se defenda existirem restrições na tributação ordinária e efectiva do património, derivadas da consagração e defesa da propriedade privada (enquanto direito social e princípio estruturante da constituição económica, baseada numa economia de mercado), as objecções serão mais difíceis em situações em que há que acorrer a necessidades financeiras anormais (ibidem, p. 483 e nota 838).

[19] Sérgio Vasques, in “Capacidade Contributiva, Rendimento e Património” (Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, ano 2, nº 11, pp-23-61, Set/Out, 2004), observa como a tributação do património está intimamente ligada à formação histórica dos impostos sobre o rendimento. Nas economias fundiárias verifica-se a impossibilidade de atingir directamente os rendimentos, recorrendo-se à tributação do património, primeiro o património fundiário (terra, habitação), depois o mobiliário, representado por manifestações de fortuna (cavalos, coches, escravos). À medida que se transita de uma economia fundiária para economias assentes no comércio e indústria, acentua-se a importância relativa da riqueza mobiliária e o sistema fiscal desloca-se do património para o rendimento, primeiro sob a forma de tributação cedular (impostos de estrutura real, largamente assentes em estimativa sou presunções), mais tarde, com a eficácia crescente das administrações estaduais, a tributação sobre o rendimento passa a ser global e universal. A defesa da subsistência da tributação do património passou a assentar no princípio da capacidade contributiva (fonte de reserva, capacidade contributiva especial e progressividade) (Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, ibidem., pp. 43 a 46). Posterior crise da progressividade e a quebra de associação entre o princípio da capacidade contributiva e a tributação do património produziram uma crise da legitimação da tributação do património (idem, ibidem, p. 46 e ss). 

 

[20] Estruturar o Sistema Fiscal do Portugal Desenvolvido, Almedina, 1998, em especial pp. 284 e ss.

[21] Relatório citado, pp. 284 e 285.

[22] Também Casalta Nabais, antes da Reforma da Tributação do Património prevista na autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, incluía na classificação tradicional de impostos sobre o património, a Contribuição Autárquica, incidente sobre património imobiliário detido (rústico e urbano), o Imposto Municipal de Sisa e o Imposto sobre Sucessões e Doações (incidente sobre a transmissão gratuita de bens móveis ou imóveis por actos inter vivos ou mortis causa, e os impostos rodoviários, englobando Impostos de Circulação, de Camionagem e o Imposto Sobre Veículos. Cfr. Direito Fiscal, 2000, p. 76. Observando que o imposto municipal da sisa e o imposto de selo não seriam então propriamente impostos sobre o património mas sobre a despesa, na medida em que o elemento revelador da capacidade contributiva era a utilização do rendimento pelo adquirente dos bens ou pelo interveniente nos actos, documentos, bens ou serviços e não a titularidade de qualquer direito real de gozo, António Lima Guerreiro, Lei Geral Anotada, Rei dos Livros, p. 52.

[23] Presidida por Medina Carreira e criada pelo Despacho do Ministro das Finanças nº 337/97-XIII, de 04/08/1997.

[24] Cadernos Ciência e Técnica Fiscal nº 182, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1999.

[25] Realçava que, tratando-se de matéria já abrangida pela tributação do ISD, escapava quase totalmente à sua efectiva consideração e que, tendo em conta a irrestrita e incondicionalizada circulação para outros países da parte pecuniária, apenas restavam sujeitos a tributação os pequenos pecúlios (ob. cit. p. 156).

[26] Sérgio Vasques recorda (Capacidade Contributiva, Rendimento e Património) esta proposta, assim como o “gravíssimo défice de eficiência de que padecem estes impostos” (nota 69). O Autor, se bem o interpretamos, considera a tributação do património compatível com o princípio da capacidade tributária e que esse princípio exigirá um imposto sobre o património global, apontando para a tributação do património líquido (p. 49, 50, 53), no plano teórico. Mas, enfrentando a questão da quantificação do valor tributável, descendo à prática da fiscalidade, verifica que o modelo não pode verdadeiramente ser posto em prática, pela natureza das coisas, e que apenas “enquanto a tributação do património se fica pelos imóveis, ou pelos móveis registráveis, é possível garantir-lhes aplicação efetiva” (p. 53) e que, mesmo com uma administração eficiente, a instituição de um imposto sobre o património no modelo de património líquido global, “produz na prática quebras de igualdade maiores do que os ganhos que traz” (p. 54).

[27] Esta opção terá aumentado a falta de identidade e unidade conceptual do Imposto do Selo. Cf. José M. Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, Almedina, 2013, 2ª edição, p. 429. Este autor refere como, mesmo antes da Reforma do Património, “a multiplicidade de factos a que se aplica o Imposto do Selo não permite que se integre numa classificação em função da sua natureza” (sobre evolução da natureza do imposto de selo, nota 314, pp. 427 e 428) e como, embora sistematizados num mesmo Código, se trata de um conjunto de impostos. Na sua versão originária, o artigo 1º, nº 1 do Código do Selo dispunha que “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral”; a partir da reforma do Património (2003), “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens” e, actualmente, “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens” (sublinhados nossos).

[28] In “Os Impostos Sobre o Património Imobiliário. O imposto do Selo. Anotados e Comentado, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 251, citação in José Maria Pires, ob.cit. nota 314.

[29] Relatório publicado em 3 de Outubro de 2009 e elaborado pelo Grupo de Trabalho criado pelo Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº 2052/2009 (com coordenação geral de António Carlos Santos e António Manuel Ferreira Martins).

[30] “A tributação do património deve contribuir para a igualdade dos cidadãos”. Também se alude a que esta redacção (antes da revisão constitucional de 1997 dizia “O imposto sobre sucessões e doações será progressivo, de forma a contribuir para a igualdade entre os cidadãos”) «abriu caminho à extinção do Imposto sobre Sucessões e Doações, por muitos considerada como um erro» (Relatório de enquadramento do relatório dos Sub-Grupos, ponto 4.2.). Neste sentido também Sérgio Vasques, estudo citado (Capacidade contributiva, Rendimento e Património, p. 32, nota 17):”Do ponto de vista conceptual, o produto das sucessões e doações constitui rendimento devendo, por isso, integrar a base do imposto sobre rendimentos pessoais. Se isso não sucede, não é sequer por razões de praticabilidade, mas porque se pretende beneficiar estes rendimentos com um tratamento mais favorável, estando em jogo, portanto, razões de ordem extrafiscal. É desnecessário acrescentar que esta lesão ao princípio da capacidade contributiva se agrava ainda mais com a abolição do imposto sucessório em Portugal, ainda que muitas e importantes razões justifiquem a decisão (...)”.

[31] No Parecer da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (DAR II série A, nº 11/XII2 2012.10.04) diz-se: “as medidas vêm na sequência da identificação de desvios na execução orçamental do ano em curso, que tornaram as metas iniciais impossíveis de ser atingidas sem opções adicionais. As medidas surgem assim como uma solução para compensar, mesmo que apenas parcialmente, os desvios identificados e garantir que Portugal não falha as metas de consolidação orçamental com as quais se comprometeu”.

[32]Diário da Assembleia da República -I Série, nº9/XII/2ª, 2012.10.11, de 11-10-2012 (citado pela Decisão Arbitral no Processo nº 48/2013-T).

 

[33] Com a proposta de lei, o Governo pretendeu, para além da criação da nova taxa de imposto do selo sobre prédios urbanos de afectação habitacional : agravar a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias tributadas em IRS, subindo para 26,5% as taxas de 25% (já objecto de subida no OE para 2012); aumentar a tributação dos rendimentos obtidos ou transferidos para paraísos fiscais para 35%, cinco pontos percentuais acima do anteriormente disposto; reforçar o combate contra fraude e evasão fiscal através de alterações ao art. 89º-A da LGT (reduzindo de 50% para 30% o diferencial entre a manifestação exterior de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS que pode dar origem à avaliação indirecta da matéria colectável e considerando transferências financeiras de e para paraísos fiscais como manifestações de fortuna desencadeadoras de tributação através de métodos indirectos).

[34] Decisão arbitral proferida no processo nº 50/2013-T (CAAD). Tendo em conta que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, considerou que tratar de forma diferente o prédio porque as partes autónomas não têm aquele estatuto jurídico constituiria violação do princípio da igualdade, tratando situações iguais de forma diferente. Também tem sido utilizado o argumento de que o tratamento defendido pela administração tributária para os edifícios em propriedade vertical – em que os imóveis susceptíveis de utilização autónoma, de um mesmo titular, se encontram localizados num mesmo edifício – constituiria tratamento diverso do atribuído a titulares de prédios espalhados por edifícios diferentes.

[35] Excertos da Decisão no processo nº 50/2014-T, referindo também a Decisão Arbitral no processo nº 48/2013-T, quanto à análise da Discussão da proposta legislativa na Assembleia da República

[36] A decisão arbitral proferida no proc. 132/2013-T (CAAD) interrogou-se sobre : «como justificar, inclusive à luz de princípios de equidade social e justiça fiscal defendidos pelo legislador – note-se, a este respeito, que o comunicado do Conselho de Ministros de 20/9/2012 referia que a medida, entre outras, era fundamental "para reforçar o princípio da equidade social na austeridade" –, que esta tributação incida apenas sobre o património imobiliário habitacional e não sobre o património imobiliário não habitacional».Mas, a dúvida, que aqui resolvemos de forma diferente, é se será esta diferença inconstitucional.

[37] A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, foi apresentada como correspondendo a “três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais” (cf. nota 31).

 

 

[38] Artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do Código do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei nº 55-A/2012.

[39] O Tribunal Constitucional tem adoptado em diversos acórdãos a distinção entre retroactividade própria (quando a nova lei se aplica a factos já plenamente formados) e imprópria (quando a lei nova se aplica a factos em formação), considerando que apenas a primeira se encontra abrangida pela proibição de retroactividade contida no art. 103º, nº 3, da CRP, na redacção da revisão constitucional de 1997. Alguns autores contestam esta interpretação. Por todos, veja-se Sérgio Vasques (Direito Fiscal, Almedina, 2013, p. 293 e ss), considerando que o artigo 103º abrange qualquer espécie de retroactividade. Mas, ao mesmo tempo, este Autor considera que “a proibição da retroactividade, corolário que é do princípio da segurança jurídica, não possui valor absoluto, como o não possui princípio constitucional algum, devendo articular-se por isso com outros princípios e valores constitucionais, que no caso concreto podem manifestar-se com maior intensidade. E admite que sendo qualquer retroactividade vedada por princípio ao legislador, este possa em casos excepcionais a ela recorrer (guerras, catástrofes, grave crise financeira) se outros valores constitucionais se mostrarem mais relevantes que o valor da segurança jurídica.

[40] Em que o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante dos artigos 1º, n.º 2, e 2º do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, na interpretação segundo a qual, sendo a licença de construção requerida antes da entrada em vigor deste diploma, seria devida a contribuição especial instituída por aquele diploma, incidindo assim sobre a valorização do terreno ocorrida entre 1 de Janeiro de 1994 e a data daquele requerimento, em violação do princípio da não retroactividade dos impostos (art. 103º CRP). 

[41] No Acórdão do TC nº 63/2006, confirmando a doutrina que já fizera vencimento em três acórdãos, nº. 81/05, 137/05 e 138/05, com 6 votos de vencido, estes na linha de doutrina que vencera no Acórdão nº 604/2005. Como expressão da controvérsia, cita-se excerto do voto de vencido do Conselheiro Artur Maurício, no Acórdão nº 63/2006 : “Tal como expressei em declaração aposta ao Acórdão n.º 81/05, da 1ª Secção, entendo que o quadro legal em que se desenvolvem as normas ora em análise e seus antecedentes (DL 54/95 de 22MAR, maxime, artigo 2º), revela que o facto tributário aqui considerado ocorre no momento em que é emitido o alvará, pois só então fica definitivamente assente o interesse jurídico relevante, que é a concreta configuração do direito a construir que o alvará titula, e o sujeito passivo do imposto, ou seja, o titular daquele direito (artigo 3º do mesmo diploma”.

[42] Enquanto alguns autores e o Tribunal Constitucional, em diversos Acórdãos, consideram que o conceito de retrospectividade abarca casos de retroactividade fraca, abrangendo a aplicação de lei nova a factos em formação, outros reservam a ideia de retrospectividade para as situações em que “a lei nova embora dispondo sobre factos futuros, lesa expectativas fundadas no passado” (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal cit., p. 298).