Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 41/2014-T
Data da decisão: 2014-09-15  IRS  
Valor do pedido: € 6.045,40
Tema: IRS - Crédito de imposto ADT Portugal-EUA
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 41/2014 – T

Tema: IRS - Crédito de imposto ADT Portugal-EUA

 

 

RELATÓRIO

 

1.                  Em 20 de Janeiro de 2014, A e B, doravante designados por Requerentes, contribuintes fiscais número … e número …, residentes em Portugal, requereram a constituição de tribunal arbitral e um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.                  Os Requerentes são representados, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. C e a Requerida é representada pelos juristas,  Dra. D e Dr. E.

3.                  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 21 de Janeiro de 2014.

4.                  Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, os Requerentes pretendem (i) anulação parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º …, relativa ao ano de 2009, com todas as consequências legais; ii) a condenação da Requerida na devolução aos Requerentes do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento, até ao integral reembolso e (iii) o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do montante pago, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

5.                  A Requerida apresentou a respetiva Resposta, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pelos Requerentes, e consequentemente, pela absolvição da Requerida quanto a todos os pedidos contra si apresentados.

6.                  Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Dr. Jorge Carita.

7.                  O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 21 de Março de 2014, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

8.                  Em 23 de Março de 2014, teve lugar, na sede do CAAD, a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

9.                  Nessa reunião, e conforme consta da respetiva acta, os representantes dos Requerentes e da Requerida declararam prescindir da produção de prova adicional e de alegações.

10.               O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 16 de Setembro de 2014 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido os Requerentes de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD até essa data.

 

II. O Requerente sustenta os seus pedidos, em síntese, da seguinte forma:

 

1.                  No dia 3 de Junho de 2013, os Requerentes foram notificados da Nota de Liquidação, constante do documento n.º …, a qual determinava um novo montante de imposto apurado no valor de € 24.268,25, em virtude de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativa ao ano de 2009.

2.                  A referida liquidação adicional resulta da correcção de elementos da declaração de rendimentos do IRS do ano de 2009, nomeadamente os valores constantes do Anexo J auferidos pelos Requerentes, A e B.

3.                  Tal correcção tem como referência os rendimentos auferidos, pelo Requerente, nos Estados Unidos da América (EUA) e respectivo imposto federal estadual.

4.                  Mais, alegam que, na correcção, apesar de ter sido remetido documento comprovativo de suporte de imposto estadual do Estado da Geórgia – EUA, no montante de 8.709 USD, sobre o rendimento auferido nos EUA, aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, desta ter reconhecido a existência do imposto estadual, não foi este considerado para efeitos de crédito de imposto, por não se encontrar abrangido pela Convenção de Dupla Tributação (CDT) existente entre Portugal e os Estados Unidos da América, a qual se aplica apenas “(…)aos impostos federais sobre o rendimento lançados nos termos do disposto no Internal Revenue Code (Código Geral de Impostos) (com exclusão das contribuições para a segurança social);”, nos termos da  subalínea i) da alínea b) do n.º 2 do seu artigo 2.º da CDT.

5.                  Segundo os Requerentes, o crédito de imposto internacional não se limita ao regime convencional encerrado nas Convenções de Dupla Tributação, porquanto, desde 1994, com a entrada em vigor da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, Portugal livre e expressamente alargou o âmbito de concessão do crédito de imposto internacional aos impostos que não se encontram abrangidos por CDTs, através de “disposições unilaterais tendentes a eliminar ou atenuar a dupla tributação.”.

6.                  Pelo que, e deste modo, a análise do crédito de imposto não pode ser somente verificada pela inclusão de determinado imposto na Convenção bilateral do respectivo país, mas antes na conjugação da legislação fiscal em vigor e das CDTs aplicáveis.

7.                  Entendem os Requerentes que, primeiramente, deverá ser analisado se um determinado imposto encontra suporte na CDT e, na eventualidade de não possuir o respectivo suporte, quer por inexistência de CDT, quer por os Estados não terem convencionado/inscrito o referido imposto no seu âmbito, deverá ser aplicada a regra unilateral estabelecida pelo Estado Português, “in casu o art.º 81.º do CIRS.”

8.                  Mais, alegam, os Requerentes que não estando o imposto estadual abrangido na CDT entre Portugal e os EUA, deverá ser aplicada a regra unilateral prevista no artigo 81.º n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), sob pena do contribuinte ser alvo de dupla tributação que a própria lei tenta evitar. Por esta razão, não se pode promover a aplicação do n.º 2 do artigo 81.º do CIRS ao imposto estadual, pois o artigo estatui que só é aplicável aos impostos definidos nos termos da convenção.

9.                  Entendem, ainda, que foram os estados português e americano que expressamente convencionaram a não aplicação dos pressupostos estabelecidos na CDT ao imposto estadual, e que a falta de preenchimento de alguns pressupostos do âmbito de aplicação daqueles, determina a não aplicabilidade da CDT e consequente inexistência de primado desta sobre o normativo nacional.

10.               Deste modo, concluem os requerentes que o CIRS determina uma regra de aplicação aos casos de dupla tributação internacional (n.º 1 do art. 81.º), que será afastada em caso de aplicação de CDT. Não sendo aplicada CDT, não chega ao afastamento daquela regra por aplicação do n.º 2, pelo que o estado português deverá conceder o direito de crédito do imposto estadual pago nos Estados Unidos da América, no valor de 8.709 USD ou seja, € 6.045,40 (seis mil e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos).

11.               Por último, entendem os requerentes que têm direito a receber juros indemnizatórios da parte da Requerida, em virtude do pagamento de imposto que efectuaram, calculados até ao efectivo reembolso do imposto, dado que a liquidação impugnada padece de erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

1.                  Entende a Requerida, que as regras de interpretação jurídica, por um lado, da alínea a) do n.º 3 do artigo 24.º da CDT, no que à eliminação da dupla tributação diz respeito: «…a) quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta convenção, possam ser tributados nos Estados Unidos (…) Portugal permitirá a dedução do imposto sobre o rendimento desse residente de uma importância igual ao imposto de rendimento pago nos Estados Unidos» e, por outro, da subalínea i) da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da CDT no sentido de que: «1-os impostos actuais a que esta convenção se aplica são:

(…)

a)   Nos Estados Unidos:

i)     Os impostos federais sobre o rendimento lançados nos termos do Internal Revenue Code (Código Geral de Impostos) (com exclusão das contribuições para a segurança social»

permite concluir que, para efeitos desta CDT, não estão previstos os impostos estaduais dos EUA.

2.                  Acompanha, a Requerida, o raciocínio dos requerentes quanto à figura do «…crédito de imposto não se limita ao regime convencional encerrado nas convenções de Dupla Tributação» e que « …a análise do crédito de imposto não pode ser somente verificada pela inclusão de determinado imposto na convenção bilateral do respectivo país, mas antes na conjugação da legislação fiscal em vigor e as CDTs aplicáveis», no entanto, discorda das conclusões que os requerentes retiram da conjugação da legislação fiscal em vigor entre Portugal e a CDT aplicável, supra mencionada.

3.                  A sua discordância, tem suporte no Ofício n.º 20 022/00, de 19 de Maio, que estabelece que: «O artigo 80º-D do CIRS prevê, quando um residente de Portugal obtém rendimentos que podem ser tributados no outro Estado Contratante, um crédito de imposto tendente à eliminação da dupla tributação, que em regra consiste na dedução do imposto pago nesse Estado, até ao limite da fracção do imposto português calculado antes da dedução, corresponden te ao rendimento tributado no estrangeiro, ficando, no entanto, o recurso a estes mecanismos sujeito às regras das convenções sobre dupla tributação sempre que as mesmas existam».

4.                  Concluindo daqui, a Requerida que, é o próprio art.º 81.º que se auto limita quando no n.º 2 dispõe que: «2 – Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previsto pela convenção»

5.                  Entendendo, a Requerida que, in casu temos uma CDT celebrada por Portugal, termos em que a aplicação do n.º 1 se encontra limitada, em primeiro lugar pelo seu n.º 2 e, em segundo lugar e porque este n.º para elas remete, pelas próprias disposições da CDT.

6.                  Invoca, ainda, que é exactamente pela aplicação do direito interno que o crédito de imposto se limita ao imposto pago no estrangeiro nos termos previstos na convenção, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 81.º do CIRS, e a verificação da existência de uma CDT é apriorística a qualquer raciocínio, inclusive, in casu, da sua aplicação ou não. Não numa qualquer lógica de sobreposição da CDT às normas internas mas, antes sim, porque face à letra do n.º 2 da própria norma interna que é o art.º 81.º do CIRS, a CDT é condição limitativa do próprio crédito de imposto.

7.                  Mais, defende a Requerida que, pelo facto de estarmos perante crédito de imposto, decorre obrigatoriamente a análise de outras normas que encerram per si um carácter de especialidade face ao n.º 1 do art.º 81.º do CIRS, i.e., o n.º 2 daquele mesmo artigo. Decorre das regras gerais de Direito, em concreto do n.º 3 do art.º 7.º do Código Civil que: “a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.”

8.                  Sustenta a requerida a sua tese, ainda no argumento de que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º da LGT que remete para o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, interpretar uma lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar os seus sentidos e alcances decisivos. Se a apreensão literal do texto, é o ponto de partida de toda a interpretação, é, no entanto, insuficiente, porquanto será sempre necessária uma tarefa de interligação do ordenamento jurídico em que a norma está ínsita e de valoração que escapa ao domínio literal. Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem (1) sistemática, (2) histórica e (3) racional ou teleológica.

9.                  Refere, ainda, que atentos todos estes elementos que subjazem a uma correcta interpretação jurídica, não se pode logicamente concluir como os Requerentes, porquanto a entender-se como estes, bastar-se-ia que o legislador não tivesse incluído o n.º 2 do artigo 81.º do CIRS.

10.               Por último, alega, a Requerida, que não deve ser reconhecido direito de juros indemnizatórios aos aqui Requerentes, dada a conformidade legal do acto tributário, objecto do presente pedido arbitral, não sendo por isso possível considerar, existir qualquer erro imputável aos serviços.

 

IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.                No âmbito da análise ao Anexo J da Declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2009, a Divisão de Administração da Direcção de Serviços de Relações Internacionais notificou os Requerentes, através do ofício n.º …, de 30.01.2012, de que: “ de acordo com a informação constante dos nossos sistemas, V. Exa declarou, no Anexo J da(s) declaração (ões) modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2009, rendimentos auferidos e imposto pago no estrangeiro, tendo em consequência beneficiado de um crédito de imposto por dupla tributação internacional. Contudo de acordo com a informação recolhida, os documentos entregues não reúnem os requisitos exigidos, por não serem comprovativos dos montantes de rendimento auferido, sua natureza e imposto sofrido no estrangeiro, passado e/ou autenticado por autoridade fiscal e representativo dos montantes totais e finais para o mencionado ano, tratando-se do documento da entidade patronal.”, e para “ remeter a esta Direcção (…)«…documentos válidos, emitidos pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos, comprovativos dos montantes inscritos no respectivo Anexo J, conforme determinado nas instruções de preenchimento deste anexo

B.                 Em 23 de Abril de 2012, os Requerentes fizeram chegar àquela Direcção de Serviços os seguintes documentos:

a)        Declaração emitida pelo Internal Revenue Service relativa ao resumo da sua situação fiscal para o ano de 2009;

b)       Declaração autenticada por notário, atestando a liquidação de imposto emitida nos EUA, bem como os valores declarados perante o Estado da Geórgia.

C.                Na sequência da análise da declaração de rendimentos de IRS apresentada pelos Requerentes, relativa ao ano de 2009, a Direcção de Serviços de Relações Internacionais, através do Ofício n.º …, de 21.12.2012, remeteu o processo para a Direcção de Finanças do …, para efeitos de correcção da liquidação de IRS do ano de 2009, dos requerentes, no sentido de “ser retirado o crédito de imposto por dupla tributação internacional anteriormente atribuído, ao abrigo do artigo 65.º, n.º 4 do Código do IRS,” com fundamento no envio pelo requerente de “um documento das autoridades fiscais dos EUA que não é válido, (…)”.

D.                Através do ofício n.º …, de 14.01.2013, foram os Requerentes notificados do despacho de 18.12.2012, exarado pelo Director de Serviços de Relações Internacionais, onde se determinou que, em face da não autenticidade dos documentos e, por conseguinte, da impossibilidade de comprovação dos valores neles ínsitos, deveria ser retirado o crédito de imposto por dupla tributação internacional anteriormente atribuído, e para exercerem, querendo, no prazo de 15 dias o direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT.

E.                 Em 26 de Janeiro de 2013, exerceram os Requerentes o seu direito de audição prévia, onde expuseram as razões de facto que sustenta a sua posição quanto às correcções propostas, e onde juntaram cópia de declaração autenticada emitida pela F, LLP, Account Transcript do Internal Revenue Service relativa a 2009, e a declaração de rendimentos dos EUA.

F.                 Face aos novos documentos carreados pelos Requerentes, foram efectuadas alterações ao Anexo J da declaração Modelo 3 entregue pelos Requerentes, nos seguintes termos:

a)        O rendimento de trabalho dependente auferido nos EUA, declarado pelo montante de € 100.718,99 foi corrigido para a importância de € 109.455,08;

b)       O imposto pago nos EUA, declarado pelo montante de € 25.458,75 foi corrigido para o montante de € 26.554,90.

G.                Em 16 de Maio de 2013, a Direcção de Finanças do … notificou os Requerentes, através do Ofício n.º …, de 2013.05.09, de que “foram alterados alguns dos elementos constantes da declaração de rendimentos de IRS, do ano indicado, (…)” com fundamento na informação …, prestada pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais, segundo a qual “ o sujeito passivo apresentou a declaração de rendimentos dos EUA (país onde o sujeito passivo auferiu rendimentos) bem como a liquidação final do imposto. De acordo com a declaração de rendimentos dos EUA, o montante de rendimento auferido foi de 157.681USD, o montante de imposto suportado foi de 38,255USD, o que de acordo com a taxa de câmbio, publicado pelo banco de Portugal, de final de período de 1.4406, para o ano de 2009, corresponde ao valor de 109.455,08€ de rendimento auferido e 26.554,90€ de imposto suportado, montantes que deverão constar do anexo J da declaração de rendimentos, modelo 3, do referido ano. Na exposição do sujeito passivo, solicita que seja considerado o montante de 8.709USD que corresponde ao imposto estadual, no entanto de acordo com o disposto no n.º 1 b) i) do Art.º 2.º da convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e os EUA, apenas pode ser considerado o imposto federal, uma vez que o imposto estatal não está abrangido, pela CDT.

H.                No dia 31 de Maio de 2013, os requerentes foram notificados da demonstração de acerto de contas respeitante a IRS do ano de 2009, documento n.º …, com um saldo a pagar de € 2.573,03 (dois mil quinhentos e setenta e três euros e três cêntimos),

I.                   E, em 3 de Junho de 2013, receberam, os requerentes, a demonstração de liquidação de IRS do ano de 2009, constante da compensação n.º …, no valor de € 24.268,25 (vinte e quatro mil duzentos e sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos).

J.                   Os requerentes apresentaram reclamação graciosa, a 16 de Julho de 2013, autuada com o n.º …, no Serviço de Finanças da …, e instruída na Divisão de Administração da Direcção de Serviço de Relações Internacionais, expondo as razões de facto e direito que entendiam sustentar o pedido para “aceitação do crédito de imposto estadual no montante de 8.709 USD (oito mil setecentos e nove dólares) nos termos do art. 81.º do CIRS e correcção do cálculo do imposto e da liquidação.

K.                No dia 2 de Setembro de 2013, foram os requerentes notificados, através do Ofício n.º …, de 2013.08.29, da Direcção de Finanças do …., do projecto de decisão da reclamação graciosa autuada com o n.º …, no sentido do seu indeferimento, e, para, exercerem, querendo, o direito de audição prévia, nos temos do artigo 60.º da LGT.

L.                  Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia, a 16 de Setembro de 2013.

M.                Através do Ofício n.º …, de 2013.10.08, da Direcção de Finanças do …, foram os requerentes notificados, a 22 de Outubro de 2013, da decisão final da reclamação graciosa, no sentido do seu indeferimento.

 

VI. Motivação da matéria de facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

VII. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

VIII. Fundamentos de direito

 

São as seguintes as questões a apreciar e decidir:

 

1 – Aplicando-se, a Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estado Unidos da América, apenas, aos impostos federais sobre o rendimento lançados nos termos do disposto no Internal Revenue Code (Código Geral de Impostos) (com exclusão das contribuições para a segurança social), nos termos do disposto na subalínea i) da alínea b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, terão os requerentes direito ao crédito de imposto sobre o imposto estadual pago no País da Fonte, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

2 – Se os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios.

 

Vejamos,

 

 

1 - Quanto ao âmbito de aplicação da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, e o artigo 81.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

 - A dupla tributação internacional -

 

A dupla tributação é um conceito com que no Direito Tributário se designam os casos de concurso de normas. Este concurso caracteriza-se pela existência do mesmo facto se integrar na previsão de duas normas diferentes. Há, assim, concurso de normas de Direito Tributário, quando o mesmo facto se integra na hipótese de incidência de duas normas materiais distintas, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto.[1]

 

Este concurso de normas pode ocorrer em Estados diferentes, consubstanciando, face à existência de identidade do facto tributário e pluralidade de normas de sujeição pertencentes a ordenamentos jurídico-tributários diferentes, a denominada Dupla Tributação Internacional.

 

A identidade do facto tributário, para se verificar, exige que entre as duas (ou mais) tributações exista: identidade do objecto; identidade do sujeito; identidade do período tributário e identidade do imposto. “A propósito desta última identidade, diz-se que há identidade do imposto, quando, em ambos os ordenamentos, o imposto tem idêntica natureza substancial.”[2]

 

Ora, por forma a eliminar a dupla tributação internacional e obviar às consequências negativas que a mesma representa para o desenvolvimento da actividade económica internacional, foram colocados à disposição dos Estados, dois tipos de instrumentos, a saber:

i)                    as medidas unilaterais – disposições internas dos Estados – e;

ii)                  as medidas bilaterais – tratados ou convenções de dupla tributação internacional.

 

No tocante às medidas unilaterais, ensina Américo Brás Carlos que “ Os mecanismos unilaterais são, como o próprio nome indica, mecanismos internos de eliminação de dupla tributação internacional adoptados por cada Estado, sem a necessária correspondência em outros ordenamentos. Estes mecanismos podem agir relativamente à matéria colectável auferido no estrangeiro, isentando-a (Isenção integral ou progressiva), ou em relação ao imposto ali pago, permitindo a sua dedução ao imposto a pagar no país da sua residência (crédito de imposto, como seja o artigo 81.º do CIRS e o artigo 91.º do CIRC).”[3]

 

Quanto às medidas bilaterais, temos as denominadas Convenções para Eliminar a Dupla Tributação Internacional, que se consubstanciam nos “tratados internacionais celebrados entre dois Estados – Estado da fonte e o Estado da residência – através dos quais estes regulam entre si o modo de tributar factos que, por força dos elementos de conexão utilizados se compreendem no âmbito de aplicação tributária de ambos os Estados, de modo a eliminar a dupla tributação.”[4], as quais, diga-se, que nem sempre eliminando completamente a dupla tributação, sempre a poderão atenuar.

 

Vejamos,

 

- Das Medidas unilaterais de eliminação de dupla tributação internacional em Portugal – Artigo 81.º do CIRS

 

As pessoas singulares residentes em Portugal são tributadas, nos termos do artigo 15, n.º 1 do CIRS, a título de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, em conformidade com o princípio da universalidade.

 

“No direito tributário português, é o princípio da universalidade (da totalidade, da tributabilidade ilimitada ou do world-wide-income) que governa a tributação das pessoas singulares e das pessoas colectivas. O princípio da universalidade – cujas origens remontam à Lei prussiana, de 24 de Julho de 1891, do imposto sobre o rendimento e ao imposto sobre o rendimento americano de 1913 – encontra-se entre nós consagrado, quanto às pessoas singulares no artigo 1.º, n.º do 2 do CIRS, segundo o qual “os rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que seja auferido”; e ainda no artigo 15.º, n.º 1 do mesmo Código, segundo o qual ”sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.” [5]

 

Nesta sequência, e segundo ensina, ainda, aquele Autor, “Via de regra, as legislações que consagram o princípio da universalidade contêm disposições unilaterais tendentes a eliminar ou atenuar a dupla tributação a que ela pode conduzir, prevendo a outorga de um crédito de imposto por dupla tributação internacional.

 

Até ao final de 1993, a legislação portuguesa restringia o crédito de imposto por dupla tributação internacional ao círculo de países com os quais Portugal tinha celebrado acordos de dupla tributação, assim penalizando os movimentos internacionais de pessoas e capitais para os restantes, pois que dificilmente um rendimento suporta ser tributado duas vezes. Em 1994, alargou-se o âmbito do crédito de imposto por dupla tributação.

 

Era deveras surpreendente que o legislador português tivesse reiterado a consagração do princípio da universalidade, tanto em matéria de pessoas singulares, como de pessoas colectivas, sem ter dele extraído as consequências reflexas que uma justa ponderação de interesses comporta.

 

Com efeito, se a lei pretendia reconhecer o movimento de internacionalização da economia portuguesa, deveria tê-lo feito de modo amplo e racional: tributar, por um lado, a totalidade dos rendimentos mundiais, mas, por outro lado, conceder automaticamente e de pleno direito, créditos de imposto estrangeiro, fosse qual fosse a natureza do contribuinte – pessoa singular ou colectiva, filial ou sucursal de sociedade portuguesa.

 

Relativamente às pessoas singulares – que aqui nos ocupa – vigoram disposições similares. Assim, no CIRS, no seu artigo 81.º, n.º 1 prevê que os titulares das diferentes categorias de rendimentos, obtidos no estrangeiro, têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, que corresponderá à menor das seguintes importâncias: (i) imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro; (ii) fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas no referido Código.

De acordo com o n.º 2 deste artigo, quando existir convenção para evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, aquela dedução não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro, nos termos previstos na convenção.”[6]

 

Nos casos em que o Estado da fonte, onde são obtidos os rendimentos (estrangeiros) também possa tributar esses rendimentos, caberá ao Estado da residência – no presente caso – Portugal – eliminar ou atenuar a dupla tributação segundo o método da isenção ou da imputação (ou crédito) do imposto estrangeiro.

 

A inexistência de uma Convenção potencia as situações de dupla tributação, em virtude de o Estado da fonte se poder arrogar mais facilmente do direito de tributar os rendimentos ali obtidos.

 

Com efeito, e por forma a obviar tais situações, em Portugal (e no caso de rendimentos obtidos por pessoas singulares), a eliminação ou atenuação da dupla tributação poderá ocorrer por força do regime unilateral previsto no n.º 1 do artigo 81.º do CIRS.

 

Ora, o artigo 81.º do CIRS sob a epígrafe: “eliminação da dupla tributação internacional”, no seu n.º 1, prevê o regime regra, segundo o qual: “os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:

a)      Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b)      Fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.”

 

E no seu n.º 2, que será a excepção àquele n.º 1, prevê que: “quando existir convenção para eliminar a dupla tributação internacional celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do n.º anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”

 

Resulta assim, da conjugação destes n.ºs do artigo 81.º do CIRS, supra transcritos, que o n.º 1 é uma medida unilateral de eliminação ou atenuação de dupla tributação internacional, de imposto pago no estrangeiro não previsto em CDT, e que será a regra geral, enquanto que, o n.º 2 prescreve situações em que os limites previstos podem ser abarcados sem que, no entanto, ultrapassem as deduções previstas na Convenção.

 

Segundo entendemos, este n.º 2 consubstancia, nas palavras de Américo Brás Carlos“ (…) as medidas unilaterais [que] podem aplicar-se conjuntamente como medidas bilaterais resultantes das convenções para evitar a dupla tributação internacional que limitem a tributação do país da fonte (ou origem) do rendimento a uma taxa inferior à normal. A consequência é a de que a dedução à colecta do imposto português não pode ser superior ao imposto pago no estrangeiro nos termos previstos na convenção[7] – V.G. artigo 81.º, n.º 2 do CIRS.

 

Significa isto que, a aplicação do n.º 2 do artigo 81 do CIRS emprega apenas um limite à dedução dos impostos, previsto na CDT, limite este que não pode ser superior ao imposto pago no estrangeiro, nos termos previsto na convenção.

 

Com efeito, a limitação estatuída do art.º 81.º do CIRS pretende, nomeadamente, evitar que um contribuinte que pudesse ter feito accionar a convenção no pais da fonte, não o tendo feito, venha obrigar o estado português a devolver imposto seu, por força da omissão/neglicência do contribuinte.

 

- Das medidas bilaterais – convenções para evitar a dupla tributação internacional – âmbito de aplicação -

 

No tocante ao âmbito de aplicação dos tratados de dupla tributação internacional, e segundo, Alberto Xavier, in ob.cit, pág. 122, “pode ser examinado de cinco ângulos distintos: quanto às pessoas, quanto aos tributos, quanto ao território, quanto à sucessão de Estados e quanto ao tempo.

O âmbito de aplicação dos tratados contra a dupla tributação, no que concerne às pessoas, é definido em função do critério da residência e não da nacionalidade (…); em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital – que aqui nos interessa - aplicam-se, em princípio, aos tributos que revestem aquela natureza substancial, independentemente da sua denominação (nomen iuris), da pessoa de direito público, que é o seu titular ou do método adoptado para a sua cobrança. (…) Os Estados contratantes elaboram, via de regra, uma lista dos impostos actuais a que a convenção se aplica, lista que se reveste de carácter meramente declaratório, não tendo alcance limitativo.

A indicação dos impostos abrangidos pelas Convenções foi, entre nós, objecto de três técnicas distintas: as convenções procedem à definição geral do tipo de tributo sobre o rendimento, seguida de uma enumeração cujo carácter exemplificativo resulta do uso da expressão, nomeadamente; (…) outras convenções procedem também à definição geral das características dos impostos a que se aplicam, mas logo após , elaboram uma  lista taxativa dos impostos actuais nela abrangidos, pelo que a definição só faz sentido para efeitos de julgar a aplicabilidade a impostos futuros (…); enfim, o terceiro grupo de Convenções limita-se a estabelecer uma lista taxativa dos impostos actuais a que a convenção se aplica, dispensando-se de qualquer definição genérica.

(…).”

 

Ora, quanto à matéria que aqui nos ocupa, cumpre, desde já, aludir que, o Governo da República Portuguesa e o Governo dos Estados Unidos da América, com vista a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, celebraram, em 12 de Outubro de 1995, uma Convenção, publicada no DR I Série A n.º 236 de 12 de Outubro de 1995.(Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 12 de Outubro), nos termos da qual, a mesma se aplica a pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes (artigo 1.º da CDT).

 

O artigo 2.º da Convenção enuncia os impostos visados pela Convenção, e que aqui se transcrevem:

1 -  Os impostos actuais a que a esta Convenção se aplica são:

a)      Em Portugal:

… … …

b)      Nos Estados Unidos:

i)                    Os impostos federais sobre o rendimento lançado nos termos do disposto no Internal Reveneu Code ( Código Geral dos Impostos) (com exclusão das contribuições para a Segurança Social); e

ii)                  Imposto especial relativamente ao rendimento de investimento de fundações privadas, ao abrigo da secção 4940 do Internal Revenue Code, sujeito às alterações que venham a ser introduzidas, sem alterar, porém, os seus princípios gerais.”

 

Compulsando o Internal Revenue Code, dos EUA, poderemos verificar que há mais impostos federais que ficam fora do âmbito da CDT Portugal/EUA, não só o imposto estadual em causa nos presentes autos.

 

Da dicotomia apresentada por Alberto Xavier quanto aos tipos/grupos de enumeração de tributos previstos na CTD Portugal/EUA, será pacífico concluir que a CDT aqui em questão, se encontra no terceiro grupo referido por aquele Autor, tendo-se limitado “a estabelecer uma lista taxativa dos impostos actuais a que a convenção se aplica, dispensando-se de qualquer definição genérica.”

 

Assim sendo, e face a esta característica, de uma leitura do artigo 2.º da CDT, pode afirmar-se que a CDT apenas prevê normas para evitar/atenuar a dupla tributação internacional, - ao que aqui nos interessa - quanto a impostos federais, ficando de fora do seu âmbito de previsão e aplicação os impostos estaduais, aqui em causa.

 

Esta é uma conclusão que parece ser pacífica para ambas as partes no presente processo.

 

A discordância cinge-se à aplicação ou não das medidas unilaterais previstas no n.º 1 do artigo 81.º do CIRS, como forma de eliminação da dupla tributação que recai sobre o Requerente, face ao imposto estadual por ele pago nos EUA, no valor de 8 709 USD.

 

A derradeira cruzada com que nos deparamos é saber se, por um lado e como defende o Requerente, o crédito de imposto por dupla tributação internacional não se limite ao regime encerrado nas Convenções de Dupla Tributação, “e que, a análise do crédito de imposto não pode ser somente verificada pela inclusão de determinado imposto na Convenção bilateral do respectivo país, mas antes na conjugação da legislação fiscal em vigor e das CDTs aplicáveis, devendo primeiramente ser analisado se um determinado imposto encontra suporte na CDT e, na eventualidade de não possuir o respectivo suporte, quer por inexistência de CDT, quer por os Estados não terem convencionado/inscrito o referido imposto, deverá ser aplicada a regra unilateral estabelecida pelo Estado Português, “in casu o art.º 81.º do CIRS.”; ou, se por outro lado, como contrapõe a requerida, “a aplicação do n.º 1 se encontra limitada em primeiro lugar pelo seu n.º 2 e, em segundo lugar e porque este n.º para elas remete, pelas próprias disposições da CDT.(…) é exactamente pela aplicação do direito interno que o crédito de imposto se limita ao imposto pago no estrangeiro nos termos previstos da convenção, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 81.º do CIRS, e a verificação da existência de uma CDT é apriorística a qualquer raciocínio, inclusive, in casu, da sua aplicação ou não. Não numa qualquer lógica de sobreposição da CDT às normas internas mas, antes sim, porque face à letra do n.º 2 da própria norma interna que é o art.º 81.º do CIRS, a CDT é condição limitativa do próprio crédito de imposto. E que, pelo facto de estarmos perante crédito de imposto, decorre obrigatoriamente a análise de outras normas que encerram per si um carácter de especialidade face ao n.º 1 do art.º 81.º do CIRS, i.e., o n.º 2 daquele mesmo artigo. Decorre das regras gerais de Direito, em concreto do n.º 3 do art.º 7.º do Código Civil que: “a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador

 

Ora, Portugal, tal como noutros ordenamentos jurídicos, para além das inúmeras Convenções para eliminação ou atenuação da dupla tributação que celebrou com outros Estados, tem no seu ordenamento jurídico disposições que invocam medidas unilaterais com o mesmo objectivo, pelo que, antes de avançarmos, será prudente abordar a questão quanto ao lugar das convenções internacionais na hierarquia das fontes de Direito português.

 

Sobre este assunto elucida-nos, Alberto Xavier, in obra citada, pág. 117 que: “No direito português não existe, (…), acto de transformação do direito convencional em direito interno. Com efeito o n.º 2 do artigo 8.º da Constituição (que manteve intacta a sua redacção, mesmo após as revisões constitucionais subsequentes) dispõe que as normas constantes de convenções internacionais validamente celebradas (e, portanto regulamente ratificadas e aprovadas) vigoram na ordem interna logo que publicadas. Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direito e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados, como tal, perante os tribunais (princípio da eficácia directa e imediata); e que à interpretação dos seus preceitos são aplicáveis as regras da hermenêutica que vigoram quanto aos tratados e, não as que respeitam à legislação interna de cada Estado contratante.

Por outras palavras, o direito português consagra uma cláusula geral de recepção automática plena do direito internacional convencional, de harmonia com a visão monista, ou seja, a cláusula pela qual o Direito Internacional Público adquire relevância na ordem interna, independentemente de outra formalidade que não seja a mera publicação. O direito internacional vigora, assim, na ordem interna portuguesa, por efeito da vinculação internacional do Estado português e vigora na sua qualidade de direito interncional, não sendo necessária uma “transformação” ou “ordem de execução”, caso a caso, ou seja, entrando em vigor independentemente de conversão legal (princípio da aplicabilidade directa ou imediata).

 

Não obstante, a superioridade hierárquica dos tratados se encontrar proclamada quer no disposto nos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena, bem como no n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que “[d]aqui decorrem duas conclusões: (a) a de que o Direito Internacional convencional é colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico superior ao da lei; (b) a de que, em caso de conflito, o tratado se sobrepõe à lei interna.

Esta é a posição consagrada do Tribunal Constitucional.

A supremacia do tratado sobre a lei interna não se traduz, porém na revogação desta última. Com efeito, não se está aqui perante um fenómeno ab-rogativo, já que a lei interna mantém a sua eficácia plena fora dos casos subtraídos à sua aplicação pelo tratado. Trata-se, isso sim, de limitação da eficácia da lei que se torna relativamente inaplicável a certo círculo de pessoas e situações, limitação esta que caracteriza precisamente o instituto da derrogação.”[8], a verdade é que, esta questão - quanto ao primado das lei internacionais aprovadas e ratificadas pelo Estado português - nada acrescenta ao caso aqui em causa, já que, e tal como vimos, o que temos aqui em mãos é um imposto estadual, o qual não encontra previsão na CDT celebrada entre Portugal e os EUA, pelo que cumpre agora discernir se ao mesmo poderá ser aplicado o artigo 81.º do CIRS e em que termos.

 

 

 - O caso em concreto – questão decidenda

 

Decorre das regras gerais de Direito, em concreto do artigo 7.º, n.º 3 do Código Civil que: “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra fora a intenção inequívoca do legislador”.

 

No caso em concreto, temos uma regra especial que se encontra prevista na CDT, a qual não sendo possível proceder à sua aplicação, por falta de previsão ou aplicação a certo imposto, é forçoso recorrer à regra geral que o ordenamento jurídico do Estado de residência prevê, para que a eliminação ou atenuação de dupla tributação possa ser aplicado ao contribuinte (seu residente), dadas as razões de ordem económica já mencionadas.

 

Assim sendo, e no que toca à questão em apreço, a eliminação ou atenuação da dupla tributação internacional do imposto previamente pago pelos Requerentes nos EUA,  - imposto estadual, ao qual a CDT Portugal/EUA não tem aplicação, nos termos do artigo 2.º da CDT Portugal/EUA, - deverá passar pelo crivo, do n.º 1 do artigo 81.º do CIRS, como medida unilateral de evitar que ao mesmo rendimento seja aplicado o mesmo imposto por duas vezes, exactamente por o mesmo não se encontrar previsto, como imposto visado na CDT Portugal/EUA.

 

Significa isto que, primeiramente, tem de se verificar se ao imposto em causa se pode aplicar a CDT, em caso negativo e se daí não resultar a eliminação ou atenuação da dupla tributação internacional, ter-se-á que aplicar a regra unilateral.

 

Assim sendo, tendo em consideração que:

1.                  A CDT celebrada entre Portugal e os EUA não se aplica aos impostos estaduais, (apenas aos federais) por falta de previsão destes naquela Convenção;

2.                  Os requerentes pagaram imposto no estrangeiro, o qual se encontra comprovado pela declaração autenticada emitida pela F, LLP; Account Transcript do Internal Revenue Service relativa a 2009; e a declaração de rendimentos dos EUA, aceite pela Requerida para efeitos de crédito de imposto;

3.                  Os requerentes declararam no Anexo J da Declaração de Rendimentos Mod. 3 IRS, os rendimentos auferidos no estrangeiro, ao abrigo do princípio da universalidade;

 

Face à existência de medidas unilaterais para eliminar ou atenuar a dupla tributação internacional, deve ser concedido um crédito de imposto ao abrigo do artigo 81.º, n.º 1 do CIRS, pelo que carece a Requerida de razão na liquidação efectuada.

 

Face ao exposto, é o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, nº. …, relativo ao ano de 2009, parcialmente nulo, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do CIRS, em virtude de erro sobre os pressupostos de direito, devendo, em consequência, a Requerida reconhecer o crédito de imposto à Requerente no valor de € 6.045,40 (8.709 USD).

 

2ª Se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios.

 

Os Requerentes peticionam ainda que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, contados à taxa legal desde a data do pagamento do imposto até à data do seu integral reembolso.

 

Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte  pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

 

Ora, resultando, do acto tributário impugnado a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia  patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação  ilegal. Em consequência, tem, o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

 

No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade do acto de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em nos casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

 

Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, têm os requerentes direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 6.045,40 e contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.

 

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

 

a) Julgar procedente o pedido de declaração parcial de ilegalidade do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, no valor de € 6.045,40 (seis mil e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos); e

 

b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar os Requerentes da quantia que pagaram, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal, desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 6.045,40 nos termos do art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Nos termos do art.º 22, nº. 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Setembro de 2014

 

***

 

O Árbitro

Jorge Carita

 

 

 

 

 



[1] Alberto Xavier, in Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição, Almedina, pp.30.

[2] Américo Brás Carlos, in Impostos – Teoria Geral, Almedina, pág. 236.

[3] Américo Brás Carlos, in Impostos – Teoria Geral, Almedina, pág. 237 e 238.

[4] Idem, pág. 240.

[5] Idem, pág. 489.

[6] Ibidem pág. 494.

[7] Américo Brás Carlos, in Impostos – Teoria Geral, Almedina, pág. 239.

[8] Alberto Xavier, in Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição, Almedina, pp. 118.