Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 526/2022-T
Data da decisão: 2023-09-15  IRS  
Valor do pedido: € 62.641,72
Tema: IRS. Regime simplificado - Artigo 31.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código do IRS. Enquadramento da atividade de comentador político / desportivo vs atividade de repórter/jornalista.
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SUMÁRIO

  1. No âmbito do regime simplificado de IRS, apenas os rendimentos das atividades especificadamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS estão abrangidos pelo coeficiente de 0,75 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS. As atividades enquadradas como “outras atividades exclusivamente de prestação de serviços” são abrangidas pelo coeficiente de 0,35 previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.

 

  1. A atividade de comentador político e desportivo em programas de televisão, rádio e jornais não se encontra expressamente enunciada na tabela referida no artigo 151.º do Código do IRS, ao contrário do que sucede com a atividade de repórter/jornalista.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Professor Doutor Luís Menezes Leitão e Professor Doutor João Pedro Rodrigues (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral constituído em 15 de novembro de 2022, acordam no seguinte:

I. Relatório

 

 

1. A..., com o número de identificação fiscal..., residente na ... n.º ..., ..., ...-... Lisboa (“Requerente”), veio, em 1 de setembro de 2022, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, ou “RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista à apreciação da legalidade das liquidações de IRS n.ºs 2022..., de 30 de abril de 2022, referente ao ano de 2018, no montante de € 26.532,60, 2022..., de 30 de abril de 2022, referente ao ano de 2019, no montante de € 26.560,02, e 2022..., de 30 de abril de 2022, referente ao ano de 2020, no montante de € 23.838,66 (conjuntamente designadas por “Liquidações Contestadas”), e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 62.641,72, peticionando (i) a respetiva anulação, com a consequente restituição do imposto e dos juros compensatórios indevidamente pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios legalmente devidos, (ii) o reconhecimento do direito do Requerente a indemnização pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia destinada a suspender processo de execução fiscal decorrente das Liquidações Contestadas; e (iii) a condenação da Requerida/AT no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

 

2. O pedido de constituição foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 5 de setembro de 2022, tendo seguido a sua normal tramitação.

O Tribunal foi constituído no dia 15 de novembro de 2022.

A AT respondeu em 14 de dezembro de 2022, por impugnação, defendendo a improcedência do pedido, e juntado o Processo Administrativo.

A reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT foi realizada no dia 31 de janeiro de 2023, tendo aí sido tomadas declarações de parte e inquiridas as seguintes testemunhas arroladas pelo Requerente:

-B..., jornalista e diretor da ... (“Testemunha A”);

-C..., jornalista, diretora da ... e comentadora na ... (“Testemunha B”);

- D..., contabilista (“Testemunha C”).

O legal representante do Requerente requereu a junção aos autos da garantia (hipoteca) e dos documentos comprovativos dos respetivos encargos, à qual a Requerida não se opôs, tendo sido deferida pelo Tribunal Arbitral. O Tribunal Arbitral notificou as Partes para produzirem alegações escritas no prazo de 10 dias.

O Requerida e o Requerente produziram alegações em 9 e 10 de fevereiro de 2023, respetivamente, reiterando as posições manifestadas nos articulados iniciais.

Por Despacho do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico de 27 de abril de 2023, o Exmo. Professor Doutor Leonardo Marques dos Santos foi substituído pelo Exmo. Professor Doutor João Pedro Rodrigues, na qualidade de vogal do coletivo.

O prazo para prolação da decisão arbitral contido no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT foi prorrogado pelo Tribunal Arbitral, por dois meses, com fundamento na substituição de um dos árbitros do coletivo, em 2 de maio de 2023 e em 11 de julho de 2023.

 

II. Saneamento

 

3. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 10.º, n.º 1, do RJAT.

O PPA apresentado pelo Requerente em 1 de setembro 2022 é tempestivo, porquanto foi apresentado no prazo de 90 dias referido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar do dia seguinte ao termo do prazo para pagamento voluntário das Liquidações Contestadas, ou seja, do dia 21 de junho de 2022 (Cf. artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).

É admitida a cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, sempre que, como é o caso, “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades, nem existindo obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. Matéria de facto

 

4. Matéria de facto

4.1. Factos Provados

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

4.1.1. O Requerente exerce atividade regular de comentador político e desportivo em diversos órgãos de comunicação social de imprensa escrita, rádio e televisão. – Cf. Testemunhas A e B.

4.1.2. No período relevante para os autos, o Requerente prestou os seguintes serviços:

- Em 2018, 2019 e 2020, serviços como comentador político ou desportivo às seguintes entidades: E..., S.A.; F..., Lda.; G..., S.A.; H..., Lda.; I..., S.A.; J..., Lda; K..., S.A.;

- Em 2018, serviços de “consultadoria de gestão” à sociedade L..., Unipessoal, Lda.;

- Em 2018 e 2020, serviços como orador à editora de livros M..., Unipessoal, Lda. – Cf. Testemunhas A e B, depoimento de parte, e Documento 11 junto ao PPA.

4.1.3. Estas prestações de serviços não se encontram suportadas em contratos escritos. – Cf. Testemunhas B e C, e depoimento de parte.

4.1.4. O Requerente nunca exerceu a atividade de jornalismo e não tem carteira profissional de jornalista, não reunindo as condições legalmente exigidas para o exercício da atividade de jornalista/repórter. – Cf. Testemunhas A e B, e depoimento de parte.

4.1.5. O Requerente, na qualidade de sujeito passivo de IRS residente em Portugal, obteve, nos anos de 2018, 2019 e 2020, rendimentos profissionais enquadrados da categoria B. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.6. O Requerente encontra-se abrangido pelo regime simplificado de IRS, estando inscrito, desde 6 de outubro de 2016, com o CAE principal 1519 – “Outros prestadores de serviços”. – Cf. Documento n.º 12 junto ao PPA.

4.1.7. Nas declarações periódicas de IRS que apresentou relativas aos anos de 2018 e 2019, o Requerente declarou rendimentos da categoria B, no Anexo B, quadro 4A, campo 404, no valor de € 97.965,04 e € 79.850,00, respetivamente. – Cf. Declarações Modelo 3 do IRS n.ºs ...-2018-... (2018) e ... (2019) juntas ao PPA como Documentos n.ºs 1 e 3.

4.1.8. Dessas declarações resultaram as liquidações de IRS n.ºs 2019... de 7 de agosto de 2019, referente ao ano de 2018, com valor a pagar de € 5.008,28, e 2020... de 18 de setembro 2020, referente ao ano de 2019, com valor a pagar de € 9.281,37. – Cf. Documentos n.ºs 2 e 4 juntos ao PPA.

4.1.9. Relativamente ao ano de 2020, o Requerente apresentou a primeira Declaração Modelo 3 de IRS do ano (com o n.º ... – 2020 –...), com rendimentos da categoria B no valor de € 82.162,50, a primeira declaração de substituição (com o n.º ...-2020-...), com rendimentos da categoria B no valor de € 82.162,50, e uma segunda declaração de substituição (com o n.º ... - 2020 –...), também com rendimentos da categoria B no valor de € 82.162,50. – Cf. Documentos n.ºs 5, 6 e 7 juntos ao PPA.

4.1.10. Destas declarações relativas ao período de 2020 resultaram as liquidações de IRS n.ºs 2021..., com valor a pagar de € 7.105,51 (efetivamente pago), e 2021..., com valor a pagar de € 50.748,65 (que se encontra por pagar). – Cf. Documentos n.ºs 8 e 9 juntos ao PPA.

4.1.11. O Serviço de Finanças de Lisboa ... remeteu, para o endereço postal do Requerente, uma carta registada com o n.º de registo CTT RF...PT contendo o Ofício n.º..., datado de 17 de novembro de 2021, com referência ao IRS de 2020, notificando o Requerente para exercício do direito de audição prévia relativamente às seguintes incorreções detetadas na Declaração Modelo 3 de IRS:

 

“Projeta-se corrigir mod/3, quanto aos seguint. anexos:

B – alterar rend. do campo 404 p/ o campo 403 – não foram apres, contratos das prest. de serviços;

E – incluir a totalidade dos rend. de capitais, face à opção declarativa;

G/J – declarar alienação de prod. Financeiros, cf inf Abanca Corporación Bancaria, S.A.”. – Cf. Processo Administrativo.

 

4.1.12. O Serviço de Finanças de Lisboa ... remeteu ao Requerente o Ofício n.º ..., datado de 4 de fevereiro de 2022, com referência ao IRS de 2018 e 2019, através de carta registada com aviso de receção com o n.º de registo CTT RM...PT, tendo a referida carta sido devolvida, com a menção “Objeto não reclamado”, no dia 17 de fevereiro de 2022. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.13. O Serviço de Finanças de Lisboa ... remeteu ao Requerente o Ofício n.º ..., datado de 28 de fevereiro de 2022, com referência ao IRS de 2018 e 2019, através de carta registada com aviso de receção com o n.º de registo CTT RM...PT, tendo a referida a carta sido devolvida, com a menção “Objeto não reclamado”, no dia 14 de março de 2022. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.14. Dos ofícios referidos em 4.1.12 e 4.1.13 constava o seguinte conteúdo:

 

“Assunto: IRS 2018 e 2019 – Rendimento Categoria B

Fica por este meio notificado, nos termos dos n.º 4 do art.º 65.º conjugado com o n.º 1 do art.º 66.º ambos do CIRS, para no prazo de 15 dias, contados a partir da data da assinatura do aviso de receção, apresentar declaração de substituição mod. 3 de IRS dos anos 2018 e 2019, com as seguintes alterações:

ANEXO B:

O rendimento inserido no campo 404 deverá ser colocado no campo 403, por não terem sido apresentados até à presente data, os respetivos contratos de prestação de serviços, não sendo possível enquadrar a atividade profissional de que provem o rendimento na definição genérica e residual do código de atividade do CIRS-1519.

FUNDAMENTAÇÃO:

Estão abrangidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, os rendimentos provenientes das prestações de serviços de atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não incluindo o código “1519 Outros prestadores de serviços” dado este código não explicitar uma atividade profissional específica, independentemente da atividade estar classificada de acordo com os códigos das atividades especificamente mencionados na tabela de atividade aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, ou de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística.

Mais fica notificado para, no prazo supra referido exercer, querendo, o Direito de Audição Prévia previsto nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo D.L. 413/98 de 31 de dezembro. O referido direito, a ser exercido, deverá sê-lo por escrito, remetendo para o efeito o articulado para este Serviço de Finanças.

Decorrido o supra indicado, sem qualquer resposta e mantendo-se o incumprimento, será elaborada uma declaração oficiosa, apurado o imposto que se mostrar em falta, sendo de acrescer os juros devidos e instaurado procedimento contraordenacional para exigência da coima devida”. – Cf. Processo Administrativo.

 

4.1.15. O Serviço de Finanças de Lisboa ... remeteu ao Requerente o Ofício n.º..., datado de 4 de fevereiro de 2022, referente ao IRS de 2020, através de carta registada com aviso de receção com o n.º de registo CTT RM...PT, tendo a mesma sido devolvida no dia 17 de fevereiro de 2022 com a menção “objeto não reclamado”. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.16. O Serviço de Finanças de Lisboa ... remeteu ao Requerente o Ofício n.º..., datado de 28 de fevereiro de 2022, referente ao IRS de 2020, através de carta registada com aviso de receção com o n.º de registo CTT RM...PT, tendo a mesmo sido devolvida no dia 14 de março de 2022 com a menção “objeto não reclamado”. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.17. Entre o mais, constava dos ofícios referidos em 4.1.15 e 4.1.16 a seguinte menção:

 

“Assunto: IRS 2020 – Fundamentação

Fica por este meio notificado, nos termos do artigo 66.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), que apesar de notificado nos termos do art.º 60.º da LGT através do ofício ... de 17/11/2021, não exerceu o direito de audição prévia, tendo no entanto, apresentado a declaração de substituição n.º ...-2020-... em 03/12/2021, que não corresponde ao projeto de decisão, tornando-se, assim, definitivo no sentido de:

            1 – Anexo B – quadro 04A – o rendimento inserido no campo 404 será colocado no campo 403, por não terem sido apresentados, até à presente data, os respetivos contratos de prestação de serviços, não sendo possível enquadrar a atividade profissional de que provém o rendimento na definição genérica e residual do código de atividade do CIRS – 1519 (...)”. – Cf. Processo Administrativo.

 

           

4.1.18. Em 11 de abril de 2022, no âmbito da Ordem de Serviço n.º 2022..., a Direção de Serviços dos Impostos sobre o Rendimento da Direção de Finanças de Lisboa, emitiu um “Documento de Correção Único” relativo ao ano de 2018 (com o n.º ...), inscrevendo no campo 403 do quadro 4A, do Anexo B, o valor de € 97.965,04. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.19. Em 11 de abril de 2022, no âmbito da Ordem de Serviço n.º 2022..., a Direção de Serviços dos Impostos sobre o Rendimento da Direção de Finanças de Lisboa, emitiu um “Documento de Correção Único” relativo ao ano de 2019 (com o n.º ...), inscrevendo no campo 403 do quadro 4A, do Anexo B, o valor de € 79.850,00. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.20. Em 12 de abril de 2022, no âmbito da Ordem de Serviço n.º 2022..., a Direção de Serviços dos Impostos sobre o Rendimento da Direção de Finanças de Lisboa, emitiu um “Documento de Correção Único” relativo ao ano de 2020 (com o n.º ...), inscrevendo no campo 403 do quadro 4A, do Anexo B, o valor de € 82.162,50. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.21. Nestas declarações oficiosas de correção relativas aos anos de 2018, 2019 e 2020, manteve-se o “Código da tabela de atividades – art.º 151.º do CIRS” n.º 1519 que fora declarado pelo sujeito passivo. – Cf. Processo Administrativo.

4.1.22. Em 30 de abril de 2022, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2022..., relativa ao período de 2018, de que resultou um valor de imposto a pagar de € 26.532,69, com data limite de pagamento em 20 de junho de 2022, apurado de acordo com a seguinte “nota demonstrativa”:

 

– Cf. Documento n.º 10 junto ao PPA.

4.1.23. Em 30 de abril de 2022, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2019, de que resultou um valor de imposto a pagar de € 26.560,02, com data limite de pagamento em 20 de junho de 2022, apurado de acordo com a seguinte “nota demonstrativa”:

 

– Cf. Documento n.º 10 junto ao PPA.

4.1.24. Em 30 de abril de 2022, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2020, de que resultou um valor de imposto a pagar de € 23.838,66, apurado de acordo com a seguinte “nota demonstrativa”:

 

– Cf. Documento n.º 10 junto ao PPA.

4.1.25. Relativamente aos períodos de 2018, 2019 e 2020, foram liquidados juros compensatórios no valor de € 2.230,19, € 1.259,01 e € 281,25, respetivamente. – Cf. Documento n.º 10 junto ao PPA.

4.1.26. Os valores a pagar foram apurados de acordo com as seguintes notas de compensação, datadas de 3 de maio de 2022:

 

 

 

            – Cf. Documento n.º 10 junto ao PPA.

4.1.27. Em 27 de julho de 2022, o Requerente pagou o montante de € 17.440,75 no âmbito de processo de execução fiscal – Cf. Documento 14 junto ao PPA.

4.1.28. Em 1 de setembro de 2022, o Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos.

4.1.29. Em 16 de setembro de 2022, foi constituída uma hipoteca voluntária unilateral, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2022..., para garantia do pagamento do valor do imposto devido relativamente aos períodos de 2018 e 2019, tendo sido suportados os montantes de € 225,00, com encargos com o registo, e € 609,46, com encargos notariais e impostos – Cf. Documentos juntos pelo Requerente em 31 de janeiro de 2023.

4.2. Factos não provados

4.2.1. Não se provou que as liquidações de IRS de 2018, 2019 e 2020 foram emitidas sem que fosse dada oportunidade ao Requerente para exercer o seu direito de audição prévia (Cf. alegado pelo Requerente no artigo 26.º do PPA).

4.2.2. Não se provou que a totalidade dos rendimentos profissionais auferidos pelo Requerente no ano de 2018 tivessem origem no exercício da atividade de comentador político ou desportivo.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto

Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1, e 607.º, n.ºs 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal Arbitral o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão arbitral, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão do Requerente.

No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos, bem como na prova testemunhal e nas declarações de parte produzidas na reunião realizada em 31 de janeiro de 2023 ao abrigo do artigo 18.º do RJAT. Para além disso, a decisão da matéria de facto baseou-se no alegado pelo Requerente que não foi questionado ou controvertido pela AT.

No que concerne à prova testemunhal, assinala-se que as testemunhas depuseram de forma isenta, revelando conhecimento dos factos, designadamente da atividade do Requerente, do contexto da atividade de comentador, e respetivas diferenças relativamente à atividade de repórter/jornalista. Foram valoradas as declarações de parte que se mostraram corroboradas por outros meios de prova.

Os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte confirmaram que o Requerente (i) exerce uma atividade de comentador político e desportivo em diversos órgãos de comunicação social; (ii) não tem carteira profissional, nem nunca exerceu a atividade de repórter/jornalista; (iii) prestou serviços de “consultoria de gestão”, interveio como orador numa palestra sobre assuntos de política geral, e em atividades promovidas por uma editora de livros.

Quanto ao facto de inexistirem contratos escritos, o contexto específico da atividade de comentador, e o interesse tanto dos prestadores de serviços como das entidades contratantes em manter uma ampla liberdade para, sem mais, terminar a prestação de serviços, tornam credível a inexistência dos mesmos contratos escritos. Como foi explicitado pela Testemunha B é comum que os serviços em apreço sejam meramente “apalavrados” e por convite, o que corrobora o depoimento da Testemunha C e as declarações de parte.

Relativamente à factualidade dada por não provada, quanto ao ponto 4.2.1., o juízo do Tribunal Arbitral assentou na documentação junta pela Requerida em sede de Processo Administrativo, da qual resulta terem sido expedidas, no decorrer dos anos de 2021 e 2022, em momento anterior à emissão das Liquidações Contestadas, cartas registadas com aviso de receção para o domicílio do Requerente, informando-o do seu direito de audição prévia relativamente ao seu IRS de 2018, 2019 e 2020.

No que concerne ao ponto 4.2.2., a prova documental junta pelo Requerente com a indicação das sociedades para as quais os serviços foram prestados, conjugada com as declarações de parte, confirmam a existência de rendimentos resultantes de outras atividades profissionais que não a de comentário político ou desportivo.

 

IV. Matéria de direito

 

5. Matéria de direito

5.1. Questões decidendas

Cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar a legalidade das Liquidações Contestadas (relativas aos anos de 2018, 2019 e 2020), e respetivos juros compensatórios, a que o Requerente imputa vícios de forma (designadamente, a falta de fundamentação e a violação do direito de audição), erro nos pressupostos de facto e violação de lei.

Relativamente ao vício de violação de lei, a questão a decidir traduz-se em determinar qual o coeficiente do regime simplificado de IRS aplicável às atividades de prestação de serviços exercidas pelo sujeito passivo, designadamente enquanto comentador político e desportivo: se 0,75 (tal como previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS), ou 0,35 (tal como previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS)

Por fim, o Requerente peticiona (i) a restituição do imposto indevidamente pago (relativamente ao ano de 2020), acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos, (ii) uma indemnização pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia bancária, e (iii) a condenação da Requerida/AT no pagamento da taxa arbitral e demais encargos. Cumpre apreciar.

 

5.2.  Ordem de conhecimento dos vícios

O Requerente sustenta o pedido de anulação das Liquidações Contestadas num conjunto de diferentes vícios. Quando tal ocorre, o artigo 124.º do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, uma mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos e não exista uma relação de subsidiariedade entre os vícios invocados.

Apesar de a tutela mais estável e eficaz dos interesses do Requerente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais (ou de fundo) em relação aos vícios de forma (designadamente, o vício de falta de fundamentação, que não impede a renovação do ato), deve considerar-se que a falta de fundamentação pode acarretar um equívoco enquadramento factual e jurídico, afetando a correção da análise dos vícios substanciais, razão pela qual o Tribunal Arbitral considerará primeiramente este vício formal.

Esta posição está em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, entre muitos outros, se encontra vertida no Acórdão de 18 de maio de 2016, proferido no processo n.º 0100/16, onde se refere que “também a jurisprudência desta Secção do STA tem acentuado que deve conhecer-se em primeiro lugar dos vícios de violação de lei (stricto sensu), salvo nos casos em que não possa apreender-se o conteúdo do acto, nomeadamente no caso de falta de fundamentação - cfr., entre outros, os acs. desta Secção do STA, de 22/9/1994, proc. n.º 32.702; de 7/2/1996, proc. n.º 15.887; de 23/4/1997, proc. n.º 35.367; de 22/3/2006, proc. n.º 0916/04; de 24/1/2007, proc. n.º 0939/06; de 18/9/2008, proc. n.º 0437/2008; de 7/12/2010, proc. n.º 0569/10; de 6/7/2011, proc. n.º 355/2011; e de 7/9/2011, proc. n.º 023/11”.

 

5.3. Falta de fundamentação das Liquidações Contestadas

Considera o Requerente que as liquidações em causa “são totalmente desprovidas de fundamentação”, por delas não constar a respetiva fundamentação de facto e de direito, muito menos as operações de cálculo e apuramento que lhes estarão subjacentes, designadamente quanto aos acréscimos ao rendimento tributável e aos juros compensatórios que foram liquidados.

Vejamos.

As exigências de fundamentação dos atos e decisões tributárias constam do artigo 77.º da LGT, que corresponde a uma densificação normativa da injunção constitucional proclamada no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, sendo de acentuar que a fundamentação, na sua expressão nuclear, tem de ser expressa e acessível quando afete direitos e interesses legalmente protegidos. É pela função que cumpre, ou pelos objetivos que deve satisfazer, que se afere, em cada tipo de situação jurídico-factual, a exigência e grau de densidade da “enunciação contextual, expressa, dos motivos de facto e de direito com base nos quais a administração se decidiu praticar o concreto ato administrativo nos precisos termos em que o fez” e a sua apreensibilidade cognitiva por parte do titular dos direitos afetados (Cf. neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/2008).

A fundamentação é consubstanciada pelo discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa. Nesta perspetiva, estamos perante uma externação formal das razões de facto e de direito que devem ser contemporâneas ou coetâneas da decisão administrativa e constituintes da mesma, não podendo considerar-se como legítimas todas aquelas que, ainda que porventura, com um propósito integrador do sentido da sua anterior declaração, apenas sejam produzidas e invocadas posteriormente. Numa formulação que traduz apenas a síntese do que a doutrina mais autorizada escreveu sobre a matéria, pode repetir-se que a fundamentação se consubstancia num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do ato, as razões “justificantes” e “justificativas” - sob o ponto de vista formal - da concreta decisão administrativa.

In casu, importa notar que as liquidações em causa surgem como consequência da correção oficiosa das declarações de IRS do Requerente, traduzida na substituição do campo em que se inscreveram os valores declarados pelo sujeito passivo, em concreto do campo 404 do quadro 4A do anexo B da declaração de IRS para o campo 403 do mesmo quadro, em virtude do entendimento da AT de que as prestações de serviços em causa se subsumem na hipótese prevista no artigo 31.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS e não na alínea c) de tal preceito.

Ora, nos casos em que a AT proceda à alteração dos elementos declarados, ex vi o disposto no artigo 65.º do Código do IRS, existe uma disposição legal específica que impõe a fundamentação desses atos de alteração. Nesse sentido, dispõe-se no artigo 66.º, n.º 2, do Código do IRS, que tal fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação.

No caso sub judice, entende o Tribunal que esta fundamentação existiu. Tanto as correções/alterações relativas a 2018 e 2019, como as relativas a 2020, se encontram justificadas, na medida em que se explicitam as razões que justificam o agir administrativo. Dos ofícios que a AT remeteu ao Requerido constam referências expressas ao regime legal que autoriza a AT a promover alterações às declarações de IRS e, bem assim, os motivos pelos quais se procedeu às referidas correções.

Questão diferente concerne à bondade material dos fundamentos aduzidos, mas esse já não é um problema que possa ser equacionado neste âmbito específico de conhecimento do Tribunal.

Encontrando-se justificadas as alterações oficiosamente introduzidas nas declarações de rendimentos apresentadas pelo sujeito passivo, compreende-se que as liquidações subsequentes possam sintetizar-se na apresentação dos valores essencialmente determinantes do imposto a pagar, nos termos de notas demonstrativas das liquidações de IRS, como as que foram notificadas ao Requerente, porquanto, com exceção das alterações autonomamente fundamentadas, os demais valores são os que resultam das declarações periódicas submetidas pelo sujeito passivo.

Assim, improcede o vício de falta de fundamentação imputado às Liquidações Contestadas.

 

5.4. Falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios

Não assim, todavia, quanto às liquidações de juros compensatórios.

Conforme refere o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no processo n.º 0619/11, em 30 de novembro de 2011:

 

“II – A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.

III – Se a declaração fundamentadora da liquidação de juros compensatórios não refere esses elementos, esse acto enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.”

 

In casu, nas liquidações de juros compensatórios em apreço apenas se refere o valor apurado, não se mencionando sequer a norma legal de suporte da atuação administrativa, ou qualquer outra informação que a tenha justificado. Nesta parte, relativamente às liquidações de juros compensatórios, procede o alegado vício de falta de fundamentação.

 

 

5.5. Violação do direito de audição prévia

O Requerente imputa também aos atos impugnados o vício de preterição de formalidades legais considerando a AT não lhe deu oportunidade para exercer o seu direito de audição prévia.

Tal como resulta dos factos provados, o Requerente foi notificado, através de carta registada com aviso de receção, das alterações a introduzir nas suas declarações de rendimentos relativas aos anos de 2018 e 2019 e, após a devolução daquelas com a menção de “objeto não reclamado”, foi remetida uma segunda notificação, pela mesma via, que também foi devolvida ao remetente com menção de “objeto não reclamado”. Quanto aos rendimentos de 2020, o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição através de carta com registo simples.

Dispõe o artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe “Princípio da participação”:

 

            “1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

 

Decorre do n.º 4 deste preceito que o direito de audição deve ser exercido em prazo a fixar pela administração em carta registada a enviar para o domicílio fiscal do contribuinte.

Não subsistem dúvidas de que tal determinação foi cumprida, sendo que, quanto aos anos de 2018 e 2019, foi inclusivamente seguido o procedimento previsto no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT, sem que tivesse sido posta em causa a presunção de notificação e, quanto ao ano de 2020, a atuação subsequente à notificação, com a entrega da primeira declaração de substituição, evidencia o conhecimento do teor do ofício que também notificou o Requerente para exercer o direito que aqui colocou em crise.

Consequentemente, improcede, in totum, o alegado quanto à violação da audição prévia.

 

5.6. Vício de violação de lei

De acordo com o referido no ponto 5.2. supra, cumpre agora tomar conhecimento do vício de violação de lei, tratando da questão de saber se os rendimentos declarados pelo Requerente são subsumíveis na alínea b) ou na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.

Na sua redação originária, a determinação da matéria tributável no âmbito do regime simplificado estava associada à aplicação dos indicadores objetivos de atividade de base técnico-cientítica, cuja entrada em cena no sistema fiscal português foi anunciada nos artigos 87.º, alínea c), e 89.º da LGT. Com esse regime, o legislador apontava a uma predeterminação da matéria tributável, construída sob as vestes de um rendimento normal que se substituía ao rendimento efetivamente obtido pelo sujeito passivo.

A inexistência desses indicadores e a vontade de promover uma simplificação da determinação dos rendimentos líquidos da categoria B levaram o legislador à criação de um regime transitório no âmbito do qual tais rendimentos seriam determinados por aplicação de coeficientes. Assim, enquanto que no artigo 31.º, n.º 1, do Código do IRS, o legislador dispunha que “[a] determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objetivos de base técnico-científica para os diferentes sectores de atividade”, no n.º 2 esclarecia-se que “[a]té à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,65 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção, com o montante mínimo igual a (euro) 3125”.

Esta construção manteve-se até à reforma da tributação das pessoas singulares promovida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, a partir da qual deixou de prever-se a determinação simplificada com base em indicadores e a “conversão” em modelo próprio do outrora “transitório” regime simplificado, desenvolvendo-se o elenco dos coeficientes previstos.

Significa esta evolução que o legislador deixou de ter a pretensão de determinar globalmente o rendimento tributável de acordo com uma predeterminação normativa e limitou a relevância do regime simplificado à componente negativa da matéria tributável em que os custos são parametrizados por interferência de um coeficiente aplicável ao valor ilíquido dos rendimentos: não se trata, aqui, de estabelecer um limite à relevância de custos realmente verificados, nem de limitar qualitativamente os gastos suscetíveis de relevarem como tal, mas apenas de fixar invariavelmente através de um coeficiente a componente negativa do rendimento tributável numa relação percentual face aos rendimentos ilíquidos obtidos – Cf., sobre a predeterminação de custos, Loris Tosi, Le predeterminazioni normative nell’imposizione reddituale – Contributo alla trattazione sistematica dell’imposizione su basi forfettarie, Milão, 1999, pp. 174-220.

Enquanto elementos de determinação do rendimento líquido, e não obstante o regime simplificado não ter natureza obrigatória, os coeficientes devem ser estabelecidos com base numa racionalidade que considere a sua adequação finalística e funcional, designadamente, fazendo variar o seu valor consoante a tipologia de rendimentos em função da sua origem uma vez que, de acordo com o il quod plerumque accidit, o peso dos custos na obtenção do rendimento não será similar em todas as atividades geradoras de rendimentos da categoria B.

Essa preocupação esteve logo presente na construção inicial do regime, distinguindo-se entre as vendas de mercadorias e os serviços prestados no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, a que se aplicava o coeficiente 0,20, e os demais rendimentos aos quais se aplicaria o coeficiente 0,65.

Em momentos sucessivos, o legislador afinou ainda mais a dinâmica dos coeficientes, diferenciando entre diferentes tipologias de rendimentos. No caso dos rendimentos decorrentes de prestações de serviços, o legislador, para além das prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, com exceção do alojamento local, considerou de forma diferenciada os rendimentos “das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”, aos quais se aplica o coeficiente 0,75 (Cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS), e rendimentos de outras prestações de serviços, “não previstos nas alíneas anteriores”, para os quais se encontra previsto o coeficiente 0,35 (Cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS), tornando necessária a disquisição do sentido normativo dos preceitos em causa quanto à qualificação e integração dos rendimentos nas referidas alíneas.

Esta questão está longe de constituir uma questão nova. Neste mesmo CAAD, a jurisprudência arbitral já o considerou em diversas ocasiões. Entre muitas outras, mencionem-se as decisões relativas ao coeficiente aplicável aos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, da atividade de árbitro de futebol – v.g. Processos n.ºs 510/2017-T, 704/2019-T, 829/2019-T, 22/2020-T e 421/2019-T – e as que se pronunciaram sobre atividades de consultoria e assessoria – v.g. Processos n.ºs 644/2021-T e 355/2022-T – ou sobre a realidade a qualificar como correspondendo à atividade de jornalista ou repórter – Processo n.º 186/2021-T. Nestas decisões sedimentou-se o critério de que apenas os rendimentos das atividades especificadamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, e não as indiferenciadas “outras atividades exclusivamente de prestação de serviços”, estão abrangidas pelo coeficiente previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.

Também o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 9 de dezembro de 2020, tirado em recurso de uniformização de jurisprudência, decidiu que “não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS”.

Nesse Acórdão, o Douto Supremo Tribunal Administrativo deixou consignado o seguinte:

“(...) Com a Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que entrou em vigor a 1 de Janeiro desse ano, os coeficientes aplicáveis aos rendimentos resultantes do exercício de actividades profissionais passaram a estar indexados ao exercício das actividades profissionais previstas na tabela de actividades do artigo 151.º do Código do IRS, prevendo-se no n.º 2 do artigo 31.º desse mesmo Código, e na parte que aqui nos interessa, a aplicação do coeficiente de 0,75 aos “rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º” e o coeficiente de 0,10 aos “subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”.

 

Tal é, tout court, o critério jurídico que aqui se perfilha.

De facto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades de prestação de serviços aí não especificamente previstas.

Como resulta dos factos provados, a esmagadora maioria dos rendimentos profissionais do Requerente decorre da sua atividade de comentador político e desportivo em programas de televisão, rádio e jornais. Percorrendo a lista das atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS, constata-se que tal atividade aí não se encontra expressamente enunciada, nem é suscetível, por interpretação extensiva, de ser reconduzida a qualquer uma das atividades previstas.

Atento o facto de o Requerente ser prestador de serviços a órgãos de comunicação social, foi por si alvitrada – para a afastar – a hipótese de os seus rendimentos poderem ser enquadrados no exercício da atividade de repórter/jornalista. Nesse ponto assiste razão ao Requerente, na parte em que considera serem distintas as referidas atividades – seja pelos requisitos de acesso à profissão de jornalista, seja pelo conjunto de direitos e deveres associados ao respetivo estatuto profissional, seja ainda pelo escopo material em que tal atividade se traduz. Porém, a verdade é que a AT jamais enquadrou os rendimentos em causa como rendimentos recebidos no exercício dessa atividade, ou de outra especificamente constante da tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.

Acresce que, contrariamente ao alegado pela Requerida, não releva para esse enquadramento, a atividade exercida pelas empresas para as quais os serviços foram prestados. Desde logo, por um lado, trata-se de um fundamento a posteriori que não foi mobilizado como suporte da decisão administrativa (i.e., das Liquidações Contestadas). Por outro lado, das atividades das empresas para as quais se prestam serviços não decorre qualquer qualificação relativa aos serviços prestados: para uma atividade de comunicação, rádio ou imprensa escrita, podem concorrer diversas prestações de serviços, previstas e não previstas na mencionada tabela.

Também do facto de inexistirem contratos reduzidos a escrito não pode resultar qualquer qualificação relativa à atividade concretamente desempenhada. Para além do princípio da liberdade de forma validar juridicamente as relações contratuais estabelecidas entre o Requerente e as entidades a quem prestou os serviços, é manifesto que a forma pela qual são contratadas as prestações de serviços em nada interfere com a substância da atividade desenvolvida, razão pela qual esse argumento não podia, sem mais, validar a alteração da qualificação fiscal dos rendimentos auferidos pelo Requerente para efeito de determinação do coeficiente do regime simplificado de IRS.

Em paralelo, dir-se-á que o facto de o Requerente não entregar à AT os contratos – inexistentes na sua forma escrita – não consubstancia uma recusa de colaboração que afete, tout court, a presunção de veracidade das suas declarações, nem igual consequência poderá ser extraída do não exercício do direito de audição.

De qualquer forma, atento o critério que a AT adotou quanto ao enquadramento das atividades, principaliter quanto à natureza “genérica e residual” das atividades a abranger pelo conceito de outras prestações de serviços, a atividade regular de prestação de serviços como comentador político e desportivo sempre estaria, na ótica da AT, excluída da previsão do código de atividade “1519”, como se atesta pelo referido nos artigos 44.º e 45.º da Resposta da Requerida, onde se deixou consignado:

 

“(...) o Requerente informa que é comentador politico e desportivo, descrevendo as suas funções como “(..) comentador habitual em vários órgãos e diferentes meios de comunicação social (televisão, rádio, jornais, palestras/conferências)” e “integrando, designadamente, o painel residente de comentadores dos programas ... (.../televisão) e ... (.../rádio), eventualmente os programas de maior notoriedade/audiência”, “ou seja, desenvolve uma actividade de análise e apreciação crítica de factos e assuntos do quotidiano.” (Cf. artigo 44.º da Resposta)

 

“[a]ssim nos termos conjugados pelos artos 31.º n.º 1, alíneas b) e c) e 151.º, todos do CIRS e de acordo com as conclusões do procedimento de divergências, as atividades exercidas pelo Requerente não são passíveis de enquadrar na atividade profissional genérica e residual com o código de atividade do CIRS – 1519, para o qual se encontra coletado desde 2016”. (Cf. artigo 45.º da Resposta)

 

Não é este o critério assumido neste Tribunal Arbitral. Como se explicitou: não se encontrando uma atividade de prestação de serviços especificamente referida na tabela aludida no artigo 151.º do Código do IRS, o coeficiente aplicável aos rendimentos daí provenientes é o da alínea c), e não o da alínea b), do artigo 31.º, n.º 1, do Código do IRS, independentemente de se tratar de uma atividade profissional regular e exercida a título principal.

Tal conclusão reporta-se, no caso concreto, aos rendimentos resultantes da atividade de comentador em órgãos de comunicação social, mas também quando intervém em conferências a emitir opiniões sobre assuntos de política geral ou sobre livros, atenta a simetria entre tais realidades. Aliás, não estando prevista expressamente a atividade de “conferencista”, não se obnubila que a mesma poderia ficar abrangida por alguma das demais especificamente tipificadas na tabela em apreço (v.g., uma conferência de um jurisconsulto), a aferir casuisticamente. Porém, no caso concreto, não é manifestamente o que sucede.

Conclui-se, assim, que os rendimentos profissionais auferidos pelo Requerente em 2019 e 2020 são exclusivamente provenientes de atividades que não se encontram especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, sendo-lhes aplicável o coeficiente previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea c), deste diploma legal. Na medida em que assim não se entendeu, as Liquidações Contestadas são ilegais.

Já quanto aos rendimentos profissionais auferidos em 2018, constatou-se que o Requerente, para além da atividade como comentador, prestou ainda serviços de “consultadoria de gestão” a uma sociedade (“L...”). Neste caso, constituindo a “consultoria de gestão” uma forma de consultoria, e não diferenciando o regime normativo em apreço qualquer âmbito material referido a essa atividade, há que concluir que se trata de uma atividade especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS (“13 - Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados: 1320 Consultores”), pelo que o coeficiente aplicável em sede de regime simplificado de IRS é o de 0,75, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do referido diploma.

 Consequentemente, a liquidação de IRS de 2018 contestada encontra-se apenas parcialmente inquinada de ilegalidade.

Em tais circunstâncias, por princípio, teria lugar uma anulação parcial quantitativamente limitada à parte afetada pelo vício. Contudo, não resulta da prova produzida, nem se encontra quantificado, qual o valor dos rendimentos circunstancialmente em causa ou a matéria tributável que a estes diga respeito, não competindo ao tribunal substituir-se à AT na determinação do rendimento tributável. Em suma, vale aqui a constatação do Supremo Tribunal Administrativo, constante do Acórdão de 4 de maio de 2011, processo n.º 021/11: “É que, num caso como este, o juiz não fica a saber e, consequentemente, não pode definir (mesmo admitindo que tanto lhe é permitido) qual o montante da matéria colectável correcta. Nada mais faz senão dizer que a qualificação e quantificação apuradas pela Administração é excessiva ou insuficientemente demonstrada”.

Tendo o Requerente demonstrado a existência de um excesso na quantificação da matéria tributável decorrente da aplicação de um coeficiente errado, a impossibilidade de determinar com exatidão a matéria tributável em causa, justifica a aplicação do regime previsto no artigo 100.º do CPPT, atenta a existência de uma fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, que não pode deixar de implicar a anulação in totum do ato tributário (in casu, a liquidação de IRS de 2018).

5.7. Indemnização por prestação e manutenção da garantia

O Requerente peticiona ainda a indemnização da totalidade dos encargos a incorrer com a prestação e manutenção da garantia, nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT. Dispõe o artigo 53.º da LGT:

 

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

 

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo. 

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. 

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

Tem sido reiteradamente sustentado pelo Douto Supremo Tribunal Administrativo que, “tendo a garantia sido prestada através de hipoteca não se verifica o primeiro requisito” previsto no artigo 53.º, n.º 1, da LGT, “o qual se refere apenas a garantia bancária ou equivalente”. – Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de outubro de 2018, proferido no processo n.º 033/18.

Como se esclarece noutro Acórdão, do “dispositivo legal resulta, para o que aqui releva, que o direito à indemnização pela garantia indevidamente prestada, a atribuir sem dependência do prazo a que alude o n.º 1 artigo supra citado, depende da verificação, dos seguintes pressupostos de facto: a) a prestação da garantia bancária ou equivalente (com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objecto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada, ainda que a execução fiscal seja questionada através de oposição - assim se decidiu no Ac. do STA de 02/11/2011 no recurso nº 0208/11-; b) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia; c) o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços. [§] Sobre o conceito de garantia equivalente a garantia bancária pode ver-se Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011, a pag. 242, onde defende que “Equivalente à garantia bancária, para efeitos deste artigo, serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida. Dos meios de garantia expressamente previstos no artº 199º do CPPT, será o caso seguro-caução (…)”. [§] No caso dos autos está em causa uma hipoteca voluntária que em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária”.

 

Entre as razões que suportam esse entendimento, ao qual se adere, considera-se que a ratio da norma reside na maior dificuldade na quantificação dos danos sofridos, pelo que o pedido indemnizatório deve ser efetivado através de processo autónomo onde possam ser apurados, v.g., também os custos com a manutenção da garantia, ou outros, de que o Requerente deva ser ressarcido.

Nesta parte, improcede o peticionado pelo Requerente.

 

5.8. Juros indemnizatórios

O Requerente peticiona, também, o pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao ano de 2020, por ter pago imposto em montante superior ao devido.

O artigo 43.º da LGT, na sua atual redação (resultante, por último, da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, que lhe aditou a nova alínea d)), estabelece que:

 

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

 

A AT está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei, como decorre do artigo 100.º da LGT.

Tendo existido um erro em sede de quantificação da matéria tributável que determinou a liquidação e o pagamento de imposto em montante superior ao devido, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, considerando-se os mesmos devidos desde a data do pagamento, até à integral devolução ao Requerente, ex vi o disposto nos artigos 43.º, n.ºs e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT, e 559.º do Código Civil.

 

V. Decisão

 

Atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das liquidações de IRS de 2018 (n.º 2022...), 2019 (n.º 2022...) e 2020 (2022...), e respetivos juros compensatórios;
  2. Condenar a AT no reembolso ao Requerente do montante de imposto e juros compensatórios indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios;
  3. Julgar improcedente o pedido de indemnização pela prestação de garantia;
  4. Condenar a Requerida nas custas processuais infra determinadas.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 62.641,72 (Cf. indicado pelo Requerente no PPA).

 

 

 

 

VII. Custas arbitrais

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, em razão do decaimento.

 

 

Lisboa, 15 de setembro de 2023

 

 

 

 

Rita Correia da Cunha (Presidente),

com voto de vencido em anexo

 

 

 

 

Luís Menezes Leitão

 

 

 

 

 

João Pedro Rodrigues (Relator)

 

 

 

Voto de Vencido

Embora subscreva o sentido da Decisão Arbitral, que julga procedente o pedido de pronúncia arbitral, não poderei acompanhar a mesma quanto à anulação integral da liquidação de IRS do ano de 2018, por contrária ao Acórdão de uniformização de jurisprudência de 30 de janeiro de 2019, proferido pelo Douto Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 436/18.0BALSB, no qual se pode ler:

“I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal.”

No caso sub judice, liquidação de IRS do ano de 2018 é apenas parcialmente ilegal, pelo que deveria ter sido apenas parcialmente anulada (sem prejuízo de um ulterior acertamento por parte da AT, em conformidade com a decisão de anulação parcial). Esta solução não só estaria conforme ao referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, como seria a solução que melhor se coaduna com o princípio da economia processual e de meios.

 

Rita Correia da Cunha