Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 311/2013-T
Data da decisão: 2014-07-11  IRS  
Valor do pedido: € 292.595,62
Tema: IRS – Falta de fundamentação; ónus da prova; cláusula geral anti abuso; mais-valias.
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 311/2013 – T

Tema: IRS – Falta de fundamentação; ónus da prova; cláusula geral anti abuso; mais-valias.

 

Os Árbitros Juiz Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa (designado por acordo dos outros Árbitros), Prof.ª Doutora Paula Rosado Pereira e Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, designados, respectivamente, pelos Requerentes e Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-03-2014, acordam no seguinte:

 

            1. Relatório

 

“A”, NIF n.º … e “b”, NIF n.º …, residentes na Rua …, n.º …, …-…, … (doravante Requerentes), formularam pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT).

Os Requerentes apresentaram seguintes pedidos:

– declaração da ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2013 …, da liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e n.º 2013 …, relativos ao ano de 2009;

– suspensão do processo de execução fiscal n.º 150….

 

Os Requerentes procederam à designação de árbitro, Prof.ª Doutora Paula Rosado Pereira, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6 e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13º do mesmo diploma, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

Os árbitros designados designaram o terceiro árbitro, Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa, nos termos do artigo 11.º, n.º 4 do RJAT.

Os signatários designados para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo aceitaram as designações, nos termos legalmente previstos.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 20-02-2014.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 07-03-2014.

No dia 28-05-2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se nela procedido à produção de prova testemunhal, a que se seguiram alegações orais.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

Sem prejuízo da apreciação da excepção dilatória relativa à competência material para conhecer do pedido de suspensão do processo de execução fiscal, o tribunal arbitral é no mais materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas mais excepções.

 

2. Questão prévia: da excepção dilatória de incompetência do tribunal

 

Os Requerentes pediram a declaração de ilegalidade e anulação de um conjunto de liquidações, tendo requerido, adicionalmente, que, «nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 103.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 5 do RJAT, a suspensão do processo de execução fiscal n.º 150…», fosse «oficiado o Serviço de Finanças … da submissão do […] pedido de pronúncia arbitral».

A Autoridade Tributária e Aduaneira alega que «a decisão de suspensão do processo de execução fiscal, compete nos termos definidos na lei ao órgão de execução» e que a competência do tribunal arbitral se limita aos termos definidos no artigo 2.º do RJAT, o que deverá ter como consequência a não apreciação daquele pedido.

 

*

 

A determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, conforme se extrai da leitura conjugada do disposto nos artigos 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 96.º do Novo Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicáveis por remissão do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 Neste quadro, atendendo a que a procedência da excepção suscitada, a verificar-se, obsta ao conhecimento parcial do pedido (entendendo o requerimento de suspensão da execução fiscal como pedido, como o faz a Autoridade Tributária e Aduaneira), importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se esta abrange, ou não, a «suspensão da execução fiscal».

 O n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo «a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária», devendo, segundo o seu n.º 2, «constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, concretizou a mencionada autorização legislativa e «instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu artigo 2.º» fazendo «depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça».

O âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material (alterado pelo artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, em vigência desde 1 de janeiro de 2012):

 

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (Alterada pelo artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, em vigência desde 1 de janeiro de 2012)

 

Em segunda linha, a jurisdição arbitral tributária ficou delimitada através da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril), na qual o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos. Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

Os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação de liquidações enquadram-se, inequivocamente, no âmbito da jurisdição arbitral.

Sendo certo que o artigo 2.º do RJAT e a Portaria de Vinculação não aludem à «suspensão da execução fiscal», tal sucede por não se tratar, em rigor, de um «pedido», mas antes de um mero «efeito do pedido» como decorre do artigo 13.º, n.º 5, do RJAT, em que se refere que «são atribuídos à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, nomeadamente no que se refere à suspensão do processo de execução fiscal».

Nos termos do artigo 103.º, n.º 4, do CPPT, a apresentação de impugnação judicial tem como efeito a suspensão da execução fiscal, «quando a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos n.ºs 1 a 6 e 10 do artigo 199.º».

O requerimento referido é dirigido ao Tribunal competente para apreciar o processo de impugnação judicial e com sua apresentação gera-se um incidente inominado, que cabe apreciar ao tribunal competente para apreciar o processo de impugnação judicial, de acordo com a regra de que «o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem» [artigo 91.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

Sendo atribuído à apresentação do pedido de pronúncia arbitral o efeito suspensivo da execução fiscal, será ao tribunal em que tal apresentação é feita e não ao tribunal tributário, a que não é apresentada qualquer impugnação judicial, que caberá apreciar se se verificam os requisitos necessários para tal efeito se produzir.

Improcede, assim, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Em consequência do exposto, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

3. Matéria de facto

           

3.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 28-05-2007 foi constituída a sociedade unipessoal por quotas “C” -, Unipessoal, Lda, doravante designada “C”, NIPC …, com o capital social de € 100.000,00 da titularidade da sócia única “A”, para através dela adquirir a Farmácia “d”  (cfr. Anexo VI do RIT e doc. n.º 1 do pedido de pronúncia arbitral);
  2. Em 30-05-2007, através de contrato de cessão de quota, a “c” adquire uma quota de valor nominal de € 1.680.000,00, representativa da totalidade do capital social da sociedade “e” -, Lda, doravante designada “e”, NIPC …, pelo valor de € 2.650.000,00 (cfr. Anexo I do RIT e doc. 3 do pedido de pronúncia arbitral);
  1. A “e” era proprietária do estabelecimento comercial de farmácia, com o nome de Farmácia “d”, que laborava com o alvará n.º …, emitido pelo Infarmed – Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento;
  2. Em 31-05-2007, foram realizados dois contratos, pelo montante global de € 3.750.000,00, designados «Contrato de mútuo com fiança e promessa de penhor», destinados ao financiamento da «cliente mulher em vista à realização de suprimentos à sociedade terceira contratante, os quais se destinavam à aquisição do estabelecimento comercial de farmácia denominado Farmácia “d”», entre a “T” e os seguintes contraentes:

 

— “a” e marido “b” (devedores ou clientes);

— “f” e mulher “g” (fiadores);

— “c” —, Unipessoal, Lda (terceira contratante);

(cfr. Anexo VI do RIT e doc. 4 e 5 do pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Em 28-12-2007, por imposição do Infarmed, a Requerente “a” adquiriu a quota da sociedade “e” à “c”, pelo valor de € 2.650.000,00, por não ser permitido que a posse das participações sociais fossem da titularidade de uma pessoa colectiva (cfr. Anexo I do RIT, constante do PA e artigo 10 do pedido de pronúncia arbitral);
  2. Em 12-03-2008 foi constituída a sociedade “h” — Actividades de Saúde, Lda, doravante “h” , NIPC …, com o capital social integralmente realizado de € 5.000,00, representado por duas quotas (cfr. Anexo VIII do RIT):

— Uma no valor nominal de € 3.000,00, pertencente a “f”;

— Outra no valor nominal de € 2.000,00, pertencente a “a”;

  1. Em 31-03-2008, a “h” adquiriu a sociedade “i” , , Lda, NIPC …, pelo preço global de € 1.848.000,00, tendo subjacente o estabelecimento comercial de farmácia Farmácia “j”, tendo o pagamento sido realizado da seguinte forma, através de acordo de pagamento de 01-04-2008 (cfr. Anexo VIII do RIT, artigo 11 e doc. n.º 6 do pedido de pronúncia arbitral)

— € 400.000,00 pagos pelo sócio “F”;

— € 1.350.000,00 pagos por recurso a financiamento bancário, assumido pela “h”, junto da “T”, e “F”, constituído uma hipoteca sobre o imóvel sua propriedade sito na Avenida …, n.º …— …;

— € 98.000,00 a ser pago pelo sócio “f”;

  1. Em 01-04-2008, foi celebrado um contrato de mútuo com hipoteca, penhor de estabelecimento e fiança entre a “T”e os seguintes outorgantes, ambos como sócios e gerentes e em representação da “H” (cfr. anexo IX do RIT):

— “f” (hipotecante);

— “A”  (fiadora);

— “f” outorga como gerente e em representação da  “i”, , Lda;

— O empréstimo destina-se à aquisição da quota da sociedade “i”, , Lda.

  1. Em 30-04-2009 foi celebrado «contrato de mútuo com penhor» entre a “T” e a sociedade “k”, Lda, doravante “K”, em que “f” e mulher “g”, na qualidade de avalistas, assumem um empréstimo de € 4.000.000,00, com a finalidade de pagar a operação n.º 025… e para pagamento das operações n.º 021…, em nome da Requerente “a”, para realização de suprimentos à “c”, que se destinava à aquisição da Farmácia “D” e n.º 021…, em nome da Requerente “A”, que se destinava a obras de beneficiação do estabelecimento comercial (cfr. Anexo VII do RIT);
  2. Em 22-05-2009, a Requerente “A” celebrou contrato de promessa de venda com “F”, pelo preço de € 5.250.000,00, da sua participação na “E”, a qual veio a ser formalizada em 01-09-2009 totalidade das suas responsabilidades financeiras perante a “T” e perante o seu associado “F” (cfr. Anexo X do RIT e artigo 23-24 do pedido de pronúncia arbitral);
  3. Com o produto da venda a Requerente “A” liquidou a totalidade das suas responsabilidades financeiras perante a “T” e perante o seu associado “F”, assegurando uma participação livre e desonerada na sociedade “H” (cfr. Anexo X do RIT e artigo 23-24 do pedido de pronúncia arbitral);
  4. Em 02-11-2008 foi elaborado um relatório justificativo da transformação da “E” de sociedade por quotas em sociedade anónima (cfr. Anexo II do RIT, constante do PA), no qual se declarou que:

«[...] esta sociedade poderá ter que encarar a hipótese de vir a alterar substancialmente a sua composição societária, alargando, designadamente, o seu capital a terceiros para reforço da sua estrutura financeira.

[...] à luz dos regimes a que estão sujeitas as sociedades por quotas e as sociedades anónimas, que será este último o melhor se coaduna às necessidades presentes e futuras da sociedade.

[...] as despesas de manutenção de uma sociedade anónima são sensivelmente equivalentes àqueles a suportar por uma sociedade por quotas, havendo apenas que contar adicionalmente com os encargos com o ROC, mas que em contrapartida lhe virá assegurar uma maior certeza e credibilidade às suas demonstrações financeiras.

[...] entende a gerência propor aos sócios a transformação desta sociedade numa sociedade anónima,  [...] antecedida de uma cessão de quotas pela sócia por forma a que a sociedade seja dotada do número de sócios legalmente exigível para permitir a sua transformação».

  1. Em 18-11-2008, a Requerente “A”, na qualidade de única titular das participações sociais da “E”, no valor nominal de € 1.680.000,00, dividiu a sua quota, representativa do capital social, em cinco quotas sendo a primeira do valor nominal de € 1.679.600,00 e as quatro remanescentes do valor nominal de € 100,00, cada, transformando a sociedade unipessoal por quotas em sociedade por quotas, ficando o capital distribuído a seguinte forma:
    1. “A”

99,976% do capital social, correspondendo a 1.679.600 quotas;

  1. “F”

0,006% do capital social, correspondendo a 100 quotas;

  1. “G”

0,006% do capital social, correspondendo a 100 quotas;

  1. “L”

0,006% do capital social, correspondendo a 100 quotas;

  1. “M”

0,006% do capital social, correspondendo a 100 quotas;

(cfr. Anexo III do RIT, referente à «Acta n.º 7 e Contrato de cessão de quotas»)

  • Em 18-11-2008, a “E” foi transformada em sociedade anónima, constando na Conservatória do Registo Comercial a apresentação AP…./…, tendo-se mantido o capital social no valor de € 1.680.000,00, representado por 1.680.000 acções de natureza nominativa e de valor nominal € 1,00, tituladas pelos seguintes accionistas:
  1. “A”

99,976% do capital social, correspondendo a 1.679.600 acções;

  1. “F”

0,006% do capital social, correspondendo a 100 acções;

  1. “G”

0,006% do capital social, correspondendo a 100 acções;

  1. “L”

0,006% do capital social, correspondendo a 100 acções;

  1. “M”

0,006% do capital social, correspondendo a 100 acções;

(cfr. Anexo III do RIT)

  • Em 22-05-2009, por contrato promessa de compra e venda de acções, a Requerente “A” prometeu vender à “K” as participações sociais de que era titular, livres de ónus e encargos pelo preço de € 5.250.000,00, tendo sido dado «plena e integral quitação» (cfr. Anexo IV e X do RIT e artigo 23-25 do pedido de pronúncia arbitral);
  • Em 01-09-2009 o contrato final do negócio foi formalizado através de contrato de compra e venda de acções (cfr. Anexo V do RIT e artigo 24 do pedido de pronúncia arbitral);
  • Com o produto da venda a Requerente “A” liquidou a totalidade das suas responsabilidades financeiras perante a “T” e perante o seu associado “F”,, assegurando a sua participação, totalmente livre e desonerada, na sociedade “H” (cfr. Anexo X do RIT e artigo 23-25 do pedido de pronúncia arbitral);
  • Em 21-01-2010, a sociedade adquirente “K”, em assembleia-geral extraordinária, com a presença de todos os sócios, deliberaram alterar a firma e a sede, passando a denominação social para “n”, Lda e a sede social para a Avenida … n.º …, …-… …;
  • Os sócios da “k”, actual “N” Lda são os seguintes:
    1. “F”

99,50% do capital social, correspondendo a 49.750 quotas;

  1. “L”

0,25% do capital social, correspondendo a 125 quotas;

  1. “m”

0,25% do capital social, correspondendo a 125 quotas;

(cfr. RIT)

  1. Em 19-06-2012, foi dado início a procedimento de inspecção tributária, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI…, de 02-05-2012, com código de actividade … — acção de controlo de mais valias —, respeitante ao exercício de IRS de 2009 dos Requerentes;
  2. O procedimento de inspecção tributária tinha em vista «o controlo da alienação de partes sociais e a aplicação da norma geral antiabuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, relativamente à venda de quota (acções) por parte d[a Requerente], e à aquisição por parte da sociedade “K”, Lda”, NIPC … (actual “N”, Lda (cfr. ponto 2.2 do RIT);
  3. Em 28-05-2013 foi concluído o procedimento de inspecção tributária, após sucessivas prorrogações do prazo operadas por despachos do Director de Finanças Adjunto de …, notificados pelos ofícios n.º 0…, de 12-12-2012, e n.º 0…, de 12-03-2013, da Direcção de Finanças de ….
  4. Em 31-10-2012, os Requerentes foram notificados do projecto de aplicação da cláusula geral antiabuso, para exercício do direito de audição prévia, através do ofício 0… (cfr. Anexo XII do RIT, constante do PA);
  5. Os Requerentes não exerceram o direito de audição prévia no âmbito da aplicação da cláusula geral antiabuso (cfr. ponto 3.6 e 8 do RIT);
  6. Em 23-05-2013, por despacho do Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, foi autorizada a aplicação da cláusula geral antiabuso (cfr. ponto 3.7 do RIT e Anexo XIII do RIT);
  7. Em 27-05-2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à notificação do despacho de autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso, através do ofício n.º 0…, tendo a mesma sido devolvida com a menção «objecto não reclamado»;
  8. Em 11-06-2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou segunda notificação do despacho de autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso, através do ofício n.º 0…;
  9. Em 29-05-2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à notificação do projecto de relatório de inspecção tributária, convidando o sujeito passivo a exercer o direito de audição prévia, através do ofício n.º 0…, tendo a mesma sido devolvida com a menção «objecto não reclamado»;
  10. Em 12-06-2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou segunda notificação do projecto de relatório de inspecção tributária através do ofício n.º 0…;
  11. Em 24-06-2013, a notificação do projecto de relatório de inspecção tributária foi efectivamente recebida/levantada;
  12. A Autoridade Tributária e Aduaneira fundamenta a decisão, particularmente, nos seguintes termos:
    1. Ponto 3.1.6 do RIT: «Analisando o contrato de transformação da sociedade que ocorreu em 18-11-2008, constata-se que:

não houve alteração do capital social, o valor nominal manteve-se em € 1.680.000,00;

houve uma divisão de quota em cinco, sendo uma de € 1.679.600,00 e, as restantes quatro, no valor nominal de € 100,00;

não se verificou aumento de capital social, a quota existente foi simplesmente dividida;

a sócia “A” manteve para si a quota de € 1.679.600,00, representativa de 99,976% do capital social;

Tendo sido atribuídas as restantes aos quatro novos sócios, que representa, cada uma, 0,006% do capital social;

verifica-se ainda, que os novos sócios têm uma relação de parentesco, sendo que “F” e “G”, são cônjuges e “L” e “M” seus descendentes;

na mesma data é deliberado a transformação da sociedade em sociedade anónima;

Constata-se ainda que, quando a quota foi dividida e cedida aos novos sócios, já havia intenção de transformar a mesma em sociedade anónima, atendendo a que em 02-11-2008, foi apresentado um “relatório justificativo da transformação da “E — Farmácia Unipessoal, Lda”, de sociedade por quotas em sociedade anónima»;

  1. Ponto 3.1.7 do RIT: «Verifica-se que os titulares do capital social da sociedade adquirente são os titulares que adquiriram as quotas da sociedade alienante»;
  2. Ponto 3.1.9 do RIT: «Os factos descritos permitem admitir que:

De acordo com o relatório justificativo da transformação da “E” em sociedade anónima, o propósito da mesma (único e exclusivo) foi permitir que se verificasse, na entidade, um reforço da respectiva estrutura financeira. Tal objectivo/fundamento afigura-se, contudo, inverosímil, em virtude dos seguintes factos:

1— Com a transformação efectivou-se a entrada de 4 novos sócios, familiares entre si, todos eles pessoas singulares e com participações irrisórias no respectivo capital social;

a entrada dos novos sócios (2008/11/18), não trouxe qualquer aumento de capital - a quota única foi divida em 5 quotas;

a entrada de novos sócios com uma quota de valor residual (€ 100,00) foi para cumprir os requisitos do número mínimo de accionistas (artigo 273.º, do CSC - “A sociedade anónima não pode ser constituída por um número de sócios inferior a cinco,…”;

no relatório justificativo a sócia única afirma: “Nestes termos, entende a gerência propor aos sócios a transformação desta sociedade numa sociedade anónima, de harmonia com o contemplado nos artigos 130.º e seguintes do CSC, antecedida de uma cessão de quotas pela sócia única por forma a que sociedade seja dotada do número de sócios legalmente exigível para permitir a sua transformação”.

2 — De facto, cada uma das quotas/acções adquiridas por estes novos sócios são pelo montante de € 100,00 (a que corresponde uma percentagem de detenção de capital de 0,006%);

3 — Ficando portanto a sócia anterior na detenção da esmagadora maioria do capital social subscrito i.e. 99,976%;

4 — Contudo, a gerência de facto da sociedade alienante, era exercida pelos sócios/accionsitas “F” e “M” (sócios/accionistas minoritários e simultaneamente sócios da sociedade adquirente), como se comprova pela cópia de cheques emitidos pela “E”, - (Anexo XI);

5 — Não se constata a entrada de novos sócios;

6 — Por seu turno, a percentagem de participações que cada um vem a deter, como resultado da transformação, não permite à sociedade beneficiar de uma efectiva melhoria da respectiva situação financeira.

7 — Dito de outro modo, e a título exemplificativo, se, porventura, a sociedade pretendesse contrariar um empréstimo junto de uma instituição financeira obteria, seguramente, as mesmas condições de mútuo, antes ou após o processo de transformação.

Assim sendo, cai por terra a argumentação do sujeito passivo, no sentido de que esta operação de transformação societária gerou benefícios, de índole financeiro, para a sociedade. Pelo que, e assim sendo, cumpre concluir pela inexistência de uma fundamentação/razão económica plausível para que esta operação de transformação societária fosse levada a cabo.

Ficando, portanto, evidenciado que a operação de transformação foi levada a cabo no sentido de o sujeito passivo poder beneficiar, em 2009, da isenção de tributação das mais-valias geradas pela alienação de participações sociais em sociedade anónimas».

  1. Em relação ao elemento meio, a Autoridade Tributária e Aduaneira fundamenta, no ponto 3.3.1 do RIT, que «conforme consta no item 3, a venda das participações sociais é precedida da transformação da sociedade “E - Farmácia Unipessoal, Lda”, em sociedade anónima, a qual não resultou conforme os factos comprovam, da necessidade de ajustar a sua natureza jurídica a qualquer alteração na sua estrutura operacional.

A entrada de quatro novos sócios/accionsitas com participações simbólicas de € 100,00, teve como objectivo o cumprimento formal dos requisitos mínimos necessários para transformar uma sociedade por quotas em sociedade anónima e permitir que, por isso, o capital fosse denominado em acções e, por essa via, substituir uma operação sujeita a imposto (alienação de pares sociais - quotas) por outra economicamente equivalente, mas não sujeita a tributação (venda de acções).

Ressalva-se ainda que os novos sócios são familiares muito próximos e são sócios da sociedade adquirente “K”».

  1. No que concerne ao elemento resultado, a Autoridade Tributária e Aduaneira fundamenta, no ponto 3.3.2 do RIT, que:

«[...] o elemento resultado consiste na vantagem fiscal conseguida través da actividade do contribuinte, no caso em apreciação, o sujeito passivo “A” obteve o benefício da exclusão de tributação da mais valia obtida, no valor de € 2.600.000,00, como a seguir se evidencia:

Valor de realização (1) € 5.250.000,00

Valor de aquisição (2) € 2.650.000,00

Mais valia (1) - (2) = (3) € 2.600.00,00

[...] pela aplicação da taxa especial (tributação autónoma) do n.º 4 do artigo 72.º [do CIRS], aos rendimentos de mais valias de alienação de participações sociais, verifica-se um acréscimo da colecta líquida do sujeito passivo para o ano de 2009, no montante de € 260.000,00 (€ 2.600.00,00 * 10% = € 260.000,00)

Desta forma, a alienação destas acções beneficiaria da exclusão de tributação em sede de IRS, por força do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS.

Contrariamente ao que é referido no contrato promessa de compra e venda de acções, o sujeito passivo “A”, não recebeu o valor no momento da operação, tendo sido assumido pela entidade adquirente e pelo seu representante “F” o pagamento de compromissos assumidos pela “A”.

Caso o contribuinte tivesse optado pelo negócio “normal”, a mais valia obtida através da alienação da parte social - quota, estava sujeita a IRS nos termos do disposto na al. b) do n.º 41 do artigo 10.º do CIRS, à taxa de 10%, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 72.º do mesmo Código, pelo que seria devido imposto no valor de € 260.000,00, ou seja (€ 2.600.000,00 * 0,10).

Verifica-se que a contribuinte alcançou o seguinte:

a) A sociedade adquirente e o seu representante assume financiamentos bancários para pagamento dos compromissos assumidos pela “A” titular das participações sociais da “E”;

b) A transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima permitiu que, por isso, o capital fosse denominado em acções e, por essa via, substituir uma operação sujeita a imposto (alienação de parte sociais - quotas) por outra economicamente equivalente, mas não sujeita a tributação (venda de acções). Ou seja, verificou-se uma oneração fiscal não equivalente) o acto ou negócio celebrado está sujeito a uma oneração fiscal diferente do negócio pretendido).

Ficou assim provado que o contribuinte, pelos seus actos, alcançou, por um lado, uma certa vantagem fiscal, e por outro, a equivalência dos efeitos económicos com os daqueles actos ou negócios jurídicos “normais”, tributados»;

  1. Quanto ao elemento intelectual, a Autoridade Tributária e Aduaneira fundamenta, no ponto 3.3.3 do RIT, que: «a alteração da natureza jurídica da sociedade “E” não provocou qualquer alteração na empresa, nem na estrutura das partes sociais nem operacional. Contudo, tendo em conta que por via de, substituir uma operação sujeita a imposto (alienação de partes sociais — quotas) por outra economicamente equivalente, mas não sujeita a tributação (venda de acções), concluir-se que a escolha de transmitir acções em vez de quotas, feita pela contribuinte, foi motivada por razões fiscais, uma vez que só estas podem explicar a opção seguida pelo contribuinte»;
  2. Em relação ao elemento normativo a Autoridade Tributária Aduaneira fundamenta, no ponto 3.3.4 do RIT, que «a alienação da participação social em causa, depois de concluída a alteração da natureza jurídica da sociedade, permitiu obter um resultado que, não obstante a sua conformidade com a letra da lei é, no entanto, desconforme com o seu espírito, com o ratio legis»;
  1. Os Requerentes não solicitaram informação vinculativa sobre os factos que fundamentam a aplicação da cláusula geral antiabuso (cfr. ponto 2.3.2 do RIT).
  2. A Requerente “A” foi aconselhada por consultores cujo parecer e acompanhamento solicitou, a adoptar a forma de sociedade anónima, por este ser o tipo societário que melhor se podia coadunar com a abertura à entrada de capital de uma pluralidade de sócios estranhos à sociedade, designadamente entidades que pretendessem aplicar capitais de risco e ser maior certeza e credibilidade emprestada às demonstrações financeiras pela intervenção de entidades fiscalizadoras (depoimentos das testemunhas “F” e “O”);
  3. A Requerente “A” realizou contactos com potenciais investidores (depoimentos das testemunhas “F” e “O”);
  4. “F”, por si ou em representação da Requerente, estabeleceu contactos e negociações com investidores, designadamente:

«o grupo “T”, o Banco “U” e a “V”, como investidores em capital de risco

Investidores nacionais como a P/Q e um conjunto de investidores estrangeiros através dos seus interlocutores portugueses Drs. R e S» (depoimentos das testemunhas “F” e “S”);

  1. A venda da participação social da Requerente “A” impôs em virtude de se terem «revelado infrutíferas as várias hipóteses de associação investidores institucionais e/ou particulares à “E”» e como forma de assegurar a satisfação das responsabilidades financeiras contraídas perante a “T” e perante o seu associado “F” (depoimento da testemunha “F”
  2. Em Março de 2008, a Farmácia “D” é transferida do … para o Centro Comercial …, em … (depoimento da testemunha “F”);
  3. Em Março de 2008 são estabelecidos acordos para a transferência da Farmácia … para o … (depoimento da testemunha “F”);
  4. A deslocação da Farmácia “J” para o … não se concretizou (depoimento da testemunha “F”);
  5. As Farmácias “d” e “j" enfrentaram dificuldades financeiras, consequência de «expectativas goradas de acréscimos significativos dos meios libertos pelas» farmácias, da «conjuntura económica depressiva e com perspectivas de agravamento», da «redução de margens operacionais» (depoimento da testemunha “F”).

                                            

3.2. Factos não provados

 

Foram considerados não provados os seguintes factos:

a) As declarações de rendimento modelo 22 de IRC demonstram que as Farmácias “D” e “J” apresentaram resultados crescentes;

b) A “H” foi dissolvida em 2010.

c) Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia sobre o Relatório de Inspecção Tributária.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram directa ou indirectamente questionadas.

No que concerne à prova testemunhal, as testemunhas indicadas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que com base nos seus depoimentos foram dados como provados.

Os factos não provados foram assim considerados por não ter sido produzida qualquer prova que os consubstanciasse.

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Da falta de fundamentação

 

Os Requerentes invocam o vício de falta de fundamentação, alegando que «a Administração Tributária limita-se a elencar meros juízos conclusivos» (artigo 43.º do pedido de pronúncia arbitral), a fundamentação não é «congruente nem tão pouco clara» (artigo 44.º do pedido de pronúncia arbitral) e que a Administração Tributária limita-se a «afirmar sem demonstrar ou justificar as suas conclusões» (artigo 46.º do pedido de pronúncia arbitral).

A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alega que a fundamentação é suficiente, «pois considera-se terem sido atingidas as finalidades pretendidas com tal fundamentação, a saber, a compreensão do conteúdo do ato pelos seus destinatários e a possibilidade de contra ele reagirem» (artigo 75.º da Contestação) e que «a sua suficiência [deve] ser aferida pelo comprometimento da possibilidade de reacção judicial ou graciosa contra o mesmo, apenas devendo ser reservada a declaração dessa insuficiência com o consequente fulminar da sua anulação, quando a gravidade seja tal que a um normal destinatário do ato lhe seja difícil ou mesmo impossível contra ele esgrimir as directas e imediatas razões de facto e/ou de direito que no seu entender conduzem à respectiva ilegalidade» (artigo 76.º da Contestação).

*

Constituindo uma exigência basilar, decorrente do imperativo constitucional atinente às garantias dos administrados (artigo 268.º, n.º 3 da CRP), o dever de fundamentação das decisões da Administração Tributária encontra-se densificado no artigo 77.º da LGT e, genericamente para a Administração Pública, no artigo 125.º do CPA.

É simultaneamente um dever que impende sobre a Administração e um direito do administrado a conhecer os fundamentos de facto e direito que, dentro de um quadro de legalidade, permitem à Administração conformar-lhe negativamente a sua esfera jurídica, tendo em vista a compreensão e sindicabilidade da decisão.

Em síntese, o dever geral de fundamentação estabelece-se segundo os seguintes parâmetros:

  1. a decisão deve ser objecto de fundamentação expressa e acessível, devendo exprimir as razões de facto e de direito (artigo 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º, n.º 1 da LGT); deve «sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo» (artigo 77.º, n.º 2 da LGT);
  2. pode «ser efectuada de forma sumária» (artigo 77.º, n.º 2 da LGT) e pode «consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» (artigo 77.º, n.º 1 da LGT);
  3. equivale «à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto» (artigo 125.º, n.º 2 do CPA); ou seja, a fundamentação do acto administrativo deverá ser suficiente, clara, congruente e contextual:
    1. «é suficiente se, no contexto em que o acto foi praticado, permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão tomada;
    2. será clara se permitir compreender, sem incertezas e perplexidades, o sentido e motivação dessa decisão;
    3. é congruente se ela surge como conclusão lógica das razões apresentadas.
    4. é contextual quando se integra no texto do próprio acto, que a inclui ou para ela remete, ou dele é, pelo menos, contemporânea».

Como a jurisprudência tem vindo a afirmar ( [1] ), a «fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto». A fundamentação «visa responder às necessidades de esclarecimento do administrado pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro».

Neste quadro, deve considerar-se que «um acto está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível».

O carácter relativo do conceito de fundamentação torna-se mais evidente nas situações em que o legislador expressou a necessidade de uma fundamentação mais intensa, como é o caso do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, previsto nos artigos 38.º, n.º 2 da LGT e 63.º do CPPT e que estabelece parâmetros especiais de fundamentação.

Sem prejuízo das demais formalidades previstas no artigo 63.º do CPPT, o seu n.º 3 estabelece o seguinte:

 

 Artigo 63.º (CPPT)

Aplicação de disposição antiabuso

3 - A fundamentação do projecto e da decisão de aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 contém necessariamente:

a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.

 

A especial necessidade destes elementos entende-se e encontra-se em consonância com os aspectos essenciais da cláusula geral antiabuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT:

 

Artigo 38.º (LGT)

Ineficácia de actos e negócios jurídicos

2 –  São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

 

*

 

Sub iudice, constata-se que o Relatório de Inspecção Tributária contém um extenso elenco da factualidade (fundamentos de facto) que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu ser relevante, bem como os fundamentos de direito que lhes são conexos e exigidos ao abrigo do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT. A exposição dos fundamentos de facto e de direito torna perceptível o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão tomada.

Os termos em que os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral demonstram, ainda, como a fundamentação é suficientemente clara e permite compreender o sentido e a motivação da decisão.

A fundamentação contém, particularmente, a descrição exigida pelo artigo 63.º, n.º 3, al. a) do CPPT (cfr. ponto 3.3.1 e 3.3.2 do RIT) e a demonstração exigida pela al. b) do mesmo artigo (cfr. ponto 3.1.9, 3.3.1-3 do RIT). Saber se a fundamentação contém a descrição e a demonstração exigidas por aquele artigo e saber se estas são densas e suficientes para sustentar a decisão são questões distintas.

Por conseguinte, sem prejuízo da análise material e concreta dos fundamentos, conclui-se que a decisão não padece do vício de falta de fundamentação.

 

4.2. Do ónus de prova

 

Os Requerentes alegam que «a Administração Tributária violou […] o disposto no artigo 74.º, n.º 1» da LGT (artigo 76.º do pedido de pronúncia arbitral), que não cumpriu com o disposto no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT (artigos 69.º-70.º do pedido de pronúncia arbitral) e que «à Administração cabe fazer prova integral dos elementos constitutivos do direito da CGAA, não sendo […] suficiente invocar o preenchimento dos requisitos de que depende a sua aplicação, devendo sempre e necessariamente deles fazer prova» (artigo 71.º do pedido de pronúncia arbitral). Os Requerentes interligam a questão do ónus de prova com a da falta de fundamentação e do incumprimento do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT.

 

*

 

As regras de distribuição do ónus de prova são regras que actuam num momento posterior, verificada a insuficiência da prova dos factos e o não convencimento do julgador. Estas regras ditam, nessa altura, que a questão ira ser decida contra a parte quem incumbia a prova. Estas traduzem-se em regras de non liquet que só são verdadeiramente convocadas a final ( [2] ), apesar de influírem na actuação das partes desde o início e ao longo do processo.

O legislador tributário estabelece, no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, um critério de repartição genérica do ónus de prova (objectivo), que constitui uma transposição da regra prevista no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual o ónus de prova dos factos constitutivos dos seus direitos recai sobre quem os invoque ( [3] ).

Assim, à Administração Tributária cabe o ónus de prova dos factos constitutivos do direito a tributar e ao sujeito passivo o ónus de prova dos factos modificativos e impeditivos ( [4] ). Dir-se-á, todavia e conforme sublinha Marques, que cabe a ambos «não só alegar, mas principalmente produzir provas que criem condições de convicção favoráveis à sua pretensão» ( [5] ).

A esta norma acresce, já no domínio processual, o disposto no artigo 100, n.º 1 do CPPT: «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado». Esta norma representa a consequência do incumprimento do ónus de prova no processo tributário, materializando o princípio in dubio contra fiscum ( [6] ) e, embora esteja prevista no âmbito do processo tributário, ela «deve ser tida em conta pela Administração Tributária ao valorar a prova no procedimento tributário» ( [7] ).

Todavia, os tradicionais ensinamentos relacionados com a temática do ónus de prova no direito civil não podem ser importados sem mais para o direito tributário. Estes hão-de ser temperados pelo dever de agir e inquirir imparcialmente, que cabe à Administração Tributária (princípio da legalidade, do inquisitório e da imparcialidade), e pelo dever de colaborar reciprocamente, que cabe a ambos os sujeitos da relação jurídica tributária, orientados para a descoberta da verdade material (princípio da colaboração recíproca, da boa fé e da justa repartição dos encargos tributários).

Os princípios da legalidade, do inquisitório e da imparcialidade exigem, designadamente, que a Administração Tributária não ignore e, mais do que isso, carreie para o procedimento ou processo todos os factos relevantes, quer estes sejam constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que invoca. É destes princípios que emerge, em primeira linha, o dever de prova que impende sobre a Administração Tributária. A norma prevista no artigo 74.º da LGT compreende-se melhor, por isso, à luz e em conjugação com o artigo 100.º do CPPT.

Os princípios da colaboração recíproca e da boa-fé, previstos no artigo 48.º do CPPT, exigem que o sujeito passivo esclareça «de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso». Sempre caberá ao sujeito passivo colaborar com a Administração Tributária e, na fase contenciosa, com o Tribunal, “apresentando todos os meios de prova que permitam concluir que não existe o facto tributário, ou que, caso exista, o mesmo foi incorrectamente quantificado ou qualificado” ( [8] ).

Na lição de Gomes Canotilho, a especificidade do direito tributário, em que se observou uma privatização da relação jurídica tributária, assim alterando fundamentalmente o tipo de actividade da Administração Tributária, que tributa sobretudo com base nos factos que lhe são declarados, implica que devamos considerar, para além de deveres de cooperação e colaboração, também deveres (e não meros direitos) de participação, independentemente do dever de inquirir que impende sobre a Administração Tributária ( [9] ). O direito (ou dever) de participação dos interessados «apresenta-se como um elemento fundamental[, do Estado de Direito,] em procedimentos complexos que lidam com altos graus de incerteza» ( [10] ), como é o caso do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso.

Todas estas particularidades levam a concluir que a dinâmica probatória, no direito tributário, não se pode resumir, simplisticamente, a fórmulas como: a um sujeito compete a prova dos factos constitutivos e ao outro a dos factos modificativos e extintivos. Essa fórmula assume relevância enquanto regra de non liquet.

 

*

 

Em suma, a alegação dos Requerentes, incidindo na falta de fundamentação e no incumprimento das exigências legais previstas nas alíneas do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, não é, em rigor, uma questão relacionada com o ónus de prova.

O eventual incumprimento daquelas disposições resulta, não na aplicação de regras de distribuição do ónus de prova, mas antes na violação do princípio da legalidade ( [11] ), previsto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT. Princípio esse que, estritamente considerado, garante que «os órgãos e agentes da Administração só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos» ( [12] ).

As regras de distribuição do ónus de prova previstas nos artigos 74.º da LGT e 100.º do CPPT, enquanto regras de non liquet, serão de aplicar somente a final e em resultado de uma dúvida fundada que não resulte da inércia probatória de qualquer uma das partes, «devendo resultar apenas do facto de das provas produzidas resultar um dúvida insanável que não permita julgar a causa a favor de qualquer uma das partes» ( [13] ).

Tratada supra a questão da falta de fundamentação, tendo-se concluído pela suficiência daquela fundamentação, o exercício que se torna imediatamente pertinente é o de valoração da prova, designadamente no quadro das exigências previstas no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT.

 

4.3. Da verificação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso

 

4.3.1. Planeamento fiscal legítimo e ilegítimo

 

Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches ( [14] ): o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal ( [15] ) passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» ( [16] ). Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» ( [17] ). Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal» ( [18] ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem ( [19] ).

Sub iudice, sucintamente, os Requerentes contestam que configure planeamento fiscal abusivo a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, por considerarem que o negócio jurídico se insere numa estrutura de actos e negócios jurídicos tendentes à expansão da sua actividade, por entenderem que a estrutura de capital e organizativa das sociedades anónimas se afigura mais adequada para o potenciar o crescimento da sociedade; comportamento que a Autoridade Tributária e Aduaneira entende constituir um planeamento fiscal abusivo, na medida em que, através daquela transformação em sociedade anónima, que considera desnecessária e fiscalmente motivada, e subsequente venda de acções (em vez de quotas), os Requerentes evitam a tributação de mais valias em sede de IRS.

Assim sendo, a questão colocada a este tribunal, na sequência do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso — um dos mecanismos legais a que o legislador recorre para dar resposta aos comportamentos de planeamento fiscal abusivo —, reside em saber se a actuação do sujeito passivo se situa intra ou extra legem, ou seja, se o planeamento fiscal que adoptou é legítimo ou ilegítimo, se é não abusivo ou abusivo.

 

4.3.2. Elementos da cláusula geral antiabuso

 

Sob a epígrafe «Ineficácia de actos e negócios jurídicos», dispõe o artigo 38.º, n.º 2 da LGT em relação à denominada cláusula geral antiabuso (CGAA) no direito tributário.

A letra plasmada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, passou a ser a seguinte:

«São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».

 

Esta norma é complementada pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela patentes. Correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma actividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo ( [20] ).

Estes elementos, em torno dos quais ambas as partes aliás constroem a sua argumentação, consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal ( [21] );

– no elemento resultado, que contende com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente ( [22] );

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam» ( [23] );

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela »( [24] );

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

Apesar desta descontrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça Courinha, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente» ( [25] ).

Apreciemos, tendo este aspecto em consideração, os elementos da cláusula geral antiabuso tendo em atenção a fundamentação da decisão, os factos provados, e a argumentação jurídica das partes.

A Autoridade Tributária e Aduaneira fundamenta a sua decisão, alegando, em síntese, que:

 

  1. a venda das participações sociais é precedida de transformação da sociedade que não resultou da necessidade de ajustar a sua natureza jurídica a qualquer alteração «nem na estrutura das partes sociais nem operacional»;
  2. «a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima permitiu que o capital fosse denominado em acções e, por essa via, substituir uma operação sujeita a imposto (alienação de parte sociais - quotas) por outra economicamente equivalente, mas não sujeita a tributação (venda de acções)».
  3. «a escolha de transmitir acções em vez de quotas, feita pela contribuinte, foi motivada por razões fiscais, uma vez que só estas podem explicar a opção seguida pelo contribuinte»;
  4. «a alienação da participação social em causa, depois de concluída a alteração da natureza jurídica da sociedade, permitiu obter um resultado que, não obstante a sua conformidade com a letra da lei é, no entanto, desconforme com o seu espírito, com o ratio legis»;

 

Os Requerentes contra-alegam, em síntese, que:

 

  1. a Administração Tributária «não fez a demonstração da interdependência» dos  actos ou negócios jurídicos e não existe «nenhuma relação de interdependência»;
  2. à data da transformação da sociedade não existia intenção exclusivamente ou preponderantemente de levarem a cabo uma alienação com vantagem fiscal;
  3. existe uma motivação económica para os actos e negócios descritos pela Administração Tributária;
  4. a vantagem obtida não é contrária à ratio legis, pelo contrário, insere num quadro legislativo tendente à adopção do modelo de sociedade anónima;

 

 

4.3.2.1. Elemento resultado

 

Comparando de uma forma isolada e objectiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das acções (actos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (actos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficia de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira não é objecto de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2 do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, a segunda é considerada uma mais-valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, rendimento tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4 do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro.

 

4.3.2.2. Elementos meio e intelectual

 

Embora a constatação antecedente baste para preencher aquele requisito, o seu preenchimento é, por si só, irrelevante para a aplicação da cláusula geral antiabuso, em função da estrutura de actos e negócios jurídicos realizados: «em caso algum, uma vantagem ou um benefício fiscal indiciarão por si só qualquer ideia de abuso jurídico» ( [26] ).

A denominada «step transaction doctrine», teoria construída nos ordenamentos anglo-saxónicos e em que a Autoridade Tributária e Aduaneira alicerça a sua argumentação, consiste na consideração do conjunto complexo de actos ou negócios jurídicos que surgem numa arquitectura global, planeada, composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios e complementares, para além do acto ou negócio jurídico que é objectivamente censurado, na medida em que somente através da sua visão completa se detecta o desenho elisivo ( [27] ).

 

*

 

Como aspectos prévios, os Requerentes alegam que «o especial rigor a que o legislador sujeita a prova de todos e cada um dos requisitos de aplicabilidade da CGAA retira desde logo todo e qualquer valor a uma simples ilação ou presunção» (artigo 86.º do pedido de pronúncia arbitral).

O legislador exige que a fundamentação seja mais densa e contenha certos elementos. Contudo, tal não significa uma intensidade probatória anormal ou a inadmissibilidade da prova por presunção. Por se tratar da prova de factos relacionados com a mais íntima esfera do sujeito passivo — a sua convicção — a não admissão da prova por presunção redundaria numa prova diabólica para a Administração Tributária.

Conforme frisa Courinha ( [28] ), «a prova da motivação fiscal nestas Cláusulas Gerais é feita, como vimos, com recurso a factos ou elementos de prova que permitam ao intérprete (v.g. julgador) extrair, com razoável segurança e segundo critérios de razoabilidade e normalidade, a conclusão de que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um preponderante fim fiscal. (...) Os dados objectivos recolhidos e presentes ao intérprete devem pois permitir-lhe retirar, de modo directo ou se necessário por recurso a ilações ou presunções judiciais, a conclusão sobre a verificação ou não do elemento motivacional, ainda que com possibilidade, sempre salvaguardada, de demonstração pelo contribuinte da existência de uma decisiva motivação não fiscal no quadro do ato ou negócio».

Os Requerentes alegam, ainda, que a Administração Tributária e Aduaneira não cumpriu adequadamente com o disposto no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, por entenderem que esta se limitou a «indicar um conjunto de actos individualizáveis, incluindo alguns de relevância imperceptível para a discussão em causa, sem qualquer análise de interligação entre os mesmos que justifique a sua consideração em conjunto» (artigo 79.º do pedido de pronúncia arbitral), «a apontar uma sequência de actos […] para daí concluir, sem mais, que face à diferença de regime de tributação de mais-valia se há-de ter por assente a sua interdependência» (artigo 85.º do pedido de pronúncia arbitral).

Face ao expresso no Relatório da Inspecção Tributária, particularmente nos pontos 3.1.6 a 3.1.9, não se vislumbra a alegada ausência de análise de interligação entre os actos ou que a sua relevância seja imperceptível.

 

*

 

No que toca ao preenchimento dos pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso atinentes aos elementos meio e intelectual, os Requerentes alegam existirem razões que vão para além das meramente fiscais a justificar a concretização das operações em causa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira considera, na fundamentação do RIT, que o objectivo de reforço da estrutura financeira expresso no relatório justificativo da transformação é «inverosímil» face aos factos e considerações expressas no ponto 3.1.9 do RIT.

Contudo, a «entrada de novos sócios com quota de valor residual» para «cumprir os requisitos do número mínimo de accionistas», ficando «a sócia anterior na detenção da esmagadora maioria do capital social subscrito, i.e. 99,976%», não torna, por si só, aquele objectivo inverosímil. Trata-se um requisito formal e não é incomum a constituição originária de sociedades anónimas com sócios com uma participação identicamente residual.

Não se trata, pelo menos na situação em litígio, de uma questão que possa ser aferida através dum juízo de verosimilhança exclusivamente centrado naquele momento.

A verosimilitude encontra-se intimamente relacionada com as denominadas máximas de experiência e passa por se efectuar uma inferência presuntiva tendo por base aquilo que objectivamente se pode considerar normal ou frequente ( [29] ). Esta «aparec[e] a priori e em abstracto na convicção do juiz», pelo que «não se está ainda no domínio da prova, mas somente no campo da afirmação factual, cuja existência parece verosímil se corresponde à normalidade» ( [30] ).

Porque o almejado reforço financeiro pode surgir num momento posterior, não se exigindo que este seja contemporâneo da transformação da sociedade, não se pode inferir que esse reforço não vai existir tendo unicamente por base a constatação de que os (novos) sócios têm uma participação meramente residual. Não se poderá considerar normal ou frequente, com a carga de uma máxima de experiência, que a existência de sócios com uma participação meramente residual não resulte num reforço financeiro, quando esse é o objectivo.

Como resulta da prova testemunhal produzida, a Requerente “A” teve grandes problemas financeiros a partir de 2008 e tinha responsabilidades financeiras perante a “T”, que procurou resolver através da entrada de novos investidores no capital da sociedade, sendo efectuada a transformação da sociedade «E» em sociedade anónima por esta forma societária ser mais adequada à sua abertura à entrada de capital de uma pluralidade de sócios estranhos à sociedade, designadamente entidades que pretendessem aplicar capitais de risco. Aliás, esta é uma justificação económica perfeitamente plausível, já que o regime de fiscalização da actividade das sociedades anónimas, que inclui exame das contas por revisor oficial de contas (artigos 278.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 446.º do Código das Sociedades Comerciais) será mais credível do que o das sociedades por quotas. E, sendo maior a certeza e credibilidade que é conferida às demonstrações financeiras das sociedades anónimas pela intervenção de entidades fiscalizadoras qualificadas, compreende-se que seja mais fácil convencer estranhos a investirem em sociedades anónimas do que em sociedades por quotas.

Por outro lado, como também resulta da prova produzida, a posterior venda da participação social da Requerente “A” impôs-se em virtude de se terem revelado infrutíferas as várias hipóteses de associação investidores institucionais e/ou particulares à “E” e como forma de obter a quantia necessária para assegurar a satisfação das responsabilidades financeiras que tinha contraído perante a “T” e perante o seu associado “F”.

Assim, a prova produzida aponta manifestamente no sentido de que a transformação da sociedade em anónima não teve como objectivo a obtenção de vantagem fiscal, designadamente a nível de tributação de mais-valias, na alienação da participação social da Requerente “A”. No mínimo, a prova produzida permite concluir com segurança que, se esse fosse um objectivo, não seria o único ou primacial da referida transformação, que visava, antes, facilitar a obtenção de investimento por parte de entidades estranhas à sociedade.

De qualquer forma, mesmo que se não se considerasse provado que a finalidade da transformação tinha sido exclusiva nem primacialmente de natureza fiscal, sempre se teria de se ficar numa situação de dúvida sobre o objectivo visado pela transformação, dúvida essa que, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, teria de ser processualmente valorada a favor dos Requerentes e não contra eles, o que tem os mesmos efeitos práticos que a prova positiva de que não foi de natureza fiscal o objectivo prosseguido.

Assim, tem de se concluir que não se verifica um dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, que é o de o acto ou negócio jurídico ser essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos se ele não fosse praticado.

 

 

4.3.2.3. Elemento normativo

 

A este respeito, a Autoridade Tributária Aduaneira limita-se a afirmar (ponto 3.3.4 do RIT) que «a alienação da participação social em causa, depois de concluída a alteração da natureza jurídica da sociedade, permitiu obter um resultado que, não obstante a sua conformidade com a letra da lei é, no entanto, desconforme com o seu espírito, com o ratio legis», relacionando a questão, vagamente, com a «tributação segundo a capacidade contributiva».

O legislador não é particularmente exigente no que toca à fundamentação deste aspecto atinente à reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, no entanto, a doutrina tem vindo a considerar que este é fundamental na distinção entre planeamento legítimo e ilegítimo.

Na pena de Saldanha Sanches, é «necess[ário] encontrar, no ordenamento jurídico-tributário e como condição sine qua non de aplicação da cláusula antiabuso, os sinais inequívocos de uma intenção de tributar [...], primeiro, porque a evitação fiscal abusiva não pode confundir-se com a permanente tentativa do contribuinte para reduzir a sua tributação ou para ponderar cuidadosamente – planeamento fiscal não abusivo – as consequências da lei fiscal na sua actividade empresarial ou pessoal [...], segundo, porque nesse esforço permanente para reduzir a carga fiscal podemos encontrar o aproveitamento pelo contribuinte do que podemos qualificar como omissões deliberadas – justas, ou não, é uma outra coisa – do legislador fiscal e, se isso aconteceu, não pode atribuir-se ao aplicador da lei a tarefa que cabe primariamente ao legislador» ( [31] ). Com efeito, sublinha, deve ser possível extrair-se uma «intenção inequívoca de tributação» ( [32] ), pelo que, ao contrário do alegado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não basta «haver uma lacuna ou uma disposição menos clara» (artigo 136 da Resposta).

Este autor dá, inclusive, como exemplo de «lacuna consciente de tributação» a situação que aqui é objecto de aplicação da cláusula geral antiabuso (a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima e a subsequente venda das acções), sublinhando que «se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações das quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributava com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais» ( [33] ).

Efectivamente, «mesmo que a transformação [fosse] motivada por razões exclusivamente fiscais», é o legislador que opta, expressamente, por tributar a venda das quotas e por não tributar a venda das acções naquele contexto, conforme decorre dos artigos supra citados.

E fê-lo deliberada e insistentemente, pois trata-se de uma norma várias vezes revista e ponderada.

Na verdade, na redacção inicial do CIRS, previa-se já a tributação em IRS das mais-valias obtidas com a «alienação onerosa de partes sociais» [artigo 10.º, n.º 1, alínea b), na redacção do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro], mas excluíam-se as mais-valias provenientes da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 24 meses» [artigo 10.º, n.º 2, alínea c)], limite temporal este que tinha como objectivo evidente afastar a exclusão da tributação relativamente a mais-valias que, no conceito então vigente, eram consideradas especulativas.

Esta regulamentação era completada com a que constava do EBF, na redacção inicial, dada pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, em que se estabelecia o seguinte

Artigo 35.º (EBF)

Transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas

Para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e do artigo 34.º deste Estatuto, considera-se que a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data da aquisição das quotas que lhes deram origem.

Esta norma, que tina em vista o regime transitório, era completada com uma norma idêntica de aplicação permanente, que constava do artigo 18.º, n.º 5, alínea a), do EBF.

Estas duas normas evidenciam a enorme dimensão da preocupação legislativa em incentivar a transformação de sociedades por quotas em anónimas, que vai ao ponto de afastar a tributação em sede de mais-valias mesmo em situações em que o sujeito passivo detém as novas acções resultantes da transformação por um período muito curto, inclusivamente em situações em que a venda das novas acções é feita imediatamente a seguir à transformação, pois é precisamente a situações de detenção das novas acções por curtíssimo prazo que se aplicam as normas referidas. Isto evidencia que, ponderando os valores conflituantes nesta situação, se entendeu legislativamente prescindir da tributação em sede de mais-valias, independentemente de a vantagem fiscal concedida esse fosse o único objectivo da transformação, pois se considera de superior interesse público o resultado económico alcançado, da posterior existência de uma sociedade por acções.

Com a Lei n.º 30-B/92, de 28 de Dezembro, esta alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º passou a excluir da tributação as «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», aumentando, assim, o âmbito da não tributação da alienação de acções, ou, doutra perspectiva, a restrição do conceito de mais-valias especulativas.

A Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, reafirmou a vigência deste regime, eliminando a alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º, mas transpondo a sua redacção para a nova alínea b).

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, eliminou a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções, mas limitou a exclusão às acções adquiridas após a sua entrada em vigor, mantendo expressamente o regime anterior para as acções adquiridas antes dessa data (artigo 4.º, n.º 5, do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000).

Este novo regime não chegou a ser aplicado, pois a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, estabeleceu, no n.º 9 do seu artigo 147.º, que nos anos de 2001 e 2002 seria aplicável regime anterior à Lei n.º 30-G/2000 e, depois, o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, reintroduziu o regime de não tributação das mais-valias derivadas da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», ao dar uma nova redacção à alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.

Esta redacção manteve-se até à sua revogação pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

É, assim, manifesto, que houve uma opção legislativa deliberada, mantida com variações desde a redacção inicial do CIRS, no sentido da não tributação de algumas das mais-valias provenientes da alienação de acções, opção essa, como a da fixação de uma taxa liberatória reduzida, é justificada pela existência de uma «política de desenvolvimento do mercado financeiro», expressamente reconhecida no 5.º parágrafo do ponto 12 do Relatório do CIRS.

A «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 1/IX, que veio a dar origem à Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária para aprovar o Decreto-Lei n.º 228/2002 é elucidativa no sentido de se ter reconhecido que a não tributação das mais-valias não especulativas provenientes da alienação de acções era preferível à sua tributação dizendo-se:

 

Com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, que tornou indispensável a revisão do Código de IRS operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, foi alargado o âmbito de incidência a todas as mais-valias de valores mobiliários e eliminou-se a taxa liberatória de 10%.

Na sequência desta alteração as mais-valias de valores mobiliários são simultaneamente englobadas e sujeitas às taxas gerais progressivas, que se situam entre 12% e 40%.

Acresce que, de acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 30-G/2000, o referido regime de tributação das mais-valias só é aplicável aos valores mobiliários adquiridos após 1 de Janeiro de 2001, mantendo-se o anterior regime de tributação para as mais-valias quanto aos adquiridos antes dessa data.

Aquele regime tributário foi contudo alterado, transitoriamente, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2002), a qual veio estabelecer uma isenção da tributação das mais-valias relativamente a rendimentos inferiores a 2500 Euros, fazendo-se, no entanto, o englobamento, apenas, para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos.

Considerando que o impacto desta reforma fiscal no mercado de capitais foi altamente prejudicial para os investidores, configurando-se como um desincentivo ao investimento, com todas as inerentes consequências negativas para o desenvolvimento de uma política de recuperação económica, urge revogar o regime de tributação das mais-valias aprovado pela Lei n.º 30-G/2000 e, posteriormente, acolhido pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 e, em consequência, retomar o regime de aplicação da taxa liberatória de 10%, bem como da exclusão de tributação das mais-valias de valores imobiliários detidos pelo seu titular durante mais de 12 meses, tributando-se apenas as mais-valias especulativas.

 

O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que reintroduziu a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular há mais de 12 meses é também elucidativo sobre a existência desta intenção legislativa ao dizer:

O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias derivados da alienação onerosa de valores mobiliários, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi significativamente alterado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.

Os traços mais salientes do quadro então instituído consistiram na abolição da exclusão tributária de que beneficiavam as mais-valias provenientes da alienação de obrigações e de outros títulos de dívida e da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, passando a incidir uma tributação generalizada sobre estes rendimentos, atenuada por uma isenção de base para os saldos positivos inferiores a determinado montante e pela consideração dos saldos positivos ou negativos em percentagem variável em função do período de detenção dos títulos pelo alienante.

Por força do estabelecimento, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, de um regime transitório de tributação aplicável a estes rendimentos nos anos 2001 e 2002, o regime emergente da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, não chegou a ser aplicado.

O presente decreto-lei vem dar execução à autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, no sentido da reposição, no Código do IRS, das linhas essenciais do regime de tributação destes rendimentos

 

Do ponto de vista sistemático, acresce a preferência manifestada pelo legislador pela adopção do modelo de organização societária da sociedade anónima, cuja adopção desde a redacção inicial do CIRS pretendeu fomentar e é patente no Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que reformou um vasto conjunto de leis relacionadas com as sociedades comerciais, com especial atenção para a simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais (artigo 1.º, n.º 1) e para as sociedades anónimas (artigo 1.º, n.º 2: «o presente decreto-lei visa ainda actualizar a legislação societária nacional, adoptando designadamente medidas para actualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas»).

Explanando as razões de política económica subjacentes à reforma, o legislador afirma, no preâmbulo daquele Decreto-Lei:

 

Assim, as linhas de fundo da reforma realizada por este decreto-lei prendem-se com as seguintes ideias. De um lado, a preocupação de promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados. A presente revisão do Código das Sociedades Comerciais assenta no pressuposto de que o afinamento das práticas de governo das sociedades serve de modo directo a competitividade das empresas nacionais. Esse é o primeiro objectivo de fundo que este decreto-lei visa prosseguir, em prol de uma maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas. Ao encetar este caminho, Portugal colocar-se-á a par dos sistemas jurídicos europeus mais avançados no plano do direito das sociedades, salientando-se o Reino Unido, a Alemanha e a Itália como países que têm identicamente orientado reformas legislativas com base nestes pressupostos. […] Importa ainda apontar o atendimento das especificidades das pequenas sociedades anónimas como preocupação que esteve subjacente à preparação deste decreto-lei”.

 

Neste contexto, detecta-se uma opção legislativa deliberada no sentido de afastar a tributação das mais-valias não especulativas, como incentivo à criação de sociedades anónimas, formas de organização mais avançada, que proporciona tendencialmente gestão mais profissionalizada e eficiente, com benefícios para a economia em geral e, reflexamente, para o próprio interesse da tributação de rendimentos empresariais.

Por outro lado, é de notar que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38.º, n.º 2.

Sendo assim, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira, num Estado de Direito, assente na soberania popular, no princípio da separação de poderes e no primado da Lei (artigos 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa), deixar de acatar os juízos de valor legislativamente formulados, não podendo sobrepor os seus próprios juízos sobre a gestão de interesses públicos à ponderação de valores conflituantes efectuada legislativamente, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.

Isto é, mais concretamente, tendo o legislador expressamente considerado o interesse público da criação de sociedades anónimas superior ao interesse na tributação de mais-valias não especulativas e materializado a sua preferência num incentivo à criação de sociedades anónimas, criando para os detentores do seu capital um regime fiscal privilegiado em relação aos detentores do capital de sociedades por quotas, não pode, por via da aplicação da cláusula geral antiabuso, ser inviabilizado, por via administrativa, esse objectivo legislativo, aplicando àqueles que deram satisfação àquele interesse público através da criação de sociedades anónimas o regime que lhes seria aplicável se o não tivessem satisfeito.

Ou, doutra perspectiva, talvez mais clarificadora, não se poderá, em regra, numa situação de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónima, entender que o acto foi essencial ou principalmente dirigido à satisfação de interesse fiscal dos intervenientes (como exige o n.º 2 do artigo 38.º da LGT para ser accionada a cláusula geral antiabuso), pois esse acto, objectiva e forçosamente, com vontade do sujeito passivo ou sem ela, dirige-se sempre à satisfação do interesse público do incremento da criação de sociedades anónimas, interesse este que, na óptica legislativa, é sempre o essencial ou principal a atender nessa situação, para efeitos de tributação.

Por isso, em situações deste tipo, de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas, o abuso de formas jurídicas indispensável para viabilizar a aplicação da cláusula geral antiabuso e a existência de uma intenção contrária ao desígnio legislativo só são perscrutáveis em situações em que não possa considerar-se satisfeito aquele interesse público da criação de sociedades anónimas, como, por exemplo, poderá suceder em situações em que a criação da sociedade anónima não é seguida da sua manutenção como realidade económica por um período de tempo apreciável.

No caso em apreço, é inequívoco que não se verifica uma situação desse tipo e, por isso, foi satisfeito com a operação de transformação da sociedade por quotas em sociedades por acções o interesse que, na perspectiva legislativa, é o principal a atender, superior ao da própria tributação.

Por outro lado, não se vislumbra nesta actuação dos Requerentes, em perfeita sintonia com o desígnio legislativo que se visou atingir com criação de um regime mais favorável de tributação dos detentores de acções, o uso de qualquer meio artificioso ou fraudulento ou abuso de formas jurídicas (como exige a aplicação da cláusula geral antiabuso) já que a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas está expressamente prevista na lei como um meio normal de criação de sociedades deste tipo (artigos 1.º, n. 2, e 130.º do Código das Sociedades Comerciais), inclusivamente no âmbito da tributação do rendimento [artigo 43.º, n.º 6, alínea b), do CIRS]. O que, decerto, constituiria artifício ou fraude legislativa, incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, seria incentivar legislativamente os sujeitos passivos de IRS à criação de sociedades anónimas, através do anúncio da atribuição de uma vantagem fiscal e, uma vez satisfeito o interesse público que se visava com tal incentivo, não lhes reconhecer o direito à vantagem prometida.

Consequentemente, não se verifica uma situação enquadrável no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais, pois ele foi forçosamente dirigido também à criação de uma sociedade anónima, mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais.

A Autoridade Tributária e Aduaneira alega, ainda, que esta interpretação é desconforme com a Constituição, violando o «princípio da capacidade contributiva, da igualdade e neutralidade fiscal» (artigo 163.º da Resposta).

A eventual violação desses princípios apenas poderá emergir da própria diferença de tratamento legal entre a venda de quotas e a venda de acções e não da interpretação que ora se efectua, sobre a não verificação de uma situação de aplicação da cláusula geral antiabuso. Por outro lado, aqueles princípios não representam valores absolutos, não havendo obstáculo constitucional a que eles sejam limitados para prossecução de outros valores constitucionalmente protegidos, como sucede, nomeadamente, com a generalidade das situações em que são concedidos benefícios fiscais. No caso, essa diferença de tratamento, conforme supra se expôs, resulta de um longo e reiterado caminho percorrido pelo legislador, que tem evidenciado a vontade de não tributar essas situações e de privilegiar e promover a adopção de um «modelos de governo das sociedades anónimas». Enquadra-se num quadro legislativo que não se limita, em alusão às alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira, à dinamização do «mercado bolsista» (artigo 165.º e 166.º da Resposta), pois a criação de sociedades anónimas, que são uma forma mais avançada de organização das sociedades comerciais e potenciadora de maior concentração de capital e maior eficiência económica, alinha-se com a primeira das incumbências prioritárias do Estado arroladas no artigo 81.º da CRP, que é a promoção do aumento do bem estar económico e qualidade de vida das pessoas, que pressupõe a criação de riqueza e a adopção de formas de organização das empresas que potenciem.

Em qualquer caso, as alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 126-171 da Resposta), no sentido de completar esta parte da fundamentação do Relatório da Inspecção Tributária não aproveitam a essa mesma fundamentação, uma vez que não é admissível a (ampliação da) fundamentação do acto de liquidação a posteriori.

Na verdade, num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos e deixar de declarar a ilegalidade do concreto acto praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstracta um hipotético acto com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado. ( [34] )

Conclui-se, assim, que, mesmo que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima fosse motivada por razões exclusivamente fiscais, não se estaria perante um acto condenável face ao ordenamento jurídico tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal optou por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de acções.

Uma situação destas, em que o legislador resistiu longamente a eliminar tal regime mantendo uma «lacuna consciente de tributação», não se mostra susceptível de aplicação da cláusula geral antiabuso. E não cabe ao aplicador da lei substituir-se às opções de tributar ou não tributar certas realidades seguidas pelo legislador fiscal.

 

4.3.2.4. Elemento sancionatório

 

Não se tendo demonstrado a verificação cumulativa de todos os requisitos exigidos para aplicação da cláusula geral antiabuso, não há lugar à aplicação da estatuição do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, conducente à ineficácia dos negócios jurídicos no âmbito tributário, contrariamente ao que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4.4. Conclusão

 

Conclui-se, assim, que não se verificam os pressupostos de facto e de direito de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso.

Consequentemente, é ilegal o acto de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida, que tem como pressupostos a verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, por violação do preceituado no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Por isso, tem de ser julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRS n.º 2013… e das liquidações de juros compensatórios n.º 2013 … e n.º 2013…, relativos ao ano de 2009, por enfermarem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

Assim, o pedido formulado pelos Requerentes tem de ser julgado totalmente procedente.

 

5. Juros compensatórios

 

Os Requerentes alegam a «preterição de formalidade legal essencial», por entenderem ter ficado prejudicados ao não lhes ter sido concedido o direito de audição prévia, que lhes seria devido em função da comunicação de novos factos (o «retardamento da liquidação de imposto» e os próprios juros compensatórios), no que respeita à liquidação dos juros compensatórios.

Os Requerentes foram notificados de duas liquidações de juros compensatórios (cfr. documento n.º 1 do pedido de pronúncia arbitral), n.º 2013… e n.º 2013….

O fim dos juros compensatórios é o de reparar os prejuízos causados ao Estado, pela indisponibilidade atempada do respectivo capital resultante do atraso na liquidação do imposto devido imputável ao contribuinte, ou seja um agravamento do respectivo imposto a título indemnizatório. De acordo com o artigo 35.º, n.º 8, da LGT, «os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados».

A notificação da liquidação e demonstração da liquidação de juros (cfr. doc. 1 do pedido de pronúncia arbitral) cumprem integralmente com o disposto no artigo 35.º, n.º 9, da LGT, que determina que a «liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas».

A aplicação da cláusula geral antiabuso (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), embora não acarrete, paralelamente, qualquer consequência criminal ou contra-ordenacional, implica uma brecha na presunção de boa-fé da actuação do sujeito passivo, prevista no artigo 59.º, n.º 2 da LGT. Com efeito, da letra do artigo 38.º, n.º 2 da LGT constam expressões que colidem, claramente, com a noção de uma actuação segunda a boa-fé: «meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas». Como tal, não é de exigir à Administração Tributária uma acrescida fundamentação ( [35] ) relacionada com a imputabilidade do facto tido como abusivo ao sujeito passivo.

A liquidação de juros compensatórios não padece de ilegalidade pela preterição de formalidade essencial de audiência prévia e por não imputação do facto ao sujeito passivo.

Todavia, porque, de acordo com o artigo 35.º, n.º 8 da LGT, «os juros compensatórios [se] integram na própria dívida do imposto» e a liquidação do imposto é anulável por não preenchimento dos pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso, a liquidação de juros compensatórios encontra-se predestinada a acompanhar a dívida principal, pelo que é, também, anulável, já que os vícios que afectam a liquidação do imposto nela se repercutem.

 

6. Suspensão do processo de execução fiscal

 

O pedido de suspensão do processo de execução fiscal formulado pelos Requerentes poderá ter utilidade até ao trânsito em julgado da decisão proferida no presente processo.

No entanto, não tendo os Requerentes prestado garantia nem tendo requerido a sua prestação, não se verificam os respectivos requisitos, pelo que a pretensão referida tem de improceder.

 

7. Responsabilidade por custas

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que os «Requerentes deve[m] ser condenad[os] ao pagamento das custas arbitrais» por entender que, ao «não terem exercido o direito de audição em sede administrativa», estes «deixaram que a decisão de aplicação da CGAA se projectasse na sua esfera jurídica» (artigo 203-205 da Resposta), assim tendo dado causa para efeitos do artigo 527.º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.

Há manifesto equívoco da Autoridade Tributária e Aduaneira ao colocar esta questão.

Na verdade, nos processos em que o sujeito passivo manifesta intenção de designar árbitro, é ele que paga a totalidade da taxa de arbitragem, como decorre do preceituado nos artigo 12.º, n.º 3, e 22.º, n.º 4, do RJAT e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Assim, nada há que decidir sobre esta matéria.

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do Novo CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 292.595,62.

 

9. Decisão

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação adicional de IRS n.º 2013…, da liquidação de juros compensatórios n.º 2013… e n.º 2013…, relativos ao ano de 2009;
  3. Indeferir o pedido de suspensão do processo de execução fiscal.

 

Registe-se e Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de Julho de 2014.

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Paula Rosado Pereira)

 

 

(Maria Manuela Roseiro, com a declaração anexa)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Voto o presente Acórdão, esclarecendo todavia a minha posição face ao teor da fundamentação de decisão anterior, no processo arbitral nº 43/2014-T. 

 

1. Reconheço pertinência às observações da AT contra leituras do nº 2 do artigo 38º da LGT que inviabilizem completamente a aplicação da CGAA, pondo em causa finalidades do sistema jurídico no seu todo, inclusive a realização de princípios constitucionais.

Julgo que a verificação do “elemento normativo” como requisito de aplicação da CGAA – avaliar se o negócio praticado merece um juízo de reprovação pelo Ordenamento Jurídico – não deve legitimar uma interpretação ab-rogante de normas jurídicas vigentes. Negar a aplicação da “cláusula geral anti-abuso” a uma conduta não expressamente proibida por lei (como por vezes parece defendido) parece-me uma interpretação excessivamente restritiva do artigo 38º, nº 2, da LGT que pode conduzir, como defende a AT, a que uma lacuna ou uma disposição menos clara permita construções jurídicas violadoras da teleologia de normas vigentes. 

 

Mas também considero que “É necessário demonstrar que houve um comportamento abusivo para que não tenhamos uma situação digna de tutela jurídica e para que não se coloque em causa o imperativo da tutela da confiança (…) (Saldanha Sanches, in Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, p.190). Por isso decidi no Processo arbitral nº 43/2013 - T, na situação concreta aí em análise, que se a verificação de uma situação de exclusão de tributação fosse suficiente para concluir pelo abuso, correr-se-ia o risco de a prática administrativa acolher uma interpretação da norma anti-abuso que pressupunha uma obrigação geral de os contribuintes fazerem, em cada momento, as opções negociais de que resultasse maior tributação, quando não existe no sistema jurídico uma proibição genérica de optar por uma conduta menos gravosa fiscalmente, quando essa opção não é artificiosa e/ou proibida por lei...

 

Porém, um outro excerto da decisão no Proc. 43/2013-T (…”mesmo que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima fosse motivada por razões exclusivamente fiscais, não se estaria perante um acto condenável face ao ordenamento jurídico tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal optou por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de acções”), deverá ser entendido no enquadramento da situação concreta aí em apreciação. Considero que a fundamentação e análise do presente Acórdão vai mais longe.

 

2. Na avaliação da aplicação da CGAA a um caso concreto de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas, não podemos deixar de ter em conta a evolução legislativa referente à tributação das mais-valias obtidas com a venda das respectivas participações sociais.

Nesta matéria, a incidência do IRS abrange os incrementos patrimoniais, incluindo as mais-valias resultantes de alienação de participações sociais (artigo 1º, nº 1, artigo 9º, nº 1, a) e artigo 10º, nº 1, b) do CIRS), mas outra disposição (nº 2 do art. 10º do CIRS, na redacção aplicável ao caso dos autos) excluía da incidência os ganhos provenientes da alienação de alguns títulos, incluindo acções (alínea a) do nº 2 do artigo 10º, em conjugação com a alínea b) do nº 4 do art. 43º do mesmo Código). Regime que, apesar de posições sucessivamente manifestadas contra a respectiva falta de neutralidade, assim como concretas tentativas de alteração legislativa, foi mantido até à sua revogação pela Lei nº 15/ 2010, de 26 de Julho.

Com efeito, como abundantemente demonstrado no presente acórdão, através da análise da evolução legislativa, a ausência de neutralidade fiscal no tratamento fiscal de acções e quotas manteve-se durante duas décadas, com indícios fortes de que se pretendeu incentivar a transformação de sociedades de quotas em sociedades anónimas, e não apenas com o fim de desenvolver o mercado de capitais não especulativo mas também de alterar os modelos organizativos societários.

 

Assim, ponderando quer a regra geral de incidência quer o regime de exclusão de tributação, considero de subscrever as considerações do presente acórdão no sentido de que não se poderá, em regra, numa situação de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónima, entender que o acto foi essencial ou principalmente dirigido à satisfação de interesse fiscal dos intervenientes, porque “o abuso de formas jurídicas indispensável para viabilizar a aplicação da cláusula geral anti-abuso e a existência de uma intenção contrária ao desígnio legislativo são perscrutáveis em situações em que não possa considerar-se satisfeito aquele interesse público da criação de sociedades anónimas, como, por exemplo, poderá suceder em situações em que a criação da sociedade anónima não é seguida da sua manutenção como realidade económica por um período de tempo apreciável”. (sublinhados meus).

 

No caso dos presentes autos não se provou que a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima tenha tido como objectivo, único ou primacial, a obtenção de vantagem fiscal, pelo que subscrevi o Acórdão sem qualquer reserva e apenas com explicitação da minha posição, pelas razões acima referidas.

 

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 

 



[1]              Cfr. AcSTA de 04-06-2008, processo n.º 0247/08.

[2]              Cfr. Andrade, Manuel de, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1976, p. 198: «Qual a certeza em que [...] terá de converter-se o non liquet do juiz? Qual há-de ser o sentido da sua decisão? Contra quem deverá pronunciar-se? Aqui é que intervém a regra (ou regras) do ónus da prova, que se reconduz, portanto, a uma regra de decisão».

[3]              Cfr. Andrade, Manuel de, Noções Elementares... pp. 195-196, que afirma que «o onus probandi respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo critérios. Traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte)».

[4]              Cfr. Martins, Elisabete Louro, O Ónus da Prova no Direito Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 79.

[5]              Cfr. Marques, Paulo, Elogio do Imposto - A Relação do Estado com os Contribuintes, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 97.

[6]              Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-03-2014, processo n.º 07267/13: «O artigo 100, n.º 1, do CPPT, constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal. Tal princípio leva a que o interesse substancial da justiça domine o actual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado. Este princípio consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Cânone este também aplicável ao processo judicial tributário. Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus».

                Esta jurisprudência está na linha dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-02-2011, processo n.º 0871/10, e de 13-10-2010, processo n.º 0218/10.

[7]              Cfr. Diogo Leite de; Rodrigues, Benjamim Silva e Sousa, Jorge Lopes de, LGT - Anotada e Comentada, pp. 658-659.

[8]Cfr. Martins, Elisabete Louro, O Ónus de Prova... p. 79.

[9]Cfr. Canotilho, J. J. Gomes, Cláusulas de rigor e Direito Constitucional, «Revista de Legislação e de Jurisprudência», n.º 3971, Ano 141.º, Nov/Dez 2011, pp. 70-91, p. 89: «Se os procedimentos são complexos, o apelo a cláusulas antiabuso deterministicamente decretadas por lei pode não ser (não será certamente!) o melhor meio de responder à crescente dinâmica, pluralidade e reversibilidade dos problemas. Em vez disso, a normatividade procedural, aglutinadora de informação, comunicação e conhecimento, está mais perto dos objectivos de direcção e controlo do sistema fiscal. […] Embora [a] determinação dos pressupostos de facto seja uma tarefa da administração, isso não significa que não possa haver direitos mesmo deveres de participação e como elemento cooperativo do procedimento administrativo fiscal». Cfr. ainda Rocha, Joaquim Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 96, que frisa «esta[r]mos a falar de um verdadeiro dever de cooperar e não de uma mera faculdade que simplesmente esteja na disponibilidade do sujeito em questão», como decorre das «diversas consequências que o ordenamento jurídico faz desencadear quanto tal colaboração, sendo exigida ou exigível, não é prestada».

[10]            Cfr. Loureiro, João Carlos Simões Gonçalves, O Procedimento Administrativo entre a eficiência e a garantia dos particulares (algumas considerações), «Stvdia Ivridica - Boletim da Faculdade de Direito (Universidade de Coimbra)», Vol. n.º 13, 1995, p. 143.

[11]Na expressão de Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio da legalidade, nas suas várias valências, aponta inclusive para um princípio mais abrangente, que denominam de “princípio da juridicidade da administração”, uma vez que, “todo o direito [...] serve de fundamento e é pressuposto da actividade da Administração”. Um princípio que abarca, precisamente, as noções de prevalência da lei (princípio da legalidade negativo) e de precedência de lei (princípio da legalidade positivo). Cfr. Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 798 e 799.

[12]Cfr. Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2011, p. 50.

[13]Cfr. Martins, Elisabete Louro, O Ónus de Prova... p. 80. Na sua expressão: «A regra de non liquet que justifica que a dúvida seja valorada a favor do sujeito passivo só poderá ser aplicada numa situação em que a dúvida fundada não resulta do facto de uma das partes não ter logrado provar os factos que lhe cabia provar por pura inércia, devendo resultar apenas do facto de das provas produzidas resultar um dúvida insanável que não permita julgar a causa a favor de qualquer uma das partes». Neste sentido, cfr. também, designadamente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09-06-2009, processo n.º 02771/08, no qual se afirma que «o impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e a quantificação do acto tributário».

[14]Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 21.

[15]Cfr. AcTCAS de 12-02-2011, proc. n.º 04255/10.

[16]Cfr. Jónatas Machado e Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 340-341.

[17]Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 181.

[18]Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 21-23; ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[19]Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 49-50, que afirma, a este respeito: «a consagração da cláusula geral antiabuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...] a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais». Cfr., também, Marques, Paulo, Elogio do Imposto, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 360-364.

[20]Ou seja, a uma «actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula Geral Antiabuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2009, pp.15-17 e 163-165; bem como Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-02-2011, proc. n.º 04255/10, conclusões XIII e XIV).

[21]Como decorre da seguinte parte do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos».

[22]Tal decorre do seguinte segmento do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios». Decorre ainda do artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que exigem que a Administração Tributária inclua na sua fundamentação, respectivamente, «a descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam» e «a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais».

[23]Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 180.

[24]Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 211.

[25]Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 165. Identicamente, Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 170, que aponta uma «relação de conexão e interdependência em relação aos requisitos exigidos pela lei».

[26]Cfr. Leite de Campos, Diogo, e Costa Andrade, João, Autonomia Contratual e Direito Tributário, A norma geral anti-elisão, Almedina, Coimbra, 2008, p. 82.

[27]«Quer os actos jurídicos, quer os negócios jurídicos, podem surgir isolados (adaptados à obtenção da utilidade económica e da vantagem fiscal), ou, naquela que é a hipótese porventura mais comum, formar um conjunto – conjunto de actos ou conjunto de negócios. Para tal, deverão formar uma unidade lógica, sequencial e indivisível a tal dirigida – uma estrutura [...]. A doutrina e a jurisprudência britânica [...] apurou a verificação dessa unidade quando – step-by-step doctrine – no momento da realização do primeiro acto, será pouco razoável admitir que outros não se lhe seguirão forçosamente, de modo a completá-lo, e assim obtendo a vantagem fiscal visada e o fim económico acautelado» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula…, pp. 166-167).

[28]Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula…, pp. 166-167)

[29]Cfr. Sousa, Luís Filipe Pires de, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2012, p. 45-46 e 131, segundo o qual, a verosimilhança corresponde ao id quod plerumque accidit, ou seja, a um princípio de normalidade, segundo o qual «os factos não se encontram isolados, mas relacionados entre si, seja por relações de causa-efeito seja por uma ordem lógica e regular».

[30]Cfr. Fonseca, Isabel Celeste M., Processo Temporalmente Justo e Urgência - Contributo para a autonomização da categoria da tutela jurisdicional de urgência na justiça administrativa, Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Tese de Doutoramento, 2006, pp. 782-783.

[31]Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 180.

[32]Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 180-181.

[33]Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 182.

[34]Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

     –        de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;

     –        de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de  10-2-2004, página 4289;

     –        de 09/10/2002, processo n.º 600/02;

     –        de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

     –        MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;  

     –        MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

[35]Cfr. AcSTA de 07-01-2009, processo n.º 871/08: «a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação para algum documento anexo».