Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 517/2022-T
Data da decisão: 2023-08-29  IMT  
Valor do pedido: € 21.267,08
Tema: IMT – Isenção de IMT pela aquisição de prédios para revenda; caducidade da isenção
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

A celebração de contrato promessa de compra e venda de imóvel no período de três anos subsequente à aquisição, ainda que acompanhada da tradição do bem, não obsta à caducidade da isenção de IMT, a qual apenas subsiste com a celebração do contrato de compra e venda.

***

Carla Almeida Cruz, árbitro das listas do CAAD, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 08-11-2022, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.

1. RELATÓRIO

A… – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA S.A., com sede na …, número … e …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, titular do número único de Identificação de Pessoa Colectiva e matrícula …, com o capital social de € 200.000,0o, (doravante, abreviadamente designado de “Requerente), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), adicional ao IMT n.º 2014/…, no valor de 17.764,75€ e de juros compensatórios no valor de 3.502,33€.

A Requerente peticiona a anulação do referido ato de liquidação de IMT, peticionando também a restituição do montante pago, acrescido de juros legais.

É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 02-09-2022 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 06-09-2022.

Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, com árbitro singular, a signatária, que manifestou a aceitação do encargo, no prazo legal. 

Em 20-10-2022 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. 

Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 08-11-2022.

A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 08-11-2022, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

Em 13-12-2022, a Requerida, apresentou a sua Resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido.

Em 13-12-2022, a Requerida remeteu também ao tribunal arbitral, cópia do processo administrativo.

Por despacho de 15-12-2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas.

Nem a Requerente, nem a AT apresentaram alegações escritas.

 

2. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou suscitadas questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. MATÉRIA DE FACTO

3. 1.1. Factos provados

Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

A)    A Requerente é uma sociedade anónima, cuja atividade principal consiste na compra de prédios para revenda, arrendamento de bens próprios, comercialização de imóveis, construção civil, elaboração de projectos, consultoria e prestação de serviços no âmbito de todas as actividades, relacionadas com a construção civil e empreitadas de obras públicas e particulares [admitido por acordo das partes].

B)    Em 23-05-2014, a Requerente adquiriu, pelo preço de € 360.000,00, a fração autónoma designada pela letra “M”, do prédio urbano sito na Rua …, Lote …, …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, da freguesia de Santa Maria dos Olivais e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, da freguesia de …, concelho de Lisboa, com valor patrimonial tributário (VPT) de € 289 722,24 [admitido por acordo das partes].

C)    Aquando da aquisição da referida fração, a Requerente declarou tratar-se de prédio destinado a revenda, pelo que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 7 do CIMT, tal aquisição ficou isenta de IMT (cf. Modelo 1, identificada sob o n.º de registo de declaração 2014/…, que originou a liquidação a zeros, na qual ficou consignada a isenção - benefício 15 – prédios para revenda) [admitido por acordo das partes].

D)    Em 19-05-2017, a Requerente celebrou contrato-promessa de compra e venda com a sociedade B… – Sociedade Unipessoal Lda., referente à fracção identificada em B) [cf. documento n.º 3 junto à P.I.].

E)    No referido contrato promessa ficou consignado na sua cláusula terceira que a fração se destinava a habitação, tendo também ficado consignado na sua cláusula quarta, o seguinte [cf. documento n.º 3 junto à P.I.] :

F)     Em 22-5-2017, a sociedade B… – Sociedade Unipessoal Lda., procedeu ao pagamento do valor de 23.400,00€ de IMT e 2.880,00€ de Imposto de Selo, referente a esse facto tributário [cf. documento n.º 4 junto à P.I.].

G)    Em 04-07-2017, a Requerente e a sociedade B… – Sociedade Unipessoal Lda., celebraram, no cartório notarial da Notária do concelho de Loures, C…, escritura de compra e venda da fracção autónoma a que se alude supra em B), onde além do mais, pelos outorgantes foi consignado o seguinte [cf. documento n.º 5 junto à P.I.]:

H)    Por ofício datado de 29-04-2022, o Serviço de Finanças de Lisboa …, notificou a Requerente, nos termos seguintes [cf. documento n.º 1 junto à P.I.]:

I)      Em 01-06-2022, a AT emitiu a nota de liquidação n.º …, documento cobrança n.º …, referente à liquidação de IMT, no valor total de € 21.267,08, correspondente ao somatório da importância de 17.764,75€, a título de IMT e da importância de 3.502,33€, a título de juros compensatórios, com data limite de pagamento voluntário em 01-06-2022, que constituí objeto de pronúncia arbitral [cf. documento n.º 2 junto à P.I.].

J)     A Requerente não foi notificada pela AT para exercer o direito de audição antes da liquidação de IMT referida na alínea antecedente [admitido por acordo das partes].

K)    Em 02-06-2022, a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IMT, aqui impugnada, melhor identificada em I) [cf. documento n.º 2 junto à P.I.].

L)     Em 31-08-2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].

 

3.1.2. Factos considerados não provados

Não foram considerados como não provados nenhum dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.

 

3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.

Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pelo Requerente, não contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.2. MATÉRIA DE DIREITO

3.2.1 Objeto do litígio

São as seguintes as questões suscitadas ao Tribunal, que importa apreciar e decidir neste processo:

i.               Determinar se no caso em concreto ocorreu preterição do direito de audição prévia da Requerente;

ii.              Saber se a celebração pela Requerente, em 19-05-2017 do contrato promessa de compra e venda, acompanhado de tradição do bem, constitui «revenda» para efeito de obstar à caducidade de isenção de IMT do imóvel, que esta em 23-05-2014  adquiriu para revenda, nos termos do disposto nos artigos 7.º, nº. 1 e 11º, nº 5 do CIMT.

 

3.2.2 - Posição das partes 

A Requerente para fundamentar a sua posição e o pedido que deduz, alega em síntese, que:

i.               No caso em apreço foi preterido o seu direito de audição prévia, uma vez que a liquidação de IMT em causa não resulta de nenhuma declaração do contribuinte, nem se enquadra nas exceções do aproveitamento do ato, nem se está perante nenhum procedimento de segundo grau, concluindo que a falta de cumprimento do direito de audição constitui uma preterição de formalidade essencial que conduz à anulabilidade do ato.

ii.              Pese embora não ignore o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, prolatado em 23/1/2013, no processo número 01061/11, que a propósito da SISA decidiu que a celebração de contrato promessa de compra e venda de imóvel no período de três anos subsequente à aquisição para revenda, ainda que acompanhado da tradição do bem, não obsta à caducidade da isenção da sisa (a qual apenas subsiste com a celebração do contrato de compra e venda), deve considerar-se contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto sub princípios do princípio do Estado de Direito, que o legislador possa utilizar, ao nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente.

iii.             Interpretar um conceito económico alargado para efeitos do art.º 15.º, n.º 1, alínea) a), do Decreto-Lei nº 291/85, de 24/7, que abrange qualquer forma de transmissão prevista em sede de incidência objectiva e interpretar o conceito de revenda previsto no art.º 11.º, n.º 5 de forma exclusivamente civil, nos termos do art.º 875.º do Código Civil, viola frontalmente qualquer conteúdo de justiça fiscal mínimo, pois os objectivos e justificações são exactamente os mesmos.

i.               Conforme se consignou no contrato promessa celebrado em 19-05-2017, a transmissão da posse do imóvel então ocorrida configura uma operação sujeita a IMT, nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 2º, cujo imposto é a liquidar nos termos do n.º 5, do art.º 36.º do CIMT, tendo promitente compradora, a sociedade B… – Sociedade Unipessoal Lda., procedeu no dia 22/5/2017, ao pagamento do IMT e do Imposto de Selo, referente a esse facto tributário. 

ii.              A celebração do mencionado contrato promessa de compra e venda, ao ter sido acompanhada da tradição do bem, obsta à caducidade da isenção da sisa, devendo ser entendido que a Requerente procedeu à revenda do imóvel dentro do prazo dos três anos consignado no art.º 7.º do CIMT, pelo que goza da isenção prevista no art.º 7.º n.º 1 do mesmo compêndio. 

iii.             Considerar que é um facto tributário a transmissão de imóvel através da posse e não considerar como facto relevante de revenda para efeitos da concessão de uma isenção a transmissão da mesma posse, configura uma violação do princípio da confiança, da certeza e da segurança jurídica, e que esta interpretação é inconstitucional por violação do disposto no artigo 13.º, 103.º e 104.º, n.º 3, da Constituição.

A AT, por seu turno, para contraditar o alegado pela Requerente, sustenta, em síntese, que:

i.                No caso em apreço, o direito de audição da Requerente não foi violado, uma vez que o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte.

ii.               Embora a Requerente se refira à liquidação em causa como adicional, de facto não o é, pois a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo), que aquela se destina a corrigir ou retificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexatidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido, o que não é o caso.

iii.             A liquidação em causa não foi efetuada em ordem a corrigir ou retificar uma liquidação anterior, desde logo porque a transmissão do imóvel que constitui o facto tributário não havia dado lugar à liquidação do imposto porque, atento o destino declarado, dele ficou isento.

iv.             A liquidação em apreço trata-se antes de uma primeira liquidação, efetuada após verificação de que a isenção de IMT na aquisição de prédios para revenda, havia sido indevidamente aplicada ao caso concreto e que a AT já tinha perante si todos os elementos de prova necessários para a decisão.

v.              Mesmo admitindo que o direito de audição era obrigatório e que foi omitida essa formalidade, nem assim, esta omissão conduziria à anulação do ato de liquidação dado que tal formalidade se degradou em não essencial nos termos do disposto no art.º 163.º, n.º 5, al. c) do CPA.

vi.             Conforme é reconhecido pela Doutrina e Jurisprudência, o conceito de transmissão para efeitos de lei fiscal, é diverso daquele que decorre do ordenamento jurídico ínsito à Lei Civil, sendo certo que, para efeitos fiscais, tal conceito é mais amplo e abrangente do que aquele que está enraizado no Direito Privado.

vii.            É pacífico na doutrina, que, em tese geral, em termos de IMT, a figura da transmissão compreende não só a transmissão civil, como também, a transmissão económica ou a transmissão de facto, mesmo que despida de formalidades legais, ou ferida de nulidades.

viii.           Atendendo, desde logo, à letra da lei da isenção aqui em apreciação, não se pode aceitar a tese da Requerente, no sentido de que, por a lei fiscal alargar o conceito de transmissão (cf. alínea a) do n.º 2 do art.º 2.º do CIMT), para efeitos de incidência de IMT, a mesma lei fiscal terá de o fazer de forma plena e coerente, estendendo tal alargamento conceitual também para efeitos de apuramento das circunstâncias que conduzem ou não à caducidade da isenção de IMT anteriormente concedida.

ix.             No n.º 5 do art.º 11.º do CIMT alude-se ao conceito de revenda (e não já de transmissão) revelando, assim, de forma expressa uma intenção do legislador em não operar, no âmbito da caducidade da isenção, qualquer extensão do conceito, razão pela qual em princípio o termo “revenda” deva valer para efeitos tributários com o mesmo sentido com que vale no direito comum (art.º 11º, n.º 2.º da LGT), para o qual não basta para operar a transmissão do bem, a celebração de um contrato promessa de compra e venda acompanhado da tradição do bem.

x.              Quanto ao ratio do preceito, chegamos à mesma conclusão: se é verdade que o “alargamento” do conceito de transmissão para efeitos de incidência de imposto de IMT acautela o receio do legislador na não celebração dos contratos definitivos de compra e venda de imóveis tendo em vista a evasão fiscal, a ratio da caducidade da isenção de imposto nas aquisições de prédios para revenda findos os três anos sem que o prédio tenha sido revendido, parece ser somente a circunstância de ter sido ultrapassado o prazo tido pelo legislador como razoável para efetuar a revenda do bem, cessando a partir daí o desagravamento fiscal estrutural concedido atendendo à natureza empresarial do adquirente “revenda”, e que tem como fim último apenas o de afastar elevados encargos financeiros que, de alguma forma se repercutiriam no preço final da venda dos bens imóveis. (cf. acórdão do STA de 13-05-2009, proferido no proc. n.º 0234/09).

xi.             Por outro lado, as normas de concessão de isenção de impostos, constituindo um desvio ao princípio da igualdade tributária, assumem carácter excecional, não comportando, por isso, aplicação analógica (embora admitam interpretação extensiva) – cf. o art.º 11.º do C. Civil.

xii.            Ora, se é certo que o Código do IMT consagra um conceito próprio de transmissão de imóveis sujeita a esse imposto (considerando como transmissões, para esse efeito, negócios jurídicos que, à luz da lei civil, não transmitem, ipso facto, o direito de propriedade – como é o caso do contrato promessa de compra e venda de imóveis com tradição da posse), também é certo que aquele mesmo código não equipara tais atos à própria revenda.

xiii.           Daí que, utilizando o legislador, no n.º 1 do art.º 16.º do C. Sisa, o conceito de revenda e não o de transmissão, se conclua que não pode aí apelar-se a outro qualquer conceito de revenda (conceito inexistente na lei fiscal), sendo, antes, indispensável que ocorra a nova venda do prédio (que só pode ser o ato jurídico definido no art.º 874.º do C. Civil), ou seja, a transmissão do título de propriedade e não bastando, por essa razão, a celebração de contrato promessa de compra e venda, ainda que com tradição do prédio. Ou seja, embora a celebração deste tipo de contratos com tradição da posse seja considerada pelo C. Sisa como um facto sujeito a imposto, o certo é que no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a lei exige, sem mais, a efetivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem àquela equiparar qualquer outro tipo de ato ou contrato, sendo que tem sido este o entendimento maioritário da jurisprudência do STA, tendo a questão ficado definitivamente decidida através do Ac. do STA, de 23/01/2013, proc. 01061/11.

xiv.          Ao contrário do que a Requerente alega, a interpretação do artigo 2.º n.º 2 a) do CIMT no sentido de que, com a celebração de um contrato promessa com tradição, existe transmissão para efeitos de liquidar o IMT aos promitentes-compradores, mas já não existe transmissão para considerar ter ocorrido a caducidade da isenção do IMT, não é violadora do princípio da confiança, da certeza e da segurança jurídica, tanto mais que no caso os factos tributários não se confundem (a primitiva aquisição para revenda, a não revenda e a promessa de aquisição da fração autónoma objeto de tradição).

xv.            No caso em apreço, não ficou demonstrada, quanto aos atos de liquidação, postos em crise, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios.

 

3.2.3. Apreciação da questão

3.2.3.1 . Da alegada preterição do direito de audição prévia da Requerente

A Requerente alegou que foi preterido o seu direito de audição prévia, uma vez que considera que a liquidação de IMT em causa não resulta de nenhuma declaração do contribuinte, nem se enquadra nas exceções do aproveitamento do ato, nem se está perante nenhum procedimento de segundo grau, concluindo que a falta de cumprimento do direito de audição constitui uma preterição de formalidade essencial que conduz à anulabilidade do ato de liquidação de IMT aqui impugnado.

A Requerida, por seu turno defende que o direito de audição da Requerente não foi violado, uma vez que o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte, que é o caso, pois embora a Requerente se refira à liquidação em causa como adicional, de facto não o é, antes se tratando de uma primeira liquidação, efetuada após verificação de que a isenção de IMT na aquisição de prédios para revenda, havia sido indevidamente aplicada ao caso concreto, sendo que a AT já tinha perante si todos os elementos de prova necessários para a decisão.

Defende ainda a Requerida que, mesmo admitindo que o direito de audição da Requerente era obrigatório e que foi omitida essa formalidade, nem assim, esta omissão conduziria à anulação do ato de liquidação, dado que tal formalidade se degradou em não essencial, não sendo invalidante da decisão proferida, nos termos do disposto no art.º 163.º, n.º 5, al. c) do CPA.

Cumpre apreciar.

Resulta dos factos provados, que a Requerente, não foi efetivamente notificada para exercer o seu direito de audição, antes da emissão do ato de liquidação aqui impugnado. 

Por conseguinte, a questão a decidir consiste em apreciar se essa falta consubstancia ou não uma violação do exercício do direito de audição antes da liquidação.

Sobre o princípio da participação e o consequente direito de audição, estabelece o artigo 60.º da LGT, o seguinte:

“Artigo 60.º 

Princípio da participação

1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d)Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; 

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a)      No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b)     No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria. 

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”

A propósito deste tema importa, também ter presente o princípio da audiência dos interessados, previsto no n.º 1 do artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que embora não corresponda a um direito fundamental, é uma concretização do modelo da administração participada expresso no n.º 5 do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que impõe à Administração Pública o princípio da participação dos particulares na formação das decisões que lhe digam respeito, sendo uma das manifestações mais flagrantes do modelo da Administração aberta. 

O direito de audição encontra a sua consagração constitucional no artigo 267.º, n.º 5, da CRP, que relega para «lei especial», a definição dos termos em que tal direito será exercido. No caso concreto encontramos o seu regime no disposto no artigo 60.º da LGT, que consagra o direito ou o dever de audição prévia, que constitui uma garantia de defesa dos particulares, de modo a permitir a justeza e a correção do ato final do procedimento.

Dada a sua importância, o direito de audição prévia só pode ser dispensado nas situações legalmente previstas no artigo 60.º, n.º 2 e 3 da LGT. 

É entendimento jurisprudencial, a existência de duas situações em que a omissão prévia da audição poderá não ter consequências invalidantes. 

Na primeira situação, tem sido admitido o princípio do aproveitamento do ato tributário, quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral, nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente, ou, se trate de atividade administrativa vinculada, não se vislumbrando a mínima possibilidade de a audição poder ter influência sobre o conteúdo da decisão. (cf. Ac. do STA n.º 0548/12 de 24-10-2012 Relator: Fernanda Maçãs).

Na segunda situação, havendo procedimento de segundo grau, quer o ato primário tenha sido mantido quer tenha sido alterado e substituído pelo ato do segundo grau, “...a decisão administrativa final acaba por ser o ato de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este ato que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação” Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária" anotada, 2012, pp. 517. (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo: 01196/05.0BEPRT de 02-02-2017).

Como refere também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 14-10-2020, no processo nº 02046/04.0BELSB: “O afastamento do efeito anulatório por preterição do direito de audiência, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas pode ocorrer quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece, em geral, nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de actividade administrativa vinculada.”

Retomando ao caso concreto, resulta da matéria de facto provada, que a AT emitiu a liquidação em análise, com base na caducidade da Isenção de IMT, por terem decorrido 3 anos após a aquisição do imóvel, sem que o mesmo tenha sido revendido, o que fez com base na declaração feita pela própria Requerente aquando da aquisição do imóvel, facto que desde logo justifica que seja dispensada a sua audição, nos termos do disposto no artigo 60º, nº 2, alínea a) da LGT, uma vez que a liquidação foi feita com base nas declarações do contribuinte.

Acresce que, no caso em apreço a caducidade da isenção de IMT, decorre diretamente da lei, funcionando de forma objetiva e automática (artigo 11.º, n.º 5, do CIMT), pelo que o conteúdo do ato tributário não podia deixar de corresponder ao notificado, porque de conteúdo vinculado se trata, o que significa que a falta de audição da Requerente não conduziria, nem conduz, à anulação do ato de liquidação dado que tal formalidade se degradou em não essencial. Ou, como se referiu por outras palavras no Acórdão de 06.07.2011 – Processo nº 5/11 “a omissão do dever de audição consubstanciar-se-ia em mera irregularidade não invalidante da liquidação, pois que mesmo que o dever de audição tivesse sido cumprido a decisão final do procedimento tributário … não poderia deixar de ser diferente (cfr., entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Maio de 2011, rec. n.º 833/10)”

Em face do exposto, impõe-se concluir que no caso sub judice não ocorreu preterição de formalidade essencial que conduza à anulabilidade do acto de liquidação, pelo que se julga improcedente o pedido de anulabilidade do ato, invocado pela Requerente.

 

3.2.3.2 . Da caducidade da isenção de IMT

Importa agora apreciar e decidir da legalidade da liquidação de IMT aqui impugnada, na perspetiva de determinar se no caso em apreço, o contrato promessa de compra e venda, que a Requerente celebrou em 19-05-2017, com a sociedade B… – Sociedade Unipessoal Lda., onde ocorreu a tradição do imóvel, constitui ou não «revenda» para efeito de obstar à caducidade de isenção de IMT do imóvel que esta em 23-05-2014 adquiriu para revenda, nos termos do disposto nos artigos 7.º, nº. 1 e 11º, nº 5 do CIMT.

Os argumentos e as posições das partes quanto a esta questão encontram-se já detalhadamente enunciados no antecedente ponto 3.2.2), pelo que se passa a apreciar a questão.

A questão controvertida no presente processo arbitral, tal como as próprias partes o referem nos seus articulados, foi já objeto do Acórdão do Pleno do STA, proferido no âmbito do processo n° 01061/11, de 23 de janeiro de 2013 - analisado mais recentemente pelo Acórdão do Pleno do mesmo Tribunal de 11/11/2015, no âmbito do processo. nº 01393/14 - que não obstante se reportar à SISA, cremos manter toda a sua atualidade e ser aplicável à situação dos autos.

A sólida e convincente fundamentação do mencionado Acórdão, justifica a adesão - com as devidas adaptações ao atual regime legal - da solução da questão nele expressa, cujo teor acompanhamos de perto e subscrevemos.

Os normativos que relevam para apreciação da questão controvertida, são os artigos 2º, nº 1 e nº2, alínea a), 7.º e 11º, nº 5 do CIMT.

O artigo 2º do CIMT, que estabelece a regra geral da incidência objetiva, dispõe no seu nº 1 que: 

“O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.”.

O citado normativo, prevê também no seu nº, 2, alínea a), que :

 “Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:

a)         As promessas de aquisição e de alienação, logo que verificada a tradição para o promitente adquirente, ou quando este esteja usufruindo os bens, excepto se se tratar de aquisição de habitação para residência própria e permanente do adquirente ou do seu agregado familiar e não ocorra qualquer das situações previstas no n.º 3”.

O artigo 7º do CIMT, que regula o regime da isenção pela aquisição de prédios para revenda, dispõe o seguinte:

“Artigo 7.º 

Isenção pela aquisição de prédios para revenda 

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda. 

 2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda. 

3 -Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a atividade quando comprove o seu exercício nos dois anos anteriores mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, quando daquela certidão constar que, em cada um dos dois anos anteriores, foram revendidos prédios antes adquiridos para esse fim.  

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.“

O artigo 11º, nº5 do CIMT, a propósito da caducidade das isenções dispõe, que: 

“5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”

Feito o devido enquadramento jurídico, passemos então a analisar o caso em concreto.

Conforme resultou provado, a Requerente adquiriu o imóvel em questão por escritura de compra e venda celebrada em 23-05-2014 (cfr. alínea B) dos factos provados) e, posteriormente, por contrato promessa de compra e venda, celebrado em 19-05-2017 (cfr. alínea D) dos factos provados), prometeu vendê-lo à sociedade B… – Sociedade Unipessoal Lda..

Segundo resulta das normas legais antes transcritas, as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis encontram-se sujeitas a IMT, mas as transmissões de prédios para revenda, nos termos do artigo 7º do CIMT, estão isentas desse imposto, deixando de beneficiar de isenção, quando tais prédios não sejam revendidos dentro do prazo de três anos (cfr. art. 11º, nº 5 CIMT).

Feito este intróito, vejamos então se no caso sub judicio, a celebração pela Requerente do contrato promessa de compra e venda, acompanhada de tradição de imóvel para a promitente compradora, preenche o conceito de revenda constante do art. 11º, nº 5 do CIMT, uma vez que houve transmissão do bem para efeitos fiscais.

É certo que, de acordo com o disposto no artigo 2º do CIMT, este incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis, considerando a lei, como transmissão, para este efeito, também a promessa de compra e venda de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou quando este esteja usufruindo os bens (citado nº 2, alínea a)). 

Trata-se, na verdade, de uma situação em que a própria lei atribui relevância tributária à “transmissão” de facto, independentemente da transmissão jurídica do direito. Apontando-se, como razões para esta tributação e para o legislador fiscal se afastar da noção e juízo já elaborados no seio do Direito Civil, quer a exigência que lhe é feita pelos fins próprios do sistema fiscal, dado que a adopção pura e simples de alguns conceitos civilistas no campo do Direito Tributário abriria, muitas vezes, a via a mais frequentes e mais ostensivas evasões fiscais, sendo que no caso da promessa de venda de um prédio, conjugada com a tradição «o legislador fiscal receou que, a fim de evitar o pagamento do IMT, o promitente-comprador não celebrasse o respectivo contrato de compra e venda, contentando-se com uma transmissão de facto»[1], quer razões que se prendem com a circunstância de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária com base em transmissões puramente económicas dos bens, proporcionadoras de rendimentos.[2]

As transmissões de prédios para revenda, estão isentas de IMT, desde que aos prédios adquiridos para revenda não seja dado destino diferente ou os mesmos sejam revendidos dentro do prazo de três anos (cfr. artigo 11, nº 5 do CIMT). 

O fundamento da isenção da aquisição de prédios para revenda, assenta, por um lado, como assinala Nuno Sá Gomes[3], na circunstância de os prédios adquiridos se manterem, como mercadorias, no activo permutável da empresa tributada pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda e, por outro lado, tem como fim último afastar elevados encargos financeiros que, não obstante serem custos dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento sujeito a imposto, tenderiam a repercutir-se no preço final da venda dos bens imóveis.[4]

É por esta razão, que atenta, desde logo, a letra da lei e a «ratio» desta isenção, não sufragamos a tese defendida pela Requerente, no sentido de que, por a lei fiscal alargar (no artigo 2º, nº 2, alínea a) do CIMT), para efeitos de incidência do IMT, o conceito de transmissão definido no direito privado, também deva interpretar-se o nº 5 do art. 11º do CIMT, no sentido de relevar aquela intenção de alargamento do conceito de transmissão.

Com efeito, no nº 2, alínea a) do art. 2º do CIMT, a lei apela ao conceito (alargado) de transmissão mas, no art. 11º, nº 5 alude ao conceito de “revenda” e não já ao conceito de “transmissão”. Tal significa que, ao contrário do que sucede a propósito da incidência do imposto, onde a lei (artigo 2º, nº 2 do CIMT) opera uma extensão do conceito de “transmissão de bens imóveis”, tal não sucede quanto à extensão do conceito de “revenda”, pelo que o termo “revenda” deve ser interpretado no mesmo sentido que tem no direito comum (art. 11º, nº 2 da LGT), para o qual não basta para operar a transmissão do bem, a celebração de um contrato promessa de compra e venda, acompanhado da tradição do bem. 

Como foi entendido no citado Acórdão do Pleno do STA, proferido no âmbito do processo n° 01061/11, de 23 de janeiro de 2013, ainda que a propósito da SISA, mas que aqui tem plena aplicação:

 “(…) se é verdade que a “deformação funcional” do conceito de transmissão para efeitos de incidência real de imposto de sisa acautela o receio do legislador na não celebração dos contratos definitivos de compra e venda de imóveis tendo em vista a evitação fiscal, a ratio da caducidade da isenção de imposto nas aquisições de prédios para revenda findos os três anos sem que o prédio tenha sido revendido (art. 16º, 1º do CIMISID), parece ser somente a circunstância de ter sido ultrapassado o prazo tido pelo legislador como razoável para efectuar a revenda do bem, cessando a partir daí o desagravamento fiscal estrutural concedido atendendo à natureza empresarial da actividade exercida pelo adquirente para revenda, cujo enquadramento se insere no âmbito da tributação do rendimento e que tem como fim último apenas o de afastar elevados encargos financeiros que, não obstante serem custos dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento sujeito a imposto, tenderiam a repercutir-se no preço final da venda dos bens imóveis». (Cfr. Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Relatório do Grupo de Trabalho criado por Despacho de 1/5/2005 do Ministro do Estado e das Finanças, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, CEF, 2005, pp. 121/122, também citado no acórdão fundamento. ) Aliás, sabido que as normas de concessão de isenção de impostos, constituindo um desvio ao princípio da igualdade tributária (generalidade), assumem carácter excepcional, não comportando, por isso, aplicação analógica (embora admitam interpretação extensiva) – cfr. o art. 11º do CCivil), também haveremos de concluir naquele sentido se atendermos na evolução do normativo em causa, pois, como se exarou no acórdão deste STA, de 13/10/93, rec. nº 15.334, (Apêndice ao DR, de 20/5/1996, pp. 3279 a 3282.) «no labor interpretativo da lei, assume peculiar importância o elemento gramatical, ou seja, o texto da lei, a composição literal do texto interpretando (cf. artigo 9º do Código Civil), de tal sorte que, se aquele admitir apenas um sentido, deve-se reputá-lo, em princípio, como sendo o tradutor da verdadeira vontade real do legislador», ou, «Por outras palavras, e segundo a lição de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 182), “tem de se presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados — nº 3 do mesmo artigo 9º —, pelo que, na falta de elementos que induzam à eleição de um sentido menos imediato do texto legal, o intérprete deve optar, em princípio, por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas», então, «perante o texto da lei aplicável e o intuito legal de, com a concessão desta isenção, se evitar a tributação sucessiva, em imposto de sisa dos mesmos bens, num curto período de tempo, não será de concluir que o legislador disse menos do que pretendia, mas antes é de reconhecer que os termos utilizados traduzem a vontade ali inequivocamente expressa, no sentido de só relevar, para o efeito aí assinalado, o acto de “revenda” do prédio em causa. Daqui se segue que a expressão “transaccionados”, contida no citado preceito do artigo 16º, tem de ser entendida como reportada, apenas, ao “acto de venda”, com exclusão de todo e qualquer outro. Aliás, é de notar, que em época posterior à dos factos em apreço, a referenciada expressão acabou por ser substituída pela de “revendidos” (cf. Decreto-Lei nº 91/89, de 27 de Março), o que, por significativo, só veio reforçar aquele entendimento.»”

Ora, se é certo que o CIMT consagra um conceito próprio de transmissão de imóveis sujeita a esse imposto, considerando como transmissões, para esse efeito, negócios jurídicos que, à luz da lei civil, não transmitem, ipso facto, o direito de propriedade – como é o caso do contrato promessa de compra e venda de imóveis com tradição da posse - também é certo que aquele mesmo código não equipara tais actos à própria revenda. Daí que, utilizando o legislador, no nº 5 do art. 11º do CIMT, o conceito de revenda e não o de transmissão, se conclua que não pode aí apelar-se a outro qualquer conceito de revenda (conceito inexistente na lei fiscal), sendo, antes, indispensável que ocorra a nova venda do prédio, ou seja, a transmissão do título de propriedade e não bastando, por essa razão, a celebração de contrato promessa de compra e venda, ainda que com tradição do prédio. Isto é, embora a celebração de contratos promessa de compra e venda, com tradição da posse seja considerada pelo CIMT como um facto sujeito a imposto, o certo é que no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a lei exige, a efetivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem àquela equiparar qualquer outro tipo de acto ou contrato[5].

Este tem sido, aliás, o entendimento maioritário da jurisprudência do STA (cfr. acórdãos de 4/11/1970, rec. nº 16201; de 16/6/1972, rec. nº 1981; de 11/3/1981, rec. nº 1462; de 10/11/1982, Pleno, rec. nº 1462; de 6/3/1985, rec. nº 2732; de 13/10/1993, rec. nº 15334; de 8/11/2006, rec. nº 642/06; de 13/05/2009, rec. nº 234/09; de 16/11/2011, rec. nº 303/11; e de 21/11/2012, rec. nº 0957/11).

Em suma, porque, por um lado, não encontramos razões válidas para divergir do entendimento acolhido no Acórdão do Pleno do STA, proferido no âmbito do processo n° 01061/11, de 23 de janeiro de 2013, nem, por outro lado, se descortina que com tal interpretação ocorra violação do princípio da confiança, da certeza e segurança jurídica ou de qualquer outra norma ou princípio constitucional, importa concluir, que no caso em apreço, a celebração, em 19-05-2017 pela Requerente do contrato promessa de compra e venda do imóvel, ainda que efetuada no período de três anos subsequente à aquisição, e acompanhado da tradição do bem, não obsta à caducidade da isenção de IMT, a qual apenas subsiste com a celebração do contrato de compra e venda. 

Em face do exposto, atento os fundamentos enunciados e por adesão à jurisprudência dos Tribunais Tributários Superiores antes mencionada, há que concluir pela legalidade da liquidação impugnada, pelo que se julga improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4. DECISÃO

Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

1.      Julgar integralmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente;

2.      Absolver a Requerida de todos os pedidos formulados pela Requerente;

3.     Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 21.267,08 (vinte e um mil, duzentos e sessenta e sete euros e oito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de agosto de 2023

              O Árbitro

 

 

                             ___________________________

                   (Carla Almeida Cruz)



[1] Cfr. Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, p. 67.

[2] Neste sentido Cfr. Acórdão do STA, de 21/4/2010, proferido no processo. nº 924/09; bem como José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, ed. Almedina, 2010, pp. 263 a 266).

[3] Cfr. “Caducidade, por afectação a destino diferente, de isenção de Sisa”, Parecer nº 119/95, de 11/7/1995, in CTF 380, pp. 488 e segts.).

[4] Cfr. Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património. O Imposto do Selo: Anotados e Comentados, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 385.

[5] Neste sentido, cfr. José Maria Fernandes Pires, ob. cit., pp. 422 a 424. Bem como, Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos, Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, edição da Imprensa Nacional, Vol. I, pag. 371; e Silvério Mateus/Corvelo de Freitas, ob. citada p. 386).