Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 292/2013-T
Data da decisão: 2014-08-10  IRC  
Valor do pedido: € 6.731,93
Tema: Tributações autónomas; Encargos dedutíveis
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. Em 16 de Dezembro de 2013, A..., S.A., (doravante designada A...) pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida …, em Lisboa, serviço de finanças de Lisboa 7, e B..., S.A., (doravante designada B...) pessoa colectiva nº …, com sede social na Rua …, no Funchal, serviço de finanças de Funchal 1 (ambas as entidades, doravante designadas também por Requerentes), vieram ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2010 efectuada pela sociedade C..., S.A. (doravante C...).

2. No pedido de pronúncia arbitral, as Requerentes optaram por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

4. O tribunal arbitral ficou constituído em 14 de Fevereiro de 2014.

5. Apresentada a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT), em 19 de Março de 2014, as Requerentes apresentaram, em 24 de Março de 2013, resposta às excepções arguidas pela AT.

6. Requerentes e Requerida prescindiram de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, apresentando alegações escritas sucessivas, e foi indicado em despacho arbitral que a decisão seria proferida até 10 de Agosto de 2014.

 

7. O Pedido de pronúncia arbitral   

No seu Pedido inicial as Requerentes dizem, em síntese:

-          Através de cisão-fusão ocorrida em 30 de Dezembro de 2011, as Requerentes sucederam universalmente, em 24,24% (A...) e 75,76% (B...), nas posições jurídico-patrimoniais da sociedade C..., extinta no mesmo processo;

-          A referida operação de cisão-fusão foi objecto de autorização do Ministro das Finanças para a transmissão de prejuízos;

-          O C..., no apuramento do lucro tributável e autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2010, não deduziu o encargo suportado com as referidas tributações autónomas, no montante de € 26.927,70, tratando-as como se fossem IRC ou derrama municipal;

-          As tributações autónomas em causa, que o C... liquidou e pagou, encontram-se previstas no artigo 88.º do CIRC e correspondem a tributação autónoma sobre: encargos com viaturas (€ 22.522,20), ajudas de custo e similares (€ 703,98) e despesas de representação (€ 3.701,52).

-          Assim, o A... e o B..., que sucederam nos prejuízos fiscais do C... (que ascendiam a € 14.514.125,73), detêm na parte respeitante ao exercício de 2010 (que ascendia a € 7.016.386,10), o primeiro 24,24% (€ 8.013.286 / € 33.055.409,00) e o B..., 75,76% (€ 25.042.123,00/€ 33.055.409,00);

-          Com o aumento dos prejuízos fiscais do C... originados em 2010, em € € 26.927,70, e conforme peticionado, o A... verá aumentado em € 6.527,27 (€ 26.927,70 x 24,24%) o total dos prejuízos fiscais que já detinha, provenientes do exercício de 2010 do C..., que aumentarão assim de € 1.700.771,99 (24,24% x € 7.016.386,10) para € 1.707.299,26 (€1.700.771,99 + € 6.527,27) e o B... verá aumentado em € 20.400,43 (€ 26.927,70 x 75,76%) o total dos prejuízos fiscais que já detinha, provenientes do exercício de 2010 do C..., que aumentarão assim de €5.315.614,11 (75,76%x€7.016.386,10) para € 5.336.014,54 (€5.315.614,11+€20.400,43), ou seja, respectivamente € 1.707.299,26 (A...) e € 5.336.014,54 (B...).

-          As requerentes apresentaram reclamação graciosa da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2010, que foi indeferida por despachos cuja notificação foi recebida pelo A... em 25 de Setembro de 2013, e pelo B..., em 27 de Setembro de 2013, pelo que o pedido agora apresentado é tempestivo;

-          Encontra-se cumprido o pressuposto de recurso prévio à via administrativa, nos termos do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março;

-          É legítima a coligação de autores porque estão em causa dois pedidos que dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito quanto a dedutibilidade em sede de IRC de encargos fiscais com tributações autónomas.

-          A figura da tributação autónoma nunca teve a natureza de imposto sobre o rendimento, IRC ou IRS, tratando-se, na maioria dos casos, de uma tributação sobre a despesa;

-          A função das tributações autónomas nada tem que ver com a função do IRC, de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento das pessoas colectivas, até porque é quando essa capacidade contributiva é menor, até inexistente, que se agravam, transversalmente, todas estas tributações autónomas (n.º 14 do artigo 88.º do CIRC);

-          Visando, no início, a luta contra o risco e evasão e fraude fiscal (tributação das despesas confidenciais e não documentadas), as tributações autónomas diversificaram-se extraordinariamente e aumentaram de valor, passando a pretender obter-se mais receitas fiscais, 

-          A maioria das tributações autónomas aplica-se independentemente do IRC: mesmo quando haja exclusão de sujeição a IRC, ou isenção de IRC, e aplicam-se a realidade diferente daquela (o lucro) a que se aplica o IRC, pelo que a sua dedução fiscal não gera um círculo vicioso, como no caso de uma eventual dedução das derramas, segundo interpretação confirmada pela doutrina e jurisprudência.

-          As tributações autónomas são dedutíveis nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC porque a regra em IRC é de que os impostos suportados por um sujeito passivo de IRC são dedutíveis, na mesma medida e no mesmo plano em que o são a generalidade dos gastos ou encargos (por exemplo IMT, Selo, IMI e até o IVA quando constitua um efectivo encargo para o sujeito passivo de IVA e de IRC, por impossibilidade de dedução do IVA suportado com diversos consumos, assim como os direitos aduaneiros), sendo as excepções previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do actual artigo 45.º (anterior 42.º) do CIRC.

-          E quando o legislador pretendeu a não dedutibilidade de uma outra tributação autónoma (aprovada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), previu-o expressamente (alínea o) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, na redacção da Lei nº 55-A/2012), o que não fez por outro lado com a proposta de contribuição sobre o sector energético (artigo 217 da Proposta de Lei n.º 178/XII).

-          E, o facto de a proposta de lei de reforma do IRC (Proposta de Lei n.º 175/XII) ter incluído os encargos fiscais com tributações autónomas na excepção que impede a dedutibilidade fiscal do IRC (n.º 1, alínea a), do artigo 23º-A do CIRC), equiparando-os para este efeito (inclusão na excepção de indedutibilidade) constitui uma confirmação de que até 2013, inclusive, este encargo fiscal não era excepcionado da regra geral de dedutibilidade dos encargos fiscais.

-          Mas esta equiparação constitui uma ficção jurídica – as tributações autónomas não são IRC nem um qualquer outro imposto que incida sobre os lucros, mas imposto suportado pelo seu sujeito passivo, verdadeiro encargo fiscal para a mesma;

-          No sistema fiscal português vigente ao tempo da situação em apreciação, os únicos impostos, para além do próprio IRC, abrangidos pela excepção ao princípio da dedutibilidade dos impostos no cômputo do lucro sujeito a IRC eram a derrama estadual (cf. artigo 87.º-A do CIRC) e a derrama municipal.

-          A expressão “ou indirectamente incidentes sobre os lucros” (alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, aditada pela Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, ao anterior 42.º) foi suscitada pela polémica relativa à derrama municipal que, não sendo embora IRC, incidia, então indirectamente sobre os lucros sujeitos a IRC, sobre o mesmo rendimento a que se aplica o IRC, mas as tributações autónomas de maneira nenhuma incidem sobre os lucros (directa ou indirectamente), muito menos sobre os lucros do sujeito passivo de IRC, são sendo subsumíveis na alínea a) do n.º 1 do actual artigo 45.º do CIRC (anteriormente artigo 42.º e, inicialmente, artigo 41.º).

-          A argumentação utilizada na controvérsia doutrinal sobre a (in)dedutibilidade da derrama municipal e o modo como foi dirimida, não é aplicável ao presente caso: enquanto a derrama era um imposto acessório do IRC, as tributações autónomas são autónomas, independentes das não sujeições em sede de IRC (situação ainda mais extrema que a de isenção), e, contrariamente à derrama municipal e ao IRC, não têm a natureza de imposto sobre o rendimento.

-          As tributações autónomas incidem a montante do cálculo do lucro tributável, são um encargo fiscal que onera despesas, não sendo impostos da mesma natureza do IRC não “se vão anular reciprocamente”, a sua relevação como encargo fiscal limita-se contribuir para o apuramento do lucro ou rendimento real, evitando a tributação de lucro realmente inexistente.

-          A interpretação da AT de que a norma constante do artigo 23.º, n.º 1, ou do artigo 45.º, designadamente no seu n.º 1, alínea a), todos do CIRC, impede a dedução no apuramento do rendimento tributável de encargos reais com tributações autónomas, tornaria essas normas inconstitucionais, por violação dos artigos 2.º (Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade e da igualdade e da proibição de discriminações arbitrárias), 13.º (princípio da igualdade), 18.º, n.ºs 2 e 3 (princípio da proporcionalidade) e 104.º, n.º 2 (princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade, princípio da capacidade contributiva) da Constituição da República Portuguesa.

-          A autoliquidação de IRC do C..., relativa ao exercício de 2010, padece parcialmente de vício material de violação de lei, devendo ser declarada a ilegalidade parcial desta autoliquidação, com anulação da parte que reflecte a não relevação fiscal de encargos fiscais com tributações autónomas;

-          Assim, devem ser rectificados para mais, os prejuízos fiscais apurados na autoliquidação do exercício de 2010, em € 26.927,70, com o consequente aumento dos prejuízos fiscais transmitidos na sequência da cisão-fusão para as Requerentes, em € 6.527,27 para o A..., e em € 20.400,43 para o B..., com o consequente aumento dos prejuízos fiscais do A... de € 1.700.771,99 para € 1.707.299,26, e do B... de € 5.315.614,11 para € 5.336.014,54.

 

8. Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

A Requerida respondeu, em síntese:

a) Arguindo as excepções, todas elas susceptíveis de conduzir à absolvição da instância da Requerida, de:

-          Incompetência do tribunal arbitral porque está em causa uma receita (própria) regional, cuja cobrança cai no âmbito da administração da RAM, situando-se fora do âmbito da arbitragem tributária a que apenas está vinculado o Ministério das Finanças (do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro e Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março;

-          Ilegalidade da coligação de autores porque, dada a incompetência material do Tribunal Arbitral para dirimir o pedido que vem requerido pela Requerente “B..., S.A.”, não pode esta coligar-se ao “A..., S.A.” para efeitos de apreciação da ilegalidade do acto de autoliquidação, relativo ao período de 2010;

-          Intempestividade do pedido de pronúncia arbitral porque, apresentado este em 16.12.2013 sobre o acto de autoliquidação de IRC referente a 2010, com data de pagamento do imposto até 31.05.2011, não vem pedida a anulação do acto de indeferimento da respectiva impugnação administrativa,

 

b) Impugnando:

-          Não se pode retirar das decisões jurisprudenciais ou menções doutrinárias citadas pelas Requerentes que as tributações autónomas, apesar das particularidades no seu apuramento, não são IRC, integrando a previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC.

-          A jurisprudência do Tribunal Constitucional (acórdãos n.º310/2012, 382/2012 e 617/2012), versa sobre a aplicação das taxas de tributação autónoma na perspectiva da proibição da retroactividade sem advogar a sua dedutibilidade ao lucro tributável (por exclusão da al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC/ inclusão na al. f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC).

-          A jurisprudência do STA debruça-se sobre a questão da aplicação retroactiva da alteração das taxas de tributação autónoma (acórdãos n.º 0281/11 e n.º 0757/11) e sobre o regime da transparência fiscal (acórdão n.º 0830/11), mas também não conclui que as mesmas não são IRC nem que não é lícito incluí-las na al. a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.

-          Quanto à decisão do colectivo arbitral (proc.n.º7/2011-T), debruça-se sobre as tributações autónomas, por confronto com a tributação por métodos indirectos, sobre a sua natureza a propósito da forma de apuramento, sem retirar as ilações que a Requerente preconiza.

-          Sérgio Vasques, na citada nota do Manual de Direito Fiscal, apenas acentua a sua autonomia em relação à forma de apuramento não questionando a inserção das tributações autónomas em IRC, ao mesmo tempo que diz que “os impostos sobre o rendimento contemplam também elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.”

-          O artigo 12.º do CIRC confirma, a contrario sensu, que o legislador considera as tributações autónomas IRC: se ao excluir da tributação neste imposto as sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal tem o cuidado de salvaguardar expressamente as tributações autónomas, é porque as tributações autónomas são uma componente do IRC a autoliquidar e a pagar pelos contribuintes nos termos dos arts 89.º, e ss, e 104.º, e ss, do CIRC, normas que se referem, indiferenciadamente, quer a IRC quer às tributações autónomas em sede de IRC.

-          A “autonomia” das taxas de tributação autónoma justifica-se com os factos sobre que incidem e pela especificidade no seu apuramento, mas trata-se, ainda assim, de IRC.

-          O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, instituiu as taxas de tributações autónomas sobre certas despesas como um adicional do imposto sobre o rendimento a liquidar e a pagar pelo contribuinte.

-          As tributações autónomas nunca foram um imposto autónomo nem um imposto especial sobre as “vantagens acessórias” (o estudo citado, de Maria dos Prazeres Lousa, localiza-se num tempo em que a tributação das vantagens acessórias, prevista em termos genéricos no artigo 2.º do 3 Código do IRS, não tinha aplicação prática).

-          A tributação autónoma não é equiparada pelo legislador à tributação das vantagens acessórias (actualmente elencadas na alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS e dedutíveis em IRC);

-          As tributações autónomas pretendem evitar que as empresas incorram em despesas cuja natureza é difícil distinguir e que poderiam ser aproveitadas como veículo de evasão fiscal, são um mecanismo dissuasor da utilização de bens e serviços de uso misto e da transferência camuflada de dividendos (mesmo com o aumento das taxas de tributação autónomas estas estão longe de atingir o nível da taxa marginal do escalão mais elevado da tabela do IRS).

-          As tributações autónomas nunca foram um imposto especial autónomo, nem um “imposto sobre o consumo” ou um “imposto geral sobre o consumo” mas uma componente integrante do IRC, configurando um elemento de obrigação única (evidente no nº 11 do art. 88.º do CIRC).

-          A alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (com a actual redacção da al. a) do n.º 1 do art. 23.º-A, que substituiu a anterior al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC), teve um alcance manifestamente clarificador de que as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC.

-          E vem corroborar a interpretação que dele sempre foi feita, quer pela Autoridade Tributária e Aduaneira quer pela generalidade dos contribuintes (designadamente a ora Requerente), na autoliquidação do IRC.

-          A colocação em diferentes quadros na declaração modelo 22 - distinção dos campos do IRC liquidado (361) e a pagar ou recuperar (362) do campo das tributações autónomas (365) - explica-se por as tributações autónomas consistirem em taxas que incidem sobre factos autónomos mas as derramas também constam de campo próprio, separado dos campos do IRC, sem que isso seja argumento para advogar a sua dedutibilidade ao lucro tributável.

-          A alínea a) do artigo 41.º do CIRC, na sua versão originária, não tem natureza excepcional (por contraposição à “regra geral” da alínea f) do n.º 2 do art. 23.º do CIRC), como foi reconhecido na jurisprudência relativa à derrama, quando decidiu que a sua não inclusão no artigo 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC não impedia a desconsideração como custo fiscal.

-          A tributação autónoma foi criada pelo legislador com o objectivo de incentivar os contribuintes a reduzirem as despesas cuja indispensabilidade seja de difícil verificação, e que concorrendo negativamente para a formação do lucro tributável, afectam negativamente a receita fiscal; evitar que através destas despesas as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo dividendos, que não seriam assim tributados e, ainda, combater a fraude e a evasão fiscais que tais despesas ocasionam.

-          A intenção do legislador acentuou-se através de sucessivos aumentos de taxa e penalização dos sujeitos passivos que beneficiam de um regime de tributação mais favorável, em que parte das despesas são tributadas autónoma e independentemente da existência ou não de matéria colectável para efeitos de IRC, com o que se pretende atingir o contribuinte que não apurava matéria colectável, precisamente por causa deste tipo de despesas.

-          Ao pretender-se prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos, as tributações autónomas estão legitimadas à luz do princípio da capacidade contributiva, pela sua função anti-abuso, realizando a função IRC de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real.

-          A admitir-se a tributação autónoma como custo fiscal estar-se-ia obliterando o efeito dissuasor que com elas o legislador visou atingir, e a anular essa mesma tributação autónoma, uma vez que o montante pago seria compensado pela redução do mesmo ao lucro tributável, logo, sobre o IRC a pagar ou sobre os prejuízos a reportar, o que seria ilógico.

-          O facto de, segundo o n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, a determinação da alíquota das tributações autónomas depender do apuramento prévio da matéria colectável, situa a liquidação das tributações autónomas numa fase posterior ao procedimento de liquidação do IRC, contrariando a tese da Requerente de que o encargo suportado com tributações autónomas deve ser deduzido no apuramento do lucro tributável.

-          Segundo a tese da Requerente, não se saberia no momento do apuramento do lucro tributável qual o montante do encargo com a tributação autónoma a deduzir por se desconhecer se é devido ou não o agravamento da taxa.

-          Nem o agravamento das taxas previsto no referido n.º 14 do art. 88.º do CIRC se justificaria se o prejuízo fiscal de que depende fosse ele próprio originado pela dedução de tributações autónomas.

-          Adaptando às tributações autónomas a questão que em tempos se colocou em relação à derrama, conclui-se que “Se a definição da taxa de tributação autónoma depende do apuramento da matéria colectável, o produto da sua aplicação não pode integrar o cálculo daquela, por impossibilidade de lógica”.

-          A interpretação restritiva do 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC, defendida no pedido contraria a teleologia da norma (as tributações autónomas têm um papel instrumental no apuramento do IRC, só têm autonomia na forma de apuramento, incidência e taxa) e a coerência sistemática, sendo incompatível com o disposto no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC.

 

9. Resposta das Requerentes às excepções e alegações finais das Partes

9.1. Resposta a excepções

Quanto à invocada incompetência dos tribunais arbitrais para apreciar a liquidação referente a B...., com sede no Funchal, Região Autónoma da Madeira, as Requerentes, analisando a legislação aplicável, rejeitam a interpretação feita pela Requerida das sucessivas Leis Orgânicas (Finanças regionais) e diplomas orgânicos dos serviços de administração tributária nacionais e regionais, rejeitando os efeitos que a AT retira quanto à não vinculação da RAM à arbitragem tributária, segundo a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Realçam ainda que a incompetência do tribunal arbitral para decidir relativamente a uma das liquidações e, portanto, considerando a coligação ilegal, apenas conduziria a absolvição parcial da instância.

 

Quanto à intempestividade do pedido, para além de jurisprudência do STA proferida sobre impugnação na sequência de indeferimentos de reclamações graciosas, defendem que o contribuinte não pode, a pretexto de que o pedido arbitral não poderia incidir primariamente sobre o acto tributário/lesivo, ser impedido de valer-se do prazo de apresentação de pedido de pronúncia arbitral de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT, contados do indeferimento de reclamação graciosa.

 

A interpretação de que para efeitos do prazo de reacção de 90 dias, que se abre com o indeferimento expresso da reclamação graciosa, o objecto do processo e a pretensão arbitral não poderiam ser, respectivamente, o acto tributário e o pedido de declaração da sua ilegalidade, violaria os princípios constitucionais de acesso aos tribunais para tutela de direitos (artigos 20.º,n.º1, e 268.º, n.º4, da CRP) e da protecção da confiança.

 

9.2. Alegações finais

9.2.1. Das Requerentes

Nas alegações escritas, as Requerentes disseram em síntese conclusiva:

“A. É inequívoco que as duas normas do CIRC que definem o que é o IRC são o seu artigo 1.º (mais genérico) e o seu artigo 3.º. Quer um quer outro explicam o que é o IRC, sendo absolutamente coincidentes nisto: imposto sobre o lucro/rendimento, em nenhuma alínea constando a base tributável das tributações autónomas aqui em causa (encargos ou despesas de certo tipo) ou de quaisquer outras.

B. E, nota-se, são normas que existem desde o início do IRC, mas que foram objecto de republicação por mais do que uma vez muito depois de existirem já as tributações autónomas (as últimas republicações/reafirmações ocorreram com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro e, quatro anos antes, com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e nem por isso foram adaptadas para incluir na sua definição de IRC as tributações autónomas: pelo contrário, reafirmaram sempre, nessa ocasião, a definição originária do IRC.

C. Por sua vez e em contraste, o artigo 12.º do CIRC na redacção em vigor desde 2002 (e, desde 2014, a alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.º-A do CIRC), não têm por missão ou função definir o que é o IRC, donde não terem transformado em IRC, fora do seu âmbito específico (material e temporal) de aplicação, aquilo (as tributações autónomas sobre despesas e encargos) que não é nem nunca o foi, como resulta das normas fundamentais especificamente definidoras do que é o IRC e que constam do respectivo código (cfr. citados artigos 1.º e 3.º).

D. E será/seria grave e perigoso para a coerência e racionalidade do sistema fiscal e, consequentemente, para quem zela (ou deve zelar) por ele, se assim não for/fosse: se a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC estiver realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral que se retiraria a contrario sensu da redacção do artigo 12.º do CIRC em vigor desde 2002, então as implicações sistemáticas a retirar daí são mais do que muitas e todas contrárias à prática que vem sendo seguida desde sempre pacificamente por AT e contribuintes: cfr. o tema da dedução das tributações autónomas a créditos fiscais em IRC (créditos ao investimento; por dupla tributação internacional; etc.); cfr. o tema da dedução das tributações autónomas ao PEC (pagamento especial por conta); etc.

E. Acresce que o STA, no acórdão de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11, por referência a factos respeitantes a 1996, i.e., anteriores à actual redacção

do artigo 12.º do CIRC (em vigor desde 2002, tendo sido introduzida pelo artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), viu na expressão IRC, aí então (1996) exclusivamente utilizada, algo que não abrangia as tributações autónomas.

F. Donde a conclusão segura de que a alteração legislativa de 2014 consubstanciada na redacção dada à alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.º-A do CIRC (anterior artigo 45.º) tem carácter inovatório e, consequentemente, só pode aplicar-se daí em diante. Donde ainda a necessária conclusão de que padece de inconstitucionalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (cfr. artigo 2.º da Constituição),

G. a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, no sentido de que a equiparação aí efectuada das tributações autónomas ao IRC, se aplicaria a exercícios fiscais anteriores a 2014, por ter, alegadamente, natureza materialmente interpretativa da norma anterior que substituiu (a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, e anteriormente a 2010, artigo 42.º) e que não fazia tal equiparação. (…)” [1]

 

9.2.2 Da Requerida

Nas alegações escritas, a Requerida concluiu:

“A. À data actual, existem dez decisões arbitrais que concluem no sentido de que as tributações autónomas que incidem sobre os encargos dedutíveis em IRC integram o dito regime, sendo, por isso, devidas a título deste imposto, encontrando-se abrangidas pelo disposto no artigo 45.º, n. 1, al. a) do CIRC, redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, não constituindo encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, “devendo, em consequência, improceder a presente acção arbitral”.

B. À fundamentação que consta nas mencionadas decisões arbitrais acresce que o valor resultante da aplicação das tributações autónomas, constantes no artigo 88.º do CIRC, não é, nem nunca foi, passível de ser deduzido para efeitos de apuramento do lucro tributável das pessoas colectivas.

C. Na mesma medida em que não são dedutíveis ao lucro tributável outros tributos suportados pelos sujeitos passivos, também não são dedutíveis impostos que incidem sobre as despesas em relação às quais o legislador e, acima de tudo, a lei excluiu da dedutibilidade.

D. Na realidade, formalmente, as tributações autónomas são IRC, apresentando-se como uma sua componente, um seu complemento.

E. Paralelamente, da leitura dos Acórdãos 617/2012 e 85/2013, lavrados em sede de Constitucional, não se retira que as tributações autónomas sejam, efectivamente, um imposto distinto do IRC, o que, desde logo, justifica a sua não dedutibilidade no apuramento do lucro tributável, nos termos disposto no artigo 45.º/1, a) do CIRC.

F. Tanto o legislador como a lei, no artigo 12.º do CIRC, consideram as tributações autónomas componente do IRC.

G. Neste sentido, as tributações autónomas deverão ser pagas pelos contribuintes nos termos e prazos previstos respectivamente nos artigos 89.º e seguintes e 104.º e seguintes do CIRC, os quais, de resto, se referem, de modo indiferenciado, quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC.

H. A nova redacção do artigo 23.º-A/1 al. a), introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, tem um manifesto alcance esclarecedor para o futuro quanto ao seguinte facto: as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC.

I. Aliás, esse alcance clarificador segue a linha (1) da única interpretação possível do pretérito artigo 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC que, já antes da introdução daquela nova redacção, existia, bem como segue a linha (2) de pensamento (e de vontade) do legislador que até então se vinha desenvolvendo, designadamente que os encargos das tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável das empresas.

J. O que o legislador pretendeu foi apenas afastar dúvidas que sabe podem vir a ocorrer no futuro, pelo que é destituído de sentido afirmar-se que se trata de uma lei inovatória, pois que, ao contrário do que pugna a Requerente, tal introdução normativa segue a linha de raciocínio do pretérito artigo 45.º, n. 1, al. a) do CIRC.

K. Não padece de inconstitucionalidade a interpretação da norma constante no artigo 23.º-A, n. 1, al. a) do CIRC, redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, dado não terem sido violados os artigos 2.º e 103.º, n. 3 da CRP.

L. Tanto numa perspectiva teleológica, sistemática como funcional, as tributações autónomas são um autêntico adicional do IRC, e isto porque, pela natureza das coisas, um imposto não pode ser dedutível a si mesmo.

M. Desde sempre, a intenção manifestada pelo legislador foi a da indedutibilidade das tributações autónomas, até porque o seu objectivo foi o de evitar um certo efeito de círculo vicioso, ou seja, a permissão de que o imposto se permitisse deduzir a si próprio, desta forma evitando o esvaziamento do âmago do artigo 88.º do CIRC.

N. As tributações autónomas estão funcionalmente imbricadas no IRC, sendo que, e paralelamente, existe uma norma (88.º/14 do CIRC) que faz depender a alíquota da tributação autónoma da circunstância do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

O. Com efeito, permitir o concurso para o apuramento do lucro tributável da Requerente conduziria que a própria liquidação de tributações autónomas reduzisse, por conseguinte, a liquidação do IRC a pagar, em confronto directo com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à utilização de certos bens e serviços de uso misto.

P. As tributações assumem uma clara natureza anti-abuso, uma vez que com elas se pretende prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos, prosseguindo, por esta via, o objectivo de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real dos sujeitos passivos, prosseguindo, por esta via, o objectivo de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real.”

 

10. Questões a decidir   

O Pedido de pronúncia visa decidir se os montantes liquidados e pagos pela Requerente a título de tributações autónomas são ou não dedutíveis como encargos para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC (art. 45º, nº 1, alínea a) do CIRC, na redacção vigente ao tempo dos factos).

 

Quanto às excepções invocadas pela Requerida - a incompetência do tribunal, a coligação ilegal de autores e a intempestividade do pedido – serão apreciadas e decididas, com carácter prévio, após a fixação da factualidade.

 

11. Saneamento

O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Veremos se o tribunal é competente para apreciar a questão de mérito, se a coligação é legal e se o pedido é tempestivo.

 

II. Fundamentação

 

12. Factos considerados provados 

Com base nas peças processuais e diversos documentos juntos ao processo e não impugnados, fixa-se a seguinte factualidade, indicando-se relativamente a cada um dos pontos a fundamentação respectiva.

12.1. As sedes das Requerentes “A..., SA” (A...) e “B..., SA”, situam-se, no primeiro caso na Avenida …, em Lisboa, … Lisboa e no segundo caso, na Rua …, Funchal Concelho: … (Pedido de pronúncia e documentos nº 1 e 2 juntos pelas Requerentes com o pedido de pronúncia arbitral).

12.2. Em 30 de Dezembro de 2011, as Requerentes, A..., S.A., e B..., incorporaram a sociedade C...- (C...), através de uma operação de cisão-fusão da qual resultou a extinção da C..., ficando as sociedades incorporantes detentoras, respectivamente, de 24,24% e de 75,76% das posições jurídico-patrimoniais da sociedade extinta (Pedido de pronúncia, Docs.1 e 2, juntos pelas Requerentes). 

12.3. A referida operação de cisão-fusão foi, nos termos do artigo 75º do CIRC, objecto de despacho de autorização de transmissibilidade de prejuízos fiscais apurados, na C..., nos anos de 2008 a 2010 (no valor total de € 14.514.125,73), para as sociedades para que fora transferido o património da sociedade extinta, na parte proporcional ao património transferido para cada uma das transmissárias, A... e a B..., Requerentes nos presentes autos (Doc. nº 3, junto pelas Requerentes, com o pedido de pronúncia).

12.4. A Direcção de Serviços do IRC comunicou às Requerentes que a dedução dos prejuízos transferidos deveria fazer-se de acordo com plano específico, fixado nos termos do Despacho nº 79/2005-XVII, de 2005.04.15 do SEAF e da Circular nº 7/2005, de 16 de Maio de 2005 (Doc. nº 3, junto com o pedido de pronúncia).

12.5. A declaração modelo 22 referente ao exercício de 2010 (período de 01-01-2010 a 31-12-2010) de IRC da sociedade “C..., SA”, fora por esta entregue em 31 de Maio de 2011 (Doc. nº 4, junto com o pedido de pronúncia).

12.6. No campo 02 (sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável) da declaração mod. 22, era indicado “Lisboa – 10 º Bairro” (Doc. 4, junto com o pedido de pronúncia).

12.7. A sede da C... SA, era então na Avenida …, Lisboa (Doc. 1, fls. 11, e Doc. 2, fls. 20, juntos com pedido de pronúncia).

12.8. Na declaração modelo 22 referida no número anterior, a C... apurou o montante total de imposto a pagar de €26.912,82, correspondendo a retenções na fonte efectuados por terceiros e a pagamentos por conta, deduzidos das tributações autónomas previstas no artigo 88º do CIRC, (Doc. nº 4 junto pelas Requerentes, e PA, fls. 28 a 33).

12.9. O total de € 26.927,70 de tributações autónomas, efectivamente pago pela C... (Doc. 8 junto pelas Requerentes e PA, fls. 34) corresponde à tributação de encargos, discriminados no campo 11, com despesas de representação (€ 37.015,15), com viaturas ligeiras de passageiros com valor inferior ao limite legal (€ 134 955,85), com viaturas de passageiros com valor de aquisição superior ao limite legal (€ 45 133, 06) e com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador (€14. 079,57) (ponto 3 da reclamação graciosa, in PA, fls. 5).

12.10. Da aplicação das taxas então previstas na lei (10%, 20% e 5%) aos diferentes tipos de encargos, resultaram os montantes de € 3.701,52 (despesas representação), € 22.522,20 (encargos com viaturas) e € 703,98 (ajudas de custo e similares) (art.17 do Pedido; Doc. 4 junto com Pedido e PA, fls 28 a 33).

12.11. Em 3 de Junho de 2013, a B..., deduziu reclamação graciosa dirigida ao Director de Finanças do Funchal (PA, fls. 4), contra a autoliquidação efectuada pela C... relativa ao exercício de 2010 (declaração mod. 22 entregue em 31/05/2011), solicitando que fossem deduzidas como custo de exercício as tributações autónomas pagas, apurando-se um prejuízo fiscal para o C..., no período de 2010, no montante de € 7.043.313,80, de que seria imputado à Reclamante, € 5.336.014,53 (PA, fls. 4 a 27).

12.12. A sociedade A… apresentou, junto da Direcção de Finanças de Lisboa, reclamação graciosa (nº …) da autoliquidação efectuada pela C... relativa ao exercício de 2010 (PA, fls. 76  e 77).

12.13. A Direcção de Finanças de Lisboa, verificando que a sociedade cindida foi incorporada por duas sociedades, e que a haver uma decisão sobre a autoliquidação de IRC de 2010, esta iria interferir na esfera jurídica das duas sociedades incorporantes, notificou, por ofício de 24/7/2013, de 26 de Julho de 2013, a A… para esta “legitimar o pedido, sendo a petição assinada pelas duas sociedades incorporantes” (p. 74, 76 PA).

12.14. A reclamação apresentada pela B…, SA, com o nº …, foi objecto do projecto de decisão, aprovado em 15/07/2013, pela AT, através do Director da Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) com fundamentação da informação de inspector da Divisão de Assistência Tributária (DGAT), datada de 8 de Julho de 2013, (PA. fls. 58 a 70) notificada por ofício …, de 15/07/2013 (PA, fls. 71 e 72);

12.15. A sociedade A..., cuja reclamação graciosa, apresentada em 31/05/2013, fora inicialmente considerada incorrecta, foi objecto de “formalização da situação”, (troca de correio electrónico entre a UGC e a DF de Lisboa, fls. 73 e ss, em especial 76, do PA) sendo notificada, pelo ofício da UGC, datado de 20/08/2013, do projecto de decisão proferida no proc. …, da B..., para audição prévia, como contra-interessada (PA, fls. 78 e ss).

12.16. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa no processo …, da B..., foi tornada definitiva por despacho proferido, em 20 de Setembro de 2013, sobre a informação nº…, pela direcção da  Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, UGC (PA. fls 80 a 82).

12.17. A decisão de indeferimento foi notificada pela UGC à A... pelo ofício nº … e à B…, SA pelo ofício nº …, ambos de 23 de Setembro de 2013 (PA, fls 86 a 91), recebidos, pela primeira, em 25 de Setembro de 2013 e, pela segunda, em 27 de Setembro de 2013 (Docs.5 e 6 juntos pelas Requerentes).

12.18. O presente pedido

 de pronúncia arbitral foi apresentado em 16 de Dezembro de 2013.

 

13. Factos não provados

A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação da questão de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.

 

14. Aplicação do direito

14.1. As excepções

14.1.1. (In)competência do tribunal arbitral

A Requerente B…, S.A, pretende, coligada com o A..., SA, a apreciação da legalidade de uma auto-liquidação de IRC referente ao ano de 2010 realizada pela C..., sociedade entretanto extinta e cujo património foi incorporado pelas Requerentes, através de uma operação de cisão-fusão realizada em 30 de Dezembro de 2011.

 

As Requerentes, na qualidade de sucessoras universais da sociedade incorporada C..., apresentaram, em 2013, reclamações da referida autoliquidação efectuada por aquela sociedade em 2011 e relativa ao exercício de 2010.

 

Atento o despacho de autorização de transmissibilidade de prejuízos fiscais apurados, na C..., nos anos de 2008 a 2010 (no valor total de € 14514125,73), para as sociedades para que fora transferido o património da sociedade extinta, na parte proporcional ao património transferido para cada uma das transmissárias, A... e a B..., Requerentes nos presentes autos (cf. 12.3), coloca-se a questão de saber se a posição das Requerentes não deve ser aferida pela posição da sociedade em cujas relações jurídicas sucederam, sendo que as questões levantadas pela Requerida, face à Região Autónoma de Madeira, apenas respeitam a uma das sucessoras da sociedade incorporada, C..., sujeito passivo na autoliquidação [2], relativa ao exercício de 2010, cuja legalidade se discute no presente pedido de pronúncia.

 

Contudo, e independentemente da solução dessa dúvida, este tribunal não subscreve a tese da Requerida de que, estando em causa uma receita (própria) regional cuja cobrança cai no âmbito da administração da RAM, o pedido da B... encontrar-se-ia fora do âmbito da arbitragem tributária a que apenas está vinculado o Ministério das Finanças.

 

Efectivamente, os diplomas orgânicos, de carácter regulamentar, antes Portaria n.º 348/2007, de 30 de Março, e agora Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de Dezembro, atribuem aos serviços de administração tributária a nível nacional, antes DGCI agora AT, a competência para: liquidar e controlar a (auto)liquidação do IRC, fiscalizar e inspeccionar os contribuintes, decidir reclamações graciosas, recursos hierárquicos e pedidos de revisão oficiosa relativamente ao IRC, emitir instruções com vista a uniformizar a aplicação das normas atinentes ao IRC, elaborar os respectivos modelos declarativos.

 

Essas funções foram/são desenvolvidas essencialmente pelo serviço central DSIRC, que gere o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), cabendo também um papel fundamental, à DSIT e à UGC (artigos 4.º e 14.º da Portaria n.º 348/2007 e, actualmente, artigos 4.º e 34.º da Portaria n.º 320-A/2011), concluindo-se que foi a DGCI e é hoje a AT, que administra o IRC.

 

Por outro lado, analisando as normas das sucessivas Leis de Finanças das Regiões Autónomas – quer o diploma vigente ao tempo dos factos, Lei Orgânica 1/2007, de 19 de Fevereiro, quer o anterior, Lei Orgânica nº 13/98, de 24 de Fevereiro, ou o posterior, Lei Orgânica nº 2/2013, de 2 de Setembro – conclui-se que:

-          As Regiões Autónomas têm direito (art. 10º da Lei nº 13/98; art. 15º da LO de 2007; 24º da LO de 2013) à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas aos impostos que devam pertencer-lhes de acordo com a lei de finanças regionais bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei. Entre as previstas nas Leis de Finanças das Regiões, conta-se o direito a receita de IRC[3];

-          O direito à receita está relacionado com o exercício da actividade na Região [4];

-          Não existem elementos de interpretação que nos levem a concluir que a lei tenha atribuído a administração do IRC às regiões autónomas, pelo menos quando a actividade não se desenvolve exclusivamente naquele território;

-          As competências tributárias regionais de natureza normativa e administrativa[5] compreendem o poder de criar e regular impostos, vigentes apenas nas Regiões Autónomas respectiva e de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais[6];

-          Se é certo que o artigo 62º da LO de 2007 dispunha sobre “Transferência das atribuições e competências para as Regiões Autónomas” [7], o nº 1 do artigo 51º distinguia nas competências administrativas regionais, em matéria fiscal, a exercer pelos governos e administrações regionais respectivas: a capacidade fiscal de as Regiões Autónomas serem sujeitos activos dos impostos nelas cobrados; o direito à entrega, pelo Estado, das receitas fiscais que devam pertencer-lhes; o poder de fixar o quantitativo das taxas, emolumentos e preços devidos pela prestação de serviços.

-          A alínea a) do nº 2 do art. 51º da LO 1/2007, explicitando a capacidade de as Regiões Autónomas serem sujeitos activos dos impostos nelas cobrados, prevê o poder de os Governos Regionais criarem os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos aos impostos de âmbito regional. Acrescenta ainda (alíneas b) e c) do art.51º), o poder de regulamentarem as matérias a que se refere a alínea anterior, mas sem prejuízo das garantias dos contribuintes, de âmbito nacional, assim como o poder de as Regiões Autónomas utilizarem os serviços fiscais do Estado sediados nas Regiões Autónomas, mediante o pagamento de uma compensação[8].

-          O Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de Janeiro, transferiu para órgãos e serviços regionais apenas as competências da sua direcção de finanças na Região Autónoma da Madeira (art. 1º, nº 1), estando em causa as “atribuições e competências fiscais que, no âmbito da Direcção de Finanças da RAM e dos serviços dela dependentes, vinham sendo exercidos até então pelo Governo da República” (Despacho Conjunto n.º 309-F/2005, publicado no DR 2.ª série de 19 de Abril de 2005).

 

Conclui-se, assim, que a Administração Tributária e Aduaneira mantém, através dos seus serviços centrais, a generalidade das competências no que se refere à administração do IRC, designadamente no que respeita a liquidação, controlo, fiscalização, emissão de orientações e interpretações da lei, apreciação de reclamações, intervenção em contencioso [9].

 

Pelo que a excepção de incompetência do tribunal arbitral invocada pela Requerente é julgada improcedente.

 

14.1.2.Coligação ilegal

Improcedendo a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido da Requerente B..., S.A.”, improcede também a excepção de coligação ilegal, invocada pela Requerida apenas como corolário lógico daquela primeira.

 

14.1.3 (In)tempestividade do pedido

A questão controvertida consiste em saber se, como sustenta a Requerida, as Requerentes tinham, no pedido apresentado em 16.12.2013, que requerer expressamente a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa interposta da autoliquidação de IRC referente a 2010, sob pena de o pedido, ao ter como objecto o acto de autoliquidação, se revelar intempestivo por ter ultrapassado o prazo de impugnação directa do acto de autoliquidação de imposto (ou seja, do acto primário).

 

A Requerida cita excertos de Jorge Lopes de Sousa, in Comentários ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pretendendo realçar que as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD incluem as decisões de indeferimento de reclamações graciosas e recursos hierárquicos, e que sendo os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, nos termos do artigo 2.º do RJAT, precedidos em regra por recurso a reclamação graciosa necessária, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado, para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação.

 

Vejamos o caso concreto em apreciação.

No pedido de pronúncia (artigos 2º a 10º) as requerentes suscitam a ilegalidade do acto de autoliquidação; demonstram ter apresentado reclamações graciosas e que as mesmas foram apreciadas pela UGC e indeferidas pela AT em 20 de Setembro de 2013 (juntam os documentos, inclusive as notificações); invocam este procedimento administrativo para concluir que o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, terminaria em 24 de Dezembro de 2014; ao longo de grande parte do texto do Pedido (cf. artigos 172º a 291º) rebatem directamente argumentos da AT na apreciação da reclamação graciosa.

Na realidade, nem pode dizer-se que o Pedido não visa também o indeferimento da reclamação graciosa (ou das reclamações graciosas)….

 

Mas, em qualquer caso, julga-se que a extensão da competência dos tribunais arbitrais, apenas prevista para apreciar a legalidade dos actos (primários) de liquidação, à apreciação dos actos (de segundo ou terceiro grau) que apreciem a legalidade dos actos primários e que se justifica pela referência feita na alínea a) do nº 1 do art. 10º do RJAT) ao nº 2 do artigo 102º do CPPT) [10] não deve conduzir a uma interpretação tão restritiva como a defendida pela Requerida.

 

Com efeito, julgamos que o fundamental nesta matéria, e segundo cremos se retira da obra citada, é a conclusão de que não poderão ser apreciadas as decisões de indeferimento de reclamações graciosas em si mesmas, designadamente as que não conheceram do mérito do acto de liquidação que é objecto da reclamação, porque o que se visa através da impugnação da decisão da reclamação graciosa é apreciar a legalidade do subjacente acto de liquidação, e não a decisão de reclamação graciosa que não conheceu do mérito da pretensão do sujeito passivo (cf. Jorge Lopes de Sousa, ob.cit. p. 125).

 

Por outro lado, num caso como o dos autos, em que se pretende a apreciação da legalidade de um acto de autoliquidação, a interpretação do artigo 2º do RJAT em articulação com os nºs 1 e 3 do CPPT, exige a reclamação prévia nos casos em que ela também é pedida nos tribunais tributários [11], sendo esse sentido expressamente acolhido nos termos da vinculação da Autoridades Tributária e Aduaneira, através da Portaria nº 112-A/2012, de 22 de Março.

 

Mas, interposta a reclamação graciosa e sendo esta indeferida, há lugar a pedido de apreciação arbitral no prazo de 90 dias, contados nos termos do artigo 10º do RJAT e 102º do CPPT. Se um acto de segundo (ou terceiro) grau conhecer efectivamente da ilegalidade, poderá ser objecto imediato do pedido de apreciação arbitral, mas, se não conhecer da ilegalidade mas de outra questão, o indeferimento não poderá, em si, ser objecto do pedido, sendo-o apenas o acto tributário primário. 

 

Daqui não parece que se possa concluir que num caso em que, tendo sido proferida decisão de indeferimento de uma reclamação, que se pronunciou expressamente sobre a legalidade do acto tributário reclamado, o pedido de pronúncia não possa erigir como objecto directo da impugnação o acto tributário. Com efeito, a própria letra da alínea a) do nº 1 do art. 2º do RJAT, dispõe que a competência dos tribunais tributários abrange a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, apesar de, no que concerne a estes, a regra geral ser a obrigatoriedade de apresentação de reclamação graciosa prévia. 

 

Num caso como o presente, em que se encontra provado que se cumpriu esse pressuposto, considera-se que a interpretação aqui defendida pela AT seria uma aplicação restritiva injustificável e contrária à ratio legis (que, recorde-se, é a de que não cabe ao tribunal a apreciação de decisões de indeferimento de reclamações graciosas em si mesmas, mas sim a apreciação da legalidade do acto de liquidação objecto de reclamação graciosa).

 

Acresce que, no presente caso, as Requerentes, na argumentação desenvolvida numa parte substancial do Pedido de pronúncia (cf. pp 46 a 75), atacam directamente também o indeferimento da reclamação graciosa, só não tendo indicado este, expressa e formalmente, como objecto directo do Pedido de pronúncia.

 

Improcede pois a excepção de intempestividade.

 

Consideradas improcedentes as excepções invocadas pela AT, nada impede o conhecimento da questão de mérito.

 

14. 2.Apreciação do pedido 

14.2.1. A figura da tributação autónoma – surgimento e evolução

A “tributação autónoma”, em IRS e IRC, surgiu com o Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho[12], incidindo sobre “as despesas confidenciais ou não documentadas”.

 

Consistia na aplicação de uma taxa de 10% a essas despesas, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do Art.° 41.° do CIRC, sendo que desta disposição do CIRC (aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro, e em vigor desde 1 de Janeiro de 1989), resultava que “não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável”, “os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial”.

 

A taxa passou a 25% [13] com a redacção da Lei nº 39-B/94, de 31/12 (OE 95), lei que, através de alterações ao artigo 41º do CIRC, também estabeleceu limites à aceitação como custos fiscais das empresas “de despesas de representação, assim como dos encargos relativos a viaturas ligeiras de passageiros ou mistos” (nº 1, alíneas g) e j), e nº 4 do artigo 41º do CIRC) [14].

 

O Orçamento de Estado para 1997 (artigo 31º da Lei nº 52-C/96, de 27/12), elevou a taxa prevista no nº 1, do art. 4º do DL 192/90, para 30%, e acrescentou um nº 2: “A taxa referida no número anterior será elevada para 40% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos de IRC, total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola”).

 

O Orçamento de Estado para 1999 (artigo 31º da Lei nº 87-B/98, de 31/12) subiu para 32% a taxa anterior de 30%, e para 60% a taxa prevista no nº 2 do artigo 4º do DL 192/90, referente a sujeitos passivos de IRC total ou parcialmente isentos, assinalando-se também alterações aos arts. 41º e 24º do CIRC [15].

 

O Orçamento de Estado para 2000 (Lei nº 3-B/2000, de 4/4) alterou a redacção do Decreto-Lei nº192/90, estendendo a tributação a encargos com despesas de representação e encargos com viaturas (nºs 3 a 6),[16] assim como a redacção dos artigos 41º e 24º do CIRC [17].

 

Quanto às alterações ao DL nº192/90 e revogação de normas do art. 41º, foram justificadas com a passagem a “tributação autónoma de despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras” “eliminando-se a restrição à sua aceitação como custos”, assim como a “clarificação do conceito de despesa de representação”[18] e, quanto à alteração do artigo 24º do CIRC (ponto III.3), tratar-se-ia de “um aperfeiçoamento de norma anti-abuso introduzida pelo OE para 1999, quanto às gratificações aos membros de órgãos de administração de sociedades, excluindo as situações em que a participação no capital social é pouco significativa e clarificando o conceito de participação indirecta no capital” (cf. relatório do OE para 2000, ponto III.3).

 

No XIV Governo Constitucional, a Lei nº 30-G/2000, de 20 de Dezembro, e depois o Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, vieram incluir as tributações autónomas em IRS e IRC nos Códigos respectivos, primeiro como artigos 75.º-A do CIRS e 69.º-A do CIRC e depois, após a revisão dos Códigos operada pelo DL 198/2001, como artigos 73º do CIRS e 81º do CIRC[19].

 

As despesas confidenciais passam a ser tributadas a 50%, quer em IRS quer em IRC, sendo em IRC a taxa elevada para 70% nos casos em que as despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.

 

A tributação dos encargos dedutíveis respeitantes a despesas de representação e relativos com viaturas passam a ser tributados a uma taxa correspondente a 20% da taxa normal de IRC mais elevada (nº 3 do art. 81º do CIRC) [20].

 

E é criada (nº 7 do art. 81º) uma outra tributação autónoma, à taxa de 35 % ou 55 %, conforme nºs 1 ou 2 do mesmo artigo (entidades sujeitas ou com isenção), sobre importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

 

Em síntese, após as alterações introduzidas com a reforma de 2000, as tributações autónomas em IRC abrangiam despesas confidenciais ou não documentadas; despesas de representação; encargos com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos; importâncias pagas a residentes em regimes fiscais favoráveis.

 

Posteriormente, sucederam-se diversas alterações. Sinteticamente :

-          A Lei n.º 109-B/2001, de 27/12 (Lei do OE 2002), adicionou ao art.º 81.º do CIRC, os encargos com viaturas ligeiras mistas e, visando a neutralidade entre os dois impostos, alterou o CIRS, passando também aí (art. 73º) a taxa de tributação autónoma sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos e motociclos, de 10% para 20% da taxa normal do IRC;

-          A Lei n.º 32-B/2002, de 30/12 (Lei do OE 2003) aditou ao art.º 81.º do CIRC uma tributação autónoma, à taxa de 50% da taxa normal de IRC, dos encargos dedutíveis respeitantes a viaturas ligeiras ou mistas, sempre que o custo de aquisição fosse superior a € 40.000,00 e o sujeito passivo apresente prejuízos fiscais nos dois períodos anteriores;

-          A Lei n.º 107-B/2003, de 31/12 (Lei do OE 2004) alterou o disposto no art.º 81.º do CIRC, de modo a que as taxas de TA, em vez de serem referenciadas à taxa normal de IRC mais elevada, passassem a ser fixadas em valores percentuais fixos, de 6% e 15%, para despesas com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, consoante o valor de aquisição fosse inferior ou superior a € 40.000,00, respectivamente;

-          A Lei n.º 55-B/2004, de 30/12 (Lei do OE 2005) : reduziu, em IRC (art. 81, nº 3), a taxa autónoma de 6% para 5%, relativamente aos encargos dedutíveis com despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exercem, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e incluiu nos códigos de IRS (art. 73º, nº7) e IRC (art. 81º, nº 9) uma nova tributação autónoma, à taxa de 5% sobre os encargos dedutíveis relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, excepto na parte em que haja tributação em IRS na esfera do seu beneficiário;

-          O Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7/11, aditou ao CIRC uma nova taxa de tributação autónoma, de 20%, sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante pelo menos 1 ano. [21]

-          A Lei nº 67-A/2007, de 31/12 (OE 2008), alterou o nº 1 do art. 81º, eliminando a referência a “confidenciais” [22].

-          A Lei n.º 64/2008, de 05/12, que aprovou medidas fiscais anti-cíclicas, alterou os artigos 73º do CIRS e 81º do CIRC, elevando para 10% a tributação dos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e para viaturas, embora com exclusão dos movidos exclusivamente a energia eléctrica e mantendo tributação a 5% dos veículos com emissão de CO2 abaixo de certo valor. Elevou a taxa de tributação autónoma em IRC relativa a despesas com viaturas de valor superior a 40 000,00 €, quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores para 20%. Criou uma taxa autónoma para empresas de fabricação e de distribuição de produtos petrolíferos refinados (artigo 4º, nºs 1 e 2 quando à incidência), vedando a repercussão do encargo suportado no preço do produto (nº 4 do artigo 4º) e esclarecendo que a tributação autónoma em IRC apurada nos termos do nº 2 do artigo, não é dedutível para quaisquer efeitos na determinação do lucro tributável, tanto em contas individuais como em óptica de grupo (nº 3 do art. 4º);

-          A Lei nº 100/2009, de 07/09, com o objectivo de criar um “regime de tributação das indemnizações por cessação de funções ou por rescisão de um contrato antes do termo auferidas por administradores, gestores e gerentes de pessoas colectivas residentes em território português”, alterou o artigo 2º do CIRS, passando a tributar as quantias pagas a título de indemnização ou compensação a gestores ou administrações pela cessação dos mandatos, e aprovou o nº 13 do art. 81º do CIRC, sujeitando a tributação autónoma, à taxa de 35 %, os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas, não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente e, bem assim, os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo;

-          A Lei n.º 3-B/2010, de 28/04 (Lei do OE 2010), alterou o nº 4 do art. 88º do CIRC, indexando o limite fiscalmente aceite das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas à alínea e) do n.º 1 do art. 34.º do CIRC e introduziu uma tributação autónoma à taxa de 35%, sobre indemnizações, compensações e bónus auferidas por gestores, administradores e gerentes (nº 13 [23], alínea b) do artigo 88º  do CIRC)[24]. Introduziu também uma tributação autónoma excepcional do sector financeiro, prevista no artigo 90º da Lei do OE: “Ficam sujeitos a tributação autónoma em sede de IRC à taxa única de 50 % os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis, pagas ou apuradas em 2010 por instituições de crédito e sociedades financeiras, a administradores ou gerentes, quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500”.

-          A Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (Lei do OE 2011) [25]  aprovou a tributação autónoma, à taxa de 10%, sobre os encargos com viaturas cujo valor de aquisição seja igual ou inferior a 30.000 euros, no exercício de 2011, e inferior a 25.000 euros, em 2012, quer a gasolina quer a gasóleo, apenas excluindo os movidos a energia eléctrica; tributa com taxa de 20% os encargos com viaturas cujo valor de aquisição superior ao limite fiscalmente aceite, independentemente da verificação de prejuízos nos 2 anos anteriores. Todas as taxas de tributação autónoma em IRC são elevadas em dez pontos percentuais no caso de apresentação de prejuízo fiscal no mesmo período.

-          A Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE 2012), estendeu o agravamento sobre encargos com despesas não documentadas aos sujeitos passivos que aufiram rendimentos resultantes da actividade de jogo e aumentou para 25% a taxa de 20% sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial prevista no nº 11 do art. 88º..

 

Finalmente, na sequência dos trabalhos da Comissão de Reforma do IRC, foi aprovada a Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, que manteve no fundamental o regime de tributações de tributações autónomas do artigo 88º do CIRC.

 

Ou seja, após a recente alteração legislativa, que visou “uma reforma do IRC orientada para a competitividade, o crescimento e o emprego”, o CIRC continua a prever tributações autónomas. O actual artigo 88º prevê a tributação de :

-          despesas não documentadas (50%/70%);

-          encargos com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos (escalões de 10% a 35%, conforme o valor de aquisição)[26];

-          despesas de representação (10%);

-          despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável (35%/55%);

-          ajudas de custo/deslocação em viaturas próprias não facturadas a clientes (5%);

-          lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial abrangendo os rendimentos de capitais, quando as partes sociais não permaneceram na titularidade do SP no ano anterior (23%);

-          encargos com indemnizações por cessão de funções e com bónus e outras remunerações variáveis, quando superiores a determinados valores, a gestores administradores, gerentes (35%) [27].

 

E continua a prever-se um agravamento das taxas de tributação autónoma em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos diversos números do artigo 88º, relacionados com o exercício de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC (nº 14 do artigo 88º do CIRC).

 

14.2.2. Função e natureza jurídica da tributação autónoma em IRS e IRC

Na decisão do caso sub judice torna-se necessário identificar a ratio legis que presidiu, inicialmente, à criação da tributação prevista no artigo 4º do DL 192/90, de 9 de Junho e qual a natureza dessa tributação, inicialmente e ao longo das alterações legais já descritas.

 

Na vigência do DL 192/90, o artigo 4º do DL 192/90 abrangia na incidência da tributação autónoma sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada e sujeitos passivos de IRC, no exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, o que coincidia fundamentalmente com a actividade empresarial, vindo com a reforma de 2000 a abranger também sujeitos com rendimentos profissionais. 

 

A tributação autónoma sobre despesas não documentadas (ou confidenciais, na redacção até 2008), única até ao aditamento, pelo OE para 2000, dos nºs 3 a 6 ao art. 4º do DL 192/90, incide sobre um comportamento empresarial “estranho”, já que se trata de despesas que, embora registadas na contabilidade, não são suportadas em documentação que permita conhecer a sua causa e/ou destinatários, e mesmo escondendo, eventualmente, actividades ilícitas como a corrupção [28]. Para além da sua não admissão como custos, essas despesas sofrem uma tributação que tem um carácter penalizador[29], tentando-se a dissuasão e também a compensação de danos de ordem diversa.

 

A não dedução como custos evita, directamente, a erosão da base tributária, a penalização visa a compensação de receitas eventualmente não obtidas (desvio para proveito próprio ou alheio de rendimento que seria sujeito a tributação quando atribuído, caso fossem conhecidos os beneficiários). No fundo, é como se presumisse que esse tipo de “despesas” quando não justificadas, não só não correspondem a encargos reais como representam desvio de verbas que deixam de ser devidamente tributadas, passando, por isso, a sê-lo de outra forma: 10%, em 1990; 25% em 1995; 30%/40% em 1997; 32%/60% em 1999; 50%/70% a partir de 2000.

 

Casalta Nabais, descrevendo as tributações autónomas, ainda do nº 4 do DL nº 192/90, comentava sob o título “O IRS e o IRC sobre despesas confidenciais ou não documentadas“,[30] sobre a tributação das despesas confidenciais à taxa de 32%, e passível de elevação a 60% em IRC[31]: “Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade”.

 

Por outro lado, a compreensão das outras situações alvo de tributação autónoma exige por outro lado que se recorde que embora, desde o início da Reforma Fiscal de 1989, se venha procurando alcançar maior justiça tributária (tributação do rendimento real; respeito pela igualdade e capacidade tributárias, etc.) através de maior eficiência da administração e alargamento da base tributável, nem sempre esses objectivos se têm revelado fáceis de atingir.

 

A Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal (1995/96) constatou nos seus trabalhos que 60% dos contribuintes do IRC não pagavam imposto, sendo 50 empresas responsáveis por 51% do medidas imposto, 30% do qual era pago por apenas 3 empresas[32]. Foram propostas algumas medidas mais estruturais (como a revisão global dos benefícios fiscais, redução da taxa nominal, alargamento do período de reporte quanto aos resultados dos primeiros anos, aperfeiçoamento das regras quanto a dupla tributação, introdução de um imposto mínimo sobre as sociedades), mas também limites quanto à dedutibilidade de custos, designadamente no respeitante a despesas de representação e ajudas de custo.

 

Em “Dez anos da Reforma Fiscal sobre o Rendimento”, o Director dos Serviços do IRC, Manuel Meireles, apesar de assinalar uma evolução muito positiva do imposto entre 1996 e 1999, afirmava que uma série de indicadores permitia identificar claros indícios de evasão, sendo que 11 das empresas em que o Estado tinha participação qualificada eram responsáveis por 26% do imposto liquidado, apesar de deterem apenas 4% do volume de negócios [33]. Entre várias medidas, propunha a criação de um regime simplificado para empresas de menor dimensão para ultrapassar a situação de ocultação de proveitos e empolamento de custos [34].

 

Em vésperas da reforma de 2000, responsáveis políticos do Ministério das Finanças davam conta da insuficiência dos mecanismos consagrados pela lei para combater a situação de fraude e evasão em sede de IRC dada a dificuldade em controlar efectivamente a veracidade dos custos e valores declarados. E propunham, como uma das medidas, a penalização (sic) das despesas não documentadas (supra, nota 18).

 

Como já recordado, as tributações autónomas continuaram a estender-se a outras situações: em 2000 abrangiam despesas com representação e encargos com viaturas; pagamentos a residentes em territórios considerados com regime fiscal muito favorável; a encargos dedutíveis com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal; a lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial. E as taxas continuaram a aumentar, em alguns casos substancialmente.

 

Recentemente,[35] o Prof. Casalta Nabais considerou que com o alargamento ocorrido, “sobretudo pela LOE/2011 e LOE/2012” se trata de uma “tributação sobre a despesa ou consumo e não sobre o rendimento”, sendo “evidente que o alargamento e agravamento de tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais”[36]. E realça a subida de tributação, referindo a evolução das taxas sobre despesas não documentadas em IRS e IRC (não consideradas gastos dedutíveis e objecto de tributação autónoma) e sobre despesas de representação e com viaturas, em IRS e IRC (tidas como gastos mas objecto de TA, no caso de despesas com viaturas agravada a 20% em IRC, em caso de prejuízos fiscais).   

 

Mas, apesar desta e de outras posições na doutrina muito críticas sobre tributações autónomas, citando em seu apoio a jurisprudência citada do STA e Tribunal Constitucional, a recente reforma do IRC manteve fundamentalmente o tipo de incidência destas tributações, assim como se mantém as incluídas no âmbito do IRS (artigo 73º do CIRS).

 

Será que estas tributações autónomas – atendendo à evolução descrita e à actual configuração – visam fundamentalmente a obtenção de receitas, não se compreendendo a sua inserção nos Códigos do IRS e IRC por serem tributação sobre despesa? 

 

Antes de uma conclusão analisemos a argumentação das partes neste processo.

 

 

15. Os argumentos em presença e sua apreciação

As Partes esgrimiram nos autos argumentos (que já tentámos, com risco, tratando-se de centenas de artigos, sintetizar com alguma minúcia) a favor e contra a dedutibilidade em IRC das importâncias liquidadas a título de tributações autónomas segundo o artigo 88º do CIRC.

 

15.1. Tributação sobre a despesa ou integrante do IRC

As requerentes argumentam que a tributação autónoma nunca teve a natureza de imposto sobre o rendimento, no âmbito do IRC ou do IRS, e que resulta inequivocamente dos artigos 1.º e 3.º do CIRC (normas existentes desde o seu início de vigência) que o IRC é um imposto sobre o lucro/rendimento, não sendo a sua natureza alterada pelo artigo 12.º do CIRC, na redacção em vigor desde 2002, nem pela alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.º-A do CIRC vigente desde 2014.

 

Sustentam que as tributações autónomas são, na maioria dos casos, uma tributação sobre a despesa, até porque o facto de se agravarem quando a capacidade contributiva revelada pelo rendimento das pessoas colectivas é menor, significa que a sua natureza é contrária à tributação segundo a capacidade tributária. Admitem que, no início, as tributações autónomas visavam a luta contra o risco e evasão e fraude fiscal mas com a respectiva diversificação e aumento, passou a visar-se apenas a obtenção de receitas fiscais, aplicando-se mesmo em casos de isenção ou não sujeição a IRC. 

 

Já a Requerida considera que as tributações autónomas não são nem nunca foram um imposto especial autónomo, nem um “imposto sobre o consumo” ou um “imposto geral sobre o consumo” mas sim uma componente integrante do IRC, configurando um elemento de obrigação única. A sua autonomia justifica-se com os factos sobre os quais incidem e às especificidades no seu apuramento, mas já não, juridicamente, em relação às restantes parcelas do IRC a autoliquidar e a pagar pelo contribuinte. O artigo 12.º do CIRC, confirma, a contrario sensu, que o Código considera IRC as tributações autónomas porque, se ao excluir da tributação em IRC as sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal tem o cuidado de salvaguardar expressamente as tributações autónomas, é porque as tributações autónomas são uma componente do IRC a autoliquidar e a pagar pelos contribuintes nos termos dos artigos 89.º, e ss, e 104.º, e ss, do CIRC, normas estas que se referem indiferenciadamente quer a IRC, quer às tributações autónomas em sede de IRC.

 

15.2. (In)dedutibilidade das tributações autónomas

As Requerentes defendem que não sendo as tributações autónomas impostos da mesma natureza do IRC são dedutíveis em IRC porque a regra é a dedução como gasto dos impostos suportados, apenas sendo excluídos os casos de derrama estadual e a derrama municipal. Ao contrário destes, que ainda têm a natureza de impostos sobre o rendimento, as tributações autónomas incidem a montante do cálculo do lucro tributável, são um encargo fiscal que onera despesas, a sua relevação como encargo fiscal limita-se contribuir para o apuramento do lucro ou rendimento real, evitando a tributação de lucro realmente inexistente, sob pena de inconstitucionalidade por violação de diversos princípios constitucionais incluindo o “princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade, princípio da capacidade contributiva”. A exclusão da dedutibilidade de tributações autónomas teria que ser expressamente prevista (como o caso das contribuições para o sector bancário e sobre o sector energético).

 

A AT contrapõe que sendo as tributações autónomas ainda uma componente do IRC, quando o CIRC usa a expressão “encargos de IRC”, inclui literalmente as tributações autónomas.

E considera que da jurisprudência invocada não se retira que as tributações autónomas, apesar das particularidades no seu apuramento, não sejam incluídas na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC. Nem os acórdãos do TC (referentes à aplicação das taxas de tributação autónoma, na perspectiva da proibição da retroactividade) nem as decisões do STA (sobre a questão da aplicação retroactiva da alteração das taxas de tributação autónoma ou sobre o regime da transparência fiscal), concluem que as tributações autónomas não são IRC ou se pronunciam sobre a sua dedutibilidade ao lucro tributável.

Também acentua que o facto de a determinação da alíquota das tributações autónomas depender do apuramento prévio da matéria colectável, faz situar a liquidação das tributações autónomas numa fase posterior ao procedimento de liquidação do IRC, o que é um escolho lógico à tese das Requerentes de que o encargo suportado com tributações autónomas deve ser deduzido no apuramento do lucro tributável porque, a adoptar-se a tese da Requerente, não se saberia no momento do apuramento do lucro tributável qual o montante do encargo com a tributação autónoma a deduzir justamente por se desconhecer se é devido ou não o agravamento da taxa.

 

15.3. A tributação autónomas de despesas  e a tributação de remunerações

As Requerentes defendem que em qualquer dos casos sub judice, de despesas com ajudas de custo, despesas de representação e viaturas, existe causação empresarial do gasto. Pelo que careceriam de razão as decisões que relacionam a indedutibilidade com a questão da indispensabilidade do custo. Porque essas questões – excesso de ajudas de custo e de despesas de representação, utilização pessoal das viaturas da empresa – seriam apenas questões de tributação de salário, a terem repercussão nos beneficiários e não na empresa que suporta a remuneração, a qual teria sempre direito a deduzir esses encargos como custos

 

Sobre esta análise a AT contrapõe que as tributações autónomas não são um imposto autónomo nem um imposto especial sobre as “vantagens acessórias” (estas são actualmente tributadas em IRS, estando previstas na al. b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, e são dedutíveis em IRC), antes pretendem evitar que as empresas incorram em despesas cuja natureza é difícil distinguir e que poderiam ser aproveitadas como veículo de evasão fiscal. São um mecanismo dissuasor da utilização de bens e serviços de uso misto e da transferência camuflada de dividendos.

 

15. 4. A redacção do artigo 23º-A do CIRC

E, quanto à redacção actual, após a reforma do IRC ocorrida em 2014, da alínea a) do n.º 1 do artigo 23º-A do CIRC, dispondo que os encargos com as tributações autónomas, não são dedutíveis no IRC, as Requerentes consideram tratar-se de norma com carácter inovatório, confirmativo de que até 2013, inclusive, este encargo fiscal não era excepcionado da regra geral de dedutibilidade dos encargos fiscais. E só pode aplicar-se daí em diante, sob pena de inconstitucionalidade por retroactividade fiscal.

 

A AT contrapõe que a actual redacção da al. a) do n.º 1 do artigo 23.º-A, que substituiu a anterior al. a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, teve um alcance manifestamente clarificador de que as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC, e vem corroborar a interpretação que dele sempre foi feita, quer pela AT quer pela generalidade dos contribuintes, na autoliquidação do IRC

 

15.5. Apreciação das posições

Adianta-se desde já que, relativamente à contraposição de argumentos efectuada nos pontos anteriores, o tribunal não aceita nenhum dos argumentos das Requerentes e considera correcta a análise contraposta pela Requerida. Ou seja, o tribunal considera que as tributações autónomas, em IRS e IRC:

-          Foram criadas, mantidas e expandidas, como uma forma de complementar a tributação do rendimento por aqueles dois impostos;

-          Apesar de algumas (não todas…) incidirem sobre despesas, não configuram impostos sobre despesas ou sobre o consumo;

-          Também não são uma mera substituição de tributação de remunerações ou fringe benefits;

-          Visam, de alguma forma, como demonstrado pela evolução legislativa e respectiva fundamentação[37], sintetizadas, combater formas de evasão fiscal ou comportamentos empresarias considerados pelo legislador como causadores de injustificável erosão da base tributária [38];

-          Dada a sua natureza e função, a tributação autónoma em IRC tem o mesmo tratamento que o IRC, não sendo dedutível como encargo para efeito da determinação do lucro tributável;

-          Isto é assim hoje (na vigência das alterações introduzidas pela Lei nº 2/14) como já o era antes dessa alteração, entendendo-se que a redacção do artigo 23º-A do CIRC não pode sequer designar-se como interpretativa[39], sendo improcedentes as questões colocadas sobre o seu carácter inovatório e a invocação de inconstitucionalidade de aplicação ao passado da norma sobre indedutibilidade de tributações autónomas na determinação do lucro tributável em IRC.

 

Mas, analisando ainda mais alguns argumentos das Requerentes: 

 

As requerentes manifestam estranheza sobre a discriminação dos rendimentos, por exemplo sob a forma de indemnização, de administradores, já que tais encargos não pesam aos contribuintes mas apenas a accionistas, que dispõem do poder de não aprovar as contas do exercício e censurar a administração. Porém, é bem sabido que nas sociedades por acções [40], a conjugação de factores como a existência de uma grande dispersão da titularidade do capital, a complexidade contabilística e técnica das sociedades, acompanhado do desinteresse ou impossibilidade da maioria aritmética participar na tomada de decisões em assembleia geral, o funcionamento desse órgão por voto maioritário com escolha dos decisores na vida da sociedade, conduz a que o poder efectivo de decisão pertença, na prática, a uma minoria, não tendo a grande maioria dos accionistas qualquer possibilidade de impedir a fixação de vantagens excessivas a administradores, quadros ou outros colaboradores.

 

Por outro lado, parece demasiado simplista defender-se que os vários tipos de retribuição (indemnizações, bónus, reformas, compensações variadas) de gestores ou quadros do sector privado não têm qualquer reflexo nos contribuintes. Têm-no desde logo porque se reflectem na diminuição de receitas (principalmente se tais importâncias não forem tributados nos beneficiários). Mas o reflexo pode também fazer-se sentir de outras formas: para além de eventuais efeitos negativos macro económicos, confirmados por estudos sobre crescimento económico quando acompanhado de grandes desigualdades, é possível lembrar, por exemplo, o eventual enfraquecimento das empresas pagadoras, por despesa excessiva face ao contributo recebido dos beneficiários; consumo exagerado de meios; compra de bens luxuosos, tudo com risco da eficiência económica da empresa, possível insolvência, prejuízo para a economia e o emprego….

 

As Requerentes consideram muitíssimo rebuscada a interpretação de que o legislador terá aceitado a dedutibilidade de certas despesas sujeitas a tributação autónoma mas com mitigação dessa dedutibilidade através da criação de tributações autónomas. Consideram tal atitude do foro psiquiátrico, contrapondo que bastaria ao legislador negar parcialmente (ou totalmente) a dedução do custo. Contudo, além de parecer inesperada a sugestão da solução de recusa pura e simples de dedução de custo (…), tudo leva a crer que a intenção do legislador (reiterada aliás recentemente) foi mesmo optar, nalguns casos, pela aceitação de custos das despesas, mitigada pela tributação autónoma.

 

Já não teria lógica, efectivamente, que esta tributação fosse, por sua vez, mitigada pela sua dedução na determinação do lucro tributável. Como diz a Requerida a admitir-se a tributação autónoma como custo fiscal estar-se-ia a desfazer, afinal, o efeito dissuasor que com elas o legislador visou atingir, a anular essa mesma tributação autónoma, uma vez que o montante pago seria compensado pela redução do mesmo ao lucro tributável, logo, sobre o IRC a pagar ou sobre os prejuízos a reportar.

 

Nem a jurisprudência invocada pelas Requerentes se pronunciou expressamente sobre a dedutibilidade das tributações autónomas como encargo para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC mas sobre a questão da aplicação retroactiva de uma alteração nas taxas de determinadas tributações (o caso que originou a controvérsia foi o agravamento da tributação autónoma sobre despesas com viaturas, aprovado em Dezembro de 2008 para aplicação a despesas ocorridas desde o início do ano).

 

Quanto à invocação da referência ao tema por Sérgio Vasques, in Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, p. 293, nota 470, repare-se que a mesma se situa no ponto 5.6.1. “retroactividade da lei fiscal”. Ao realçar que o tema exige que se tenha em conta “o modo como a lei se projecta no tempo quanto aos impostos periódicos, como os nossos mais importantes impostos sobre o rendimento, e quanto aos impostos de obrigação única, como os nossos impostos sobre o consumo” o Autor explicita, na nota 470: “Vale aqui a prevenção, feita já mais atrás[41], de que os impostos sobre o rendimento contemplam elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas autónomas do IRC (…) “. Ora desta frase não decorre que o Autor considere que qualquer dessas figuras, taxa liberatória ou taxa autónoma saia da estrutura e perca natureza de imposto sobre o rendimento em que se integra, referindo-se apenas à aplicação da lei, tendo em conta a fattispecie…   

 

Quanto à invocada violação do princípio do rendimento real e da capacidade tributária, apesar de “as tributações autónomas serem muitas e variadas, com taxas muito díspares e objectivos também díspares” por tudo o que se deixa dito, entende-se que todas se configuram como instrumentos de colmatação de insuficiências do IRC (ou IRS) na busca de atingir da tributação do rendimento real.

 

Ainda que se considerasse, como parece ser o sentido de importante doutrina, que a evolução das tributações autónomas nos Orçamentos para 2011 e 2012, levaria à sua caracterização como tributação sobre despesa – e não é essa a nossa visão – é de recordar que as tributações objecto dos autos referem-se ao exercício de 2010. 

 

16. Conclusões

Em complemento da fundamentação já atrás avançada, este tribunal considera que resulta da evolução legislativa e respectiva fundamentação política, que:

-          Os poderes político-legislativos portugueses têm ao longo das últimas décadas reiterado a convicção de que só um alargamento da base tributária (em relação aos impostos em geral, e também em relação ao IRC) pode permitir uma eventual redução real da carga tributária;

-          Redução constante da taxa nominal de IRC [42], ao mesmo tempo que se reconhecia a enorme evasão fiscal, acompanhada da instalação de mecanismos que tentassem alargar a base tributária já que existia a convicção generalizada de que a capacidade tributária real seria muito superior à que era declarada pelos sujeitos passivos do IRC;

-          Ou seja, face a um incumprimento muito generalizado [43], para evitar que a manutenção de uma situação em que a receita se encontrava dependente de um número muitíssimo reduzido de empresas, têm sido criados mecanismos considerados capazes de induzir os sujeitos passivos a escolher comportamentos mais adequados à realização do interesse geral (de acordo com os princípios de justiça tributária, igualdade e capacidade tributárias e, também, com a saúde financeira das empresas), e no pressuposto de que existia uma ocultação muito grande dos  rendimentos reais;

-          Entre as diversas medidas tomadas cabe realçar as tentativas de evitar a não imputação de encargos respeitantes a consumos da esfera privada à esfera da actividade empresarial; o desvio de apuramento dos lucros resultados da empresa sob forma de (falsa) remuneração dos membros dos corpos sociais; a criação, através de despesas assumidas directamente pela empresa, de meios substitutivos das normais formas de remuneração de trabalho, não apenas evasivas à tributação típica, mas que sejam pelos poderes públicos consideradas menos desejáveis, por outras razões de política social e laboral e também, por razões de política económica e social, induzir limites a certas formas de compensação económica de administradores e gestores.

 

Como já julgado em outras decisões arbitrais sobre o tratamento fiscal das tributações autónomas, este tribunal considera que as tributações autónomas objecto do presente litígio em causa, apesar das críticas de que têm sido alvo e do seu aumento eventualmente exagerado (análise que nos parece dever tomar em conta as alterações simultâneas sofridas por outras formas de tributação…) têm constituído medidas consideradas adequadas a impedir situações abusivas.

Assim, as tributações autónomas que incidem sobre despesas de sujeitos passivos de IRC integram o regime deste imposto, e são devidas a título deste imposto, pelo que estavam abrangidas pela disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, na redacção vigente ao tempo do exercício em causa, não sendo consideradas encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, improcedendo, pois, a presente acção arbitral.

 

III. DECISÃO

 

17. Em conformidade, o presente tribunal arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC, efectuada pela Sociedade “ …, SA” relativamente ao exercício de 2010, por não dedução como prejuízos fiscais do montante de € 26.927,70.
  2. Condenar as Requerentes em custas.

18. Valor do processo e custas

Fixa-se o valor do processo em nos termos do artigo 97º- A, nº 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, a) do RJAT e do art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) em € 6.731,93.

19. Fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo das Requerentes e calculadas de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e art. 4º do RCPAT."

 

Notifique-se.

Lisboa, 10 de Agosto de 2014.

A Árbitro

 

 

Maria Manuela Roseiro

 [Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo ortográfico de 1990, com excepção eventual de citações].

 

 



[1] A Requerente apresentou mais conclusões, relativas a pontos desenvolvidos apenas nas alegações finais de exposição, contestando fundamentação de decisões arbitrais entretanto proferidas no âmbito do CAAD (processos nºs 246/2013-T e 255/2013-T), mas, porque muito extensas, apenas as referiremos na medida em que apreciarmos os respectivos argumentos.

 

[2]Sem aprofundar o assunto (designadamente as possíveis construções conforme se subscreva uma das duas grandes orientações dogmáticas “teoria da sucessão universal, em tudo semelhante à sucessão “mortis causa” e a teoria do acto modificativo das sociedades envolvidas, mediante transformação”) cita-se um segmento de decisões do STA: “a sociedade extinta continua, de resto, a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento. Não implicando o fim da personalidade jurídica de um dado sujeito a extinção dos créditos dos seus credores, nada há na lei que impeça a Administração Fiscal de efectuar um acto tributário de liquidação já depois de extinta a pessoa (singular ou colectiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária (…)” (Ac. do STA 372/09, de 16/09/2009; também Ac . 370/09, de 23/09/2009 e Ac. 1975/02, de 12/03/2003).

 

[3] Redacção do artigo 17 da LO 1/2007, ao tempo da autoliquidação em causa nos autos, cujo nº 1 dizia: “Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas: a) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável numa única Região; b) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no nº 2 do presente artigo; c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas colectivas ou equiparadas que não tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional”. Esta redacção é idêntica à das normas correspondentes na Lei nº 13/98 (art. 13º) e na LO de 2013 (art 26º).

[4] Segundo o artigo 227º, nº 1, alínea j), da CRP as regiões autónomas têm poderes, a definir nos respectivos estatutos, de “dispor (…) das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como numa participação nas receitas tributárias do Estado (…).

[5] Quer segundo a CRP (art. 227º) e estatutos político administrativos (Lei nº 130/99, de 21 de Agosto, arts. 40º, alíneas ff) e gg) e art. 107º) e Leis das Finanças das regiões (art. 33º da Lei 13/98; art. 46 da LO 1/2007 e art. 56º da LO 2/2013).

[6] De acordo com a alínea i) do nº 1 do artigo 227º da CRP, as regiões autónomas têm poderes para definir nos respectivos estatutos “ exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República” (exemplos: redução de taxas de imposto sobre o rendimento; Regime de Incentivos Fiscais aos Lucros Reinvestidos na Região Autónoma da Madeira, pelo DLR 2/2009, de 22/01; adaptação dos benefícios do então art. 39º do EBF, pelo DLR 17/2006/M, de 23/05)

[7]: “As atribuições e as competências necessárias ao exercício do poder tributário conferido às Regiões Autónomas, nos casos em que estas considerem que a descentralização permite corresponder melhor aos interesses das respectivas populações e se efectue a regionalização de serviços do Estado e correspondentes funções, são definidas por decreto-lei.” (nº 1 do art. 62º LO 1/2007).

[8] Como realçado pelas Requerentes, a Lei Orgânica 2/2013, de 2 de Setembro, nos artigos 23.º, alínea b), 61.º, n.º 2, alínea a), 62.º e 63.º, contém disposições idênticas às da lei anterior. 

[9] Note-se que resulta da matéria de facto (12.11. a 12.17.) que a reclamação graciosa da B… SA, dirigida ao Director de Finanças do Funchal, foi apreciada e decidida pela UGC da AT e que esta decisão foi considerada também eficaz quanto à reclamação graciosa apresentada pela A…. Não decorre dos autos que tenha havido, durante o processo administrativo, qualquer hesitação, da parte dos serviços da RAM ou dos serviços da AT, sobre a repartição de competência entre serviços da administração tributária nacional e regional. A única dúvida que se evidencia é a manifestada inicialmente pela DF de Lisboa sobre a necessidade da reclamação graciosa da A… dever ser apresentada conjuntamente com a da B…

 

 

[10] Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. p. 121

[11] A reclamação não é contudo necessária “quando o seu fundamento for exclusivamente de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária”” (nº 3 do art. 131º do CPPT). No presente caso, não foi invocado pela AT emissão de orientações, pelo que deve entender-se que a impugnação estava dependente de prévia reclamação graciosa.

 

[12]Diploma que, segundo o respectivo preâmbulo, visava introduzir alguns ajustamentos no CIRC, após um ano de vigência. Também aditou algumas normas e, no artigo 4º,  dispôs que “As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC” (sublinhados nossos).

[13] O Relatório do OE para 1995 justifica este agravamento “face às regras acolhidas noutros países” e porque “permite contrariar a evasão fiscal que o actual regime permitia às empresas que têm prejuízo e às entidades isentas de IRC” .

[14] Os dois tipos de medidas estão descritos no ponto VI.3.1. (vectores e medidas principais de política fiscal) e incluídos no quadro VI.57 como medidas de “moralização fiscal/alargamento da base tributável”.

[15] Com o OE para 1999, a alínea f) do artigo 41º do CIRC passa a dispor que “As despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS, na esfera do respectivo beneficiário” (artigo 30º, nº 1, da Lei nº 87-B/98, de 31/12). O nº 3 do art. 24º (variações patrimoniais negativas) do CIRC, passa a conter uma norma limitativa de dedução de remunerações aos membros de órgãos sociais detentores de capital.  (sublinhados nossos).

[16] O nº 3 do DL192/90 passa a dizer:“ As despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 6,4 %”. (sublinhados nossos)

[17]  Revoga a alínea g) do n.º 1, e os nºs 3 e 4 do artigo 41.º do Código do IRC (nº 5 da Lei  nº 3-B/2000) e altera a redacção do nº 3 do art. 24º do CIRC.

[18] “Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidade”. (nº 6 do DL 192/90).

[19] Na apresentação da Reforma então realizada, na sequência dos trabalhos de uma comissão (ECORFI), o Ministro das Finanças e o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a propósito do quarto objectivo da Reforma, identificado como “aperfeiçoamento da base tributável relativamente a custos e provisões”, teciam considerações sobre a situação de fraude e evasão em sede de IRC e reconhecida consensualidade de que os mecanismos actualmente consagrados pela lei são insuficientes. Admitiam dificuldades derivadas do apuramento com base na declaração do contribuinte em autoliquidação por poderem apresentar problemas quanto à veracidade dos custos e valores declarados e estranhavam o facto de apesar do crescimento do universo dos sujeitos passivos, 50% do conjunto das sociedades activas declarar em 1998 proveitos inferiores a 30.000 contos e apenas 4,5% proveitos superiores a 500.000 contos, pelo que se impunha maior rigor nas regras relativas a custos e provisões. Quanto à dedutibilidade de custos, as propostas de reforma elegiam  a consagração de um tratamento penalizante para as chamadas despesas confidenciais para pôr termo à sua utilização abusiva. “Tais despesas, para além de não serem consideradas custos, passam agora a ser tributadas com uma taxa autónoma de 50% - e de 70% em casos especiais -, o que se espera possa contribuir para desincentivar o recurso às mesmas” (A Reforma Fiscal Inadiável, Joaquim Pina Moura e Ricardo Sá Fernandes, Celta Editora, Oeiras, 2000, pp. 38 e 39).  (sublinhados nossos).

 

[20] O artigo 73º do CIRS previu taxa correspondente a 10% da taxa normal de IRC mais elevada.

[21] Esta tributação não incide sobre despesas. Faz parte de um conjunto de normas cuja finalidade é explicada no preâmbulo do diploma: “As alterações introduzidas (…) aos Códigos do IRS e do IRC e ao Estatuto dos Benefícios Fiscais visam prevenir práticas de evasão fiscal que são utilizadas para escapar, total ou parcialmente, à tributação dos lucros distribuídos por entidades residentes em território português. Tais práticas são concretizadas de variadas formas, sendo a mais corrente a que consiste na mudança da titularidade de partes sociais, antes da distribuição dos dividendos, de entidades, não residentes ou residentes, sujeitas a uma tributação mais elevada, para entidades isentas de imposto ou sujeitas a um regime mais favorável, que de seguida procedem à revenda das partes sociais adquiridas.” Introduz-se a retenção na fonte do IRS, com carácter liberatório e opção pelo englobamento, sempre que os titulares do rendimento são residentes. “Complementarmente, uma vez que estas práticas abusivas são feitas, em regra, através de entidades residentes que beneficiam de isenções subjectivas ou objectivas, totais ou parciais, mas, neste último caso, abrangendo os rendimentos de capitais, é criada para essas entidades uma tributação autónoma sobre os dividendos, calculada à taxa de 20 %, na parte em que respeitam a partes sociais que não tenham permanecido na sua titularidade durante um período de um ano contado à data da colocação à disposição dos rendimentos.” (sublinhados nossos).

[22] Possivelmente para evitar dúvidas pela alternativa com não documentadas e também para uniformização com a terminologia internacional.

[23] Que, passando a alínea a) as alterações da Lei nº 100/2009, passa a dispor: “13-São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito; b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”

[24] Entretanto o Decreto-Lei nº159/2009, de 13 de Julho, no uso da autorização legislativa concedida pelo art. 74º da Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (OE 2009) de Dezembro, adaptara o CIRC às normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, procedendo à renumeração e republicação do CIRC passando o artigo 88º da nova redacção a corresponder ao artigo 81º da anterior redacção.

[25] No Relatório (ponto III.2.2.2.5) do Orçamento para 2011, as medidas são assim fundamentadas (sublinhados nossos): “O Programa de Estabilidade e Crescimento anunciou a intenção de o Governo proceder a um reforço da tributação dos fringe benefits, um propósito justificado seja por razões de transparência nas práticas remuneratórias das empresas, seja por razões de evasão fiscal. Em consequência, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 procede a uma revisão das taxas de tributação autónoma de IRC aplicáveis a estes benefícios acessórios, introduzindo duas regras essenciais de moralização do sistema. Em primeiro lugar, os encargos suportados com os automóveis da empresa, continuando a estar genericamente sujeitos a uma taxa autónoma de 10% como sucedia até agora na maior parte dos casos, passam a ficar sujeitos a taxa agravada de 20% sempre que apresentem valor mais elevado, determinado por referência aos limites estabelecidos no Código do IRC para efeitos da depreciação de viaturas. Desta maneira, pretende-se que a lei fiscal incentive a racionalização da política remuneratória das empresas, desmotivando a atribuição de viaturas como mero benefício acessório, sem prejudicar a aquisição de viaturas utilitárias para o uso corrente da sua actividade. A par disto, alarga-se uma regra que em termos mais estreitos já figurava no artigo 88.º do Código do IRC e determina-se, com carácter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação.”

Este Orçamento de Estado para 2011 também previu a criação de uma contribuição sobre o sector bancário “na linha daquelas que foram já introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social. A contribuição incide, assim, sobre as instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português, sobre as filiais de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português e sobre as sucursais, instaladas em território português, de instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração em Estados terceiros” (do Relatório). O seu regime foi aprovado pelo artigo. 141º (contribuição sobre o sector bancário) da Lei 55-A/2010 e regulamentado pela Portaria 121/2011, de 30 de Março. Na alínea o) do nº 1 do art. 45º do CIRC previu-se expressamente a não dedutibilidade desta contribuição.

[26] Não se aplica no caso de viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS (alínea b) do nº 6 do art. 88º do CIRC). 

[27]Nas situações abrangidas pelo regime simplificado de determinação da matéria colectável, a taxa de tributação autónoma, não é aplicada sobre encargos com despesas de representação; ajudas de custo e deslocações em viatura própria do trabalhador; lucros distribuídos a sujeitos passivos, total ou parcialmente isentos; indemnizações e gratificações a gestores, administradores ou gerentes. E as tributações autónomas também não se aplicam às despesas ou encargos de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à actividade exercida por intermédio (nº s 15 e 16 do art. 88º CIRC).

[28] Esta ligação é feita por vários autores (por todos, Rui Morais, in Sobre o IRS, Almedina, 2014, 3ª edição. p. 172 e Apontamentos ao IRC, Almedina, reimpressão 2007, p. 203).

[29]Tratando-se de situações não identificáveis, escaparão em princípio à aplicação de normativos de carácter penal ou contra-ordenacional, à penalização propriamente dita.

[30] Direito Fiscal, Almedina, 2000, reimpressão, pp. 383 e 384.

[31] Quando efectuadas por sujeitos passivos de IRC total ou parcialmente isentos ou que não exerçam a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.

[32] Cf.“Debate sobre a Reforma Fiscal, Observações ao Relatório Silva Lopes e Jornadas Fiscais”, Ministério das Finanças, Julho 1999, p. 386 a 390 (comunicação de M. H.de Freitas Pereira).

[33] Edição do Jornal do Técnicos de Contas e da Empresa, Publistudos, Lisboa, 2000, pp. 47 a 59.

[34] Também por estas razões, propostas como criação de regime simplificado, colecta mínima, diminuição de taxas, tinham-se tornado bastante consensuais, encontrando-se incluídas na Resolução do Conselho de Ministros (ponto 14), aprovada em 1997, contendo as Bases Gerais para a Reforma Fiscal de transição para o século XXI.

[35] Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2012, 7ª edição, pp. 543 e ss.

[36] Em nota pé de página, cita o Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 150/2012, como configurando as tributações autónomas como impostos instantâneos ou de obrigação única. Contudo o Autor continua a considerar, falando das despesas não documentadas e das despesas de representação, que a tributação autónoma visava “evitar que através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição camuflada de lucros, sobretudo dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitas a IRS ou IRC enquanto lucro das empresas, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionariam não só em relação às contribuições (das entidades patronais e dos trabalhadores) para a Segurança Social” (ob cit p. 543).

[37] Com efeito não se trata de uma opção da Administração mas do legislador, e ao longo de diversos Governos e composições da AR (as alterações foram na sua maioria aprovadas pelo Parlamento por proposta do Governo, nos OE). E recentemente confirmadas através de uma Lei da AR – nº2/14 – sob proposta de lei, cujo texto resultou dos estudos técnicos de uma Comissão composta por especialistas independentes.

[38] Supra, designadamente notas pé de página, 12, 13, 18 e 19.

[39] Neste sentido, Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, 2014, Almedina, 3ª edição, p. 171.

 [40] Cf. G.Farjat, Droit Économique, Paris, PUF, 2ª ed. 1982, pp.172. (Também António Carlos Santos, M.Eduarda Gonçalves, M.Manuel L.Marques, Direito Económico, 5ª ed. Almedina, pp. 275). Este resultado do desenvolvimento das sociedades por acções já antecipado na primeira metade do século XX por Georges Ripert, in “Aspects juridiques du capitalisme moderne”, deu origem a muitos estudos de índole económica e jurídica. Os sistemas jurídicos passaram a certa altura a tentar mitigar a desigualdade de poder no interior das sociedades (entre accionistas de controlo e accionistas rentistas), introduzindo no direito societário normas qualificadas como de protecção de minorias.

[41] P. ex., a pp. 201 e 203, sobre reflexos da distinção entre os dois tipos de impostos quanto à prescrição e caducidade e quanto à aplicação da lei no tempo.

[42] Aquando da introdução da Reforma Fiscal de 1989 a taxa era de 36,5%, descendo primeiro para 36%; e sendo depois de 34% entre 1997 a 1999; de 32% em 2000 e 2001; de 30%, em 2002 e 2003; de 25% a partir de 2004, existindo um escalão de 12,5%, entre 2009 e 2011. Mas, além de acrescer a derrama municipal, foi introduzida, em 2010, a derrama estadual. Com a reforma de 2014, ficou em 23% devendo descer gradualmente até 2016, mas o art. 87º, nº 2, prevê uma taxa de 17% para PME até 15.000 euros, e para mitigar baixa receita, o art. 87º-A (derrama estadual) prevê um adicional de 7% para o lucro em excesso de 35.000.000,00.

[43] J. Alves da Silva, em artigo de tom crítico das tributações autónomas (considerando-as, se bem interpretamos, medidas insuficientes), recorda práticas evasivas, exemplificando com o caso do pagamento, generalizado durante muito tempo (o que faria dele “um dos maiores desvios à tributação em Portugal nos últimos 30 anos”) de grande parte do salário em cheques auto, o que fazia com que o consumo de combustíveis em Portugal fosse superior à produção de petróleo na Arábia Saudita (cf.Revista da OTOC, Julho 2013, p. 50 e 51). Realça a importância da jurisprudência ao considerar essas despesas, como confidenciais, sujeitas a tributação autónoma, citando ac de 7/01/2009, proc 893/08. Refira-se a uniformização dessa orientação do STA (por todos, Acórdão do Pleno do STA, de 28/01/2009, proc. 575/08).