Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 223/2014-T
Data da decisão: 2015-01-09  IRS  
Valor do pedido: € 141.443,72
Tema: IRS – Mais-valias – Micro ou pequena empresa
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Decisão Arbitral

 

 

 

Processo nº 223/2014 - T

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. José Rodrigo de Castro e Dr. José Nunes Barata, designados pelo presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem este Tribunal Arbitral, constituído em 13-5-2014, acordam no seguinte:

 

            I - RELATÓRIO

            A…, NIF …, com domicílio na Rua … …, requereu a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), tendo em vista:

(i)                 A impugnação da liquidação adicional de IRS n.º 2013 …, relativa ao ano de 2010 [€73.137,52] e respetiva liquidação de juros compensatórios e

(ii)               A condenação da AT no reembolso à requerente de €64.598,30 – importância que esta pagou em resultado da sobredita liquidação -, com juros indemnizatórios desde a data daquele pagamento (1-12-2013);

 

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à Autoridade Tributária (adiante Requerida).

 

            No pedido, os Requerentes optaram por não designar árbitro.

           

            O tribunal foi regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

           

            A requerente fundamenta o pedido, alegando, no essencial, que a AT procedeu à sobredita liquidação adicional de IRS fundada na alienação pela requerente em 29-6-2010, de 60.000 ações representativa de 30% do capital da sociedade comercial “B… – Prestação de Serviços Médicos, SA”, pelo preço de €660.000, considerando aplicável o regime geral da tributação de mais-valias resultante da revogação do artigo 10º-2, do CIRS (que estabelecia a exclusão de tributação em sede de IRS da alienação de ações detidas há mais de 12 meses) pela Lei nº 15/2010, de 26 de julho.

            A requerente considera tal tributação ilegal decorrente da violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, com frustração das legítimas expectativas dos contribuintes e violação do princípio da confiança.

 

            A AT apresentou resposta em que, sinteticamente alegou que procedeu à substituição do acto tributário ora impugnado, a liquidação nº 2013…, de 28/11/2013, em virtude de o mesmo ter a sua origem numa declaração modelo 3 de IRS de substituição entregue pela contribuinte, ora Requerente, após as correcções efectuadas pela inspecção tributária e reflectidas na liquidação nº 2013…, de 31/10/2013, sendo que a validação e consequente liquidação da declaração de substituição entregue pela contribuinte culminou com a desconsideração das correcções já efectuadas pela inspecção tributária.

Na verdade, a declaração de substituição entregue pela ora Requerente foi inadvertidamente validada pelos Serviços, uma vez que a mesma assinalava no campo 8A do anexo G (mais-valias e outros incrementos patrimoniais) da modelo 3 de IRS que a alienação de partes sociais preenchia os requisitos previstos no nº 3 e nº 4 do art. 43º do CIRS, contrariando, deste modo, as conclusões alcançadas pela inspecção tributária, após audição prévia da ora Requerente sobre esta matéria. Assim sendo, e nos termos do disposto no nº 2 do art. 13º do RJAT, a AT “(…) irá proceder à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o interesse em prosseguir com o seu pedido de pronúncia arbitral, com as devidas alterações, relativamente a este ultimo acto(…)”.

 

Foi continuada a tramitação do processo, com a realização, em 10-9-2014, da reunião prevista no artigo 18º, do RJAT, tendo nessa altura ficado decidido apreciar as exceções e/ou questões prévias, designadamente a questão da substituição do ato tributário e sua tempestividade, por decisão interlocutória autónoma.

 

A AT veio ulteriormente apresentar, nos termos do consignado em acta de 10/09/2014, uma síntese do enquadramento factual «com vista à apreciação e decisão das questões prévias», nos termos seguintes:

1.        A 23/10/2013 a Requerente é notificada do “Relatório Final, por ofício nº …/0505, de 21/10/2013, através de carta registada nº RM … PT”, referente ao seguinte1:

 

“No âmbito da Ordem de Serviço interna nº OI2013…, da Direcção de Finanças do …, foi a Requerente notificada para prestar esclarecimentos sobre a sua situação jurídico- tributária referente a IRS de 2010, conforme ofício nº …/0505 de 21/06/2013

Analisados os elementos apresentados pela Requerente, concluiu-se que a 29/06/2010 a Requerente alienou 13.517 acções referentes a B… – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS, S.A. (adiante B…), pelo preço de € 660.000,00, a que corresponde uma mais- valia de € 646.483,00, considerando que o valor de aquisição das mesmas ascendeu a € 13.517,00;

 

Por ofício nº …/0505, de 18/09/2013, com registo postal nº RM … PT, a Requerente foi notificada do projecto de correcções para efeitos do art.º 60º da LGT;

 

Por requerimento de 14/10/2013 a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, defendendo que a B… reúne os requisitos de PME, donde deveria o saldo das mais-valias ser considerado apenas em 50%;

 

O direito de audição foi apreciado no Relatório Final, onde se concluiu que a B... não reúne o requisito referente ao número de trabalhadores para poder ser considerada micro ou pequena empresa, (…)

 

2.        A 31/10/2013 é emitida a liquidação adicional nº 2013 …, efectuada com base nas conclusões alcançadas pela inspecção tributária “com imposto relativo a tributações autónomas no montante de € 129.196,60, a que acrescem juros compensatórios no montante de € 12.247,12, com data limite de pagamento até 26/12/2013” - tendo sido notificada da respectiva nota de cobrança (n.º 2013 …) através de registo postal de 20/11/2013 (RY…PT).

 

3.        A 13/11/2013, a Requerente entrega uma declaração modelo 3 de IRS de substituição (2010- JS…), “declarando no anexo G aquele montante de mais-valias obtidas com a alienação de acções, indicando no respectivo quadro 8-A estarem reunidos os pressupostos contidos no nº 3 e nº 4 do art. 43º do CIRS,” a qual foi “indevidamente liquidada pelos Serviços devido a lapso motivado pela própria Requerente” dando, assim, origem,

 

4.        a 28/11/2013, à liquidação nº 2013 …, “ com imposto relativo a tributações autónomas no montante de € 64.598,30 e juros compensatórios no montante de no montante de 6.123,56, tudo num total de € 70.721,86”

5.        A 10/03/2014 a AT considera-se notificada do pedido de pronúncia arbitral (cf. art. 7º a 9º da Resposta), terminando a 22/04/2014 o prazo de 30 dias do nº 1 do art. 13ºdo RJAT.

6.        A 17/04/2012 é emitida pelos Serviços uma declaração de correcção oficiosa (DC …-2010- D…-16) ao abrigo da OS 2014…, com vista a corrigir o “erro de recolha dos Serviços, conforme se encontra devidamente explicitado na informação de 08/04/2014 do Serviço de Finanças de … e que se junta como documento nº 1”.

7.        A 21/04/2014, é comunicado ao CAAD, por e-mail junto à resposta como documento nº 2, que a AT havia procedido à substituição do acto tributário ora impugnado em virtude de o mesmo ter a sua origem numa declaração modelo 3 de IRS de substituição entregue pela contribuinte, ora Requerente, após as correcções efectuadas pela inspecção tributária, e informando que, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 13º do RJAT, a AT iria proceder à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o interesse em prosseguir com o seu pedido de pronúncia arbitral, com as devidas alterações, relativamente a este ultimo acto.

8.        A 22/04/2014 é emitida a liquidação nº 2014 …, com “imposto relativo a tributações autónomas no montante de € 129.196,60, acrescido de juros compensatórios no montante de € 12.247,12, tudo num total de € 141.443,72”.

9.        A 22/04/2014 termina o prazo de 30 dias previsto no nº 1 do art. 13º do RJAT, com a redacção introduzida pela Lei nº 66-B/2012, de 31/12.

10.    Concluindo, e atento aquele normativo legal, “no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral” a AT procedeu “à revogação (…) do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada” e praticou o“ato tributário substitutivo”.

11.    Efectivamente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, a Requerente foi notificada da prática de um acto substitutivo do acto tributário impugnado através do ofício nº …, de 23/04/2014, da DSCJC (doc. nº 2 junto com a Resposta).

12.    O que, a 24/04/2014, por e-mail, a AT comunicou ao CAAD (doc. nº 2 junto com a Resposta).

13.    A Requerente foi notificada do acto tributário de substituição, através de carta com registo RY…PT, de 09/05/2014, efectuada dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.

 

A requerente veio aceitar expressamente este quadro factual-síntese (cfr requerimento nos autos).

 

Acórdão interlocutório

Em 13-10-2014 foi proferido um acórdão interlocutório em que foi decidido que:

 “(…) a) O ato tributário objeto do processo é a liquidação adicional nº 2014 …, de 22-4-2014 (imposto relativo a tributações autónomas no montante de € 129.196,60 + € 12.247,12 de juros compensatórios, tudo perfazendo um total de € 141.443,72);

         b) Conceder à requerente um prazo de 10 (dez) dias para eventualmente complementar o seu pedido de pronúncia alegando novos fundamentos, de facto e de direito, exclusivamente decorrentes da alteração do ato tributário nos termos expostos supra e de que a AT será ulteriormente notificada para, em idêntico prazo, responder, querendo (…)”.

 

Novo pedido de pronúncia arbitral

 

Na sequência do sobredito acórdão interlocutório a requerente reformulou o seu pedido nos seguintes termos:

“(…)

EXTEMPORANEIDADE  DO ACTO DE LIQUIDACÃO

a) Apesar de a liquidação ter a data de 22 /04/ 2014 (a coincidir com o ultimo dos 30 dias para operar a substituição nos termos do art.º 13° RJAT) o certo é que, ainda assim, a substituição é extemporânea.

b) Desde logo, porque nessa data ainda estava a decorrer o prazo para o exercício do Direito de Audição, que foi cumprido em 30/04/2014, como de resto a própria AT reconhece, apesar de entender ser o mesmo dispensável.

c) Em seguida, porque a perfeição do acto tributário exige a notificação do contribuinte.

 PRETERICÃO DE FORMALIDADE  ESSENCIAL

d) Como a AT reconheceu, a liquidação foi praticada sem que os argumentos tivessem sido levados em conta na liquidação substituída.

e) Pretexta, para tanto, a AT com o disposto no art.º 60° - 3 da LGT, entendendo ser dispensável o exercício do direito de audição dado que o contribuinte tinha sido já ouvido em momento anterior.

f) Sendo verosímil a tese que a AT sustenta na resposta não teria a mesma AT notificado o contribuinte, como de facto notificou, para exercer o direito de audição.

g) Sendo o contribuinte notificado para exercer o direito de audição, é violador do principio da boa-fé (i) ignorar o que se afirmou no direito de audição e (ii) vir agora afirmar que o direito de audição afinal não era necessário.

h) Tendo o contribuinte sido notificado e exercido o direito de audição em 30/04/ 2014, não podia a AT em 22/ 04/ 2014 (6 dias antes) adivinhar o que o contribuinte iria alegar em sede de direito de audição.

i) Porque os elementos que em audição o contribuinte trouxe para o processo não foram tidos em conta na fundamentação do acto, ocorreu uma violação do artigo 60° n.º 7 da LGT, o que consubstancia também a violação do dever de fundamentação previsto no art.º 77º, da LGT.

 

 ERRO QUANTO AOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DIREITO

No sentido de demonstrar que, independentemente dos demais argumentos, o acto e ilegal dado que deve beneficiar da redução da base tributável a 50% nos termos do artigo 43° n° 3 do CIRS, a requerente amplia, em decorrência do acórdão intercalar, a causa de pedir, descrevendo os factos e enunciando o direito.

 

j) Para efeitos de cálculo do número de efectivos e limiares financeiros, ao abrigo do disposto no Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/ 2007, foram considerados dados evidenciados pela contabilidade no ano de 2009.

k) Em termos financeiros, foram considerados os seguintes elementos, extraídos da IES relativa ao ano de 2009 (cfr. doc.  n.ºs     1 e 2):

 

 

 

 

 

VOLUME DE NEGOCIOS ANUAL

BALANÇO TOTAL ANUAL

EMPRESA

ANO

B...

2009

€ 3.265 .748, 10

€ 4.508.123,31

 

l) Para  cálculo   do   número   de   efectivos,  tomou-se   por   referência   aos   dados revelados pela IES (cfr. doc.  n.0    1 e 2):

 

 

 

EMPRESA

 

ANO

PESSOAL AO SERVIÇO DA EMPRESA INTEGRAL

PESSOAL AO SERVIÇO DA EMPRESA A TEMPO PARCIAL

TOTAL DE HORAS TRABALHADAS

B...

2009

0 - (ZERO)

0 - (ZERO)

0 - (ZERO)

 

m) Considera-se na categoria de pequena empresa "(...) uma   empresa  que emprega  menos de 50 pessoas  e cujo volume  de neg6cios anual ou balanço total anual não excede  10 milh6es  de euros." (cfr. art.º  2°,  n.0   2  do Anexo  do  Decreto-Lei  n.º372/2007).

 

n) E é nesta categoria que se insere a B....

 

o) Pelo que a alienação das participações sociais, por parte da requerente A…, por se reportarem a pequenas empresas, beneficiam da exclusão parcial de   tributação    contemplada    no   n.º        3   do   art.   43°   do   CIRS

 

DA RETROACTIVIDAD E VIOLACAO DOS PRINCÍPIOS DA SEGURANCA JURÍDICA E DA CONFIANCA

Dá-se por reproduzida toda a matéria dos artigos 46° a 127° da Petição de Pronúncia Arbitral inicial.

 

DO PAGAMENTO

Vide artigos 128° a 134° da Petição de Pronúncia Arbitral inicial.

 

 

Resposta da AT ao pedido de pronúncia após reformulação

Notificada da reformulação do pedido decorrente da substituição do ato tributário, veio a AT responder nos seguintes termos:

 

O pedido de pronúncia arbitral, agora reformulado, vem invocar a ilegalidade daquele acto tributário, alegando, para o efeito, o seguinte:

o   Notificado do acto de liquidação após o prazo previsto no n° 1 do art.º 13° do RJAT;

o   Preterição de formalidade essencial no procedimento de audição prévia;

o   Vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito.

 

·           A AT pugna pela manutenção daquele acto na ordem jurídica, por entender que o mesmo consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos.

 

Falta de notificação do acto impugnado no prazo do n° 1 do art. 13° do RJAT

 

·         Entende a Requerente que a faculdade de AT poder substituir o acto tributário originariamente impugnado por outro acto tributário deixa de poder ser exercida se a nova liquidação  não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 30 dias previsto no n° 1 do art. 13° do RJAT, tese que a AT impugna por carecer de qualquer sustentação legal.

 

·         Desde logo, constitui matéria de facto assente nos presentes autos que o acto tributário ora impugnado foi emitido no prazo de 30 dias previsto no n° 1 do art. 30° do RJAT (mais concretamente a 22/04/2014, no ultimo dia daquele prazo), e que apenas a sua notificação validamente efectuada à Requerente ocorreu posteriormente, através de carta registada RY…PT, de 09/05/2014.

 

Da incompetência do Tribunal Arbitral

·         Assim sendo, e desde logo, deduz-se a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do n° 1 do art. 2° do RJAT, uma vez que a falta de notificação do acto tributário no prazo para a sua liquidação é fundamento de inexigibilidade do acto, e não de ilegalidade.

·         Ao reagir contra o acto impugnado invocando que o mesmo é ineficaz, porque notificado depois do prazo previsto no n° 1 do art. 13° do RJAT, embora praticado antes de terminado este prazo, a Requerente submete à pronúncia do Tribunal Arbitral uma questão atinente à exigibilidade do acto, a qual se encontra fora do âmbito da competência dos tribunais arbitrais, uma vez que, de harmonia com a alínea a) do n° 1 do art. 2° do RJAT, o Tribunal Arbitral apenas tem competência para conhecer da legalidade dos actos de liquidação dos tributos.

·         É pacifico na jurisprudência e na doutrina que a notificação do acto tributário no prazo para a liquidação constitui uma condição de eficácia do ato tributário e não um fundamento da sua legalidade.

·         Daqui decorre, por exemplo, que a inexigibilidade do acto, quando a notificação seja efectuada depois do prazo para a liquidação, constitui um  fundamento  de  oposição  à execução  fiscal,  nos termos da alínea e) do n° 1 do  art. 204°  do  CPPT,  e  não um  fundamento  de  impugnação judicial (cfr, a titulo de exemplo, os acórdãos do STA de 04/05/2011, no processo n° 09/11, e de 28/11/2004, no recurso nº 01358/03).

·         Situação diferente ocorre quando o próprio acto tributário é praticado depois do prazo de caducidade do direito à liquidação, pois estando o direito à liquidação extinto à data da prática do acto, este fica ferido na sua validade, situação esta que não é a situação dos autos.

·         O que a requerente invocou nestes autos foi a notificação da liquidação depois do termo do prazo de 30 dias previsto no art 13º-1, RIAT e não a prática da ato de liquidação depois desse prazo.

·         O que impede o Tribunal Arbitral de se pronunciar por se tratar de questão que tem a ver com a eventual ineficácia do ato e não com a sua legalidade.

·         Por outro lado, o artigo 13º-1 do RJAT, em conjugação com o seu nº 3, é um prazo com alcance meramente procedimental, sem qualquer efeito preclusivo na faculdade de a AT revogar atos ilegais nem de exercer o direito à liquidação de impostos, desde que o sujeito passivo seja notificado no prazo de caducidade previsto no artigo 45º, da LGT.

·         No caso em apreço, também não existe preterição de formalidade essencial por omissão do exercício do direito de audiência prévia, nos termos do artigo 60º, da LGT.

·         Afinal, no âmbito do referido procedimento, a Requerente exerceu  o seu  direito  de  audição  previa, defendendo que a B... é uma PME.

·         Sendo que, em 23/10/2014, mediante o envio do Oficio n° …/0505, de 21/10/2013, enviado por carta registada (registo CTT n° RM … PT), a Reguerente foi notificada do relatorio final de inspeção tributaria.

·         Onde se concluiu, precisamente, pela não consideração da Requerente como PME face aos factos e argumentos anteriormente aduzidos por esta em sede da respectiva audiência prévia.

·         Sendo que, de seguida, designadamente, a 13/11/20131 a Requerente entrega uma declaração modelo  3 de IRS de substituição  (201 O-JS…),  "declarando no anexo  G aquele  montante  de mais-valias obtidas  com  a  alienação  de  acções,  indicando  no  respectivo  quadro  8-A  estarem reunidos os pressupostos contidos no n° 3 e n° 4 do art. 43° do CIRS".

·         Pelo que a nova liquidação praticada mais não veio do que repor a verdade fiscal alcançada no âmbito do procedimento de inspecção tributaria.

·         Verdade esta que ficou preterida quando, a Requerente, ciente dos resultados do procedimento de inspecção, foi entregar uma nova declaração assinalando o quadro que lhe daria um beneficio de 50% na tributação das mais-valias,

·         Beneficio este que, reitere-se, já sabia não ter direito e relativamente ao qual já se havia pronunciado.

·         No que respeita a aplicação do n° 2 do art.º 10º, do CIRS, com a redacção introduzida pela Lei n° 15/2010, de 26/07, as mais-valias obtidas com a alienação de acções objecto do pedido de pronúncia original, e cujo teor subsiste em discussão, reitera-se o teor da Resposta já apresentada, designadamente o aduzido nos artigos 41° a 80°.

·         A título subsidiário, vem a Requerente invocar que a  alienação  das  aludidas  participações sociais, todas referentes à B..., beneficia da exclusão parcial  de tributação consignada  no  n° 3 e n° 4 do art. 43° do CIRS, por estarem reunidos os respectivos pressupostos legais,

·         Mais concretamente porque a B..., no exercício de 2010, não ultrapassou o limiar de efectivos nem os limiares financeiros para efeitos de poder ser considerada uma micro ou pequena empresa, ao abrigo do Decreto-Lei n° 372/2007, de 06/11.

·         A tese da Requerente carece, porem, de sustentação legal, incorrendo em erro de interpretação da lei quanto aos dados a considerar para efeitos dos referidos limiares, cujo computo devera agregar também os dados das empresas subsidiárias e associadas da B....

·         Antes do mais, vejamos os factos com interesse para a apreciação desta questão, a considerar assentes para efeitos de probatório, atendendo ao articulado das partes e da prova documental junta, maxime o Processo Administrativo

·         Tendo os Serviços verificado que a Requerente omitira na sua declaração modelo 3 de IRS referente a 2010 a mais-valia obtida com a alienação à C… Holding SGPS, S.A. de acções da B...,

-          foi aberta ordem de serviço interna de âmbito parcial, OI2013…  da Direcção  de Finanças do …, a fim de se apurar a situação tributaria da Requerente;

-          notificada atraves do oficio n° …/0505, de 21/06/2013 para prestar esclarecimentos, nos termos que a seguir se transcrevem de fls. 6 do Relatorio Final:

- A contribuinte  A…  alienou,  em  29-06-201 0, à sociedade C…  Holding,  SGPS,  S.  A.,  contribuinte  n.º …,   60.000  acções  da  empresa então  denominada  de  B...  -  Prestação de  Serviços  Médicos,  S. A.,  contribuinte n.º …, sendo que 46.483 dessas acções foram realizadas  em espécie através da subscrição de 2.269.565  de novas  acções da C… Holding  SGPS, S.A (após aumento de capital) e  13.517 acções foram vendidas pelo preço de €660.000,00.

                   1.1- Remeter fotocópia do contrato de compra e venda de acções celebrado entre A… e a C… Holding, SGPS, S. A., bem como todos os anexos mesmo (deverá ser incluído o contrato designado de CCVA indicado na cláusula primeira desse contrato);

               1.2 - Justificar o não englobamento da mais/menos-valia obtida com a alienação das 46.483 acções em referência na declaração de rendimentos referente a 2010;

1.3 - Exibir comprovativo documental do custo das acções alienadas, bem como das despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes a alienação.

             1.4 - Caso se aplique, comprovar  que a sociedade  alienada  era uma  micro  ou            pequena empresa, conforme definido nos n.ºs 3 e 4, do artigo 43º, do CIRS.

 

·         Veio a Requerente, no exercício do seu direito de audição prévia, discutir tão-somente  e apenas a aplicação no tempo da Lei n° 15/2010, de 26/07, conforme fls. 7 do Relatório Final, sem colocar minimamente em causa o quantitativo da mais-valia apurada pela inspeção Tributária, nem tão-pouco invocando, ainda que a título subsidiário, que reunia as condições do n° 3 e n° 4 do art. 43° do CIRS;

·         Notificada do Projecto de Relatório, para efeitos do exercício do direito de audiência prévia, a Requerente apresentou a sua resposta nos termos que se transcrevem de fls. 10, do Relat6rio Final: Em 11-10-2013, através  de  documento  remetido  por  via  eletrónica  para  a  Direção  de Finanças  do  …  (entrada  n.º …,  de  14-10-2013),  o  sujeito  passivo  A… exerceu o seu Direito de Audição; nesse documento, a contribuinte em analise afirmou que:

- Não concorda com o Projeto de Relatório de Inspeção pelas razoes já invocadas;

- Não obstante, a sociedade B... (B...) reúne os requisitos para ser considerada uma pequena empresa, conforme o art.°2º do anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, de 06- 11, nos termos do qual uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios ou balanço total anual não exceda 10 milhões de euros;

- De acordo com a declaração de IES referente ao ano de 2009, a B... (B...) tem como volume de negócios €3.265.748,10, o total do ativo ascendeu a €4.508.1 23,31 e não emprega qualquer funcionário;

- Assim sendo, nos termos do nº 3 do art.43º do Código do IRS, o saldo das mais-valias deve ser considerado em 50%.

Na análise àquele direito de audição, a Inspecção Tributaria concluiu o seguinte, conforme se transcreve de fls. 11 do Relat6rio Final:

                                De acordo com os nºs .3 e 4 do art.43º,   do Código do IRS, as mais-valias  referentes  a alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas é considerado em 50% do seu valor, sendo que os critérios de classificação da dimensão da empresa se encontram definidos no anexo do Decreto-Lei n.º 372/2007.

(…) Neste  enquadramento, e limitando a analise ao numero de trabalhadores,  verifica-se  que o numero de efetivos a considerar para efeitos de classificação da sociedade em pequena ou  micro  empresa  resulta  da  agregado dos  dados  relativos  às  empresas  associadas, conforme consta do n.2, n.  3 e n.4 do citado Decreto-Lei.

 

Consultando as declarações anuais de informação contabilística e fiscal da lnformação Empresarial Simplificada (JES) das empresas associadas it B..., verifica-se desde logo que o total dos seus efetivos ultrapassa as 50 pessoas - limite para ser considerada pequena empresa, nos termos do art.02 do Decreto-Lei -, conforme quadro seguinte.

 

 

 

Empresa

NIPC

N°  Emore2ados

 

2008

B... – Prestação de Serviços Médicos, SA

 

0

 

B...   II   Investimento   e  Gestão

Serviços Médicos …, SA

!8

detida a 100% pela B...

Centro Diagnóstico …,

SA

14

detida a 94% pela B... II

C … Centro …, LDA

29

detida a I 00% pela B... II

B... Serviço Medico …, SA

39

detida a I 00% pela B... II

B… D…, Lda

7

detida a 90% oela B... II

C… Holding SGPS, S. A

 

0

detem 63% da B...

Total

107

 

2009

B... - Prestação de Serviços Médicos, S. A.

0

 

B...   II   Investimento   e  Gestão

Serviços Médicos

…, S. A.

18

detida  a            86,99%            pela

B...

Centro Diagnóstico …,

SA

13

detida a 75% pela B... II

C … Centro …,

LDA

28

detida a  99,91%  pela B... II

B...   Serviço   Médico   …, SA

40

detida a 100% pela B... II

B... D…, Lda

5

detida a 90% oela B... II

Total

104

 

 

 

 

 

Nota: Dados dos últimos exercícios contabilísticos anteriores a venda {n.04 do anexo do Decreto-Lei n.367/2007, de

06-11)

 

"(...)

 

               Quer isto dizer que, não obstante a não exibição de certificado da IAPMEI a atestar a B... como micro ou pequena empresa, resulta sobejamente comprovado nos autos que a mesma não reúne os pressupostos legais necessários para o efeito, pelo que nunca poderia  ser exibido tal certificado;

 

       Por fim, foi a Requerente notificada do Relatório Final, através do ofício n° …/0505, de 21/10/2013, recebido pelo seu Mandatário a 23/10/2013, que apurou, sem contestação:

a)      uma mais-valia no montante de € 646.483,00, conforme quadro 9 do Relatório Final.

b)      Ser a B... uma empresa participada/associada para efeitos do Dec.-Lei nº 372/2007, com um cômputo global de trabalhadores que ultrapassa o limiar fixado na Lei para ser considerada a B... uma micro ou pequena empresa.

              

               Alega ainda a requerida:

               Caso o pedido de pronúncia arbitral seja considerado procedente relativamente   a alguns  dos  vícios  que  lhe  são  assacados  pela  Requerente,    deverá  o acto tributário impugnado ser anulado  apenas parcialmente,  na parte correspondente  ao vencimento alcançado pela Requerente.

               Não obstante a referencia no RJAT a uma novo acto tributário substitutivo, a verdade e que o acto tributário praticado pela AT ao abrigo da faculdade prevista no art. 13° do RJAT e objecto do presente pedido de pronuncia arbitral, e um verdadeiro e próprio acto de liquidação adicional.

               Duas ordens de razões concorrem para esta anulação parcial do acto tributário ora impugnado, em caso de procedência de algum dos fundamentos invocados pela Requerente.

               Por um lado,  a  natureza  divisível do acto  de  liquidação,  reiterada,  agora  de  forma unanime,  no acórdão do Pleno proferido a 05/07/201 2, no  processo n° 0358/12, bem como no acórdão de 10/04/2013, no processo n° 0298/12:"Na senda do que vem sendo entendido pelo STA, o acto de fixação  da matéria colectável, por definir uma quantia, é naturalmente divisível, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles actos, ao prever a procedência parcial de meios processuais  impugnatórios. "

               Por outro lado, a liquidação controvertida  é um  verdadeiro  e  próprio  acto  de  liquidação  adicional meramente correctiva de liquidação anterior.

 

SANEADOR

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Certo que a AT invoca a incompetência material nos termos do artigo 2º-1/a), do RJAT.

Fá-lo, porém, no pressuposto de que a pretensão do requerente configure uma situação de inexigibilidade e não de ilegalidade do ato tributário.

Como se verá infra, não é esse o entendimento do Tribunal na medida em que a requerente estriba o seu pedido na ilegalidade e não na inexibilidade do ato.

Concretamente: a requerente alega em sede de pedido subsidiário, que o ato é ilegal por não lhe ter sido notificado no prazo para a sua liquidação.

Ora é essa situação (a ilegalidade do ato) que ao Tribunal compete apreciar.

Daí a competência do Tribunal Arbitral.

 

 As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

As exceções suscitadas serão apreciadas infra.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

 

Factos essenciais provados

Relativamente ao objeto do processo consideram-se essenciais e provados os seguintes factos:

 

1 - A Requerente A…, contribuinte fiscal nº …, com domicílio na Rua …, era detentora, à data de 17 de Abril de 2009, de 119.000 acções, no valor nominal de 1,00 Euros, o que totalizava cinquenta e nove vírgula cinquenta por cento do capital social da sociedade anónima “B... – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS, S.A.”, doravante denominada B....

2 - Em 17 de Abril de 2009, foi celebrado um contrato de compra e venda e permuta de acções, através do qual a C… Holding SGPS adquiriu 126.000 acções da B....

3 - Das quais 59.000 acções foram transmitidas pela Requerente A….

4 - Pelo que, a partir de 17 de Abril de 2009, passou a Requerente a deter 60.000 acções da B...

5 - Em 29 de Junho de 2010, foi celebrado um contrato de compra e venda e permuta de acções, através do qual a C… Holding SGPS adquiriu à Requerente 60.000 acções da B..., por contrapartida de acções daquela sociedade, acrescido de uma importância em dinheiro no montante de 660.000,00 Euros (seiscentos e sessenta mil euros).

6 - Em consequência desta alienação, foi praticado o acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, referente ao período de tributação de 2010, com o valor de 73.137,52€, com o número de liquidação 2013…, de 28/11/2013, e a Nota de Compensação nº 2013…, com registo de 06/12/2013, tendo por base uma declaração de substituição entregue pela Requerente em 15/11/2013.

7 - Após esta liquidação de IRS, a Requerente procedeu em 17 de Dezembro de 2013 ao pagamento do imposto que lhe foi debitado.

8 - Esta liquidação adicional de IRS no valor de 73.137,52€, foi sucedânea da liquidação de IRS relativa ao mesmo ano de 2010, com o nº 2013…, no valor de 143.859,38€, esta efectuada em consequência da acção de inspecção tributária, que teve como fundamento a alienação pela Requerente de acções da B..., pelo preço de 660.000,00€, a que correspondeu uma mais-valia de 646.483,00€.

9 - A Requerente requereu em 05/03/2014 a constituição do Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade da referida liquidação nº 2013….

10 - A Requerida, notificada, em 07/03/2014, do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, veio, em 21/04/2014, informar que procedeu à substituição do acto tributário objecto daquele pedido.

11 - Esta anulação e consequente substituição decorreu de erro de recolha dos Serviços da Requerida.

12 - Este novo acto tributário respeita à liquidação adicional nº 2014…, de 22/04/2014 (imposto relativo a tributações autónomas no montante de 129.196,60 euros, acrescido de juros compensatórios no valor de 12.247,12 euros), tudo perfazendo um total de 141.443,72 euros.

13 – Esta nova liquidação substitutiva da que foi objecto da originariamente impugnada, tem a data de 22/04/2014, último dia do prazo de 30 dias concedido à Requerida para a válida prática de novo acto tributário, nos termos do artigo 13º, do RJAT.

14 - Em 22/04/2014, decorria o prazo concedido à Requerente pela Requerida para o exercício do direito de audição, relativamente à liquidação nº 2015…, que foi indeferido.

15 - No ano de 2009, a B... teve um volume de negócios anual de 3.265.748,10 euros, um balanço total anual de 4.508.123,10 euros, e não teve pessoal ao seu serviço.

16 – Nos temos do Relatório Final da Inspecção Tributária, notificado à Requerente em 21/10/2013, era o seguinte o número de trabalhadores das empresas adiante indicadas, nas quais a B... detinha a percentagem de capital aí referida:

- B... II – Investimento e Gestão de Serviços Médicos, SA. – 18 efectivos – 86,99% de capital detido;

- Centro Diagnóstico …, SA. – 13 efectivos – 75% do capital detido;

- C… – Centro de …, Lda. – 28 efectivos – 99,91% do capital detido;

- B... – Serviço Médico …, SA. – 40 efectivos – 100% do capital detido;

- B... D…, Lda. – 5 efectivos – 90% do capital detido.

 

17 – A Requerente não juntou aos autos certificado do IAPMEI a atestar a B... como micro ou pequena empresa.

18 - Por Acórdão Interlocutório do Tribunal, de 13/10/2014, foi fixado o objecto da impugnação, como sendo o acto tributário correspondente à liquidação adicional nº 2014…, de 22/04/2014 (imposto relativo a tributações autónomas no montante de 129.196,60 euros a que acresce 12.247,12 euros de juros moratórios), tudo perfazendo um total de 141.443,72 euros.

 

1.2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

Foi igualmente ponderado para a convicção do Tribunal tudo quanto consta do processo administrativo instrutor.

1.3 – FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados com relevância para a apreciação das questões a decidir.

1.4 – O ATO TRIBUTÁRIO OBJETO DO PROCESSO

Como resulta dos autos e da decisão arbitral intercalar ou interlocutória de 13-10-2014, é a liquidação adicional nº 2014 …, de 22-4-2014 (imposto relativo a tributações autónomas no montante de € 129.196,60 + € 12.247,12 de juros compensatórios, tudo perfazendo um total de € 141.443,72).

1.5 – QUESTÕES A APRECIAR

Este Tribunal é chamado a apreciar e decidir as seguintes questões:

a)      A extemporaneidade do ato de liquidação (arts 1º a 16º, do pedido de pronúncia após reformulação);

b)     A preterição de formalidades essenciais (arts 17º e ss., do mesmo articulado)

c)      Erro quanto aos pressupostos de facto e de direito (arts 36º e ss., do mesmo articulado);

d)     Aplicação retroativa da Lei Fiscal e violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança (artigo 67º do mesmo articulado e artigos 46º a 127º, do pedido de pronúncia arbitral primitivo).

            Apreciando e decidindo cada uma destas questões:

a)      A extemporaneidade do ato de liquidação (arts 1º a 16º, do pedido de pronúncia após reformulação).

            Alega a requerente que a liquidação é datada de 22-4-2014 – o último dos 30 dias para operar a substituição do ato tributário nos termos do art 13º, do RJAT – e que nessa data ainda decorria o prazo para o exercício do direito de audição (que exerceu em 30-4-2014)

            Alega ainda que a notificação do contribuinte é requisito essencial para a perfeição do ato e que deve ocorrer nos casos de substituição previstos no artigo 13º, do RJAT.

            Decidindo:

            Não tem razão a requerente.

            Na verdade, o que a Lei impõe é a emissão do ato no prazo de 30 dias previsto no nº 1 do artigo 30º, do RJAT (grifado nosso), podendo a notificação ocorrer para além desse prazo de 30 dias.

            No caso, sendo o ato praticado no último dos 30 dias (em 22-4-2014), apesar de notificado em 9-5-2014, esta última circunstância é inócua relativamente à validade do ato.

            Só se a substituição do ato ocorrer depois do decurso do prazo referido no nº 1, do artigo 13º do RJAT e não se basear em novos factos, o ato de substituição será ilegal pois, findo aquele prazo a AT fica “(...) impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo (...), imposto e período de tributação,  não ser com fundamento em factos novos (...)”, sendo que a ilegalidade do ato de substituição pode ser conhecida e declarada no próprio processo arbitral como questão prévia relativamente ao prosseguimento do processo.

           

            b) Preterição de formalidade essencial

            Alega a requerente que ocorreu a preterição de formalidade essencial por omissão do exercício do direito de audiência prévia, nos termos do artigo 60º, da LGT

            Ora a verdade é que, como resulta dos autos e do processo administrativo instrutor, a requerente exerceu o direito de audiência prévia no procedimento na medida em que defendeu que a empresa B... é uma pequena empresa para efeitos de aplicação do regime especial de tributação de mais-valias defendido.

            Ainda que fosse considerada – e não é, no caso, formalidade essencial -, a sua preterição pode convolar-se em não essencial, demonstrado que seja que, com ou sem o seu cumprimento, a decisão final do procedimento seria inevitavelmente a mesma (Cfr neste sentido o Ac do STA, de 6-7-2011 – Proc nº 5/11).

            Ou seja: não se antolha como é que, no caso, um novo (na medida em que já tinha sido exercido no contexto do procedimento tributário) exercício do direito de audiência prévia, poderia influir na decisão.

            Improcede por isso a anulação do ato com tal fundamento.

 

            c) Erro quanto aos pressupostos de facto e de direito

            Alega a requerente no essencial para fundamentar este vício que a alienação das participações sociais objeto dos autos, ao contrário do que entendeu a AT, sendo reportadas a pequena empresa (a B... – Prestação de Serviços Médicos, SA), beneficia da exclusão parcial de tributação prevista no artigo 43º-3, do CIRS

            É esta a questão controversa no presente processo arbitral tem agora que ver com o ato de liquidação de IRS de 2010 n.º 2014 …, emitido em 22-04-2014, como imposto relativo a tributações autónomas no montante de € 129.196,60, acrescido de juros compensatórios no montante de € 12.247,12, tudo no total de € 141.443,72.

            A referida liquidação é substitutiva da liquidação inicial n.º 2013 …, do ano de 2010, no valor de € 73.137,52, respeitante à alienação, em 29 de Junho de 2010, de 60.000 ações representativas de 30% do capital social da sociedade B... – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS, S.A. (B...), pelo preço global de € 6660.000,00.

            A alteração do objeto de pronúncia arbitral resulta do Acórdão Interlocutório proferido pelo Tribunal em 13-10-2014 sobre as exceções ou questões prévias levantadas partes, do que foram devidamente notificadas em 16-10-2014. 

            E a questão de fundo do pedido de pronúncia arbitral tem a ver com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, que revogou o n.º 2 do art.º 10.º do Código do IRS, que estabelecia uma exclusão tributária em sede de IRS relativamente à alienação de ações detidas há mais de 12 meses.

            De salientar que à data da publicação da referida Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, já as ações em causa haviam sido alienadas em 29 de Junho de 2010.

            E, por isso, a Requerente não concorda com o entendimento da AT, que vai no sentido de que em resultado da revogação do n.º 2 do art.º 10.º do Código do IRS, a sua aplicação determina a aplicação do regime regra de tributação das mais-valias apuradas em consequência da alienação de ações detidas há mais de 12 meses, independentemente de a mesma alienação se ter verificado antes ou depois da entrada em vigor da referida Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

            E esta divergência de entendimentos é que constitui o objeto da controvérsia no presente processo.

            Vejamos, antes de mais, o que dispõem as citadas disposições legais:

            Artigo 10.º, n.º 2 do Código do IRS (à data):

            “ 1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

            b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, …”

            “2 – Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:

            a) Ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses”;

            “12 – A exclusão estabelecida no n.º 2 não abrange as mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português”. 

            Lei n.º 15/2010, de 26/07:

            Artigo 1.º

            Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

            Os artigos 10.º, 43.º, 72.º……do Código do IRS, passam a ter a seguinte redação:”

            “Artigo 10.º

            …

            2 – (Revogado)”

            Art.º 72.º

            …

            4 – O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 20%”.

 

            “Art.º 2.º

            Revogação de disposições no âmbito do Código do IRS

            São revogados os n.ºs 2 e 12 do artigo 10.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro”.

 

            “Art.º 5.º

            Entrada em vigor

            A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

 

            De realçar que a citada Lei n.º 15/2010 é omissa relativamente a quaisquer regras especiais de aplicação da lei no tempo, muito embora tenha sido abordada esta questão no quadro do debate parlamentar que precedeu a aprovação da mesma.

            Dispõe o artigo 12º, da LGT:

1.      As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.

2.      Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.[Itálico do Tribunal]

3.      As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias. Direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes

4.      Não são abrangidos pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária”.

            Face ao conteúdo das presentas normas, forçoso será conhecer qual a natureza do facto tributário decorrente da alienação onerosa das ações em causa.

            Nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do CIRS, o IRS é um imposto periódico incidente sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias, após as correspondentes deduções e abatimentos.  

            Por sua vez, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, al. a) os ganhos de mais – valias constituem incrementos patrimoniais sujeitos a IRS, categoria G, desde não considerados rendimentos de outras categorias.

            Precisando, com base no artigo 10.º, n.º 1, al. b), constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de partes sociais…e de outros valores mobiliários.

            E conforme artigo 10.º, n.º 2, al. a) já transcrito anteriormente, em vigor à data da alienação das ações em causa, excluíam-se da tributação os ganhos provenientes da alienação das ações detidas por um período superior a 12 meses – como é o caso dos autos.

            E nos termos do artigo 10.º, n.º 4, al. a) do CIRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 deste mesmo artigo.

            Por sua vez, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 do CIRS, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano… .

            De relevar também o disposto no artigo 10.º, n.º 3, al. a), do CIRS, que determina, para o caso em apreço, o facto gerador do imposto [Itálico do Tribunal], para a situação dos autos :

            “3 – Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas seguintes alíneas: a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objeto do contrato”.

            Por se julgar relevante, transcreve-se também o que dispõe o artigo 45.º da LGT, na parte aplicável:

            “Artigo 45.º - Caducidade do direito à liquidação

            1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

            4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento, quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.

            Donde se retira que o IRS é um imposto periódico, em geral, e de obrigação única nos casos em que ocorre a obrigatoriedade de retenção a título definitivo (caso da taxa liberatório do artigo 71.º).

            Tem-se, pois, que, por um lado, o facto gerador do imposto, ou seja, a sua exigibilidade, ocorre, no caso em apreço, no momento em que os ganhos de mais-valias se consideram obtidos, nos termos do artigo 10.º, n.º 3, al. a) e, por outro, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias apuradas no mesmo ano.

            Aliás, tratando-se, v.g. de rendimentos do trabalho dependente, categoria A, o facto gerador também ocorre, em regra, em cada mês em que se verifica o pagamento ou colocação à disposição dos salários ou remunerações, com retenção por conta, em regra, e a sua tributação é feita no final do ano, mediante a aplicação das taxas gerais à totalidade dos rendimentos.

            A diferença entre esta situação dos rendimentos da categoria A e a tributação do saldo ganho das mais valias-alienadas, reside apenas no facto de a tributação daqueles rendimentos ser feita por englobamento e, portanto, por aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e a tributação das mais-valias ser feita também no final do ano, mas pelo saldo final entre as mais-valias e as menos-valias, por aplicação da taxa especial de tributação autónoma prevista no n.º 4 do artigo 72.º do CIRS, taxa essa que passou de 10% para 20% com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26/7, com entrada em vigor a 27/7.

            Significa que no âmbito deste imposto periódico que é o IRS, existem rendimentos de formação sucessiva, como é o caso, em regra, dos rendimentos do trabalho, categoria A, dos rendimentos provenientes de rendas de imóveis, categoria F e dos rendimentos das pensões, categoria H, e outros, como é o caso das mais-valias, que se vão sucedendo ou não, à medida que haja ganhos da mesma natureza (no dizer dos ingleses trazidos pelo vento e, portanto, ocasionais), apurando-se, então, sendo caso disso, o saldo entre as mais-valias e as eventuais menos-valias no final do período de tributação – que é sempre o dia 31 de Dezembro.

            Não raro acontece que durante o período de tributação aparece apenas uma vez um ganho de mais-valias, como foi o caso dos Requerentes.

            E o facto gerador destas mais-valias obtidas pela alienação das ações em causa ocorreu em 29 de Junho de 2010, antes, portanto, da entrada em vigor, em 27/7/2010, da Lei 15/2010.

            Põe-se, então a questão da retroatividade, se a estas mais-valias for aplicada a taxa de 20% no final do período de tributação, quando à data do facto gerador, neste caso, nem havia lugar a tributação, em virtude de as ações alienadas serem detidas por um período superior a 12 meses e, portanto, excluídas da tributação, por força do artigo 10.º, n.º 2 do CIRS, apenas revogado pela referida Lei n.º 15/2010, de 26/7.

            No Acórdão do STA proferido no Proc. n.º 01582/13, de 4/12/2013[1], que em apreciação de um recurso da Fazenda Pública, de uma decisão do TAF de Viseu, favorável ao impugnante, determinando a “anulação da liquidação sindicada, na parte impugnada, correspondente à tributação do saldo de todas as mais-valias e menos-valias realizadas até 26/.7.2010 à taxa de 20%, quando apenas poderia ter tributado o saldo das mais-valias e menos-valias decorrentes da alienação de ações, ocorrida até 26.7.2010 e desde que à data da alienação tivessem sido detidas há menos de 12 meses, à taxa de 10%...e condenando a Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde 7.9.2011 (data de pagamento) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, no entendimento de que a liquidação sindicada padecia do vício de violação de lei por aplicação retroativa das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição e do disposto no artigo 12.º da Lei Geral Tributária”.

            “(...)  Para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povoe terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito” (...) “Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus autores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras (...). “ [Cfr Ac do T Const nº 319/02, citado pelo Ac do STA mencionado na nota de rodapé].

            “Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado. É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, ao consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável”.[2]

            Certo que o Tribunal Constitucional precisou o princípio da não retroatividade da Lei Fiscal nos seguintes termos:

            “O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os caos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluído do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.ºs 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt)”.

            “Ora é bom de ver que no caso das mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo. O facto tributário que dá origem ao imposto esgota-se na realização da mais-valia (Atente-se que já o imposto de mais-valias era tido como de obrigação única – cf. Ac. so STA de 18.1.1995, P. 18287)[3]”.

 “E a este entendimento não obsta a circunstância de ser tributado o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, pois o que está em causa no art.º 43.º, n.º 1 do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria coletável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias. Trata-se, a nosso ver, de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se conclui que “o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a tributação […]” [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012]”.

            E nesta linha interpretativa está também a Decisão Arbitral do CAAD, no Processo n.º 135/2013-T, que versa situação idêntica à dos autos, de que se extrata umas breves passagens do respetivo Acórdão:

            “(...)Seja qual for o melhor entendimento doutrinário, o certo é que existe lei expressa que nos dá a solução do caso sub judice, o art.º 12.º, n.º 2, da LGT: se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da entrada em vigor “ (...) “E é este comando que este Tribunal é obrigado a respeitar, porquanto, como reafirma o art.º 4.º, n.º 2, do RJAT, os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído (...) Ou seja, o art.º 12.º, n.º 2, da LGT manda que, nos impostos periódicos (i.e., relativamente a factos tributários de formação sucessiva), o período de tributação seja cindido, aplicando-se a lei antiga aos factos geradores de imposto ocorridos antes da alteração legislativa e a lei nova aos posteriores. Note-se que este normativo surgiu em momento muito posterior ao da entrada em vigor dos atuais impostos sobre o rendimento (seu principal campo de aplicação), sendo que o legislador da LGT não poderia ignorar as consequências que, nesses impostos, o novo normativo iria produzir (...) O afastamento desta norma legal, poderia, eventualmente, acontecer caso resultasse violadora de princípios ou normas constitucionais (...) Ora, o preceito em causa é o que melhor dá expressão a princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico-constitucional, como sejam o princípio da segurança na tributação, dimensão essencial do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito (...) As normas legais que regem a tributação devem assegurar que quem pratica em ato potencialmente gerador de obrigação de imposto possa “ter a certeza” das consequências fiscais daí resultantes. Condição primeira para tal é, obviamente, que a lei que regerá tais obrigações seja conhecida, seja a que está em vigor naquele momento (...) A tese de que o facto gerador do imposto, nos impostos periódicos, apenas ocorre no último dia do ano, tem como consequência implícita a aceitação de um certo grau de retroatividade da lei fiscal (a chamada retroatividade imprópria ou de 3.º grau) (...) Sabemos que tal “grau” de retroatividade é considerado constitucionalmente admissível pela nossa jurisprudência. Mas para que tal aplicação retroativa exista é necessário que exista um ‘dictum’ legislativo que a tal obrigue (...) Ora, tal não acontece no presente caso, pois que a regra geral constante do n.º 2 do art.º 12.º da LGT visa, precisamente, evitar situações de retroatividade da lei fiscal (ainda que “moderada”), sempre que o legislador não determine, especialmente, o contrário (...) O art.º 12.º, n.º 2 da LGT é, pois, uma norma totalmente conforme aos princípios constitucionais que presidem à tributação, é mesmo, a que, nesta específica questão, melhor dará tradução a tais princípios, ao prevenir a ocorrência de situações de aplicação retroativa da lei fiscal”

            E – continua esse aresto arbitral:

            “(...)Apesar de a matéria coletável (mais-valias mobiliárias) a ser tributada em IRS corresponder ao saldo das mais e menos valias realizadas pelo sujeito passivo ao longo do ano, o certo é que, no caso concreto, só houve uma única alienação em 2010:, ou sejam o facto tributário, em abstrato de formação sucessiva, “esgotou-se” numa única transação (...) sendo as mais-valias obtidas com a alienação de participações sujeitas a uma tributação autónoma (a uma taxa proporcional, não sendo aqui tidos em conta os elementos de personalização que, por princípio, deviam estar presentes na tributação de todos os rendimentos, caso o IRS fosse um verdadeiro imposto único – estamos perante uma das traduções do caráter dual deste imposto), nenhuma dificuldades se colocam relativamente às demais operações que a liquidação (entendido o termo em sentido amplo) do imposto implica, quando feita com observância do disposto no n.º 2 do art.º 12.º da LGT(...) Inviabilizar a aplicação do preceito (art.º 12.º, n.º 2, da LGT) em casos como o presente significaria, “ignorar” a sua existência, o que é vedado a qualquer Tribunal (...) Em resumo, entende-se que nada obsta à aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 12 da LGT, da regra geral aí contida, a qual – repete-se – o legislador entendeu não afastar na Lei n.º 15/2010 (...)”.

 

            Aplicando-se as considerações supra ao caso sub juditio, logo se evidencia a ilegalidade da liquidação decorrente da aplicação retroativa do regime fiscal aprovado pela citada Lei nº 15/2010.

            Na verdade, a venda ou alienação das 60.000 ações em causa ocorreu em 29-6-2010 e que aquelas eram detidas pela requerente desde 17-4-2009.

            À data dessa alienação (29-6-2010) e, consequentemente, da realização da mais valia [facto gerador da tributação] vigorava o artigo 10º-2, do CIRS que excluía de tributação as mais-valias provenientes da alienação de [como era o caso] ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.

            Logo – e ao contrário do que entendeu a AT - estava excluída a aplicação das alterações a esta tributação efetuadas pela Lei nº 15/2010, de 26 de julho na medida em que esta apenas entrou em vigor em 27 de julho de 2010, ou seja, em data posterior à sobredita alienação das participações sociais da requerente.

            Procede deste modo e com estes fundamentos, o pedido de pronúncia arbitral.

 

O pedido de pagamento de juros indemnizatórios

 

            A par da declaração da ilegalidade da liquidação, a Requerente peticiona ainda que lhes seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, matéria que se insere no âmbito das competências deste Tribunal, conforme expressamente prevê o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT.

            Determinada a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação e encontrando-se paga (total ou parcialmente) a dívida tributária indevida, o direito a juros indemnizatórios subsiste, sempre que tal decorra de erro imputável aos serviços da AT, conforme prevê o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

            No presente caso, está-se perante uma liquidação determinada pela Autoridade Tributária e que se veio a revelar legalmente injustificada.

            Ou seja: ocorreu não por qualquer ato ou procedimento, ainda que desculpável ou involuntário do sujeito passivo, mas por um entendimento erróneo sobre os pressupostos da liquidação.

            Tanto basta para se considerar verificado o erro imputável aos serviços com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios sobre a importância indevidamente liquidada e paga, com contagem a partir do dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito – arts 43º- 1 e 2, da LGT e 61º, do CPPT.

            Assim, com base nas disposições dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), são devidos juros indemnizatórios, à taxa legal, sobre a importância indevidamente liquidada e paga, contados a partir do dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

III DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)                     Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2010 [liquidação adicional nº 2014…, de 22/04/2014 (imposto relativo a tributações autónomas no montante de 129.196,60 euros, acrescido de juros compensatórios no valor de 12.247,12 euros), tudo perfazendo um total de 141.443,72 euros], condenando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira na anulação desse ato;.

b)                    Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto pago, com juros indemnizatórios nos termos formulados, condenando-se, em consequência, a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso à requerente da importância paga [€ 64.598,30] com juros indemnizatórios a partir do dia seguinte ao do pagamento até à data da emissão da respetiva nota de crédito – arts 43º- 1 e 2, da LGT e 61º, do CPPT.

c)                     Julgar prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

                     

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o já fixado valor de € 141.443,72.

 

Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 9 de janeiro de 2015

O Tribunal Arbitral,

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

 

José Rodrigo de Castro

(Vogal)

 

 

 

José Nunes Barata

(Vogal)

 

 



[1] Sumário: As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho aplicam-se apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 – art. 5.º da Lei n.º 15/2010).

II - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC).

III - Sendo o rendimento anual para efeitos de IRS um facto complexo de formação sucessiva, na ausência de norma expressa em sentido diverso, poderá aplicar-se, sem retroactividade própria ou autêntica, a lei nova aos factos que o integram ocorridos a partir da sua entrada em vigor (artigo 12.º n.º 2 da Lei Geral Tributária).

 

[2] Cfr citado Ac do STA.

 

[3] Idem.