Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 288/2014-T
Data da decisão: 2014-10-27  IRS  
Valor do pedido: € 1.475.148,01
Tema: IRS: tributação de mais-valias. Aplicação da CGAA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

           

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Luís Máximo dos Santo e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-06-2014, acordam no seguinte:

 

1.      Relatório

 

A, NIF …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.2 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA.

O Requerente pede a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS e juros indemnizatórios n.º 2013 …, relativo ao ano de 2009, no valor de € 1.475.148,01, e, indemnização pelos custos em que venha a incorrer com prestação de garantias para suspender processo de execução fiscal.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 28-03-2014 e automaticamente notificado a Autoridade Tributaria e Aduaneira em 31-03-2014.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 16-05-2014.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-06-2014.

Em reunião de 29-09-2014, foi produzida prova testemunhal, prosseguindo o processo com alegações escritas sucessivas.

O Requerente apresentou alegações com as seguintes conclusões:

 

A) Na presente acção arbitral estão subjacentes a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima cujo accionista principal é o Autor e a venda desta sua participação social a uma nova sociedade (SGPS).

B) Conforme provou com documentos e testemunhas, com esses actos e negócios jurídicos o Autor: (Í) por um lado, apenas reorganizou empresas de que era (e é) accionista, de forma a adequar a estrutura da empresa à sua nova dimensão, volume de negócios e estratégia de internacionalização; por outro lado, (ti) simplificou a possível entrada de novos parceiros estratégicos e de referência na sociedade para cooperar em novos projectos, nomeadamente facilitando a aquisição do capital da empresa por parte de terceiros para prosseguir a sua aposta na internacionalização do atelier de arquitectura.

C) Ignorando a realidade dos factos e a prova produzida, a AT limita-se a tentar vislumbrar em tudo meros "passos" de um qualquer "estratagema fiscal" e determinou a aplicação da CGAA.

D) A AT não apresenta qualquer facto e não produz qualquer prova que suporte a sua decisão de aplicação da CGAA e limita-se a, em tudo, procurar ler um suposto carácter artificioso em actos e negócios cuja racionalidade económica foi devidamente demonstrada pelo Autor, bem como a insinuar supostas "intenções elisivas" do contribuinte.

E) Mais gravoso ainda é que a AT não só não logra demonstrar qual em concreto a norma ou as normas fiscais aplicáveis no momento em que ocorreram os factos jurídicos (i.é., em 2009) e que determinariam a tributação dos actos e negócios jurídicos celebrados pelo Autor, como - naturalmente - não consegue sequer evidenciar em que normas estaria plasmada a "intenção inequívoca do legislador" tributar esses actos ou negócios.

F) E simples a razão da incapacidade da AT em provar essa intenção: não havia intenção inequívoca do legislador tributar esses actos ou negócios jurídicos!

G) E, ainda assim, a AT notificou o Autor do acto tributário aqui impugnado de liquidação de IRS e juros indemnizatórios, denominado "Demonstração de Liquidação de IRS", respeitante ao ano de 2009, no valor de € 1.475.148,01, pela aplicação da CGAA, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

H) O Autor discorda frontalmente desta liquidação adicional dada a mesma ser de todo em todo ilegal, em particular pelo facto da aplicação da CGAA ser inadmissível no caso sub judice dado não se encontrarem preenchidos quaisquer dos requisitos necessários para o efeito.

I) Ora, o Autor provou e demonstrou, com recurso a documentos e depoimento das testemunhas por si arroladas, as razões económicas e comerciais válidas subjacentes aos actos e negócios jurídicos em análise.

J) Efectivamente, o Autor demonstrou como, desde que iniciou a sua actividade como arquitecto há cerca de 20 anos a título individual, fundou e desenvolveu o seu atelier de arquitectura que é hoje uma referência a nível nacional e internacional.

K) Nomeadamente, o Autor iniciou sensivelmente na última década uma estratégia de crescimento acentuado e de expansão internacional, a qual reclamava a capacidade de estar em condições favoráveis para poder acolher no seu capital parceiros estratégicos e, fruto das lições de negócios gorados no passado, isso implicava a necessidade de transformar a B numa sociedade anónima.

L) O Autor provou que em 2008 negociou até a potencial alienação de uma participação minoritária do capital social (i.é., cerca de 25%) da então B à C.

M) Contudo, a C estabeleceu como "condição sine qua non" (sic,, nas palavras do director dessa empresa) para a concretização do negócio a prévia transformação daquela sociedade numa sociedade anónima, uma vez que como detentores de apenas uma parte minoritária não se pretendiam sujeitar ao regime societário mais rígido da transmissão de quotas e pretendiam uma diferente composição dos órgãos sociais.

N) O negócio gorou-se quer pela necessidade da B necessitar de completar um conjunto de passos para concretizar essa transformação de forma expedita como pelo aprofundar da crise económica, em particular no sector imobiliário.

O) Mais, as negociações com a C evidenciaram a necessidade de rapidamente avançar com a transformação da B em sociedade anónima se o Autor pretendia atrair sócios estratégicos para o desenvolvimento do seu atelier, o que ocorreu depois logo em 2009.

P) Concomitantemente, a aposta na internacionalização do atelier de arquitectura do Autor espoletou a necessidade de constituir uma multiplicidade de sociedades em diversas jurisdições e, por isso, revelou-se necessário reestruturar o agora grupo D.

Q) Nesse sentido, o Autor constituiu uma sociedade de topo (SGPS) que passaria a deter a totalidade das participações sociais do grupo e, obviamente, também a deter as participações em Portugal (v.g., a B, S.A.).

R) Razão pela qual o Autor procedeu à transmissão da sua participação social na B, S.A. à E, SGPS, S.A., bem como transmitiu outras participações sociais detidas em Portugal (v.g., F S.A.).

S) A alienação das acções da B, SA. foi realizada aos valores de mercado e o valor foi fixado em € 13.000.000,00 (treze milhões de euros), de acordo com a avaliação efectuada por uma entidade independente (Banco G).

T) Acresce que a própria AT nunca contestou o valor pela qual as acções foram alienadas pelo Autor, como também o Autor não tem conhecimento de que tenha contestado o valor de qualquer outra alienação de acções da B, S A..

U) Refira-se ainda que, pese embora motivo não directamente relacionado com o Autor, o seu sócio à data na B encontrava-se envolvido num processo conturbado de divórcio e, segundo indicações deste, a transformação da sociedade em sociedade anónima e subsequente alienação da participação social dispensava a necessidade de autorização expressa da então mulher do sócio H.

V) Assim, o Autor fez prova à saciedade da motivação económica e comercial subjacente à transformação da sociedade em causa de sociedade por quotas para sociedade anónima e sucessiva venda da sua participação social.

W) Esta transformação e alienação visavam reorganizar a empresa bem como adequar a sua nova estrutura e dimensão, permitindo a entrada de novos parceiros estratégicos, bem como permitir a constituição de uma sociedade de topo para gerir as várias participações nas sociedades do grupo D (existentes e futuras).

X) Em rigor, tratou-se exclusivamente de uma decisão de correcta gestão das participações do Autor em valias sociedades e de organização do grupo de sociedades, como é corrente na forma de estruturar os grupos societários em Portugal — decisão esta que a AT não tem competência para avaliar da sua bondade.

Y) Nessa medida, o Autor limitou-se simplesmente a aplicar as normas vigentes à data, a saber (í) o artigo 43.º, n.º 6, alínea b) do Código do IRS que determinava que a data de aquisição das acções da B, SA «no caso de transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem» (i.e. 1996); e (ii) o artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do Código do IRS que excluía de tributação as mais-valias da alienação de acções detidas há mais de 12 meses.

Z) Ora, a factualidade relevante demonstra que não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação da CGAA prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT.

AA) Desde logo, refira-se que para a análise da (ilegal) aplicação da CGAA é totalmente irrelevante o valor porque foram transaccionadas as acções da B pelo Autor e pelos demais accionistas, uma vez que:

a. A AT em momento algum contestou o valor atribuído na alienação pelo Autor das acções da B, S.A. à E, SGPS, SA., quando o podia fazer caso assim entendesse porque a legislação fiscal o permitiria; e,

b. Porque do valor pela qual foram as acções transaccionadas nada se poder concluir quanto à racionalidade económica subjacente à transformação em sociedade anónima ou à alienação das acções a uma sociedade de topo.

BB) No que diz respeito aos pressupostos para a aplicação da CGAA, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que devem encontrar-se cumulativamente preenchidos cinco elementos patentes na estatuição daquela norma, a saber os elementos: (i) meio, (ti) resultado, (iii) intelectual, (iv) normativo e (v) sancionatório.

CC) Ora, estes elementos, que são de preenchimento cumulativo, não se encontram (rectius nenhum deles), de todo em todo, presentes no caso sub judice e, por isso, é in casu inaplicável a CGAA.

DD) No que diz respeito ao demento resultado (i.e., a existência de uma vantagem fiscal do meio utilizado quando comparada com a resultante da tributação resultante da prática dos actos ou negócios jurídicos normais e de efeito económico equivalente), este não se considera verificado porque in casu o acto ou negócio jurídico dito "normal" não seria uma simples transmissão onerosa de quotas.

EE) A verdade é que a transformação em sociedade anónima tem uma racionalidade económica e empresarial própria e está inserida numa estratégia de internacionalização pelo que, ao contrário do que pretende a AT, não tem unicamente um carácter instrumental de alegado "plano elisivo".

FF) Mas, mesmo que se conclua que existiria uma vantagem fiscal, o facto de se considerar preenchido este elemento por si só é totalmente irrelevante para aplicação da CGAA porque se tem entendido que «em caso algum, uma vantagem ou um beneficio fiscal indiciarão por si só qualquer ideia de abuso jurídico» (cf. Leite de Campos, Diogo e Costa Andrade, João, Autonomia Contratual e Direito Tributário, A. norma geral anti-elisão, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 82).

GG) Já no que diz respeito aos elementos meio e intelectual, estes não se encontram de todo em todo preenchidos, pois que a transformação da sociedade é um negócio inserido num conjunto de diversos outros actos e negócios executados no contexto da efectiva reorganização empresarial do grupo D.

HH) O Autor provou profusamente, em particular através de prova documental e testemunhal, a estratégia de internacionalização prosseguida pelo seu atelier de arquitectura e que conduziu à necessidade de dotar a empresa da capacidade de acolher novos investidores estratégicos e reorganizar a estrutura de detenções da multiplicidade de sociedades constituídas em diferentes juri é ao presente caso inaplicável a CGAA.

UU) E a AT ao insistir no presente processo com a defesa da aplicação da CGAA perpetua um erro grosseiro na aplicação desta norma, a qual entendida nos termos pretendidos pela AT pode aliás suscitar dúvidas se a mesma é contrária a vários preceitos constitucionais.

VV) As tentativas da AT de contrariar a doutrina e jurisprudência arbitral unânime sobre a aplicação da CGAA ao caso sub judice estão condenadas ao insucesso, em particular quando se critica o que se apelida ser uma «alegada doutrina subscrita por Saldanha Sanches num único parágrafo do seu livro "Limites ao Planeamento Fiscal" e amplamente difundida e endeusada pelo CAAD» (nosso negrito) (cf. artigo 164.º da Resposta da AT).

WW) A AT falha pois grosseiramente em compreender que, sem uma «intenção inequívoca de tributação», é inaplicável a possibilidade de (re)caracterizar os comportamentos dos contribuintes e não basta meramente argumentar que esses comportamentos tem uma natureza elisiva.

XX) E se não existe essa intenção inequívoca de tributar não se pode aplicar a CGAA.

YY) In casu, essa intenção inequívoca pura e simplesmente não existia porque o legislador expressamente não pretendia tributar as mais-valias decorrentes da alienação de acções e, concomitantemente, estabelecia que em casos de transformação de sociedades por quotas em anónimas a antiguidade das acções era «a data de aquisição das quotas que lhes deram origem».

ZZ) A verdade é que o legislador (e a própria AT!) estava plenamente consciente de que a alienação de acções precedida de uma transformação poderia obviamente redundar numa exclusão de incidência de mais-valias...

AAA) Pelo que se concluiu que não se encontra preenchido o elemento normativo e diga-se que a própria jurisprudência admite que «"mesmo que a transformação [fosse] motivada por razões exclusivamente fiscais", é o legislador que opta, expressamente, por tributar a venda das quotas e por não tributar a venda das acções naquele contexto» (cf. Decisão Arbitral proferida no Proc. n.º 123/2012-T de 9 de Maio de 2013).

BBB) Logo, ainda que se concluísse que a transformação seria motivada unicamente por razões fiscais — o que se demonstrou e provou supra não ser o caso —, a aplicação da CGAA seria ainda assim ilegal dada a opção expressa e reiterada do legislador em não pretender a tributação deste tipo de negócios.

CCC) E, demonstrada que está a não verificação cumulativa dos demais elementos para a aplicação da CGAA, é forçoso concluir que também não se encontra preenchido o elemento sancionatório porque não pode haver lugar à aplicação da estatuição da norma quando a sua previsão não se encontra preenchida contrariamente ao que alega a AT (!).

DDD) Nestes termos, dado que não se encontra preenchido nenhum dos pressupostos legais para a aplicação da CGAA prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT — quanto mais o preenchimento cumulativo de todos os elementos — no presente caso, o acto de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios impugnado é manifestamente ilegal por vício de violação de lei.

KKK) Mais, a admitir-se como aplicável a CGAA no caso sub judice, a interpretação subjacente a esse preceito legal, ao desconsiderar a relevância das transacções efectuadas pela Autor no âmbito da sua liberdade de gestão e organização das suas participações sociais tendo em vista a prossecução do seu escopo lucrativo ao abrigo daquela interpretação da norma do número 2 do artigo 38.º da LGT, a AT viola grosseiramente princípios básicos da denominada constituição fiscal.

FFF) O artigo 38.º, n.º 2 da LGT, interpretado no caso sub judice de modo a permitir à AT a requalificação unilateral de actos e negócios jurídicos dos particulares num sentido contrário àquele que estes, no legítimo exercício da sua autonomia privada, efectivamente pretenderam e realizaram, como o Autor demonstrou supra, viola os princípios da justiça, segurança jurídica e da boa-fé, plasmados nos artigos 2.º, 13.º, 61.º e 62º, 103.º e 266º da CRP.

GGG) Logo, o acto de liquidação adicional de IRS que aplicou a norma do artigo 38.º, n.º 2 da LGT e a respectiva interpretação daquela norma adoptada pela AT no caso sub judice, carece de anulação por vício de violação de lei, designadamente por violação do disposto nos artigos 26.º, 61.º e 62.º, 103." e 266.º da CRP.

HHH) Refira-se ainda que a aplicação in casu da CGAA implicaria uma violação groseira do prazo de caducidade para a liquidação de tributos.

III) Efectivamente, estabelecia-se claramente e sem margem para dúvidas como um dos requisitos para a abertura do procedimento próprio no número 3 do artigo 63.º do CPTT à data dos factos (2009) a condição de este «ser aberto no prazo de três anos».

JJJ) A doutrina é clara no sentido de que a abertura do procedimento próprio para a aplicação de normas anti-abuso é «um poder administrativo cujo prazo de caducidade é fixado (...) em três anos» (cfr. SALDANHA SANCHES, Abuso de Direito em Matéria Fiscal: Natureza, Alcance e Limites, Ciência e Técnica Fiscal n.º 398, Abr.-Jun. 2000, Centro de Estudos Fiscais, pp. 36).

KKK) Ora, à data da notificação do acto de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios ora impugnada (i.e., 26 de Novembro de 2013) já tinham decorrido mais de três anos sobre a transformação e alienação de acções da B, S.A., as quais ocorreram em 5 e 22 de Dezembro de 2009, respectivamente.

LLL) E os três anos do prazo de caducidade já tinham decorrido quer a contagem seja efectuada a contar da «realização do acto ou da celebração do negado jurídico objecto da aplicação das normas anti-abuso» ou tua contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico» (cfr. redacções do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT).

MMM) Diga-se aliás que o prazo de caducidade para a liquidação de tributos tem, ao contrário do sustentado em juízo pela AT, natureza substantiva, dado que o instituto da caducidade assenta nos valores da segurança e certeza jurídicas, e, por isso, operável à data do facto tributário, no âmbito do princípio "tempus regit actum”.

NNN) Razão pela qual é de todo em todo irrelevante que, depois da data em que foram celebrados os negócios jurídicos (i.e., em 2009), mais tarde se tenha aumentado esse mesmo prazo de caducidade para quatro anos.

OOO) Nessa medida, à data da notificação do acto de liquidação adicional em crise, o prazo de caducidade pata a liquidação de tributos já estava ultrapassado e, assim, violar-se-ia flagrantemente o então artigo 63.º, n.º 3 do CPPT na redacção aplicável à data da ocorrência dos factos tributários em 2009 e o artigo 45.º, n.º 1, in fine da LGT, pelo que deve o mesmo acto ser anulado, com todas as devidas consequências legais.

PPP) A AT violou ainda o prazo pata abertura de procedimento próprio para a aplicação da CGAA.

QQQ) Efectivamente a notificação do Projecto de Relatório de Inspecção (cfr. doc. n.º 17 já junto em anexo) em que se propunha a aplicação da CGAA veio apenas a ser notificada ao Autor a 19 de Dezembro de 2012.

RRR) E, reforce-se que, nessa data já tinham decorrido mais de três anos sobre a data da transformação da sociedade B, LDA em sociedade anónima a que se pretende aplicar a CGAA, por aquele ter ocorrido a 5 de Dezembro de 2009.

SSS) Logo, o acto de liquidação adicional é totalmente ilegal, por violação do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT na redacção prevista na data da ocorrência dos factos tributários a que se pretende aplicar a CGAA, pelo que deverá ser de imediato anulado.

TTT) A liquidação de juros compensatórios, no valor de € 176.176,84, de que foi alvo o Autor, é também por si só ilegal porque apenas seria possível se se considerasse que no caso sub judice as correcções foram legais e, em particular, admitir ser devido o imposto em crise, o que já vimos não pode justificar-se ou ter qualquer base legal.

UUU) Ora, para existir responsabilidade por juros compensatórios é necessário que exista: (í) nexo de causalidade adequada entre a actuação do contribuinte e o retardamento da liquidação; e, (ii) a conduta do contribuinte seja censurável, a título de dolo ou negligência.

VVV Resulta evidente da presente acção arbitral que o Autor se limitou a aplicar o tratamento fiscal que resultava da lei e, mais concretamente, a sujeitar a tributação mais-valias que se encontravam excluídas de tributação conforme expressamente previsto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do Código do IRS.

WWW) Pelo que, de forma alguma se compreende que se possa imputar qualquer responsabilidade ao Autor a título de juros compensatórios quando este se limitou a aplicar a lei vigente à data da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima e à data da alienação das respectivas acções!

XXX) Concluindo-se, pois, que a liquidação a título de juros compensatórios de que o Autor foi alvo é absolutamente ilegal, por erro sobre os pressupostos de facto e direito da imputação da responsabilidade por juros compensatórios e, assim sendo, semelhante liquidação enferma do vício de violação da lei, pelo que deve ser anulada.

YYY) Já no que diz respeito ao pedido da AT de que o Autor seja «condenado ao pagamento das custas arbitrais decorrentes ao presente pedido de pronúncia arbitral» unicamente porque não teria «exercido o direito de audição em sede administrativa», importa desde logo afirmar que a AT labora em erro porque o Autor «exerce» o seu direito de audição em sede administrativa», uma vez que apresentou o mesmo em 18 de Janeiro de 2013 - cfr. doc. n.º 18, junto em anexo com a p.i..

ZZZ) Razão pela qual é totalmente falso que o Autor não tenha exercido o seu direito de audição prévia conforme se encontra documentalmente provado nos Autos!

AAAA) Nessa medida, deve pois a AT ser condenada ao pagamento integral das custas arbitrais no caso da presente acção arbitral ser julgada procedente.

 

V. DO PEDIDO

 

Termos em que se requer a V. Exas. que, em face da prova produzida e alegações ora apresentadas, deverá a presente acção arbitral ser julgada procedente, devendo-se, em consequência e em face das normas legais supra citadas, anular a liquidação de imposto e juros em crise relativa ao ano de 2009, no valor de 1.475.148,01 EUR, e, ainda, condenar a AT a indemnizar o Autor dos custos que incorrer com a prestação de garantias para suster o respectivo processo de execução fiscal, tudo com as devidas consequências legais.

 

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

           

 A. O Requerente procura demonstrar, em sede arbitral, que a transformação social operada nos termos e moldes descritos no relatório da inspecção teve subjacente um racional económico, sustentado, no erróneo entendimento do Requerente, nos seguintes pontos:

a. Necessidade de reorganização e reestruturação societária em face de inaudito crescimento económico;

b. Entraves pessoais à alienação das participações sociais do sócio H;

c. Interesse de terceiros (C) na compra de participações na B, Lda.

 

B. Todavia, quanto ao ponto a. o Requerente finca-se nesta questão e no desiderato de desenvolver o assunto, sem que o mesmo tenha interesse para a boa decisão da causa, e arrolou três testemunhas que no que à questão concerne, apenas vieram congeminar asserções sobre a necessidade de reorganização e reestruturação societária da B em face de um inaudito crescimento económico, sem que, contudo, qualquer uma das testemunhas tenha logrado alcançar uma réstia de nexo de causalidade entre as suas lucubrações e a necessidade de alteração societária daquela sociedade.

C. No que concerne ao ponto b. um grupo de sociedade pode ser constituído na sua totalidade por sociedades por quotas, pelo que não se afigura plausível este argumento enquanto justificativo e demonstrativo de um qualquer um racional económico, inexistente, refira-se, que subjazesse àquela transformação.

D. E é a própria terceira testemunha (I), após amplas cogitações e congeminações relativas à necessidade de expansão internacional da B e da necessidade de uma Sociedade Gestora de Participações Sociais – SGPS – para ancorar as empresas que se iam disseminando fora de território nacional, reconheceu saber que a transformação da B em sociedade anónima não era legalmente, nem racionalmente, conditio sine qua non para a detenção por uma SGPS e, por conseguinte, uma condição para a sua tão desejada expansão.

E. No que concerne ao ponto c., temos que, nas palavras da segunda testemunha ouvida na diligência de inquirição de testemunhas (J – representante da C), aquele negócio gorou-se essencialmente devido à «queda do L[Setembro de 2008] e com uma mudança radical de paradigma de crise»

F. Ou seja, não foi a impossibilidade de transformação da sociedade em sociedade anónima que precipitou o fim das negociações, antes sim a crise vivida na decorrência da crise do subprime despoletada nos Estados Unidos.

G. Acresce que a testemunha supra, questionada se a transformação em sociedade anónima era contitio sine quo non para o interesse da C em participar na B, afirmou, categoricamente que era uma mera preferência (vide ponto 61 das doutas alegações) e que «a aquisição de quotas foi ela também considerada numa eventual aquisição» i. e., não era essencial, tal como se revelou, que a transformação da sociedade em causa ocorresse por forma a que a C investisse na aquisição da «…totalidade ou parte do atelier do Arquitecto A.»

H. Pelo que são contraditórias as afirmações vertidas nos pontos 62 a 67 das doutas alegações com a prova produzida em sede de inquirição de testemunhas e no pontos M) a O) das conclusões.

I. Quanto aos alegados “ACTOS DE NATUREZA PESSOAL SUBJACENTES À ALIENAÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES DO SÓCIOS H”, sócio H era casado no regime supletivo de comunhão de adquiridos com M, desde Agosto de 1990.

J. ora, de acordo com o regime legal previsto no art.º 1721.º, na alínea b) do art.º 1724.º e no art.º 1725.º do Código Civil (CC), a quotas detidas por aquele sócio constituíam bens comuns.

K. Assim, segundo o disposto no art.º1682 do CC, a alienação de bens móveis carece do consentimento de ambos os cônjuges.

L. Pelo que, independente da tipologia das participações sociais, quotas ou acções – a alienação de bens comuns careceria sempre do consentimento da cônjuge, termos em que neste ponto e, aliás, como nos demais, improcedem todos e quaisquer argumentos aduzidos pelo Requerente.

M. A decisão de aplicação da CGAA, encontra-se legalmente fundamentada através de despacho do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que em 01-08-213, autorizou a aplicação da CGAA, por estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 2 do art.º 38.º da LGT e no art.º 63.º do CPPT e cujo teor se dá por integralmente reproduzido nos presentes autos arbitrais.

N. Confrontando a transformação societária e a respectiva transmissão das acções, outrora quotas, sem que nenhum racional económico o justificasse, com o impacto em termos de tributação que a mesma pudesse ter na esfera jurídica dos requentes, designadamente tendo em atenção o diferente tratamento, em sede de IRS, da venda de quotas ou de acções, procedeu-se à análise aprofundada das circunstâncias e elementos caracterizadores do referido negócio, com vista à eventual verificação dos pressupostos para aplicação das normas antiabuso.

O. O Requerente tenta desvirtuar a presente acção distorcendo os factos que se mostram essenciais ao correcto enquadramento e à devida aplicação da CGAA, pelo que importa desde logo proceder ao seu correcto enquadramento fáctico.

P. A sociedade B, Lda, era detida até ao dia 07-07-2009, por três sócios, sendo que, deste modo, não satisfazia as condições legais para ser transformada em sociedade anónima, em face da exigência legal de um número de sócios não inferior a cinco.

Q. Assim, no dia 08-06-2009, o sócio N que detinha uma quota de € 2.500,00, transmite, em virtude de divisão de quota, € 200,00 dessa quota aos sócios O e P, em partes iguais (Cf. fls. 10 do Anexo I do RFI).

R. Em 30-11-2009, através de deliberação da Assembleia Geral da B, Lda. foi determinada a entrada dos novos sócios.

S. Desta forma, a sociedade passou a configurar os requisitos mínimos legais, por forma a ser transformada em sociedade anónima.

T. Em face de tudo o que vem ante exposto, no dia 05-12-2009, apenas 4 (quatro) dias após a deliberação de entrada dos novos sócios, a sociedade B, Lda. foi transformada em sociedade anónima, verificando-se, entretanto, que nesse exactíssimo dia, 05-12-2009, o sócio maioritário e que exercia as funções de gerência, efetuou a aquisição das partes de capital aos sócios N, O e P, ficando a sociedade anónima novamente apenas com dois sócios, ou seja, os sócios A e H, por um valor nominal de € 1,00 cada acção (cf. fls. 20 e ss do Anexo I do RFI).

U. Acresce referir que, nos dias 21-12-2009 e 22-12-2009, as partes de capital que aqueles dois sócios detinham na sociedade B, S.A., foram alienadas, por valores unitários totalmente dispares, à sociedade E SGPS, SA, a qual havia sido constituída no dia 15 12-2009.

V. Por esse contrato, A aliena 56.250 ações pelo valor total de € 13.000.000,00, ou seja, o valor unitário de cada ação ascende a € 231,111.

W. Ou seja, com um hiato temporal de um (1) dia as mesmas acções foram transaccionadas por valores totalmente díspares, sem qualquer justificação, i.e.:

a. A - o valor unitário de a € 231,111.

b. H - valor unitário de € 15,52

X. Mais, acções da mesma natureza foram também transaccionadas cerca de 15 dias antes.

Y. Com efeito, em 05-12-2013, P, O e N, vendem a A 100 ações, 100 ações e 2.300 ações, respetivamente, pelo valor unitário de € 1,00, que possuíam na referida sociedade.

Z. Ora, a disparidade de valores, o facto de só para a acções transaccionadas pelo Requerente no valor de € 231,111 haver um relatório justificativo do valor das mesmas, é revelador do carácter artificioso e inopinado dos negócios em causa, o que, per si, é suficiente para retirar, ou no mínimo colocar em causa, qualquer racionalidade económica e comercial aos actos e negócios jurídicos em causa.

AA. E não se diga que esta questão não contribui para a presente instância arbitral, pois que, tal como se supra se referiu, daquela disparidade de valores pode concluir-se que toda a concatenação de actos e negócios jurídicos subjacentes à presente contenda foi «…essencial e principalmente dirigida, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, o á obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançada, total ou parcialmente, sem utilização desses meios.» cf. n.º 2 do art. 38.º da LGT

BB. Ademais, ao contrário do que alega o Requerente, a prova testemunhal não foi nem elucidativa nem inequívoca na demonstração da suposta, mas inexistente, refira-se, racionalidade económica e comercial subjacente àqueles actos e negócios jurídicos.

CC. Efectivamente, inquirida a primeira testemunha (Q), esta não foi concludente no que respeita à explicação desta disparidade, num tão curto hiato temporal, e à existência de relatório justificativo apenas e só para a acções transaccionadas pelo ora Requerente.

DD. Aliás, nem concludente poderia ser, porquanto que se remeteu ao silêncio, afirmando tão somente e apenas «…não perceber o teor da questão»

EE. Com efeito, a testemunha limitou-se a emitir meras alegações e suposições relativas ao crescimento internacional da B, sem que contudo lograsse estabelecer um nexo de causalidade entre esse suposto crescimento e a necessidade de alteração societária que ora se contende.

FF. Ou seja, no mês de Dezembro de 2009 assistiu-se a um conjunto de atos, que levaram a que as mais-valias associadas à alienação daquelas participações não tivessem sido tributadas na esfera dos respetivos sócios.

GG. De uma análise aos motivos subjacentes à transformação da sociedade de quotas em anónima, não é apresentado qualquer documento que justifique tal transformação, senão, tal como referido no ponto B.1.4 da presente resposta, um relatório de Gerência assinado pelo próprio sócio maioritário e gerente único e ora Requerente, A.

HH. Ora, e da leitura a este documento é possível concluir que esta transformação era totalmente desnecessária e inopinada atendendo ao facto desse relatório mencionar que “Para dar expressão e viabilidade ao exposto, é necessário em cumprimento das exigências legais aumentar o número de sócios para cinco”.

II. Os fundamentos expedidos naquele relatório justificativo não apresentam quaisquer indícios de estratégia empresarial, revelando-se vagos, sem que, tão pouco, identifiquem ou especifiquem qualquer benefício em concreto.

JJ. Ou seja, sintetizando, no mesmo dia em que a sociedade B, Lda. foi transformada em sociedade anónima, foram transaccionadas participações sociais que resumiram a estrutura accionista a dois meros sócios, i.e., A e H.

KK. E certo é que nenhuma das testemunhas (Q, I e J) foi apta a produzir prova que indiciasse o mínimo de correspondência racional e económica do negócio em causa, com as questões que foram alvitradas.

LL. Concluindo o que já vem antes dito a prova testemunhal requerida foi totalmente inócua para a boa decisão dos autos.

MM. Fundamentadamente demonstrou-se ao longo dos autos que a operação de transformação social foi meramente instrumental da decisão de venda das participações sociais, cujo único objectivo foi o de poder o Requerente gozar da exclusão da tributação das mais-valias em sede de IRS constante da alínea a) do n.º 2 do art.º 10º ex vi alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º, ambos do CIRS, na redacção vigente à data da concretização da alienação das acções.

NN. De outra forma não se pode inferir, que não seja no sentido de que uma simples alienação de partes sociais, foi substituída por uma sequência de negócios jurídicos a montante, que originou a redenominação do capital em acções, e a constituição de uma empresa da qual era administrador único, com o único objectivo de possibilitar ao accionista, pessoa singular, efectuar a transmissão das suas participações sociais, para uma empresa criada somente 7 (sete) dias antes, e cujo o alienante era o administrador único….

OO. Com efeito, face à quase simultaneidade e à cadência cronológica dos actos:

a. De transformação da sociedade B, Lda. em sociedade anónima (deliberada em 30-11-2009 e levada a registo pela Ap….– cf. fls. 4 e ss do Anexo i do RFI)

b. De em 05-12-2009, mediante um hiato temporal de somente 4 (quatro) dias após a deliberação ante mencionada, o sócio maioritário, que exercia as funções de gerência – e ora Requerente – da B, S.A., ter adquirido as partes de capital aos sócios N, O e P, ficando aquela sociedade anónima novamente apenas com dois sócios, ou seja, os sócios A e H, por um valor nominal de €1,00 cada acção (cf. fls 20 e ss do Anexo I do RFI).

c. Da constituição 15-12-2009, da sociedade E, SGPS, S.A., (cf. folhas 23 a 25 do Anexo I do RFI), cujo sócio, A, também ele sócio maioritário e gerente da sociedade B, S.A., foi designado como administrador único. (cf. fls 34 e ss do Anexo III do RFI)

d. Da compra e venda da totalidade das participações sociais da B, S.A, por parte dos dois únicos sócios, em 21- 12-2009 e 22-12-2009, para a E, SGPS, S.A., as quais foram transaccionadas por valores totalmente díspares, sem qualquer justificação, i.e.:

i A - o valor unitário de a € 231,111. (cf. fls 2 e ss do Anexo I do RFI)

ii H - valor unitário de € 15,52 (cf. fls 26 e ss do Anexo I do RFI)

PP. Quanto ao elemento meio temos que os negócios objeto de análise, revestem natureza artificiosa e a sua utilização foi determinada essencialmente por razões fiscais, na medida em que:

a. A realização da divisão e cessão da quota única com a entrada de dois novos acionistas, permitiu o cumprimento dos requisitos mínimos de sócios, para realizar a transformação da sociedade em anónima, e consequentemente a redenominação do capital em ações, possibilitando a venda das mesmas, preterindo a sua tributação em mais-valias;

b. A discrepância entre o valor nominal da participação do sócio maioritário, A, que detém € 56.250,00 e o valor nominal das restantes participações;

c. Subsequentemente, e após as operações de transformação, o Requerente, num espaço de dez dias, procedeu à alienação da quase totalidade das suas ações na sociedade B, SA, à E, SGPS, S.A., da qual era administrador único e sócio, beneficiando do regime de exclusão de tributação das mais-valias;

d. Os atos e negócios jurídicos praticados imediatamente antes da decisão de alienação da participação social, tiveram lugar, essencialmente, por razões fiscais, ou seja, por forma a disponibilizar recursos financeiros aos seus titulares, em virtude do benefício de exclusão de tributação, uma vez que a alienação de quotas determinaria a tributação em IRS à taxa especial de 10%.

QQ. Em relação ao elemento intelectual, atenta a sequência lógica e cronológica em que foram celebrados os negócios jurídicos em questão, o mesmo permite que se considere este conjunto de negócios como um esquema concebido e executado como meio ou ferramenta para a obtenção da evitação fiscal com manifesto abuso das formas jurídicas utilizadas.

RR. Com efeito, os elementos recolhidos em sede de Inspecção Tributária demonstram, para além de qualquer dúvida razoável, que nos presentes autos se verifica uma preponderância da motivação fiscal face à motivação não fiscal, dada a debilidade dos argumentos invocados pelo Requerente.

SS. Na verdade, muito embora o Requerente tenha recorrido a um expediente relativamente simples e normal (i.e., a transformação em sociedade anónima), certo é que nem os motivos invocados para a transformação, nem nenhum dos argumentos alegados, mas não provados, em sede arbitral, conseguem afastar a evidência de que o Requerente não teve outra vantagem, que não a vantagem fiscal.

TT. Podemos, portanto, confirmar, a verificação da equivalência económica entre o conjunto de atos que precedeu a operação de alienação de partes de capital e o que seria realizado na ausência destes meios artificiosos.

UU. Assim, a debilidade dos argumentos invocados, aliados à evidente vantagem fiscal, traduzida na ausência de tributação da venda das acções, não permite outra conclusão, à luz da lógica mundana e da experiência, que não seja o efectivo cumprimento do ónus probatório que competia à Requerida e, por conseguinte, a verificação no caso vertente, do elemento intelectual.

VV. No que concerne ao elemento normativo é seguro afirmar que a motivação do legislador na criação de tal exclusão de tributação, alicerçada na alínea b) do número 4 do art.º 43.º do CIRS (actual alínea b) do n.º 6 do art.º 43.º), não era o surgimento de meras operações de transformação societária, puramente formais e sem substrato material, as quais tinham como fito uma única vantagem – puramente fiscal – que era a exclusão do pagamento das mais-valias decorrentes da sua alienação.

WW. Numa interpretação sistemática e histórica do preceito em causa, temos que a exclusão, excecional, de tributação das mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 (doze) meses, foi estabelecida numa ótica de encorajamento dos mercados de capitais, mormente a participação dos pequenos investidores nos mesmos.

XX. Todavia, nunca foi encarada como uma norma perene, mas tão só como uma norma de caráter “provisório”, com um fito bem delimitado, isto é, ajustar a tributação de mais-valias em função do objetivo da política de desenvolvimento do mercado financeiro e incentivo aos pequenos e médios investidores.

YY. A jurisprudência do arbitral centra-se obstinadamente no elemento normativo, independentemente da verificação dos outros elementos da CGAA, propugnando que será legítimo que o contribuinte opte pela via legal menos onerosa, num contexto de racionalidade económica, considerando o acto alegadamente abusivo como ainda constituindo planeamento fiscal legítimo.

ZZ. Negar a aplicação da CGAA a uma conduta não expressamente proibida por lei, como tem vindo infindáveis vezes defendido pelo CAAD, é uma interpretação excessivamente restritiva do n.º 2 do art.º 38.º da LGT que conduz a que uma lacuna ou uma disposição menos clara permita construções jurídicas violadoras da teleologia das normas vigentes, pondo em causa as finalidades do sistema jurídico no seu todo, inclusive a concretização de princípios constitucionais.

AAA. Salvo o devido respeito ao insigne Professor e à douta jurisprudência arbitral, interpretar a norma no sentido que se propugna naquela doutrina e naquela jurisprudência, e acolhida pelo Requerente, mais não é do que uma interpretação abrogante travestida de impulso legiferante.

BBB. Com efeito, o raciocínio defendido pelo Professor Doutor, e acolhido na jurisprudência arbitral citada pelo requerente, impediria qualquer aplicação da CGAA, porquanto, segundo aquele entendimento, ou a conduta está expressamente proibida por lei, ou, nos casos de aplicação daquela cláusula, bastaria haver uma lacuna ou uma disposição menos clara, sobre a qual o contribuinte poderia engendrar construções jurídicas por forma a atalhar a teleologia da norma, tal como in casu.

CCC. Aliás, voltando ao elemento histórico subjacente à criação da norma, é pacífico que o objectivo, para imposição do prazo vertido no art.º 10.º do CIRS, era o obviar à especulação do mercado bolsista (sendo 12 meses o prazo que a norma considera razoável para garantir que o objectivo não seja o da especulação).

DDD. Assim, admitir que o n.º 4 do art.º 43.º do CIRS acolhe o tipo de negócio em apreço (transformação e venda num curto espaço de tempo) parece-nos que redundaria numa especulação consentida.

EEE. O negócio celebrado não vai, de forma alguma, ao encontro do elemento teleológico da norma, à sua ratio legis, tal como já foi referido, na medida em que entre a transformação da sociedade, por forma a fazer uso da prerrogativa da alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRS vigente à data dos factos, e a alienação a uma outra entidade, detida pelo próprio alienante, decorreram tão somente 17 dias, pelo que não se vislumbra aqui um qualquer desenvolvimento do mercado financeiro, ou investimento costumeiro do normal investidor.

FFF. Em síntese, a razão de ser das normas anti-abuso está fundada na necessidade de estabelecer meios de reacção adequados para garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (nos termos do art.º 103, n.º 1, da CRP).

GGG. A teleologia do n.º 2 do art.º 38.º é clara: sancionar comportamentos elisivos, portanto, comportamentos que só aparentemente são legais, que se escondem sob operações artificiais, às quais não subjaz uma verdadeira razão económica.

HHH. Pelo que o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei.

III. O que não foi manifestamente o caso.

JJJ. Ademais, não é despiciendo relembrar que a norma prevista no n.º 2 do art.º 10 do CIRS acabou por ser revogada, o que é revelador da intenção do legislador em reagir aos inúmeros abusos perpetrados com base nestas aludidas lacunas conscientes de tributação.

KKK. É insofismável que neste entendimento/interpretação que tem vindo a ser acolhido em sede arbitral nas decisões citadas pelo Requerente a interpretação veiculada mostra-se contrário à Constituição, violando os princípios da capacidade contributiva, da igualdade e neutralidade fiscal, não podendo, em consonância, o CAAD recusar, in casu, a aplicação da CGAA com base em tal reflexão.

LLL. Na situação em apreço, verifica-se existir essa forma artificiosa de exclusão que passou por atribuir aos actos uma forma diferente da substância.

MMM. Sendo que, resulta demonstrado que a transformação em sociedade anónima, não trouxe consigo nenhum dos motivos invocados no relatório de Gestão, proposto pelo próprio Requerente – enquanto sócio maioritário e gerente da sociedade em causa – nem tão pouco se demonstraram os factos alegados em sede arbitral.

NNN. É, portanto, patente a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito e/ou propósito da lei, os princípios da tributação do rendimento e do sistema fiscal em geral.

OOO. Em face de tudo o quanto vem ante dito, quanto a este elemento, dúvidas não existem de que o mesmo se verifica no caso sub judice, na medida em que tanto a Constituição como a Lei fiscal pressupõem a tributação segundo a capacidade contributiva, mesmo quando essa tributação incida sobre factos tributários, à partida excluídos, como sejam o resultado da alienação das participações sociais.

PPP. O elemento resultado consiste na vantagem fiscal conseguida através da atividade do contribuinte, que no caso em apreciação e face ao decurso factual e cronológico supra descrito, Ponto B – Dos Factos, o Requerente conseguiu, através da transformação da empresa e posterior venda – apenas decorridos 17 (dezassete) dias após a transformação – uma exclusão de tributação da mais valia realizada, aproveitando o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRS e da alínea a) do n.º 2 do art.º 10.º do CIRS, ambos vigentes à data dos factos, quando já era do conhecimento público que esta última norma seria revogada, tal como viria a ser através da Lei n.º 15/2010, de 26 de julho.

QQQ. Assim, caso o sujeito passivo executasse o negócio que poderia ou deveria ser executado, dentro do planeamento empresarial economicamente mais racional e lógico, ou seja, a manutenção do regime jurídico da empresa transformada, a transmissão de quotas, seria sujeita, na sua mais-valia, à taxa especial de 10% fixada no n.º 4 do art.º 72.º do CIRS (e sem relevar aqui o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do mesmo código), porquanto, a participação vendida se refere a uma sociedade que em data prévia próxima ao fim da não sujeição, foi transformada de sociedade por quotas em sociedade anónima.

RRR. Como decorre dos factos relatados pretendeu-se, simplesmente, transmitir as participações sociais da sociedade em causa, só que sem a utilização dos meios artificiosos, transmitir-se-iam as quotas da sociedade, o que determinaria uma tributação em IRS à taxa especial de 10% na esfera do sócio individual, e com a utilização dos meios artificiosos, que teve como objetivo fundamental obter uma eliminação de impostos, transmitiram-se ações, tendo-se obtido um rendimento de mais-valias excluído de tributação

SSS. Aceitar esta transformação como legítima, significaria a subversão do princípio da legalidade, da neutralidade fiscal e da igualdade – da capacidade contributiva, pois que a tributação deixa de ser materialmente justa, na medida em que haveriam manifestações da capacidade contributivas não tributadas, produzindo efeitos não desejados pelo ordenamento jurídico.

TTT. Por último, em relação ao elemento sancionatório, este consiste na desconsideração dos efeitos fiscais do contrato de compra e venda de acções celebrado pelo Requerente, na qualidade de alienantes, sendo antes tributado o negócio jurídico considerado usual para obter o efeito económico em causa, cf. estatuído no n.º 2 do art.º 38º da LGT.

UUU. Em face do exposto, relativamente a estas operações, e segundo o disposto no art.º 38.º, n.º 2, da LGT procedeu a AT, fundamentadamente e correctamente, à anulação dos valores declarados no Anexo G1 e à correção no Anexo G – Alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários – na declaração de rendimentos, Mod.3, de IRS referente ao ano de 2009.

VVV. Atendendo ao disposto no art.º 72.º, n.º 4, do CIRS, o saldo positivo entre as mais e menos valias, no montante de € 12.943.750,00, é tributado à taxa especial de 10%, pelo que se propõe um acréscimo de impostos em sede de IRS no valor de €1.294.375,00.

WWW. Assim, o sujeito passivo, obteve uma vantagem patrimonial de € 1.294.375,00 derivada da não tributação em sede de mais-valias.

XXX. Desde logo, não se se antevê como pode a aplicação da disposição em abuso pode violar o art.º 2º da CRP que determina essencialmente que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático.

YYY. No que se refere ao art.º 13º da CRP (Princípio da igualdade), é falso que a AT nunca aplicou a CGAA desde 1999 em casos de transformações de sociedades por quotas em sociedades anónimas, sendo a disposição em causa aplicada sempre que, como na situação em apreço, se considere e demonstre a ocorrência de “actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”, o que aqui já se demonstrou ter ocorrido.

ZZZ. Quanto ao art.º 26º da CRP (Outros direitos pessoais), não demonstra o Requerente como possa a aplicação da CGAA violar os seus direitos à “identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar”, como se tenha operado qualquer forma de “discriminação”, ou ofensa à “à dignidade humana” ou a “informações relativas às pessoas e famílias”, ou ainda à “dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica”, ou que tenha ocorrido qualquer “privação da cidadania” ou “restrições à capacidade civil” designadamente por “motivos políticos”, não se compreendendo a alegação do Requerente.

AAAA. Quanto aos art.ºs 61º e 62º da CRP julga-se também o Requerente se ter equivocado ao alegar a sua violação, porquanto o art.º 61º é relativo à “Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária”, e o art.º 61º do “Direito de propriedade privada”, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre o que aí se dispõe e a aplicação da CGAA do art.º 38º, nº 2 da LGT.

BBBB. No que se refere ao art.º 103º, como resulta demonstrado na presente Resposta, não só a CGAA encontra previsão na Lei, como a sua aplicação foi feita em obediência ao que se dispõe na LGT, no CPPT e na própria CRP, pelo que não ocorreu qualquer violação desta norma.

CCCC. Finalmente, quanto ao art.º 266º, cumpre referir que a AT agiu precisamente tendo em vista a “prossecução do interesse público”, e “no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, já que se lhe impõe, face às suas competências legalmente definidas no art.º 2º do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro.

  DDDD. É clara a subtil tentativa do Requerente de transmitir a ideia de que, o momento relevante para o início do prazo para aplicação do procedimento próprio para aplicação da CGAA prevista no art.º 38º, nº 2 da LGT, era a data da celebração dos negócios.

EEEE. Contudo, e ao contrário do que o Requerente dizia no art.º 132 do pedido arbitral, a redacção do art.º 63º, nº 3 à data dos factos previa que o procedimento poderia ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso (Redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)

FFFF. Nos termos do art.º 12º, nº 3 da LGT, o art.º 63º, nº 3 do CPPT não tem natureza substantiva. Trata-se de uma norma procedimental que determina o prazo para abertura do procedimento próprio para aplicação da disposição anti-abuso prevista no art.º 38º, nº 2 da LGT

GGGG. Tendo o procedimento de aplicação da disposição anti-abuso iniciado após a entrada em vigor da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e sendo a redacção conferida por esse diploma ao art.º 63º do CPPT que se encontrava em vigor à data, e dada a sua aplicabilidade, deverá considerar-se aplicável o prazo de 4 anos previsto no art.º 45º da LGT.

HHHH. O mesmo se concluiu na decisão arbitral proferida no processo nº124/2012-TCAAD, pois ao contrário do que refere a Requerente, o Acórdão Arbitral citado (assim como o Acórdão Arbitral nº 123/2012-T) tem relevância, porquanto nele(s) se determina não só a “natureza procedimental” e não substantiva do artigo 63º do CPPT, e, bem assim, qual a lei aplicável para a determinação do prazo de abertura do procedimento de aplicação da CGAA, nas situações em que entre a data de prática dos factos e do início do procedimento existe mais de uma redacção aplicável relativamente ao mencionado prazo.

IIII. A alegação do Requerente quanto à redução do prazo de caducidade do direito à liquidação a três anos, carece de qualquer sentido ou suporte legal.

JJJJ. E, quanto a este particular, importa voltar a frisar que:

- Mesmo que se considerasse a redacção em vigor aquando dos factos (o que se equaciona sem conceder) o termo inicial para início do procedimento, ao contrário do que refere a Requerente, seria sempre contado do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico, sem que tal afectasse o prazo normal de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45º da LGT;

- A redacção do artigo 63º do CPPT em vigor na data de abertura do procedimento, que é a efectivamente aplicável à situação em apreço, já não previa qualquer prazo de início de tal procedimento, pelo que [até mesmo na lógica da Requerente - à qual não se adere - que entende que o prazo de caducidade do direito à liquidação será o que resulta do artigo 63º do CPPT], este sempre seria o de 4 anos previsto no artigo 45º da LGT;

- Em todo o caso, o artigo 45º da LGT à data dos factos, já previa que o prazo de caducidade do direito à liquidação fosse de 4 anos, pelo que se contesta o entendimento da Requerente no sentido de fazer reduzir este prazo para os 3 anos previstos no artigo 63º, nº 3 do CPPT, porquanto tal ressalva não consta da Lei.

KKKK. Assim, se a data da notificação do acto de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios ora impugnada ocorreu em 26 de Novembro de 2013, facilmente se depreende que não ocorre qualquer caducidade do direito à liquidação, já que tal direito apenas caducaria em 31.12.2013.

LLLL. Ao contrário do que a Requerente refere, não ocorreu qualquer caducidade do início do procedimento próprio para a aplicação de disposições anti-abuso.

MMMM. No que se refere ao momento em que o Requerente tomou conhecimento do procedimento próprio para aplicação da cláusula anti-abuso, este, como se referiu, não coincide com a notificação do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, que apenas veio a suceder em 25.09.2013.

NNNN. São, de facto, momentos temporalmente distintos, porquanto o Projecto de aplicação da cláusula geral anti-abuso foi notificado pessoalmente ao Requerente em 19.12.2012, sendo esta a ressalva que se pretendeu fazer em sede de Resposta.

OOOO. Pelo que, do que fica exposto, facilmente se depreende que o Requerente tomou conhecimento do procedimento em causa, em 19.12.2012

PPPP. Caindo por terra, a sua alegação relativa à caducidade do procedimento de aplicação da CGAA prevista no art.º 38º, nº 2 da LGT, pois, mesmo que se considerasse aplicável a redacção do art.º 63º, nº 3 do CPPT no ano de 2009 (o que aqui se cogita, sem conceder), o Requerente manifestamente tomou conhecimento do procedimento em causa antes dos 3 anos que aí se previam, e que, in casu, como se referiu só terminariam em 31.12.2012.

QQQQ. Sendo ainda de referir que a Requerente cita o Colendo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no artigo 184º do Pedido Arbitral, procurando assim alicerçar a sua teoria de que o prazo de 3 anos aplicável para o início do procedimento de aplicação da CGAA se contaria da realização do acto ou celebração do negócio jurídico, contudo, como a mesma refere, a citação em causa consta do Código do Procedimento e do Processo Tributário Anotado, Volume I, 5ª Edição, isto é, do ano de 2006.

RRRR. Ora, caso o Requerente tivesse verificado o que se mencionava na mesma anotação ao artigo 63º, quanto à redacção em vigor (pelo menos) à data dos factos teria concluído que a sua tese nunca poderia vingar, quer quanto à redacção da norma à data da transformação da sociedade e da venda das acções, quer quanto termo inicial do prazo para início do procedimento próprio.

SSSS. Pelo que, reitera-se:

- Mesmo que se considerasse a redacção em vigor aquando dos factos (o que se equaciona sem conceder) o termo inicial, ao contrário do que refere o Requerente, seria sempre contado do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico, pelo que também por esta via não teria ocorrido a caducidade do procedimento, já que o mesmo reconhece que tomou conhecimento do mesmo em 19.12.2012.

- A redacção do artigo 63º do CPPT em vigor na data de abertura do procedimento, que é a efectivamente aplicável à situação em apreço, já não previa qualquer prazo de início de tal procedimento, pelo que o prazo de caducidade do procedimento em causa, sempre seria o de 4 anos previsto no artigo 45º da LGT, já que o procedimento teria em vista o exercício do direito á liquidação pela AT.

- Sendo o procedimento próprio tempestivo, quer se considere a redacção do artigo 63º, nº 3 do CPPT à data dos factos, quer se considere tal redacção à data de início do procedimento em causa.

TTTT. Pelo que, também por esta via, não se verifica qualquer vício de violação de lei, devendo o peticionado improceder

UUUU. Do documento 1 apresentado pelo Requerente, páginas 2 e 3, resulta que se mostra cumprido o dever de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios.

VVVV. O Requerente, ao não ter exercido o direito de audição em sede administrativa, deixou que a decisão de aplicação da CGAA se projectasse na sua esfera jurídica.

WWWW. Assim, não se pode imputar a responsabilidade por custas à Requerida, que só em sede arbitral foi confrontada com argumentos que segundo as alegações dos requerentes poderiam, se demonstrados, levar à decisão de não aplicação da CGAA.

XXXX. Consequentemente, deverá o Requerente ser condenado ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi art.º 29.º/1-e) do RJAT, em linha, aliás, com questão similar decidida no âmbito processo que, sob o n.º 72/2013-T, correu termos neste centro de arbitragem.

Nestes termos e nos mais de direito, e com o mui douto suprimento de V.Exas.:

Deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

 

 

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções nem se divisa qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

a)      A B, SA”, NIPC … (doravante B) foi constituída em 11-07-1996, como sociedade por quotas, com os seguintes sócios e respectivas quotas:

 

A

H

 

 

 

b)      A gerência era à data exercida pelo sócio maioritário, e ora Requerente, A;

c)      O objecto da sociedade consistia na prestação de serviços e elaboração de estudos e projectos de arquitectura, desenho e urbanismo;

d)     Foi efectuado, em 15-11-2006, o aumento de capital da B em € 2.500,00, com a entrada do sócio N (NIF …), passando assim o capital social para € 65.000,00;

e)      Em 08-07-2009, o sócio N, que detinha uma quota de € 2.500,00, dividiu a sua quota e transmitiu € 200,00 dela a O e P, em partes, ficando o aquele anterior sócio com uma quota de € 2.300,00;

f)       O preço da cessão das quotas foi o respectivo valor nominal, conforme ata n.º 32 da Assembleia-Geral do dia 22-11-2009;

g)      Em 16-11-2009, foi elaborado o relatório identificado em epígrafe por forma a dar cumprimento ao disposto no n.º 6 do art.º 99.º e n.º 3 do art.º 132.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), em que se refere, além do mais, o seguinte:

A sociedade por quotas, enquanto tipo de modelo organizativo da estrutura jurídico societária, comporta, no enquadramento legal das sociedades de capital, ainda uma marca pessoalista. Ora, a sociedade anónima encerra já uma vertente capitalista pura, mais adequada à estrutura de uma empresa, tal como a B que se pretende em crescente desenvolvimento, por via, nomeadamente, da concentração de poderes de gestão no órgão de administração.

Entendemos assim, útil e oportuna, considerando a actividade exercida pela nossa sociedade, a modificação da sua estrutura jurídica, transformando a Sociedade, em sociedade anónima, com todas as vantagens e responsabilidades que tal transformação acarreta.

Para dar expressão e viabilidade ao exposto, é necessário em cumprimento das exigências legais, aumentar o número de sócios para cinco.”;

 

h)      O relatório supra, de Gerência, foi submetido à aprovação da Assembleia-Geral pelo próprio sócio maioritário e único gerente A tendo sido dispensado pelos restantes sócios (H e N) o exame do “Relatório Justificativo da Transformação da Sociedade” por Revisor Oficial de Contas externo à sociedade (cf. acta n.º 32 da Assembleia-Geral;

i)        Em 30-11-2009, através de deliberação da Assembleia Geral da B, Lda. foi determinada a entrada dos novos sócios, passando a sociedade reunir os requisitos mínimos legais, por forma a poder ser transformada em sociedade anónima;

j)        Com a transmissão das quotas supra, a sociedade B, Lda. passou a ser detida pelos sócios e respectivas quotas a seguir mencionados:

 

H

P

O

N

A

 

k)      Em 05-12-2009, foi efectuada a transformação da sociedade por quotas em anónima, passando a sociedade a designar-se “B, SA”;

l)        O número de acções da B, SA ascende a 65.000 com o valor nominal de €1,00, sendo a sua natureza nominativa ou ao portador;

m)    A foi designado como administrador único da B, SA;

n)       Foi deliberado na referida acta n.º 32, a conversão das quotas dos sócios em número equivalente de acções com valor nominal de € 1,00 cada;

o)      Em 05-12-2009, no mesmo dia da transformação da sociedade, realizou-se um contrato de compra e venda de acções celebrado entre A (adquirente), P (alienante), O (alienante) e N (alienante), tendo por objecto as partes de capital da sociedade B, SA,;

p)      Na sequência do referido contrato, P, O e N, vendem a A 100 acções, 100 acções e 2.300 acções, respectivamente, pelo valor unitário de € 1,00, que possuíam na referida sociedade, ficando a sociedade com os os sócios A e H, nos termos que seguem:

 

Nome

NIF

Acções

Valor

A

58.750

58.750,00

H

6.250

6.250,00

TOTAL

 

65.000

65.000,00

 

 

q)      Nos termos da cláusula quarta daquele contrato, os vendedores entregaram ao comprador os títulos com os nºs 3, 4 e 5, representativos, respectivamente, das acções nºs 62.501 a 64.800, 64.801 a 64.900, e 64.901 a 65.000;

r)       A E SGPS, SA, NIPC …, foi constituída em 15-12-2009, tendo por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas;

s)       O capital social da e SGPS, SA era à data composto por € 50.000,00 e constituído por 10.000 acções, com o valor nominal de € 5,00, sendo a natureza das acções nominativas ou ao portador e reciprocamente convertíveis;

t)       O sócio E SGPS, SA  A foi designado como administrador único;

u)      No dia 21-12-2009, H, alienou as 6.250 acções que detinha na sociedade B, SA, à sociedade E SGPS,SA pelo valor de € 97.000,00, ou seja, pelo valor unitário de € 15,52,

v)      Em 22-12-2009, foi celebrado um contrato de compra e venda das acções da sociedade B, SA, entre A e a sociedade E SGPS, SA;

w)    Por esse contrato, A aliena 56.250 acções pelo valor total de € 13.000.000,00, ou seja, o valor unitário de cada acção ascende a € 231,111;

x)      Pelo ponto 3 da cláusula segunda do contrato celebrado entre A e a E SGPS, SA., o preço das acções foi determinado com base no relatório de avaliação independente elaborado pelo Banco G;

y)      Para as mesmas acções, transaccionadas no dia imediatamente antecedente, entre H e a E SGPS, SA, não é referida qualquer avaliação;

z)      No decurso de 2008, uma reputada empresa do mercado imobiliário, a C, contactou o Requerente no sentido de discutir a possibilidade de vir a adquirir uma participação na sociedade B que era ainda sociedade por quotas (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha J)

aa)   A C pretendia adquirir cerca de 25% do capital social da B e a sua entrada no capital social da sociedade permitiria obter o financiamento necessário para expansão da empresa e lançamento de novos projectos (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha J);

bb)   A C estabelecia como condição para a aquisição de capital social a transformação da B no tipo de sociedade anónima (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha J);

cc)   A venda das acções da sociedade B teve como objectivo reorganizar a forma de detenção das participações sociais do Requerente e concretizar a sua intenção de agrupar o conjunto de participações sociais numa sociedade especificamente dedicada à sua gestão (depoimento da testemunha Q);

dd) Antes da reorganização referida a B era uma empresa em crescimento, que teve um sucesso rápido e tinha projectos de se internacionalizar e abrir o seu capital a terceiros;

ee)   O Requerente entendia que a forma sociedade anónima era mais vantajosa em termos internacionais, por ser um modelo de sociedade generalizadamente conhecido;

ff)     A B adquiriu uma empresa no Brasil e associou-se a empresas locais, na Argélia e na Guiné Equatorial;

gg)  A presença da empresa no estrangeiro proporcionava-lhe uma vantagem em relação a empresas estrangeiras que não tinham representações locais (depoimento das testemunha I);

hh)  Presentemente cerca de 70% da actividade da B desenvolve-se no estrangeiro, enquanto em 2009 a percentagem era de cerca de 30% (depoimento da testemunha I)

ii)       Depois de 2009, através da E, SGPS, SA, foram concretizados os projectos de internacionalização e lançamento de novos projectos, através da constituição de novas sociedades detidas por aquela dedicadas a projectos na área da arquitectura na Argélia, Colômbia, Guiné-Equatorial e China, entre outros (cf. documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos das testemunhas Q e I);

jj)      Presentemente a E, SGPS, SA detém directa ou indirectamente 17 empresas (depoimento da testemunha I);

kk)   Na sua declaração de rendimentos, Mod. 3 de IRS, relativa ao ano de 2009, o Requerente declarou a mais-valia como não sujeita a tributação dado que, no seu entendimento, ficava excluída de tributação nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 10.º Código do IRS;

ll)       A mais-valia apurada, não tributada, consubstanciou-se na alienação da sociedade “B, SA” (NIPC …), por parte de A, à sociedade E, SGPS, SA, (NIPC …), de 56.250 acções pelo valor de € 13.000.000,00, correspondendo o montante de € 231,111 por cada acção;

mm)         Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI…, foi efectuada inspecção interna ao sujeito passivo A, NIF …;

nn)  O referido procedimento interno de teve por objectivo aferir o cumprimento das obrigações tributárias do A, relativamente ao exercício de 2009, com especial enfoque no controlo inspectivo das operações de alienação de partes sociais;

oo)  No decurso do procedimento inspectivo e da análise efectuada, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que foram apurados indícios de negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, com objectivo da redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que constituem fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso prevista no n.º 2 do art.º 38.ºda LGT;

pp)  O Requerente exerceu o direito de audição sobre uma proposta de aplicação da cláusula geral antiabuso;

qq)  Por despacho do Senhor Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 01-08-2013, foi autorizada a aplicação do procedimento de norma antiabuso, a que se refere o art.º 63.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário;

rr)    Na sequência da inspecção, foi elaborado o Relatório Final que consta do processo administrativo («PA1.pdf», cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

 

V - APRECIAÇÃO DO CASO CONCRETO

Conforme refere Gustavo Lopes Courinha os elementos em que se decompõe a cláusula geral antiabuso são em número de cinco, correspondendo quatro deles aos requisitos da aplicação da cláusula geral anti-abuso e um à respetiva estatuição da norma, a saber:

"- A forma utilizada - elemento meio;

- A vantagem fiscal e a equivalência económicas obtidas - elemento resultado;

- A motivação do contribuinte - elemento intelectual;

- A reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida - elemento normativo;

- A efetivação da cláusula - elemento sancionatório"

Ora, da avaliação de todos os elementos que foram dados a conhecer ao procedimento é possível, em acoplação com os elementos ou condições referidos, identificar:

1) Elemento meio

Em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 38º da LGT foram utilizados "... actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos ... à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico ... ".

O elemento meio corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e. o(s) acto(s) ou negócio(s) jurídico(s) celebrados cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal.

Assim, quanto ao elemento meio, verificou-se a entrada de dois novos sócios através da subdivisão de uma quota única, que permitiram o cumprimento dos requisitos mínimos de sócios, de forma a poder modificar o tipo societário, transformação de sociedade por quotas em anónima, conforme o disposto no art. 273.º do Código das Sociedades Comerciais.

Assim, foi realizado o número necessário de sócios para atingir aquele limite mínimo, tendo os mesmos subscrito, cada um, apenas uma quota no valor de € 100,00.

Subsequentemente, e após as operações de transformação, o sujeito passivo, num espaço de dez dias, procedeu à alienação da quase totalidade das suas ações na sociedade B, SA, beneficiando do regime de exclusão de tributação das mais-valias obtidas, nos termos do art. 10.º, n.º 2, alínea b) do CIRS, contrariamente à transmissão de quotas sujeita a tributação nos termos art. 10º, n.º 1, alínea b) do CIRS.

2) Elemento resultado

Conforme refere o n.º 2 do artigo 38º da LGT, os actos ou negócios jurídicos "anómalos" deverão ser "essencial ou principalmente dirigidos ... à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios.

As operações realizadas que se materializaram na transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, permitiram a alienação de ações detidas por mais de 12 meses, operando-se a exclusão de tributação em sede de mais-valias, por força do disposto no artº 43º, nº 6, alínea b) do CIRS: "A data de aquisição das ações resultantes da transformação da sociedade por quotas em anónima é a data de aquisição das quotas que lhe deram origem". Assim, quanto ao resultado económico, as ações que tinham um vaiar nominal de € 56.250,00 sofreram uma valorização que proporcionou ao seu titular, uma mais-valia no montante de € 12.943.750,00 (13.000.000,00 -56.250,00). Esta valorização resultou de um relatório de avaliação independente elaborado pelo Banco G, tal como é referido no ponto três da cláusula segunda do contrato de compra e venda de ações, elaborado em 22-12-2009. Ver folhas 3 do Anexo I.

Se o negócio tivesse sido celebrado sem a precedente transformação da sociedade, o resultado económico alcançado teria sido o mesmo, simplesmente teriam sido alienadas quotas sujeitas a tributação.

Se a transformação da sociedade em anónima não se tivesse realizado, o sócio procedia a alienação de quotas o que determinaria a tributação em sede de IRS, à taxa especial de 10% -art. 72.º, nº 4, do CIRS.

Concluindo, não existe uma oneração fiscal equivalente nas duas hipóteses: a via que o sujeito passivo seguiu eliminou totalmente o ónus fiscal, mantendo os efeitos económicos desejados.

3) Elemento intelectual

Ainda de acordo com o n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária, os actos ou negócios jurídicos devem ter sido "... essencial ou principalmente dirigidos ... ".

Nos termos da norma transcrita, exige-se que a escolha e forma adoptada pelo contribuinte seja fiscalmente dirigida (tax driven) à obtenção da vantagem fiscal.

Assim, seguidamente demonstrar-se-á que a escolha da forma, feita pelo contribuinte, foi motivada por razões fiscais, ou seja, só as razões fiscais explicam a opção seguida pelo contribuinte.

A operação de transformação da sociedade por quotas em anónima, imediatamente antes da decisão da alienação das ações do sujeito passivo, permitiu disponibilizar recursos financeiros ao titular do capital, suprindo a carga fiscal, apontando para a inutilidade prática de alteração da estrutura organizativa que a sociedade sofreu com a sua transformação em sociedade anónima.

Atente-se ao espaço de tempo decorrido entre a operação de divisão e cessão da quota única e a transformação da sociedade e a referida transformação e a alienação das ações, Atente-se também para o facto de o sócio A, no próprio dia em que se deu a transformação, ter efetuado a aquisição das partes de capital aos sócios que permitiram a transformação da sociedade por quotas em anónima.

A reorganização societária realizada não parece revelar qualquer intenção de reestruturação da sociedade, nomeadamente, a nível de mercado, nem uma fortificação em termos de concorrência, uma vez que o titular do capital social maioritário procedeu à sua alienação imediatamente após a sua transformação.

A elaboração do relatório justificativo, efetuado nos termos do art. 132.º do CSC, deve conter as razões económicas, comerciais, de organização societária, que justificam a transformação.

De uma análise ao relatório da Gerência, ver folhas 19 do Anexo I, uma das razões invocadas é "Para dar expressão e viabilidade ao exposto, é necessário, em cumprimentos das exigências legais, aumentar o número de sócios para cinco", não se verificando qualquer documento que suporte os motivos subjacentes à transformação da sociedade.

Temos também que aquele relatório foi assinado pelo sócio maioritário, tendo sido dispensada a elaboração do mesmo por um Revisor Oficial de Contas.

A venda da totalidade da participação social no espaço de 10 dias, não parece sustentar a indispensabilidade da transformação da sociedade em anónima, nomeadamente por razões económicas, comerciais, organização societária ou redimensionamento, fatores normalmente associados à realização deste tipo de operações que poderiam exigir uma estrutura mais complexa que implicasse 'um alargamento ou diversificação da atividade económica,

4) Elemento Normativo

Nos termos do n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária:

",.. por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas ...

A este elemento subjaz a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou propósito da lei, os princípios do Código em causa ou do Sistema Fiscal.

Em suma, trata-se de, num exercício reflexivo, demonstrar que, apesar de a letra da lei permitir que o acto ou o negócio realizado proporcione os efeitos fiscais desejados, a intenção da lei e/ou do Direito rejeita a sua obtenção, e como tal, o resultado obtido.

Também quanto a este elemento, dúvidas não existem de que o mesmo se verifica no caso em análise, porquanto a transformação da sociedade é motivada pelo benefício fiscal inerente à exclusão da tributação das mais-valias resultante da transmissão de ações, pois o acionista beneficiou da isenção, preceituada na alínea b) do n.º 2 do artigo 10º do CIRS.

Os negócios objeto de análise, revestem natureza artificiosa e a sua utilização foi determinada essencialmente por razões fiscais, na medida em que:

a) A realização da divisão e cessão da quota única com a entrada de dois novos acionistas, permitiu o cumprimento dos requisitos mínimos de sócios, para realizar a transformação da sociedade em anónima, e consequentemente a redominação do capital em ações, possibilitando a venda das mesmas, preterindo a sua tributação em mais-valias.

b) A discrepância entre o valor nominal da participação do sócio maioritário, A, que detém € 56.250,00 e o valor nominal das restantes participações.

c) Os atos e negócios jurídicos praticados imediatamente antes da decisão de alienação da participação social, tiveram lugar, essencialmente, por razões fiscais, ou seja, disponibilizar recursos financeiros aos seus titulares por virtude do benefício de exclusão de tributação, uma vez que a alienação de quotas determinaria a tributação em IRS á taxa especial de 10%.

Ou seja, uma simples alienação de partes sociais foi substituída por uma sequência de negócios jurídicos artificiosos que possibilitou a A efetuar a transmissão das suas participações e obter rendimentos de mais-valias, beneficiando da exclusão de tributação em IRS.

Tendo por base os elementos expostos, consideram-se demonstrados os pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no art. 38.º, n.º 2, da LGT.

Tratam-se de actos ou negócios jurídicos de natureza artificiosa celebrados ou praticados com manifesto· abuso das formas jurídicas da qual resulta a eliminação dos tributos que de outro modo seriam devidos, em detrimento de uma operação normal de alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas sujeita a tributação.

5) Elemento Sancionatório

Em face do exposto, relativamente a estas operações, e segundo o disposto no art. 38.º, n.º 22, da LGT deve proceder-se à anulação dos valores declarados no Anexo G1 e à correção no Anexo G –Alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários -na declaração de rendimentos, Mod.3, de IRS referente ao ano de 2009, conforme quadro abaixo:

Atendendo ao disposto no artº 72.º, n.º 4, do CIRS, o saldo positivo entre as mais e menos valias, no montante de € 12.943.750,00, é tributado à taxa especial de 10%, pelo que se propõe um acréscimo de impostos em sede de IRS no valor de € 1.294.375,00. Assim, o sujeito passivo A, obteve uma vantagem patrimonial de € 1.294.375,00 derivada da não tributação em sede de mais-valias.

VI -FUNDAMENTAÇÃO DA APLICAÇÃO DA NORMA ANTIABUSO

Face a todo o exposto e ambicionando uma prática normativamente racionalizada do direito, entende-se estarem verificadas as condições para que se possa lançar mão do mecanismo previsto no n. º 2 do artigo 38º da LGT, acima transcrito.

Resulta então da presente informação que estão cumpridos os pressupostos procedimentais previstos no n.º 3 do artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário para aplicação da disposição prevista no n.º 2 do artigo 38º da LGT, concretamente:

a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como indicação das normas de incidência que se lhes aplicam; e ,

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou a prática do acto jurídico foi essencialmente ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou deferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto jurídico com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.

Nestes termos, a tributação deve ocorrer de acordo com as normas aplicáveis na ausência de tal negócio, não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do art. 38.º da LGT.

VII -PROPOSTA DE APLICAÇÃO

Em face do exposto, em especial relevância para o mencionado nos pontos VI e VII da presente informação, apesar da qualificação dada pelo sujeito passivo aos negócios jurídicos efetuados, a mesma não vincula a Administração Tributária, tal como determina o n.º 4 do art. 36.º da Lei Geral Tributária (LGT), pelo que se propõe a desconsideração da forma dada, estando verificadas as condições para que, se possa aplicar o mecanismo previsto no n.º 2 do art. 38.º da LGT, com o procedimento próprio previsto no art. 63.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

 (...)

XII.1 - Correção aos valores declarados na declaração de rendimentos, Mod.3 de IRS

Conforme descrito detalhadamente na informação elaborada com os fundamentos para aplicação da CGAA, submetida à consideração do Sr. Diretor-Geral, dá-se cumprimento ao despacho de autorização para a sua aplicação, efetuando a correção à declaração de rendimentos, Mod. 3 de IRS, ano de 2009, relativamente à tributação da mais-valia apurada.

Em síntese:

Nos termos do art. 38,º, n.º 2, da LGT, são desconsiderados os negócios jurídicos praticados pelo sujeito passivo, considerando-se ineficazes no âmbito tributário e, deste modo, procede-se á tributação da mais-valia obtida com a alienação da participação que o SP detinha no capital social da sociedade "B, Lda", NIPC ….

A participação que A detinha na referida sociedade no valor de € 56.250,00, se o negócio de alienação das ações tivesse sido celebrado sem a precedente transformação da sociedade (de quotas em anónima) o resultado económico pretendido teria sido o mesmo, só que teria sido alienada uma quota sujeita a tributação à taxa especial de 10%, nos termos do disposto no art. 72.º, n.º 4, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos.

(...)

Verificou-se que o SP entregou a declaração de rendimentos, Mod. 3 de IRS, do ano de 2009, em 28-062010, com os Anexo A, Anexo G1 e Anexo H.

No Anexo A, declarou os rendimentos provenientes do trabalho por conta de outrem, sendo a entidade patronal a sociedade "B, Lda", NIPC …, da qual é Administrador.

No Anexo G1, declarou a alienação de ações por si detidas na mesma sociedade "B, Lda", durante mais de 12 meses, em que o valor de realização é de € 13.000.000,00 e a aquisição no valor de € 56.250,00 com a data de Julho de 1996.

No Anexo H é relativo a benefícios fiscais e deduções.

Nesta declaração de rendimentos, o SP preencheu O "Anexo G1 -Mais-valias não tributadas" como se se tratasse de alienação de ações cujo enquadramento estaria no n.º 2, alínea a) e n.º 11 do art. 10.º do CIRS.

Em face do exposto anteriormente no presente relatório e do teor do despacho do Sr. Diretor-Geral, o Anexo a preencher, pela alienação da parte social, deverá ser o "Anexo G -Mais-valias e outros incrementos patrimoniais" do qual resulta o apuramento da mais-valia do seguinte modo:

Atendendo ao disposto no art. 72.º, n.º 4, do CIRS4, o saldo positivo entre as mais e menos valias, no montante de € 12.943.750,00, é tributado à taxa especial de 10% originando um acréscimo de imposto em sede de IRS no valor de € 1.294.375,00.

 

ss)    Na sequência da correcção efectuada, Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2009 com o n.º 2013 …, datada de 09-11-2013, no valor de € 1.475.148,01,em que se incluem juros compensatórios no valor de € 176.176,84, com data limite de pagamento de 30-12-2013 (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se inclui uma Demonstração de Acerto de Contas e uma Demonstração de Liquidação de Juros);

tt)      Em 26-03-2014, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que o Requerente tivesse decidido transformar a sociedade por quotas em sociedade anónima e os restantes factos provados com o desígnio de obter vantagens fiscais, designadamente a nível da tributação em IRS.

Não se provou que tivesse sido instaurada execução fiscal para cobrança da quantia liquidada nem que o Requerente tivesse prestado qualquer garantia. 

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos que constam do processo instrutor e na prova testemunhal.

As testemunhas Q, J e I aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos sobre que depuseram.

 

3. Matéria de direito

 

            A questão essencial que é objecto do presente processo é a da verificação ou não dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso.

                       

3.1. Planeamento fiscal legítimo e ilegítimo

 

Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches ( [1] ): o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal ( [2] ) passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» ( [3] ). Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» ( [4] ). Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal»( [5] ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem ( [6] ).

Sub iudice, sucintamente, os Requerentes contestam que configure planeamento fiscal abusivo a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, por essa transformação ter sido exigida pela sociedade adquirente como condição do negócio para garantia da transferência das participações, através do levantamento das acções, depositadas num entidade bancária com um contrato de levantamento.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende constituir um planeamento fiscal abusivo, na medida em que, através daquela transformação em sociedade anónima, que considera desnecessária e fiscalmente motivada, e subsequente venda de acções (em vez de quotas), os Requerentes evitam a tributação de mais-valias em sede de IRS.

Assim sendo, a questão colocada a este tribunal, na sequência do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso — um dos mecanismos legais a que o legislador recorre para dar resposta aos comportamentos de planeamento fiscal abusivo —, reside em saber se a actuação dos sujeitos passivos se situa ou não extra legem, ou seja, se há um planeamento fiscal ilegítimo, se ele foi abusivo.

 

3.2. Elementos da cláusula geral antiabuso

 

 

Sob a epígrafe «Ineficácia de actos e negócios jurídicos», dispõe o artigo 38.º, n.º 2 da LGT em relação à denominada cláusula geral antiabuso (CGAA) no direito tributário.

A letra plasmada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, passou a ser a seguinte:

 

«São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».

 

Esta norma é complementada pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela patentes. Correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma actividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo ( [7] ).

Estes elementos, em torno dos quais ambas as partes aliás constroem a sua argumentação, consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal ( [8] );

– no elemento resultado, que contende com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente ( [9] );

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam» ( [10] );

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela »( [11] );

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

Apesar desta descontrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça Courinha, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente» ( [12] ).

Apreciemos, tendo este aspecto em consideração, os elementos da cláusula geral antiabuso à luz da fundamentação da decisão, os factos provados, e a argumentação jurídica das partes.

Nesta análise, tem de partir-se do pressuposto de que a fundamentação do acto que decidiu a aplicação da cláusula geral antiabuso que se tem de apreciar é apenas a que consta do próprio acto e elementos para que remete, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os actos que são objecto do processo têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

 

3.2.1. Elemento resultado

 

 

Comparando de uma forma isolada e objectiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das acções (actos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (actos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficiava de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira não é objecto de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, a segunda é considerada uma mais-valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, rendimento tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4 do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro.

 

 

3.2.2. Elementos meio e intelectual

 

 

Embora a constatação antecedente baste para preencher aquele requisito, o seu preenchimento é, por si só, irrelevante para a aplicação da cláusula geral antiabuso, em função da estrutura de actos e negócios jurídicos realizados: «em caso algum, uma vantagem ou um benefício fiscal indiciarão por si só qualquer ideia de abuso jurídico» ( [13] ).

A denominada «step transaction doctrine», teoria construída nos ordenamentos anglo-saxónicos e que está subjacente à argumentação da Autoridade Tributária e Aduaneira, consiste na consideração do conjunto complexo de actos ou negócios jurídicos que surgem numa arquitectura global, planeada, composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios e complementares, para além do acto ou negócio jurídico que é objectivamente censurado, na medida em que somente através da sua visão completa se detecta o desenho elisivo ( [14] ).

No que toca ao preenchimento dos pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso atinentes aos elementos meio e intelectual, o Requerente alega existirem razões de natureza não fiscal a justificar a concretização das operações em causa, desde logo, para a nuclear transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.

Resultou claramente da prova produzida que o motivo principal da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e da criação de uma SGPS foi a conveniência da opção por esse tipo de sociedade e organização societária para a expansão e internacionalização da B.

Isso foi afirmado pelas testemunhas indicadas nos respectivos pontos da matéria de facto e não se vislumbra qualquer razão para duvidar da veracidade das suas afirmações, pois não há qualquer indício de que alguma delas tenha interesse directo ou indirecto no presente litígio.

Por outro lado, o facto de se ter comprovado essa expansão, abrangendo actualmente 17 empresas, e desenvolver actividades em vários países e continentes, situação que ainda actualmente subsiste corroboram fortemente a conclusão de que os objectivos que o Requerente alega terem sido visados correspondem à realidade.

De qualquer forma, mesmo que existissem dúvidas sobre esse ponto, e não há razão para as ter à face da prova produzida, elas sempre teriam de ser valoradas processualmente a favor do Requerente por força do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 Assim, conclui-se que não se demonstrou um dos requisitos da aplicação da cláusula geral antiabuso, que é que os actos ou negócios jurídicos serem essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de vantagens fiscais.

Por isso tem de se concluir que não se verifica um dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, exigido pelo artigo 38.º, n.º 2, da LGT, que é o de o acto ou negócio jurídico ser essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos se ele não fosse praticado.

Uma vez que ao requisitos previstos no artigo 38.º, n.º 2, da LGT são cumulativos, tem de se concluir, sem mais, que a aplicação da cláusula geral antiabuso e a subsequente correcção da matéria tributável de IRS dos Requerentes efectuada com base naquela aplicação enferma de ilegalidade.

 

4. Conclusão sobre a legalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios

 

Conclui-se, assim, que não se verifica um dos pressupostos de facto de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso, que é o acto ou negócio ter sido essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, pois provou-se apenas que a transformação da sociedade teve em vista favorecer a internacionalização da empresa, finalidade esta que foi adequadamente explicada e justificada, para além de ser confirmada pelo êxito da internacionalização.

 

À face do artigo 38.º, n.º 2, ao referir que, para aplicação da cláusula geral antiabuso, os negócios devem ser dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos, não basta que sejam obtidas vantagens fiscais, sendo antes indispensável que a obtenção destas tenha sido um objectivo essencial ou principal visado pelo contribuinte.

Consequentemente, é ilegal o acto de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida, que tem como pressuposto a verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, por violação do preceituado no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Por isso, tem de ser julgado procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2009 liquidação n.º 2013 …, datada de 09-11-2013, no valor de € 1.475.148,01,em que se incluem juros compensatórios no valor de € 176.176,84.

 

5. Questões de conhecimento prejudicado

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento na não verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, que constitui vício de violação de lei que assegura estável e eficaz tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questão colocadas neste processo, pois «não é lícito realizar no processo actos inúteis» (artigo 130.º do CPC, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT).

 

6. Pedido de indemnização pelos custos em que o Requerente incorrer com a prestação de garantias para suster execução fiscal

 

O Requerente formula, no final do pedido de pronúncia arbitral e das alegações, pedido indemnização pelos custos em que o Requerente incorrer com a prestação de garantias para suster execução fiscal.

Não se provou que tivesse sido instaurada execução fiscal para cobrança da quantia liquidada nem que o Requerente tivesse prestado qualquer garantia. 

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1,alínea c), do RJAT.

Porém, o que se estabelece naquele artigo 171.º é que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

Por isso, só quando a garantia é «prestada» é que poderá ser requerido o direito à indemnização, podendo essa prestação ocorrer na própria pendência do processo, situação em que constituirá facto superveniente, invocável nos termos do n.º 2 do artigo 171.º do CPPT.

Aliás, é essa a solução que se compagina com o papel dos tribunais, como serviço de justiça, pois a sua função é resolver litígios concretos existentes e não meramente hipotéticos ou abstractos. Por isso, se for pedido o reconhecimento do direito a indemnização antes da prestação da garantia, o pedido deverá improceder, sem prejuízo de poder ser formulado esse pedido na pendência do processo, se a prestação da garantia entretanto ocorrer, pois, neste caso, estar-se-á perante um fundamento superveniente, invocável no prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do art. 171.º do CPPT.

Assim, não sendo alegado e provado que foi prestada garantia, tem de ser julgado improcedente o pedido de reconhecimento do direito a indemnização, sem prejuízo de esse direito poder vir a ser reconhecido inclusivamente em execução de julgado, caso tal prestação ocorra.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.475.148,01.

 

8. Decisão

 

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)       Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a anulação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2009, com o n.º …, datada de 09-11-2013, de que resultou um valor a pagar de € 1.475.148,01, em que se incluem € 176.176,84 de juros compensatórios;

b)       Anular a liquidação referida e as Demonstrações de Acerto de Contas e Demonstração de Liquidação de Juros em que aquela liquidação se baseou;

c)        Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a indemnização por garantia, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido nesta parte.

 

9. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 19.890,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 27-10-2014

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Luís Máximo dos Santos)

 

 

 

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

 

 

 



[1]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 21.

[2]              Cfr. AcTCAS de 12-02-2011, proc. n.º 04255/10.

[3]              Cfr. Jónatas Machado e Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 340-341.

[4]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 181.

[5]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 21-23; ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[6]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 49-50, que afirma, a este respeito: «a consagração da cláusula geral antiabuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...] a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais». Cfr., também, Marques, Paulo, Elogio do Imposto, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 360-364.

[7]              Ou seja, a uma «actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula Geral Antiabuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2009, pp.15-17 e 163-165; bem como Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-02-2011, proc. n.º 04255/10, conclusões XIII e XIV).

[8]              Como decorre da seguinte parte do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos».

[9]              Tal decorre do seguinte segmento do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios». Decorre ainda do artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que exigem que a Administração Tributária inclua na sua fundamentação, respectivamente, «a descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam» e «a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais».

[10]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 180.

[11]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 211.

[12]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 165. Identicamente, Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 170, que aponta uma «relação de conexão e interdependência em relação aos requisitos exigidos pela lei».

[13]             Cfr. Leite de Campos, Diogo, e Costa Andrade, João, Autonomia Contratual e Direito Tributário, A norma geral anti-elisão, Almedina, Coimbra, 2008, p. 82.

[14]             «Quer os actos jurídicos, quer os negócios jurídicos, podem surgir isolados (adaptados à obtenção da utilidade económica e da vantagem fiscal), ou, naquela que é a hipótese porventura mais comum, formar um conjunto – conjunto de actos ou conjunto de negócios. Para tal, deverão formar uma unidade lógica, sequencial e indivisível a tal dirigida – uma estrutura [...]. A doutrina e a jurisprudência britânica [...] apurou a verificação dessa unidade quando – step-by-step doctrine – no momento da realização do primeiro acto, será pouco razoável admitir que outros não se lhe seguirão forçosamente, de modo a completá-lo, e assim obtendo a vantagem fiscal visada e o fim económico acautelado» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula…, pp. 166-167).