Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 61/2014-T
Data da decisão: 2015-01-07  IRS  
Valor do pedido: € 137.466,37
Tema: IRS – Cláusula geral antiabuso; artigo 38º LGT
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 61/2014 – T

Tema: IRS – Cláusula geral antiabuso; artigo 38º LGT

 

 

       Os árbitros, Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dr. Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”), para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28 de Março de 2014, acordam no seguinte:

 

 

I.         RELATÓRIO

 

“A”, contribuinte n.º …, com domicílio fiscal na Rua …, Nº..., … , …, …-…, Sacavém, “B” e marido, “C”, respectivamente contribuintes n.ºs … e …, com domicílio fiscal na Rua …, …,…, …, …-… Sacavém, e “D” e marido, “E”, respectivamente contribuintes n.ºs … e …, com domicílio fiscal no …, Lote …., …, …, …-… Lisboa, doravante Requerentes, requereram a constituição de Tribunal Arbitral e apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do RJAT, para apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de IRS e dos inerentes juros compensatórios, referentes aos anos 2009, 2010 e 2011, no valor global de € 137.466,37, nos moldes discriminados nos quadros seguintes:

 

 

REQUERENTE

“A”

ANO

LIQUIDAÇÃO DE IRS

LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

VALOR GLOBAL

(inclui juros c.)

COMPENSAÇÃO

SALDO FINAL A PAGAR

2009

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

9.048,95

2013 … de 06-11-2013

8.728,45

2010

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

23.428,80

2013 …6 de 06-11-2013

23.373,74

2011

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

13.003,00

2013 …1 de 06-11-2013

14.285,70

 

 

 

REQUERENTES

“B” e “C”

ANO

LIQUIDAÇÃO DE IRS

LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

VALOR GLOBAL

(inclui juros c.)

COMPENSAÇÃO

SALDO FINAL A PAGAR

2009

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

8.457,75

2013 .. de 06-11-2013

9.317,48

2010

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

21.263,41

2013 .. de 06-11-2013

22.008,28

2011

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

13.547,47

2013… de 06-11-2013

13.915,13

 

 

 

REQUERENTES

“D” e “E”

ANO

LIQUIDAÇÃO DE IRS

LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

VALOR GLOBAL

(inclui juros c.)

COMPENSAÇÃO

SALDO FINAL A PAGAR

2009

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

8.544,09

2013 … de 06-11-2013

8.826,54

2010

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

20.439,41

2013 … de 06-11-2013

22.657,58

2011

2013 …

de 02-11-2013

2013 …

12.679,40

2013 …de 06-11-2013

14.353,47

 

 

 

Os Requerentes alegam, em síntese, que:

 

(a)    Não se encontram verificados os requisitos legais substantivos de que depende a aplicação da cláusula geral anti-abuso (também referida por “CGAA”) prevista no artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), partindo a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) do pressuposto erróneo de que há abuso sempre que o contribuinte não opte pela via fiscalmente mais onerosa para realizar os seus negócios;

 

(b)   As diversas operações encadeadas levadas a efeito estão inseridas no objectivo de reestruturação da estrutura societária em causa – um pequeno grupo familiar – e não configuram actos ou negócios estranhos, anómalos ou inusuais, praticados com abuso de formas jurídicas, pelo que não se verifica o elemento meio;

 

(c)    Quanto ao elemento resultado, as operações realizadas proporcionaram uma vantagem fiscal aos Requerentes, mas tal constatação é insuficiente e irrelevante para a aplicação da CGAA. Neste âmbito, o comportamento alternativo sugerido pela AT (que os Requerentes não tivessem vendido as participações e ficassem com participações equivalentes na sociedade incorporante) não produziria o efeito fiscal pretendido – a tributação dos dividendos – pois aquele comportamento não conduziria necessariamente à distribuição de dividendos pelas sociedades cujas participações foram alienadas, uma vez que nada obrigaria as sociedades a distribuírem dividendos;

 

(d)   Relativamente ao elemento intelectual não ficou comprovada uma vontade primordialmente destinada a evitar a carga fiscal dos Requerentes;

 

(e)    Por fim, a respeito do elemento normativo, consubstanciado na condenação pela ordem jurídica do resultado obtido, face à intenção ou espírito da lei, o mesmo não se verifica, pois ainda que a venda das acções tivesse uma motivação exclusivamente fiscal, o acto não seria reprovável, uma vez que o próprio legislador fiscal deixou essa porta aberta, não tributando ganhos decorrentes de venda de acções. Dito de outro modo, seria o aproveitamento lícito de uma vantagem fiscal conscientemente criada pelo legislador;

 

(f)    A AT transforma de forma artificiosa negócios jurídicos válidos e legítimos de venda de acções em distribuições encapotadas de dividendos, por forma a requalificar mais-valias excluídas de tributação em dividendos tributados;

 

(g)   Não sendo a actuação dos Requerentes violadora de quaisquer normas jurídicas, inexiste ilicitude e responsabilidade civil extracontratual, pelo que não são devidos juros compensatórios.

 

Os Requerentes concluem pela procedência da acção, pedindo a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de IRS e de juros compensatórios e uma indemnização pelas garantias prestadas para suspender os processos de execução fiscal na pendência do litígio.

 

Com a petição foram juntos documentos e arroladas duas testemunhas.

 

A AT apresentou resposta e sustenta, por impugnação, que:

 

(i)     A decisão de aplicação da CGAA é fundamentada, tendo sido adoptado o procedimento próprio constante do artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”);

 

(ii)    Foram enxertados negócios de compra e venda de acções das sociedades “F”, “G” e “H” à “I”, que se revelaram artificiais, porque despidos de substância económica, numa sequência de actos adoptados pelos Requerentes para se chegar à operação de fusão por incorporação. Os serviços inspectivos não contestaram a validade das razões económicas da fusão em concreto, mas a da referida sequência ordenada de actos tendentes às alienações de acções efectuadas previamente à fusão;

 

(iii)   Estão preenchidos todos os pressupostos substantivos de aplicação da CGAA, de acordo com o artigo 38.º, n.º 2 da LGT, pois comprovou-se que a realização da sequência de actos que culminou na alienação de acções teve por objectivo principal a exclusão da tributação, em IRS, das mais-valias obtidas, utilizando os Requerentes esse meio para, encapotadamente, efectivarem a distribuição de dividendos acumulados que, de outra forma, seriam tributados na esfera daqueles. Não foi identificada qualquer justificação económica, ainda que residual, para as transacções de compra e venda de acções que antecederam a fusão, podendo essa fusão operar-se sem aquelas operações;

 

(iv)  Foi determinada a equivalência económica dos actos ou negócios praticados face aos actos ou negócios alternativos, devendo o rendimento de mais-valias obtido com a venda das acções passar a estar sujeito a tributação a título de dividendos distribuídos, em resultado da desconsideração, para efeitos fiscais, dos actos de venda;

 

(v)   As liquidações de imposto e juros compensatórios são válidas e devidas, não se verificando os pressupostos do direito à indemnização por garantia indevida. 

 

Conclui dever a acção ser julgada improcedente, absolvendo-se a Requerida do (s) pedido(s). 

 

Juntou a estes autos o processo administrativo, de que se deu conhecimento aos Requerentes.

 

Em 23 de Setembro de 2014, teve lugar, na sede do CAAD, a primeira reunião do Tribunal Arbitral Colectivo, em conformidade com o artigo 18.º do RJAT. Não tendo sido deduzidas, nem identificadas excepções, procedeu-se à inquirição da testemunha “J”, Técnico Oficial de Contas da “I” à data dos factos, tendo sido prescindidas as demais testemunhas. Ambas as partes foram notificadas para alegações escritas e, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão arbitral que se fixou no dia 20 de Novembro de 2014.

 

As partes apresentaram alegações por escrito, mantendo, no essencial, as posições anteriormente enunciadas, reforçadas, na sua perspectiva, pela prova testemunhal produzida.

 

Compulsados os autos, constatou-se a necessidade de obtenção de informação financeira essencial ao apuramento da verdade material, pelo que foi reaberta a instrução, solicitada a junção das demonstrações financeiras das sociedades (incorporante e incorporadas) e prorrogado, por mais dois meses, o prazo para prolação da decisão.

 

 

II.      SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Admite-se a coligação de autores e a cumulação de pedidos em virtude de a procedência dos pedidos depender essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto, relativas a um conjunto encadeado de negócios jurídicos envolvendo os Requerentes, e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, neste caso da cláusula geral anti-abuso contida no artigo 38.º, n.º 2 da LGT (conforme previsão do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT). 

 

 

III.   QUESTÕES A DECIDIR

 

A principal questão a apreciar e decidir prende-se com a aferição, no caso concreto, do preenchimento dos quatro pressupostos cumulativos de aplicação do regime anti-abuso constante do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, consubstanciados (i) no meio artificioso, (ii) motivado exclusivamente por um propósito fiscal, (iii) de redução, eliminação ou diferimento do imposto, (iv) sendo o resultado alcançado não querido pelo legislador e, por essa razão, objecto de reprovação normativo-sistemática.

 

Importa, de igual modo, aquilatar dos fundamentos e extensão do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida deduzido pelos Requerentes.

 

 

 

 

IV.   FUNDAMENTAÇÃO

 

1.        DOS FACTOS

 

1.1.Factos provados

 

Com relevo para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos:

 

A.    As Requerentes mulheres “A”, “B” e “D” foram, até 20 de Julho de 2009, accionistas das seguintes sociedades:

 

(a)    F – Venda e Aluguer de Máquinas, S.A. (“F”);

(b)   G – Transportes e Cargas, S.A. (“G”);

(c)    H – Transportes Nacionais e Internacionais, S.A. (“H”); e

(d)   I – Transportes, Representações e Aluguer de Equipamentos, S.A. (“I”);

– conforme atestado pelas correspondentes certidões permanentes do registo comercial constantes do processo administrativo (“PA”) nos ficheiros PA2, PA5 e PA8.

 

SOBRE A SOCIEDADE “F”

 

B.    A “F” foi constituída em 1988, com o capital social de € 250.000,00 dividido em cinco quotas, no valor nominal de € 110.000,00 (duas quotas) pertença de “K” e de “L” (progenitores das Requerentes mulheres), e € 10.000,00 (três quotas) pertencentes a cada uma das três filhas do casal: “A”, “B” e “D” – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8.

 

C.    Em 22 de Dezembro de 2008, foi registado um aumento de capital social da “F”, no montante de € 350.000,00, elevando-se o capital social para € 600.000,00, a que se seguiu a transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, ficando o respectivo capital representado por 600.000 acções com o valor nominal de € 1,00 cada, distribuídas do seguinte modo:

(a)      “K”, 264.000 acções, no valor de € 264.000,00, correspondentes a 44% do capital social;

(b)     ”L”, 264.000 acções, no valor de € 264.000,00, correspondentes a 44% do capital social;

(c)      “A”, 24.000 acções, no valor de € 24.000,00, correspondentes a 4% do capital social;

(d)     “B”, 24.000 acções, no valor de € 24.000,00, correspondentes a 4% do capital social;

(e)      “D”, 24.000 acções, no valor de € 24.000,00, correspondentes a 4% do capital social;

cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 20 juntos com o pedido arbitral.

 

D.    De acordo com a informação financeira reportada a Maio de 2009, a “F” registava a essa data resultados transitados no montante de € 21.557,56 e resultados líquidos do exercício (de 2009) no valor de € 173.217,86 – cf. Informação financeira junta pelas Requerentes, em particular o ficheiro_Balancete_”F”_Maio 2009, utilizando-se, para cálculo do resultado líquido (Rendimentos da Classe 7 – Gastos da Classe 6), uma taxa nominal de IRC de 12,5% até € 12.500 (lucro tributável) e de 25% para o valor remanescente, aplicando-se de seguida a derrama municipal e assumindo-se a inexistência de prejuízos fiscais reportáveis. 

 

SOBRE A SOCIEDADE “G”

 

E.    A “G” foi constituída em 1993 com o capital social de € 750.000,00 dividido em duas quotas, no valor nominal de € 375.000,00 cada, pertencentes a “K” e a “L” (progenitores das Requerentes mulheres) – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 20 juntos com o pedido arbitral.

 

F.    Em 22 de Dezembro de 2008, foi aumentado o capital social da “G”, no montante de € 450.000,00, realizado por incorporação de resultados transitados (€ 444.478,22) e por incorporação de reservas legais (€ 5.521,38) elevando-se o capital social para € 1.200.000,00, dividido em duas quotas de € 600.000,00, pertencentes aos sócios acima identificados – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 20 juntos com o pedido arbitral.

 

G.   Na mesma data (22.12.2008) “K” dividiu a sua quota em três e cedeu a duas das suas filhas, “A” e “D”, duas quotas no valor de € 60.000,00 e de € 120.000,00 respectivamente – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 20 juntos com o pedido arbitral.

 

H.   Também na mesma data (22.12.2008) “L” dividiu a sua quota em três e cedeu a duas das suas filhas, “A” e “B”, duas quotas no valor de € 60.000,00 e de € 120.000,00 respectivamente, tendo sido unificadas as duas quotas de € 60.000,00, na titularidade de “A”, numa quota no valor de € 120.000,00 – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 20 juntos com o pedido arbitral.

 

I.      Seguiu-se a transformação da “G” de sociedade por quotas em sociedade anónima, ficando o respectivo capital social de € 1.200.000,00 representado por 1.200.000,00 acções com o valor nominal de € 1,00 cada, distribuídas do seguinte modo:

(a)      “K”, 420.000 acções no valor de € 420.000,00, correspondentes a 35% do capital social;

(b)     “L”, 420.000 acções no valor de € 420.000,00, correspondentes a 35% do capital social;

(c)      “A”, 120.000 acções no valor de € 120.000,00, correspondentes a 10% do capital social;

(d)     “B”, 120.000 acções no valor de € 120.000,00, correspondentes a 10% do capital social;

(e)      “D”, 120.000 acções no valor de € 120.000,00, correspondentes a 10% do capital social;

cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 20 juntos com o pedido arbitral.

 

J.     De acordo com a informação financeira reportada a Maio de 2009, a”G” registava a essa data resultados transitados no montante de € 8.816,02 e resultados líquidos do exercício (de 2009) no valor de € 277.281,08 – cf. Informação financeira junta pelas Requerentes, em particular o ficheiro_Balancete_”G”_Maio 2009, utilizando-se, para cálculo do resultado líquido (Rendimentos da Classe 7 – Gastos da Classe 6), uma taxa nominal de IRC de 12,5% até € 12.500 (lucro tributável) e de 25% para o valor remanescente, aplicando-se de seguida a derrama municipal e assumindo-se a inexistência de prejuízos fiscais reportáveis.   

 

SOBRE A SOCIEDADE “H”

 

K.   A “H” foi constituída em 14 de Maio de 1990 com o capital social de € 249.400,00 dividido por quatro quotas: uma no montante de € 49.880,00, na titularidade de “M; outra no montante de € 49.880,00, na titularidade de “D”, e duas quotas de € 99.760,00 e de € 49.880,00, ambas pertencentes a “E” – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral.

 

L.    Em 21 de Dezembro de 2007, o sócio " dividiu a quota de que era titular, no valor de € 49.880,00, em duas novas quotas de € 24.940,00 cada, que cedeu a “L” e a “A”. A sócia “D” dividiu também a sua quota de € 49.880,00 em duas quotas, de € 24.940,00 cada, tendo cedido uma delas a “B”. Por fim, “E” cedeu a sua quota de € 49.880,00 a “K” e dividiu a quota de € 99.760,00 em duas, de € 62.350,00, que cedeu a “L” e de 37.410,00, que cedeu a “K” – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral.

 

M.  Em 22 de Dezembro de 2008, a “H” foi transformada em sociedade anónima e o respectivo capital social aumentado no montante de € 37.600,00, elevando-se para € 287.000,00, dividido em 287.000 acções com o valor nominal de € 1,00 cada, distribuídas do seguinte modo:

(a)      “K”, 100.450 acções, no valor de € 100.450,00, correspondentes a 35% do capital social;

(b)     “L”, 100.450 acções, no valor de € 100.450,00, correspondentes a 35% do capital social;

(c)      “A”, 28.700 acções, no valor de € 28.700,00, correspondentes a 10% do capital social;

(d)     “B”, 28.700 acções, no valor de € 28.700,00, correspondentes a 10% do capital social;

(e)      “D”, 28.700 acções, no valor de € 28.700,00, correspondentes a 10% do capital social,

cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral.

 

N.    De acordo com a informação financeira reportada a Maio de 2009, a “H” registava a essa data resultados transitados no montante de € 6.474,00 e resultados líquidos do exercício (de 2009) no valor de € 53.034,06 – cf. Informação financeira junta pelas Requerentes, em particular o ficheiro_Balancete_”H”_Maio 2009, utilizando-se, para cálculo do resultado líquido (Rendimentos da Classe 7 – Gastos da Classe 6), uma taxa nominal de IRC de 12,5% até € 12.500 (lucro tributável) e de 25% para o valor remanescente, , aplicando-se de seguida a derrama municipal e assumindo-se a inexistência de prejuízos fiscais reportáveis. 

 

SOBRE A SOCIEDADE “I”  E A VENDA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

 

O.   A “I” foi constituída em 8 de Outubro de 1973, sob a forma de sociedade por quotas. Dedicou-se, na sua fase inicial, ao aluguer de gruas e, posteriormente, alargou o âmbito dos serviços prestados ao aluguer de módulos pré-fabricados, camiões equipados com braço de carga, plataformas elevatórias, empilhadores e multifunções, pás carregadoras, escavadoras, recto e escavador, mini recto escavadoras e cilindros – cf. Documento 31 junto com o pedido arbitral e certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8.

 

P.    Em 4 de Outubro de 1989, dá-se a entrada da família F… na “I”, através de cessão de quotas a “L” – cf. Documento 32 junto com o pedido arbitral.

 

Q.    Em 9 de Novembro de 1990, J… F… reforça a sua posição na “I”, adquirindo 29.950.000$00 (€ 149.389,97) dos 30.000.000$00 ((€ 149.639,37) de capital social desta sociedade – cf. Documento 33 junto com o pedido arbitral.

 

R.    Em 2005, a “I” passou a ter o objecto social de comércio de representações, compra, venda e aluguer de gruas, montagem de estruturas metálicas e de máquinas e o capital social, de € 1.500.000,00, dividido em quatro quotas:

(a)    uma quota de € 249,40, pertencente a “N”;

(b)   três quotas de € 299.875,30; € 299.875,30 e € 900.000,00 todas pertencentes a “K”;

cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8.

 

S.     O valor de resultados transitados da “I”, com referência a 31 de Dezembro de 2008, foi de € 4.345.257,00 – cf. Relatórios de Inspecção Tributária (“RIT”) juntos com o PA, ficheiros PA1, PA4 e PA7.

 

T.    Os accionistas da “I” decidiram pôr em prática um plano de racionalização e reorganização das sociedades que faziam parte integrante do grupo familiar – de acordo com o depoimento da testemunha inquirida.

 

U.    A razão de ser e objectivo da restruturação foi a racionalização de custos e a simplificação da estrutura societária pertencente à família …, que detinha diversas sociedades com actividades similares às da “I” e que concorriam entre si (a “F”, a “G” e a “H”) – de acordo com o depoimento da testemunha inquirida.

 

V.    Com a reestruturação visou-se a junção das diversas sociedades existentes numa só [a “I”] e pretendia-se que a mesma fosse concretizada através de um processo prático, simples e económico – de acordo com o depoimento da testemunha inquirida. 

 

W.  Constituía política da “I” e, bem assim, da “F”, “G” e “H”, não distribuir resultados/dividendos, tendo em vista manter nas sociedades os capitais que lhes permitissem realizar investimentos, ou seja, capitalizar as sociedades – de acordo com o RIT constante do PA1, PA4 e PA7 e com o depoimento da testemunha inquirida. 

 

X.   Em 29 de Junho 2009, o capital social da “I” foi aumentado no montante de € 4.000,00, subscrito na íntegra em dinheiro pelos novos sócios “L”, “D”, “B” e “A”, cada um na importância de € 1.000,00, ficando a sociedade com o capital social de € 1.504.000,00 – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8.

 

Y.    Na mesma data (29.06.2009), a “I” transformou-se em sociedade anónima adoptando a denominação social "I – Transportes, Representações e Aluguer de Equipamentos, S.A.”, e o seu objecto social passou a ser o comércio de representações, compra, venda e aluguer de gruas, montagem de estruturas metálicas e de máquinas e a indústria de transporte de mercadorias em regime de aluguer – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8.

 

Z.    Em 20 de Julho de 2009, os Requerentes transmitiram à “I”, já transformada em sociedade anónima (em 22.12.2008), a totalidade das acções de que eram titulares nas sociedades “F”, “G” e “H”. A aquisição por parte da “I” obteve parecer favorável do Fiscal Único desta sociedade – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 34 e 35 juntos com o pedido arbitral.

 

AA.    As acções dos Requerentes nas sociedades “F”, “G” e “H” foram vendidas à “I” pelo preço total de € 676.200,00 – de acordo com o RIT constante do PA1, PA4 e PA7.

 

BB.                       Para aquisição das acções das sociedades “F”, “G” e “H” aos Requerentes e, bem assim, aos progenitores das Requerentes mulheres, “K” e “L”, a “I” despendeu o total de € 4.174.257,00, sendo o valor dos resultados transitados registados na “I”, a 31 de Agosto de 2008, de 4.345.257,00 – cf. RIT constante do PA1 PA4 e PA7.

 

CC.                       Em 7 de Agosto de 2009, foi registado o projecto de fusão por incorporação na “I”, por transferência global de património das sociedades “F”, “G” e “H” – cf. projecto de fusão, parecer do ROC e certidão permanente constantes dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral.

 

DD.    Em 16 de Setembro de 2009, foi registada a fusão por incorporação nos moldes projectados, fundindo-se a “I” com a “F”, a “G” e a “H”, sendo a primeira incorporante. As três últimas sociedades foram incorporadas e, em virtude da fusão, extinguiram-se – cf. projecto de fusão, parecer do ROC e certidão permanente constantes dos ficheiros PA2, PA5 e PA8.

 

EE.    Em 15 de Setembro de 2010, o capital social da “I” foi reduzido em € 249,40, como consequência da amortização de acções do accionista “N” passando o capital social a cifrar-se em € 1.503.750,60 – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral.

 

FF.      Em 14 de Outubro de 2010, o capital social da “I” foi aumentado, no montante de € 249,40, voltando ao valor registado antes da referida amortização de acções, i.e., de € 1.504.000,00 – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral.

 

GG.    Em 18 de Outubro de 2010, a “I” aumentou de novo o seu capital social, no valor de € 1.499.000,00, integralmente subscrito em dinheiro pela accionista “L”, correspondente à emissão de 299.800 acções de valor nominal igual a € 5,0 cada. O capital social, após este aumento, fixou-se em € 3.003.000,00, representado por 600.600 acções – cf. certidão permanente constante dos ficheiros PA2, PA5 e PA8 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral. 

 

HH.   À data deste aumento de capital o Balanço da “I” evidenciava capitais próprios negativos, no montante de € 1.504.000,00 – cf. RIT constante do PA1 PA4 e PA7 e provado por acordo.

 

II.        Com base nas Ordens de Serviço n.ºs O…, O… e O… (quanto à Requerente “A”), O…, O… e O… (quanto à Requerente “D”) e O…, O… e O… (quanto à Requerente “B”), despachadas pelo Chefe de Divisão em 10 de Maio de 2013, foi iniciado um procedimento inspectivo aos Requerentes, abrangendo os exercícios de 2009 a 2011 – cf. PA e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral. 

 

JJ.      Os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que o caso analisado se subsumia à hipótese da norma constante do artigo 38.º, n.º 2 da LGT e ao procedimento próprio previsto no artigo 63.º do CPPT – cf. PA1, PA4 e PA7 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral. 

 

KK.   Os projectos de decisão de aplicação da CGAA foram notificados aos Requerentes em 5 de Julho de 2013 – cf. PA1, PA4 e PA7.

 

LL.    Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia pugnando pela não verificação dos pressupostos de aplicação da CGAA – cf. PA1, PA4 e PA7 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral. 

 

MM. Em 24 de Outubro de 2013, os Requerentes foram notificados da decisão final do procedimento de aplicação da CGAA e dos Relatórios de Inspecção Tributária (“RIT”) contendo os respectivos fundamentos – cf. PA1, PA4 e PA7 e Documentos 28 a 30 juntos com o pedido arbitral. 

 

NN.    Constam do RIT os fundamentos infra transcritos – cf. PA1, PA4 e PA7:

“A operação de venda das acções da "F", "G" e "H" que antecedeu a operação de fusão destas sociedades com a "I" constitui um negócio que, com abuso de formas jurídicas, teve como objectivo fundamental a eliminação de encargos tributários que seriam devidos se ao invés da transmissão da totalidade das acções das primeiras três sociedades, a fusão se tivesse operado sem tal operação, já que a coberto do pagamento do correspondente preço, beneficiou a s.p. (…) de importâncias que de outro modo seriam tributadas a título de dividendos distribuídos, nos termos da aI. h) do n.º 2 do art. 52 do CIRS.

Com efeito, sem a prática de tal negócio jurídico, i.e, sem a manipulação negocial referida, as importâncias recebidas como "contrapartida" da transmissão das participações sociais, ou seja, o "preço", seriam tributadas, mas a outro título, ou seja, como dividendos, porquanto [… ilegível] "pagamento" fez-se com os resultados transitados na "I" (sociedade incorporante) para cujo montante global concorreram, aliás, os resultados, também, transitados das sociedades incorporadas "F", "G" e "H", já que como decorre da análise dos balanços destas sociedades não era politica das sociedades, quer incorporadas, quer incorporante, distribuir dividendos [… ilegível] facto este confirmado pela administradora da "I, SA" (…) em termo de declarações (Anexo VIII).

Ou seja, conforme se poderá constatar a totalidade dos resultados transitados na “I” (somatório dos resultados das incorporadas com os da incorporante) foram utilizados até ao respectivo esgotamento no "pagamento do preço" das acções adquiridas pela" I". Resultados esses acumulados ao longo de vários exercícios económicos, face, como supra referido, à política de não distribuição de resultados das sociedades em causa.

Por outro lado, atendendo à existência de relações especiais entre as partes, questionada a administradora da "I SA", “D” (…) foi referido que: "Não existiu nenhum estudo de análise económica, tendo sido alienadas as partes de capital pelo valor estipulado em contrato, de acordo com a vontade das partes." (…) se conclui que a operação de transmissão das acções das sociedades "F, SA", "G, SA” e "H SA" à sociedade "I, SA", não foi delineada por si com um sentido económico, não tendo sido assegurada a contratação de um preço objectivo, com aceitação entre entidades independentes.

Recorde-se que foi definido como preço unitário das acções € 2,00 para as sociedades "F, SA” e "H, SA" e € 1,00 para as sociedades "G, SA", sendo que para esta última sociedade o preço unitário para os restantes accionistas foi fixado em €2,4286. Resulta que, ao invés de ser determinado de forma objectiva o valor económico das sociedades com vista à determinação do justo valor das sociedades, foi antes definido o valor que a sociedade G,, SA" teria para remunerar os vendedores (e accionistas, valor este influenciado por uma politica de não distribuição dos lucros ao longo dos exercícios económicos.)

Prova concludente que não existiu qualquer avaliação económica às sociedades para efeitos de determinação do valor unitário das acções e que o preço foi fixado em função da capacidade de remuneração de que a "I" dispunha (tal como sucede, aliás, na decisão de distribuição de dividendos) é o facto de para uma das sociedades, em contratos de compra e venda de acções, efectuados no mesmo dia (20.07.2009), terem sido fixados preços por acção diferentes, em função da percentagem detida no capital social pelos respectivos accionistas.

Face ao exposto, concluímos desde já que: [i) os accionistas das sociedades "F, Sa", "G, SA" e "H, SA", entre os quais se inclui a s.p. inspeccionada, como detentora de uma percentagem do capital social destas sociedades, decidiram em 20.07.2009 vender as suas participações no capital destas sociedades à "I, SA", cujo capital é igualmente detido pelos mesmos accionistas e na mesma proporção, conforme já descrito neste relatório; (ii) o preço acordado pelas partes (vendedores e compradores coincidentes, porquanto indirectamente a "I,, SA”  [… ilegível] pelos vendedores) é definido em função da capacidade que a "I, SA" teria para remunerar os seus accionistas decorrentes desta operação e seguindo um critério subjectivo nessa mesma [… ilegível] que inclusive conduz à fixação de preços de venda por acção divergentes; (iii) (…) remuneração advém do facto desta sociedade nunca ter distribuído resultados ao longo da sua vida económica; (iv) por fim, mais de 90% do valor pago acontece após a fusão da sociedade. A remuneração dos accionistas é também efectuada com recurso a capital das sociedades incorporadas as quais também não distribuíram resultados ao longo da sua vida económica.

De ressaltar, em acréscimo e por último, que a transmissão das participações sociais não revestia em si mesmo um carácter indispensável, nem à concretização da posterior operação de fusão por incorporação, nem à obtenção, em termos fiscais, do regime de neutralidade fiscal que o art. 74º do CIRC associa, nomeadamente, à fusão, verificadas certas condições.

(…)

Designadamente, ao invés de transmitir para a "I, S.A." a totalidade das participações sociais de que era detentora nas sociedades incorporadas, poderia a globalidade do património das incorporadas ter sido transmitida para a "I, S.A.", com a atribuição à s.p. de acções da sociedade Beneficiária, i.e., da "I, S.A., com o consequente aumento de capital.

Ao não proceder desta última forma, teve a s.p. por objectivo fundamental obter, por tal via, "dividendos" não tributados, porquanto as importâncias já pagas (ao longo dos anos de 2009, 2010 e 2011), nos montantes, repete-se de €45.080,00; €112.700,00 e €67.620,00, respectivamente, o foram, tendo como causa justificativa o "pagamento de preço" das acções transmitidas que antecederam operação de fusão por incorporação das sociedades a que vem sendo feita referência ao longo do presente projecto de aplicação da cláusula anti-abuso.

Revestiu-se, consequentemente, tal negócio jurídico, isto é, a venda das participações sociais (acções), de uma natureza artificiosa, sendo a prática do mesmo determinada unicamente por razões fiscais.

Por todo o exposto, forçoso se torna concluir que a motivação subjacente aos actos praticados foi exclusivamente fiscal que não assente em qualquer critério dito de racionalidade económica, em que, ao invés da prática de uma operação de fusão (com atribuição de novas participações sociais aos accionistas da beneficiária) accionistas da beneficiária) foi efectuada uma venda das participações sociais anteriormente à fusão, gerando-se assim, por efeito da mesma, um crédito na esfera da aqui sujeito passivo satisfeito à custa dos resultados transitados da "I" e das sociedades fundidas.

Na verdade, a 31.12.2008, conforme quadro infra o valor dos resultados transitados da sociedade "I" era de montante aproximado ao valor global acordado para a transmissão das acções:

 

1 – Resultados transitados a 31.12.2008

€4.345.257,00

2 – Vendedores

 

“K” e “L”

€3.497.800,00

“D”

€225.400,00

“B”

€225.400,00

“A”

€225.400,00

3 – Valor global de transmissão

€4.174.257,00

4 – Excesso

€171.257,00

(…)

Não é de mais salientar que a sujeito passivo na qualidade de vendedora e de forma indirecta também compradora, decide vender pelo preço que os próprios accionistas determinaram que seria igual à capacidade que a entidade compradora teria de os remunerar, com a particularidade que para contratos efectuados no mesmo dia, para uma das situações, foram fixados preços por acção diferentes em função da percentagem que os sujeitos passivos detêm no capital da sociedade. Decorridos dezassete dias (número de dias que medeia entre a venda das acções e a assinatura do projecto de fusão) ficam definidos os contornos de uma operação de fusão, que como o conjunto de actos e negócios jurídicos praticados evidenciam, se conclui ter sido o objectivo último de toda a sequência factual elencada.

Assim é que, conforme decorre dos contratos de compra e venda das acções analisados por estes Serviços (Anexo II), o valor para a transmissão das acções fixou-se no dobro do valor nominal que as acções da "F", e " H" detinham à data em que foi acordada a respectiva venda, sendo que para as acções da “G” o preço unitário de venda das acções acordado foi de €1,00 ou seja, conforme se demonstra no quadro infra:

 

Sociedades

Número de acções detidas pela (…)

Preço de Venda

Valor de Venda

“F”, SA

24.000 acções

€2,00

€48.000,00

“G”, SA

120.000 acções

€1,00

€120.000,00

“H”, SA

28.700 acções

€2,00

€57.400,00

E, finalmente, a sequência de actos descrita supra, a começar, designadamente pela transformação das sociedades "F", "G" e" H" de sociedades por quotas em sociedades anónimas, no mês de Dezembro do ano de 2008, seguida da transformação, já em Junho de 2009, também da "I" do tipo quotas para o tipo anónima, com o alargamento do respectivo objecto social (de molde a abarcar as actividades que parcelarmente as três sociedades prosseguiam a título individual), a compra da totalidade das acções pela "O, S.A." aos accionistas da "F SA", "H, SA" e "G, SA" em Julho de 2009.

Por último, a fusão em Setembro de 2009 (com o Projecto de Fusão a ser assinado em Agosto desse ano, demonstram um conjunto concatenado de actos/negócios jurídicos cujo fim último foi a fusão por incorporação, mas conforme supra se descreveu, no concernente à compra das acções, negócio enxertado nesta sequência, foi o mesmo determinada por razões exclusivamente fiscais, já que o referido negócio era desnecessário para o processo de fusão se poder efectivar (Cfr. quadro demonstrativo da cronologia dos actos e negócios jurídicos)·

(…)

Reforça-se, assim, que os resultados obtidos com a alienação das partes sociais só são plenamente alcançados, porque foi desenhada uma sucessão concertada de actos e negócios jurídicos que permitiu em acréscimo, com as transformações societárias operadas (do tipo quotas para o tipo anónima) à exclusão, também, da tributação das mais valias que, não fora tal procedimento, se mostraria devida.”

 

OO.   Os Requerentes foram notificados das liquidações de IRS e de juros compensatórios supra identificadas no ponto I. Relatório, e que aqui se dão por reproduzidas, cujos prazos limite para pagamento terminaram em 16 de Dezembro de 2013 e em 6 de Janeiro de 2014 – cf. PA e Documentos 1 a 27 juntos com o pedido arbitral. 

 

PP.     Os Requerentes prestaram garantias bancárias para suspensão dos processos de execução fiscal relativos às liquidações de IRS e de juros compensatórios aqui contestadas, tendo incorrido em custos com as mesmas que ascendiam, em Setembro de 2014, ao valor global de € 3.724,50 – cf. requerimentos e documentos juntos pelos Requerentes ao processo.

 

QQ.   Em 24 de Janeiro de 2013, os Requerentes apresentaram requerimento de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo junto do CAAD – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

1.2.Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

1.3.Motivação da decisão de facto

 

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações juntos ao processo acima discriminados a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cuja autenticidade e veracidade não foi questionada pelas partes e, bem assim, na prova testemunhal produzida.

 

       Foi também ouvido como testemunha o Dr. José Duarte Martins, Técnico Oficial de Contas da “G” à data dos factos, o qual se deslocava semanalmente às instalações desta sociedade e que acompanhou o processo de reestruturação. A testemunha depôs de forma transparente e com isenção.

 

 

2.         DO DIREITO

 

2.1.Introdução

 

       Discute-se se os negócios jurídicos de alienação das participações sociais das sociedades “F”, “G” e “H”, por parte dos Requerentes, enquadrados numa sequência estruturada de actos que culminaram na fusão por incorporação daquelas sociedades na sociedade “I”, dos quais resultou uma vantagem fiscal, configuram uma conduta abusiva à face do disposto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT.

 

       Importa aquilatar se, como invoca a AT, os mencionados negócios merecem a qualificação de artificiosos e abusivos, para efeitos fiscais, por não estarem fundados em razões de racionalidade económica e serem inúteis à concretização da fusão e dos seus objectivos, representando tão-só uma forma de requalificar ou re-caracterizar os rendimentos obtidos pelos Requerentes.

 

       Neste âmbito, a AT afirma que o único fito destes negócios de venda de participações consistiu na transformação artificial de dividendos, sujeitos a tributação, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS, em mais-valias excluídas de tributação ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2, alínea a)[1] do referido diploma, representando uma distribuição de dividendos encapotada sob a veste de preço.

 

2.2.   O regime da Cláusula Geral Anti-Abuso previsto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT

 

O artigo 38.º, n.º 2 da LGT consagrou uma norma geral anti-elisiva em matéria fiscal[2], que combina cumulativamente o critério do fim prosseguido, subjacente à doutrina da fraude à lei, e o critério do meio empregue, desenvolvido pela doutrina do “abuso das formas jurídicas”, que delimita o seu âmbito de aplicação[3].

 

Dispõe a citada norma que:

 

“2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas[4].

 

Conforme reconhecem os Requerentes e a AT, o preceito decompõe-se em cinco elementos, dos quais quatro formam a respectiva factispecie tributária, constituindo os pressupostos cumulativos de aplicação da CGAA – elementos meio, resultado, intelectual e normativo[5] –, correspondendo o quinto elemento, dito sancionatório, à sua estatuição.

 

O fenómeno elisivo revela-se contrário aos fins da(s) norma(s) fraudada(s) e da própria ordem jurídica[6], embora seja um desvio perpetrado por meios lícitos, quando isoladamente considerados. Apresenta menor grau de desvalor quando comparada com a evasão, o que justifica uma reacção atenuada por parte da ordem jurídica. Esta reacção, sem pôr em causa a validade dos actos jurídicos, passa necessariamente por desconsiderar os efeitos fiscais deles tipicamente decorrentes. A ineficácia que afecte os actos jurídicos deve ser meramente fiscal.

 

Acompanha esta doutrina a ideia de que se forem utilizadas vias inusuais ou artificiais para alcançar determinado resultado económico traduzindo-se em situações de não incidência tributária que não estejam em conformidade com os fins da norma fiscal, a ordem jurídica deve sujeitá-las a uma tributação idêntica à que recairia sobre as vias normais ou típicas de alcançar esse resultado. 

 

Em idêntico sentido se pronuncia a nossa jurisprudência ao considerar que a previsão do artigo 38.º, n.º 2 da LGT “consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são: 1 - O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 2 - O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 3 - O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal; 4 – [O] Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas” cf. Acórdãos de 15 de Fevereiro de 2011, do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), processo n.º 4255/10, e 14 de Fevereiro de 2012, processo n.º 5104/11.

 

No caso concreto, as partes divergem quanto à verificação dos mencionados requisitos, pelo que seguidamente se aprecia de forma autónoma cada um deles, sem prejuízo da sua “relação de conexão e interdependência”, como refere J.L. Saldanha Sanches[7], ou, no dizer de Gustavo Lopes Courinha, da sua relação de auxílio mútuo[8].

 

1.

1.1.

1.2.

2.3.Aplicação concreta

 

       Os Requerentes alegam que os requisitos substantivos de que depende a aplicação da CGAA não estão verificados no caso sub judice, o que, em seu entender, impediu também o cumprimento dos deveres de fundamentação pela AT.

 

       Antes de mais, cabe distinguir os vícios materiais, de violação de lei por erro nos pressupostos, sejam de facto ou de direito, do vício de falta de fundamentação, este último de natureza formal.

 

       Na situação vertente, a AT fundamentou extensivamente e de forma inteligível a aplicação da CGAA, conforme resulta da matéria de facto. Assim, independentemente de concordarmos com as razões invocadas, não ocorre o vício de falta de fundamentação das liquidações alegado pelos Requerentes.

 

       Ultrapassada a apreciação dos vícios formais, impõe-se, relativamente às condições materiais de aplicação da CGAA, confirmar a verificação cumulativa dos quatro elementos assinalados: resultado; meio; intelectual e normativo-sistemático.

 

 

Elemento resultado

 

       É indispensável para a qualificação da conduta fiscal abusiva que a mesma consubstancie uma vantagem fiscal, entendendo-se como tal “qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinados actos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação” na definição proposta por Gustavo Lopes Courinha[9].

 

       A alienação das acções da “F”, da “G” e da “H”, nas condições verificadas, proporcionou efectivamente aos Requerentes uma vantagem fiscal. Com efeito, a incidência tributária sobre o recebimento das importâncias em causa (preço recebido pela venda das acções) a título de dividendos resultaria na respectiva tributação em IRS. Ao realizarem a operação de venda de participações os Requerentes ficaram enquadradas no regime de exclusão de tributação das mais-valias, aplicável a acções detidas há mais de doze meses, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do Código do IRS, vigente à data (2009)[10].

 

       Assim, por efeito da venda das acções os Requerentes beneficiaram de um ingresso patrimonial na sua esfera que não foi sujeito a tributação, ao passo que se tal ingresso tivesse ocorrido por via da distribuição de dividendos sempre seria tributado em IRS. 

 

       Contudo, a existência de uma vantagem fiscal equacionada em abstracto não é suficiente para caracterizar uma conduta abusiva.

 

       Como a própria AT refere, no âmago da CGAA está efectivamente uma operação de comparação dos actos e negócios a desconsiderar com aqueles que representam o caminho normal e coerente para atingir um dado resultado económico-jurídico.

 

       “Exige-se pois, como parte do elemento resultado (…) que se comprove a característica especial da equivalência de resultados não fiscais, a que não corresponde uma equivalente oneração tributária[11], ou seja, que os actos elisivos produzam efeitos equivalentes, sem no entanto produzirem as respectivas consequências tributárias. (realce nosso)

 

       Alberto Xavier salienta que a CGAA visa a tributação de “actos ou negócios jurídicos não subsumíveis ao tipo legal tributário, mas que produzem efeitos económicos equivalentes aos dos actos ou negócios jurídicos típicos, sem, no entanto, produzirem as respectivas consequências tributárias.” [12].

 

       No caso concreto, relembra-se que, em 20 de Julho de 2009, os Requerentes transmitiram à “I”, sociedade da qual também eram accionistas, as participações sociais de que eram titulares nas sociedades “F”, “G” e “H”.

 

       Esta operação inseriu-se numa sequência encadeada de actos de reorganização das estruturas societárias, com o objectivo de reunir numa só sociedade diversas entidades que desenvolviam actividades idênticas, e até concorrentes, às da “I”, em obediência a critérios de simplificação e de racionalização de custos. Pretendia-se que a reestruturação fosse efectivada da forma mais prática, simples e económica.

 

       Neste contexto, poder-se-ia dizer, secundando a AT, que introduzir um passo, prévio à fusão, de venda à entidade incorporante das participações sociais das sociedades a incorporar detidas pelos Requerentes, nada acrescentou à projectada fusão (esta, com objectivos de racionalidade económica inegáveis), pelo que tal passo intercalar (consubstanciado na venda das participações sociais) visaria somente um resultado equivalente ao da distribuição de lucros, só que sem tributação.

 

       Porém, não pode acolher-se esta argumentação.

 

       Desde logo, porque uma fusão por absorção de sociedades integralmente detidas é mais simples e linear do que uma fusão por incorporação que não observe tal pressuposto (o da detenção integral das sociedades absorvidas), por não ser necessário estabelecer uma relação de troca e, portanto, dispensando um estudo económico de avaliação das participações.

 

       Deste modo, objectivos de praticabilidade e simplicidade, que inequivocamente regeram a reorganização societária, podem também ter presidido à decisão de alienação das participações sociais à “I”, previamente à fusão das sociedades nesta, não estando demonstrado, como pretende a AT, que a venda das participações sociais tenha obedecido a um desígnio fiscal.

 

       Mas, mais importante e decisiva é, no entanto, a conclusão de que a própria premissa de equivalência do resultado é errónea, o que se extrai facilmente de uma análise detalhada dos factos, inquinando e invalidando o raciocínio da AT.

 

       Na verdade, no caso concreto, os efeitos económicos das operações de venda de participações que permitiram aos Requerentes receber € 672.200,00 nunca poderiam ser equivalentes aos efeitos económicos da distribuição dos dividendos das sociedades em causa, alegadamente sucedânea (na tese da AT) daquelas. 

 

       De facto, olhando para a informação financeira das sociedades cujas participações foram vendidas pelas Requerentes, em data próxima à da respectiva venda (extraída dos balancetes reportados a Maio de 2009), constata-se que o valor total dos lucros hipoteticamente distribuíveis por essas sociedades se cifrava em € 515.203,94, conforme ilustrado no quadro seguinte:

 

 

RESULTADOS TRANSITADOS

RESULTADO LÍQUIDO

REFORÇO DA RESERVA LEGAL (5%)*

LUCROS DISTRIBUÍVEIS

“F”

21.557,56

173.217,86

8.660,889

186.114,53

“H”

6.474,00

53.034,06

2.651,70

56.856,36

“G”

8.816,02

277.281,08

13.864,05

272.233,05

TOTAL

 

 

 

515.203,94

* Pressuposto assumido face ao disposto no artigo 295.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais

 

       Deste valor de dividendos distribuíveis, no total de € 515.203,94, caberia aos Requerentes (caso tais dividendos fossem distribuídos) o montante de € 121.060,57[13], tendo em conta as percentagens de participação que detinham naquelas sociedades por aplicação do critério constante do artigo 22.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual “na falta de preceito especial ou convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos valores das respectivas participações no capital.”.

 

       É o que resulta espelhado no quadro síntese infra:

 

 

 

“F”

DIVIDENDOS TOTAIS DISTRIBUÍVEIS DE € 186.114,53

ACCIONISTAS

PERCENTAGEM DE CAPITAL

REPARTIÇÃO PELOS ACCIONISTAS

“K”

44%

81.890,39

“L”

44%

81.890,39

“A”

4%

7.444,58

“B”

4%

7.444,58

“D”

4%

7.444,58

“H”

DIVIDENDOS TOTAIS DISTRIBUÍVEIS DE € 56.856,36

“K”

35%

19.899,73

“L”

35%

19.899,73

“A”

10%

5.685,64

“B”

10%

5.685,64

“D”

10%

5.685,64

“G”

DIVIDENDOS TOTAIS DISTRIBUÍVEIS DE € 272.233,05

“K”

35%

95.281,57

“L”

35%

95.281,57

“A”

10%

27.223,30

“B”

10%

27.223,30

“D”

10%

27.223,30

 

       Recordando a posição da AT, esta considerou que a venda, pelos Requerentes, das participações sociais daquelas sociedades à “I” encapotava abusivamente uma distribuição de dividendos àqueles no montante de € 672.200,00 (preço de venda das participações), sobre o qual fez incidir IRS, emitindo liquidações adicionais.

 

       Ora, nem as sociedades cujas participações foram vendidas pelos Requerentes tinham um tal montante de dividendos distribuíveis (o total de dividendos distribuíveis era de € 515.203,94), nem o valor que caberia aos Requerentes a título de lucros seria sequer próximo, pois cifrava-se em € 121.060,56, muito aquém do valor considerado pela AT, de € 672.200,00.

 

       Nestas circunstâncias factuais não pode acolher-se a proposição, que alicerça os actos tributários em apreciação, de que a venda de participações sociais constituiu um negócio artificioso de requalificação abusiva de rendimentos, encapotando dividendos no valor de € 672.200,00 sob a veste de mais-valias, pois, vistos os factos, esses hipotéticos dividendos não existiam nessa ordem de grandeza (nem aproximada…), nem poderiam a tal título ser distribuídos. 

 

       Assim, o resultado jurídico-económico de uma distribuição de dividendos pelas sociedades “F”, “H” e “G” aos Requerentes não seria comparável àquele que resultou da venda das participações sociais (os ditos “negócios a desconsiderar” referidos pela AT), pois o máximo de dividendos distribuíveis aos Requerentes era de € 121.060,56 e através da venda das acções estes conseguiram um encaixe financeiro efectivo na importância de € 672.200,00, muito superior ao dos dividendos a que teriam direito.

 

       Nestas circunstâncias, conclui-se não estar verificada a condição de equivalência dos efeitos económicos da venda das acções aos de uma distribuição de dividendos (hipoteticamente encapotada), pois não seria possível pela via da distribuição de dividendos fazer ingressar no património dos Requerentes montantes sequer aproximados aos que receberam pela venda das participações sociais.

 

       Deste modo, não assiste razão à AT, falhando um pressuposto essencial de aplicação do regime anti-abuso constante do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, pelo que as liquidações adicionais de IRS e dos correspondentes juros compensatórios são anuláveis por vício de violação de lei.

 

Elemento intelectual

 

A obtenção da vantagem fiscal tem de ser predeterminada, dirigindo-se nesse sentido os actos ou negócios praticados. Exige-se que o meio utilizado tenha sido escolhido com a finalidade principal de “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos”, pois apenas devem ser havidas como elisivas as transacções em que o objectivo de economia fiscal seja manifestamente o principal (“tax driven transaction”).   

 

À semelhança do que acima foi assinalado a respeito do elemento resultado, a AT não cumpriu o ónus probatório de demonstração de factos indiciadores de um intuito fiscal preponderante subjacente à venda das participações sociais, por parte dos Requerentes, com o alegado propósito de encapotar uma distribuição de dividendos sob a veste de preço.

 

Efectivamente, a venda das participações inseriu-se numa operação de reorganização societária motivada por razões económicas válidas, na qual se enquadrou como passo intermédio, permitindo um importante encaixe financeiro na esfera dos Requerentes, em contrapartida do desinvestimento por estes realizado, e facilitando a reestruturação, pois através da transmissão da titularidade das participações para a “I” pôde concretizar-se uma fusão-absorção.

 

O resultado alcançado, designadamente o encaixe financeiro na esfera dos Requerentes, não teria paralelo no caso do comportamento alternativo hipotético de distribuição de dividendos tributados, preconizado pela AT, pelo que, sem prejuízo de os rendimentos derivados da venda das participações sociais terem beneficiado da exclusão de tributação das mais-valias, aplicável a acções detidas há mais de doze meses, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) [14] do Código do IRS, vigente à data (2009)[15], não está demonstrado, como pretende a AT, que essa venda de participações tenha obedecido primordialmente a um desígnio fiscal (“tax driven transaction”), havendo que concluir pela não verificação do elemento intelectual.

 

       Também por esta razão os actos tributários controvertidos padecem de vício substantivo e devem ser anulados.

 

Elemento meio

 

Como realça Gustavo Lopes Courinha, o elemento meio “corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal”[16]

 

De acordo com o artigo 38.º, n.º 2 da LGT a vantagem fiscal, para ser considerada abusiva, tem de ser alcançada através de actos ou negócios jurídicos “por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas”.

 

É tendo em conta os fins visados pelo contribuinte que o negócio pode surgir como dotado de uma forma anómala, artificiosa ou mesmo contraditória, revelando “um nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico-prático final do contribuinte, entre o fim para que é empregue concretamente essa forma adoptada e a causa que lhe é própria[17].

 

Com efeito, nas palavras de António Fernandes de Oliveira as situações subsumíveis à CGAA são aquelas em que “o contribuinte nada quer, nada espera, nada pretende, com o seu comportamento, senão obter esta ou aquela vantagem fiscal, sem que lhe seja associado qualquer outro objectivo[18].

 

Segundo Sérgio Vasques está em causa “uma fraude aos princípios do sistema, em que o contribuinte realiza um negócio liminarmente conforme à lei mas cujos contornos escapam a toda e qualquer racionalidade económica, explicando-se apenas pelo intuito de obviar ao imposto”[19].

 

Atento o supra exposto, resulta que, na situação concreta, a venda de participações não só se enquadrou num processo de reestruturação societário orientado por motivos substantivos válidos de racionalização de custos e eliminação da dispersão, com o objectivo de reunir numa só entidade jurídica os meios humanos e patrimoniais dispersos pelas diferentes sociedades (que, além do mais, concorriam entre si), como permitiu aos Requerentes um encaixe financeiro significativo que não poderia ser alcançado através da alegada remuneração por via de dividendos.

 

       Não estamos perante uma opção anómala e inusual ou um “negócio indirecto”, sendo os actos de venda idóneos à prossecução dos objectivos da reestruturação no qual os Requerentes os inserem. Tanto basta para se concluir pela adequação do meio empregue pelos Requerentes num contexto de normalidade e consequente invalidade das liquidações adicionais.

 

Elemento normativo

 

A verificação deste requisito visa distinguir os casos de elisão fiscal (extra legem), dos casos de planeamento fiscal intra legem, estando subjacente aos primeiros a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito da lei, e a preocupação de alcançar a igualdade e justiça tributárias.

 

A delimitação das fronteiras do acto elisivo depende do “requisito da condenação pelo Ordenamento Fiscal do resultado obtido[20] mediante o confronto do resultado visado com a intenção ou espírito da lei, do Código do imposto em causa ou da própria ordem jurídica tributária como sistema de partilha de encargos tributários.

 

No caso que nos ocupa, estamos no domínio da pretensa recaracterização de determinado tipo de rendimentos (leia-se dividendos) em rendimentos de natureza diversa (mais-valias), alegando a AT que foi aplicado o benefício de exclusão de tributação das mais-valias a rendimentos que formalmente se enquadram nessa categoria e natureza, mas que, na verdade, em circunstâncias normais e expurgados os actos ou negócios inusuais ou abusivos, se caracterizariam como dividendos.

 

Este encobrimento é reconhecido como campo de aplicação por excelência da CGAA. Como referem Bruno Santiago & António Queiroz Martins: “para casos em que a administração conclua que a venda de participações sociais encobre, total ou parcialmente, um outro negócio entre as partes (colorem habet, substantiam vero alteram) (…) existe na ordem jurídica um elemento legal específico – a CGAA[21].

 

Só que, in casu, não se demonstrou que os rendimentos obtidos pelos Requerentes na venda de participações correspondessem a um negócio indirecto, com a recaracterização de rendimentos que tipicamente corresponderiam à categoria de dividendos (estes, passíveis de tributação). Ao contrário, ficaram evidenciadas no adquirido processual, quer a falta de efeitos económicos equivalentes entre a operação de venda de participações e o comportamento alternativo preconizado pela AT (a distribuição de dividendos), quer a existência de razões económicas válidas que enquadraram a referida venda.

 

Desta forma, não cabe fazer um juízo de condenação ou de antijuridicidade, uma vez que o legislador do IRS excluiu as mais-valias de venda de acções de tributação, quando garantido um período mínimo de detenção correspondente a 12 meses, situação em que se enquadram os Requerentes.

 

Por conseguinte, conclui-se pela não verificação do elemento (de desvalor) normativo que constitui pressuposto essencial de aplicação do regime da CGAA, confirmando-se, de novo, o vício substantivo que inquina os actos de liquidação adicional vertentes.

 

Elemento sancionatório

 

Não se tendo demonstrado a verificação das condições de aplicação da CGAA, não há lugar à aplicação da estatuição da norma contida no artigo 38.º, n.º 2 da LGT, conducente à ineficácia dos negócios jurídicos no âmbito tributário, contrariamente à posição defendida pela AT.

 

Em conclusão,

 

Os actos tributários de liquidação de IRS são anuláveis por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, por derivarem da aplicação do regime do artigo 38.º, n.º 2 da LGT sem que se encontrem reunidas as condições nele previstas. O vício substantivo estende-se às liquidações de juros compensatórios, que são acessórias, atenta a não verificação dos requisitos do artigo 35.º, n.º 1 da LGT, inexistindo retardamento da liquidação de imposto devido por parte dos Requerentes.

 

O regime de anulabilidade encontra-se previsto no artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo, de aplicação subsidiária, atento o disposto nos artigos 2.º alínea d) do CPPT e 29.º, n.º 1, alíneas a) e d) do RJAT. 

 

2.4.Sobre a indemnização por prestação de garantia indevida

 

Os Requerentes deduzem, ainda, um pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia bancária indevida, com fundamento em erro imputável aos serviços na liquidação do imposto, ao abrigo do disposto artigo 53.º da LGT, segundo o qual: 

 

Artigo 53.º Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

4 – A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

Estabelece ainda o artigo 171.º do CPPT, sob a epígrafe “Indemnização em caso de garantia indevida”, que:

 

1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

 

Neste âmbito, é inequívoco que o processo arbitral tributário tem por objecto a apreciação da legalidade dos actos tributários.

 

Acresce, de igual modo, notar que processo arbitral tributário foi configurado como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, conforme se depreende do disposto no artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”. Esta autorização legislativa veio a ser concretizada pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), abrangendo o processo arbitral a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos. 

 

Considerando que a indemnização por prestação de garantia indevida deve ser solicitada no processo em que se discute a legalidade da dívida, e que pode ser objecto de pedido deduzido através do meio processual da impugnação judicial, da qual o processo arbitral é sucedâneo, sem prejuízo das restrições e limitações constantes da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), afigura-se inequívoco que tal pedido condenatório (de indemnização por prestação de garantia indevida) tem cabimento no processo arbitral, à semelhança do que sucede com a pretensão de juros indemnizatórios. 

 

Assim, como resulta expressamente do artigo 171.º, n.º 1 do CPPT o processo arbitral é adequado ao conhecimento e apreciação do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

Na situação em apreço, os actos de liquidação de IRS e juros compensatórios derivam de erro (nos pressupostos) imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que interpretou e aplicou incorrectamente o artigo 38.º, n.º 2 da LGT, sem que a Requerente tenha contribuído para que esse erro fosse praticado, encontrando-se preenchidos os pressupostos constitutivos do direito a indemnizar por prestação de garantia indevida, dando-se razão aos Requerentes.

 

Deste modo, assiste aos Requerentes o direito a serem indemnizados pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia, os quais, de acordo com os elementos juntos ao processo, se cifram em € 3.724,50.

 

 

V.              DECISÃO

 

Termos em que, pelas razões expostas, este colectivo de árbitros conclui pela procedência in totum do pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRS e de juros compensatórios objecto desta acção e, ainda, pela procedência do pedido de condenação em indemnização por prestação de garantia indevida, na importância de € 3.724,50.

 

* * *

Fixa-se o valor do processo em € 137.466,37, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

O montante das custas é fixado em € 3.060,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT e com as regras gerais em matéria de custas constantes do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

Notifique.

Lisboa, 7 de Janeiro de 2015

 

A redacção do presente acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.

 

Os árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

Ricardo Rodrigues Pereira

 

 

 

Júlio Tormenta

 

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



[1] Alínea entretanto revogada, mas em vigor à data dos factos.

[2] Complementada pelo artigo 63.º do CPPT que contém o regime procedimental de aplicação da CGAA.

[3] Sobre este tema vejam-se J.L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2002, pp. 120-123; José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 207-223 e M.H. de Freitas Pereira, Fiscalidade, Almedina, Setembro de 2005. Este último sublinha que “estamos perante uma aplicação no domínio fiscal da chamada doutrina de abuso das formas jurídicas. Assim, a lei tributária, pretendendo atingir com o imposto determinada capacidade contributiva, recorre para o efeito aos actos ou negócios jurídicos que normalmente são utilizados para alcançar o fim ou o resultado económico associados a essa capacidade. Se o contribuinte atinge este mesmo fim ou resultado usando actos ou negócios, ainda que lícitos, inusuais ou artificiosos na situação em causa deverá sujeitar-se a idêntica carga fiscal. É essa a verdadeira razão de ser da norma anti-abuso”, pp. 415-416.

[4] Redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro.

[5] Vide Gustavo Lopes Courinha, in A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário Contributos para a sua Compreensão, Almedina, 2004, p. 165.

[6] Neste sentido, João Taborda da Gama, “Acto elisivo …”, pp. 294, 313 e 314, e J. L. Saldanha Sanches, Os Limites …, pp. 102-104 e, deste Professor, “O Abuso de direito em matéria fiscal: natureza, alcance e limites”, in Ciência e Técnica Fiscal n.º 398, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, Abr.-Jun. 2000.

[7] Cf. Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 170.

[8] Cf. A Cláusula …, p. 165.

[9] Cf. A Cláusula Geral …”, p. 172.

[10] Introduzida pelo Decreto-lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro.

[11] Cf. Gustavo Lopes Courinha, “A Cláusula Geral …”, p. 173.

[12] Cf. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Anti-elisiva, Dialética, São Paulo, 2001, p. 85.

[13] O remanescente (a maioria) dos dividendos distribuíveis caberiam aos pais das Requerentes mulheres, accionistas maioritários nas três sociedades, os quais não são partes nesta acção e cuja situação extravasa o seu objecto.

[14] Alínea entretanto revogada, mas em vigor à data dos factos.

[15] Introduzida pelo Decreto-lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro.

[16] Cf.A Cláusula Geral …”, p. 165.

[17] Cf. Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral …”, p. 166. Também neste sentido António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 186.

[18] Cf. A Legitimidade do Planeamento Fiscal – As Cláusulas Gerais Anti-Abuso e os Conflitos de Interesse, 2009, p. 163.

[19] Cf. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, p. 313.

[20] Cf.Os Limites …”, pp. 182-183.

[21] “Os Preços de Transferência na Compra e Venda de Participações Sociais entre Entidades Relacionadas”, Cadernos Preços de Transferência, Almedina, 2013.