Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 400/2014-T
Data da decisão: 2015-02-02  IMT  
Valor do pedido: € 77.696,88
Tema: IMT - Dação em cumprimento e (re)venda para efeitos de isenção de IMT
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – Relatório

 

1.      A contribuinte "A, Lda.", NIPC … (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 27 de Maio de 2014, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT").

2.      O Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de juros compensatórios, relativas ao ano de 2008, no montante total de €77.696,88, constantes do ofício nº … (2014-01-27) do Serviço de Finanças de Cascais; e o decretamento da respectiva anulação.

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28 de Maio de 2014.

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 15 de Julho de 2014.

5.      O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 30 de Julho de 2014; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

6.      Nos termos dos n.º 1 e 2 do art. 17º do RJAT, foi a AT notificada, em 30 de Julho de 2014, para apresentar resposta.

7.      A AT apresentou a sua resposta em 30 de Setembro de 2014, acompanhada de cópia do processo administrativo, conforme lhe fora solicitado.

8.      Nessa resposta a AT alega, em síntese, a total improcedência do pedido do Requerente, pedindo a absolvição de todos os pedidos.

9.      O Despacho Arbitral de 1 de Dezembro de 2014 determina a dispensa tanto da reunião referida no art. 18º do RJAT como da apresentação de alegações escritas pelas partes; e fixa a data de 13 de Janeiro de 2015 para a prolação da decisão final.

10.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

11.  As Partes encontram-se devidamente representadas.

12.  O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados

 

a)       A Requerente recebeu o ofício nº … (2014-01-27) do Serviço de Finanças de Cascais, do qual constam liquidações de IMT por aquisição para habitação, em 30 de Dezembro de 2008, das fracções "UG" e "UH" de prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de …, sob o Artigo …, no valor de €72.000,00, acrescidos de €5.696,88 a título de juros compensatórios, perfazendo o total em dívida de €77.696,88.

b)       A fundamentação apresentada no ofício refere que a isenção obtida pelas aquisições dos imóveis em 30 de Dezembro de 2008, nos termos do Art. 7º do Código do IMT (doravante "CIMT"), caducou por ter sido celebrada, quanto àquelas duas fracções, uma escritura de dação em cumprimento, em 17 de Dezembro de 2010, a favor de um credor que é uma entidade bancária.

c)       A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica à actividade de compra e venda de imóveis.

d)       Em 30 de Dezembro de 2008, a Requerente adquiriu as fracções "UG" e "UH" do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de …, sob o Artigo …, pelo preço de €600.000,00 para cada uma das fracções.

e)       A Requerente beneficiou de isenção de IMT, nos termos do art. 7º do CIMT, por destinar os imóveis à revenda e preencher os demais requisitos.

f)        Esses imóveis foram objecto de um contrato de dação em cumprimento a favor do Banco B, SA, celebrado em 17 de Dezembro de 2010.

g)       Em remate de uma acção de fiscalização parcial relativa a 2010 e promovida em 2012 e 2013 pelos serviços de Inspecção Tributária da AT, o Relatório de Inspecção conclui pela caducidade da isenção de IMT, nos termos do art. 7º do CIMT, assente no facto de ter sido dado aos imóveis um destino diferente da revenda, deixando portanto de verificar-se um requisito subsequente da isenção, a revenda (e a revenda dentro de um prazo).

h)       A liquidação do IMT em falta, verificada essa caducidade, assentou na conjugação dos arts. 18º, 2, 19º, 2 e 21º, 2, b) do CIMT.

i)         A Requerente foi ouvida sobre o Projecto do Relatório de Inspecção, logo aí manifestando a sua total discordância.

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

a)      A prova apresentada é de base documental e foi incorporada no processo.

b)      Nenhuma matéria provada nos autos viu a sua autenticidade ou correspondência com os factos serem questionadas.

c)      Não há factos não provados que tenham interesse para a decisão da causa.

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

III.A. Posição da Requerente

 

a)      A Requerente entende que a isenção prevista no art. 7º do CIMT assenta no propósito de sujeitar a actividade comercial de compra de imóveis para revenda a IRC, e não a IMT.

b)      Dada essa ratio legis, a Requerente sustenta que a dação em cumprimento tem o mesmo escopo de uma compra e venda, já que transmite a propriedade mediante um preço, com a única particularidade de o preço ser calculada por referência a um crédito que se extingue com aquela transmissão.

c)      Os efeitos, mormente para preenchimento dos requisitos da mencionada isenção de IMT, seriam exactamente os mesmos – sendo a materialidade subjacente a mesma de uma revenda.

d)     Em apoio desse entendimento, sublinha que o adquirente, na dação em cumprimento, pagou o IMT devido, no montante de €59.521,32 – quando o próprio adquirente, como entidade bancária, estaria parcialmente isento do tributo por aplicação do art. 8º do CIMT, se se tratasse de uma pura dação em pagamento por dívidas do alienante resultantes de empréstimo concedido pelo adquirente, ou por rendas vencidas de um contrato de locação financeira.

e)      O facto de o adquirente, nessa dação em cumprimento, ter pago o IMT demonstra, no entendimento da Requerente, que a substância da transmissão foi a de uma verdadeira compra e venda – independentemente do nome atribuído à transmissão.

f)       Em apoio dessa equivalência e do tratamento fiscal indiscriminado das situações equivalentes de transmissão onerosa da propriedade, invoca-se princípios constitucionais de igualdade e capacidade contributiva, e de prevalência da substância sobre a forma.

g)      Por outro lado, a Requerente invoca a falta de fundamentação do acto tributário no que diz respeito aos juros compensatórios – porque a comunicação da dívida de imposto nada elucida quanto ao preenchimento dos requisitos de que depende, nos termos do art. 35º da Lei Geral Tributária (LGT), a existência de juros compensatórios.

h)      Por fim, entendendo que a liquidação impugnada assenta em erro imputável aos serviços da AT, a Requerente sustenta que haverá lugar a juros indemnizatórios a seu favor, a serem oficiosamente calculados pela decisão arbitral, e calculados até ao efectivo reembolso do imposto entretanto pago por ela.

 

III.B. Posição da Requerida

 

a)      Em resposta, a AT sustenta a ideia de que a dação em cumprimento tem uma índole diferente da da revenda, já que "revenda", em sentido estrito e próprio, é o acto que realiza o escopo que presidiu à aquisição inicial do imóvel, porque é ele que constitui o objecto próprio da actividade da entidade que beneficia da isenção.

b)      Ou seja, a Requerida argumenta que a razão de ser do regime de isenção é o benefício das empresas que revendam os imóveis que adquiriram já com esse objectivo de revenda, poupando-as do suporte de IMT na primeira compra na medida em que esta se destine a essa intermediação comercial entre compra e revenda, que por sua vez transforma os imóveis em meras mercadorias, no âmbito das suas actividades empresariais.

c)      Soma-se a isso a constatação de que a dação em pagamento não se enquadra na actividade empresarial da Requerente; na dação em pagamento um devedor procura exonerar-se de uma dívida em concreto, não podendo portanto considerar-se que essa causa de extinção de obrigações possa constituir o objecto daquela actividade, no sentido de ser visado por essa actividade ou ser caracterizador dela.

d)     Pelo contrário, na dação em cumprimento os imóveis deixam de ser o objecto que é transaccionado contra um preço, para se transformarem eles mesmos no meio de pagamento: o objecto é a dívida, os imóveis tornam-se instrumentos de extinção em espécie dessa dívida.

e)      Contra-argumenta ainda a Requerida que a Requerente vai ao ponto de alimentar um equívoco, na medida em que começa por sustentar uma equivalência de figuras para acabar com a defesa da ideia, que é distinta, de que teria havido um lapso na definição do "nomen iuris" pelas partes, assente na circunstância de o adquirente, na dação em cumprimento, ter pago IMT.

f)       Mas, observa a AT, o pagamento do IMT não tem a virtualidade de transformar uma dação em cumprimento numa compra e venda; mais, numa dação em cumprimento não tem que se isolar o objecto transaccionado, como teria que suceder numa venda; como na dação em cumprimento se entrega um bem como meio de pagamento, vários bens, de várias naturezas, móveis e imóveis, podem mesclar-se sem restrições, desde que o credor os aceite em pagamento.

g)      Na dação em cumprimento, remata a Requerida, o adquirente não agiu como comprador mas somente como credor; pelo que não ocorreu revenda nem nada que lhe equivalha – e certamente não ocorreu um lapso ou erro na qualificação jurídica, na escolha, pelas partes, do "nomen iuris".

h)      Não existindo tal equivalência para os efeitos pretendidos da norma que concede isenção de IMT, a AT recusa que tenha ocorrido qualquer violação de princípios constitucionais ou legais que imponham a igualdade e a consideração da capacidade contributiva, ou determinem a prevalência da substância sobre a forma.

i)        Por outro lado, a AT contesta que tenha havido ausência de fundamentação para a previsão de juros compensatórios, já que, fazendo os juros compensatórios parte integrante da dívida de imposto, à Requerente não podem ser desconhecidos os fundamentos dessa dívida – já que foi notificada do Relatório de Inspecção no qual são explicitadas todas as bases do raciocínio decisório, e a elas reagiu nos termos do seu direito de audição.

j)        Finalmente, a Requerida argumenta que, não tendo havido erro da parte dos serviços, não tendo ocorrido qualquer ilegalidade, não há lugar aos juros indemnizatórios reclamados pela Requerente.

 

III.C. Questões a decidir

São objeto dos autos as seguintes questões:

 

A) Se, face à natureza jurídica do contrato de dação em cumprimento a favor do Banco B, SA, celebrado em 17 de Dezembro de 2010, o mesmo configura uma verdadeira compra e venda – revenda -  para efeitos da isenção prevista no artº 7º, nº 1, do CIMT;

B) Se é ou não legal o ato de liquidação de IMT em consequência do contrato de dação em cumprimento mencionado;  

C) Se enferma de ilegalidade por falta de fundamentaçãoo o ato de liquidação de juros compensatórios

D) Se os atos de liquidação violam os princípios constitucionais de igualdade, capacidade contributiva e de prevalência da substância sobre a forma

 

III.C.1 – Quadro legal aplicável à isenção de IMT nas compras para revenda

 

13.  Vejamos, pois, e antes de mais, o quadro legal aplicável.

14.  Dispõe o art.º 7º, nº 1 do CIMT que: “estão isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”.

15.  Por sua vez o nº 2 do referido normativo estabelece que “[a] isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda”.

16.  E o seu n.º 3 dispõe que “para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim”.

17.  No que respeita à caducidade da isenção, o art.º 11.º, nº 5 do CIMT estatui que “a aquisição a -que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”.

18.  Nos termos do n.º 1 do art.º 7.º são isentas de IMT as aquisições de prédios para revenda, quando o sujeito passivo (pessoa colectiva ou singular) exerça normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.

19.  Da conjugação do n.º 1 do art.º 7.º e n.º 5 do art.º 11.º do CIMT caduca a isenção de IMT, na aquisição de prédios para revenda, por sujeito passivo (pessoa colectiva ou singular) para tal previamente habilitado, quando for vendido novamente para revenda ou quando lhe for dado destino diferente daquele que presidiu à aquisição.

 

 

III.C.2 –  Natureza jurídica do contrato de Dação em Cumprimento 

 

20.  A dação em cumprimento é uma forma de extinção das obrigações que consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação (artº 837º do Código Civil).

21.  Vaz Serra (in R.L.J., 99º, pág. 100), encara-a como uma compra e venda ou uma troca, consoante o devedor entregue uma coisa em substituição de dinheiro – que funciona como o preço dela – ou uma coisa em substituição de outra;

22.  Antunes Varela, (in Das obrigações em Geral, VOL. 2. , 7ª edição, pág.174), sustenta que se trata de um acto solutório da obrigação, assente sobre uma troca ou permuta convencional de prestações, apelando para as noções de fim da dação, que é a extinção da obrigação, e meio desta extinção, que pressupõe uma troca concertada entre as partes), parece-nos líquido que nos encontramos perante um contrato sinalagmático (ou bilateral)

23.  Para Antunes Varela, a concepção exacta e completa da dação é a que retrata, no único momento em que o acto se esgota, o duplo aspecto que ele envolve. Só mediante a inclusão do fim e do meio do acto se obtém um retrato em corpo inteiro da dação em cumprimento.

24.  O fim da dação consiste na extinção da obrigação (da única obrigação que persiste nas relações entre as partes); o meio dessa extinção, sendo diferente da prestação debitória (aliud pro alio), pressupõe uma troca concertada entre as partes – troca que se efectua no próprio momento da datio.

25.  É notória a analogia existente entre as modalidades mais correntes da dação (como a entrega de uma coisa ou a cedência de um direito) e o contrato de compra e venda. Por isso, o artº 838º concede ao credor a mesma protecção que os art.ºs 905º e seguintes do mesmo diploma concedem ao comprador quando a coisa ou o direito transmitido apresentem vícios.

26.  A aplicação à dação em cumprimento das regras da compra e venda resulta não só do citado art.º 838º, como da remissão geral do art.º 939º, o qual manda aplicar as regras da compra e venda aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas.

27.  Por força do disposto naqueles normativos, são aplicáveis à dação em cumprimento, por exemplo, as disposições relativas à venda de coisa alheia (artºs 892º e seguintes), se tiver sido dada em cumprimento uma coisa não pertencente ao devedor a título oneroso.

28.  Contudo, se existe analogia ou similitude quanto ao meio – transmissão de propriedade mediante um contra valor –  não a existe quanto ao fim – extinção de uma obrigação ou dívida no caso da dação, transmissão onerosa  com intuitos comerciais ou empresariais, no caso da compra e venda  - não se podendo concluir, do respectivo enquadramento conceptual, sobre uma identificação plena entre os dois contratos.

29.  Em conclusão, o contrato de dação em cumprimento configura um contrato através da qual se opera uma transmissão onerosa da propriedade de um determinado bem, com o fim de solver uma obrigação, realizando uma prestação diferente da que é devida originariamente.

30.  Não obstante a remissão efectuada pelo Código Civil, no seio da dação em cumprimento, para as regras do contrato de compra e venda, por analogia de institutos e economia legislativa, tal não torna de per si a “dação em cumprimento” numa “compra e venda”.

31.  Outros contratos se encontram igualmente a coberto desta remissão operada pelo artigo 939º do Código Civil, caso do contrato de permuta, entre outros. O contrato de permuta não vem disciplinado no Código Civil, mas dada a sua natureza de contrato oneroso, é regulado nos termos das disposições relativas ao contrato de compra e venda, por força do artigo 939 do Código Civil, não sendo por este efeito um contrato de “compra e venda”.

 

III.C.3 – Objecto da isenção prevista no artigo 7º do CIMT: a ratio legis

 

32.  As isenções do imposto estão contempladas no capítulo II do CIMT nos seus artigos 6.º, 7.º, 8.º e 9.º.

33.  Mantendo o mesmo espírito da lei do Código da Sisa, o IMT preservou a isenção de imposto para aquisição de bens imóveis para revenda, agora prevista no artigo 7ºdo respectivo Código.

34.  Como isenção enquadra-se, desde logo de uma perspectiva sistemática e formal, como um benefício fiscal.

35.  Interessa sobremaneira para a questão decidenda averiguar a ratio deste benefício fiscal, de forma a concluir sobre se a isenção de IMT se poderá manter face à operação de transmissão dos imóveis através de um contrato de dação em cumprimento.

36.  A isenção pela aquisição de prédios para revenda fundamenta-se na circunstância de tais prédios, destinados a integrar o activo permutável da empresa adquirente, constituírem “mercadorias” da respectiva actividade, que em princípio deve ser exclusivamente tributada com base no seu rendimento. Assim a isenção tem como fim último afastar elevados encargos financeiros que, não obstante serem custos dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento sujeito a imposto, tenderiam a repercutir-se no preço final da venda dos bens imóveis (Cf. J. Silvério Mateus /L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património. O Imposto do Selo: Anotados e Comentados, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 385)».

37.  Como refere Nuno Sá Gomes, (in CTF 380, págs. 488 e segts.), o fundamento da isenção em causa está na circunstância de os prédios adquiridos se manterem, como mercadorias, no activo permutável da empresa tributada pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda.

38.  A tributação das entidades que compram imóveis para revenda há-de fazer-se segundo as regras do imposto aplicável ao rendimento – IRS ou IRC – pelo que a sujeição a IMT de transacções efectuadas por estas entidades, suficientemente comprovadas como tal – iria onerar e empolar artificialmente o valor de venda do imóvel ao seu adquirente final, que também não pode ser uma entidade que exerça a actividade comercial de compra para revenda, agora já para evitar isenções “em cascata” ou até fraude fiscal.

39.  Em termos conceptuais, o que a legislação vem indicar é que a compra de um bem com o intuito de o revender em seguida não deverá ser encarada como uma verdadeira aquisição, na medida em que o actual comprador não irá ser o futuro proprietário (nem usufrutuário) do bem em questão.

40.  Não estamos no presente caso perante uma isenção subjectiva mas sim perante uma isenção objectiva, sujeita a um conjunto de condições que podem ser suspensivas e resolutivas.

41.  E, se o imóvel for transaccionado pelo proprietário, que o adquiriu para revenda, por outra forma que não a mesma operação de “revenda”, liquidar-se-á então o IMT por se ter deixado de cumprir uma das condições previstas na isenção do artigo 7º do CIMT, aplicando-se automaticamente a caducidade da isenção prevista no nº 5 do CIMT.

42.  Num certo sentido poder-se-ia até considerar que esta isenção não trata de um verdadeiro benefício fiscal, uma vez que, como isenção, no sentido estrito do termo, pode não afastar a tributação de quem tem obrigação de suportá-la e, como benefício fiscal, não se reveste de um carácter de interesse público extrafiscal.

43.  Em termos conceptuais, o que a legislação vem indicar é que a compra de um bem com o intuito de o revender em seguida não deverá ser encarada como uma verdadeira aquisição, na medida em que o actual comprador não irá ser o futuro proprietário (nem usufrutuário) do bem em questão nem o adquiriu com outro propósito do que o de o revender posteriormente, em condições de mercado, no âmbito de uma sua actividade comercial ou empresarial de compra de imóveis para revenda

44.  Consequentemente, a lei estabelece um conjunto de pressupostos do regime de isenção em IMT dos prédios adquiridos para revenda que constituem mecanismos preventivos da sua utilização abusiva e da prática de operações de fraude fiscal.

45.  Assim só podem beneficiar desta isenção as empresas que estejam colectadas para efeitos do IRS ou do IRC na actividade de compra de prédios para revenda (artº 7º nº 1).

46.  O regime de isenção aplica-se exclusivamente aos prédios adquiridos para revenda pelas empresas, não se aplicando a prédios adquiridos para outros fins e posteriormente afectos ao activo permutável.

47.  Para se aplicar a isenção deve constar do próprio contrato que o prédio adquirido se destina a revenda.

48.  A revenda deve ser efectuada no prazo máximo de três anos (artº 11º, nº 5).

 

III.C.4 – A integração do conceito de “revenda” objecto da isenção prevista no artigo 7º e nº 5 do artigo 11º do CIMT

 

49.  Para integrar o conceito de “revenda” exigido para aplicação da isenção em causa, e determinar se cabe no seu âmbito de aplicação o contrato de dação em cumprimento, devemos proceder à interpretação da referida norma, tendo entretanto sido identificada a ratio desta mesma isenção.

50.  Constituindo as isenções de imposto, por norma, benefícios fiscais

51.  Pelo que, uma correcta abordagem da questão decidenda supõe que se faça uma breve referência à interpretação das normas de benefícios e de isenção de tributação.

52.  Os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, normas de carácter excepcional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal, 11ª edição, com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes, citado no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto)

53.  As normas de benefícios fiscais merecem assim tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, pag. 312. ).

54.  E é essa circunstância que legitima que se sustente quanto a elas um princípio de interpretação estrita ou declarativa (strict interpretation), fundado precisamente na sua natureza excepcional ou anti-sistemática, que não se confunde com interpretação literal.

55.  Efectivamente, está hoje ultrapassada a ideia de que todo o direito fiscal é um direito excepcional, o que teria o efeito de excluir a integração analógica em relação a todas as normas tributárias. E, do mesmo modo, não é já dominante na doutrina, como foi no passado, a tese de que as normas fiscais deveriam ser sempre objecto de interpretação literal, designadamente por razões de segurança jurídica e de defesa do contribuinte, o que proscrevia igualmente a interpretação extensiva.

56.  Prevalece antes o entendimento de que as normas tributárias devem ser interpretadas nos termos da teoria geral comum da interpretação das leis, sem quaisquer especialidades, tendo por base uma visão do direito fiscal como um ramo de direito autónomo, e não especial ou excepcional.

57.  Porém, impõe-se a essa tese a constatação de que a particular configuração do princípio da legalidade tributária, enquanto se traduz numa verdadeira regra de tipicidade dos impostos, postula a erradicação do recurso à analogia relativamente às normas abrangidas pela reserva de lei (i.e., incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes).

58.  Daí que se entenda que, a isenção de imposto, na medida em que contraria os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, é insusceptível de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido.

59.  Assim, numa interpretação estrita do preceito (artº 11º, nº 5 do CIMT) há-de entender-se que, no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a lei exige, sem mais, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a ela qualquer outro tipo de acto ou contrato.

60.  Sobre a interpretação e integração deste conceito de “revenda” se pronunciaram por diversas vezes os tribunais portugueses.

61.  Veja-se o Ac. STA no processo 592/2012, de 28/11/2012, no qual o STA conclui que, para efeitos da isenção prevista no artº 7º, nº 1 do CIMT não assume qualquer relevo a troca ou permuta de bens, sendo apenas de considerar a revenda no seu sentido técnico-jurídico.

62.  Efectivamente, as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.9, do E.B.F.)

63.  E portanto, face a estes princípios, entende o STA, no citado Acórdão, que, “numa interpretação estrita do preceito (artº 11º, nº 5 do CIMT) há-de entender-se que, no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a Lei exige, sem mais, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a ela qualquer outro tipo de acto ou contrato”.

64.  Este tem sido também o entendimento tradicional da nossa jurisprudência no âmbito do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, cujo regime é, neste aspecto, muito semelhante ao regime do CIMT – cf. Acórdãos de 6/3/1985, rec. n.º 2732, de 19.06.1985, recurso nº 002841, de 13.10.1993, rec. º nº 15334, de 28.01.2008, rec. n.º 642/08 e de 07.03.2012, recurso 01141/11.

65.  Como se exarou no Ac. de 13.10.1993, acima citado (publicado no Apêndice ao DR, de 20/5/1996, pp. 3279 a 3282) «perante o texto da lei aplicável e o intuito legal de, com a concessão desta isenção, se evitar a tributação sucessiva, em imposto de sisa dos mesmos bens, num curto período de tempo, não será de concluir que o legislador disse menos do que pretendia, mas antes é de reconhecer que os termos utilizados traduzem a vontade ali inequivocamente expressa, no sentido de só relevar, para o efeito aí assinalado, o acto de «revenda» do prédio em causa».

66.  E ainda a propósito do conceito de revenda se disse também no supra citado Ac 1141/11 que “revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda, e não…mediante simples troca ou permuta dos bens originariamente adquiridos (…) Sendo assim só a revenda assume relevância para efeitos de isenção de sisa, não a tendo a troca ou a permuta ” (Acórdãos Doutrinais, nº 257, pág. 644).”

67.  O Ac. do STA de 04.10.2000, no Recurso 24.923 recusa expressamente que a dação em cumprimento possa integrar o conceito de revenda dos artigos do anterior Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações – CIMSISD.

68.  Também a maioria da doutrina tem advogado que o conceito de “revenda” deve ser entendido no seu sentido técnico-jurídico, concretizado na celebração de um contrato de compra e venda.

69.  A propósito deste tema e no âmbito do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações enuncia um conceito próprio de transmissão, para efeitos de sisa, mais amplo que o da lei civil (Vide, sobre o conceito de transmissão para efeitos de SISA, Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, edição da Imprensa Nacional, volume I, pag. 23, anotação 2.2 ao artº 1º.), mas não o faz em relação ao conceito de revenda.

70.  A este respeito esclarece José Maria Fernandes Pires, nas suas Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pags. 422-423, em análise dos pressupostos de isenção do IMT, cujo regime é, neste aspecto, semelhante ao do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, que « a utilização pelo legislador do conceito de revenda e não do de transmissão tem este efeito de tornar indispensável que ocorra a venda do prédio, ou seja, a transmissão do título de propriedade. Só assim se consuma o pressuposto da revenda e isso é assim porque o CIMT tendo um conceito próprio de transmissão, não tem um conceito próprio de revenda, pelo que, relativamente a este temos que utilizar o do direito civil. Desta forma, não basta que estas empresas pratiquem outros negócios sobre esses imóveis, nomeadamente que celebrem contratos de promessa de alienação, para que se considere consumada a revenda. Mesmo nos casos em que a celebração de contrato-promessa para alienação desses prédios seja sucedida da tradição material da posse do prédio, não se pode considerar verificada a revenda. Embora a celebração deste tipo de contratos com tradição da posse seja considerada pelo CIMT como um facto sujeito a imposto, o certo é que no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a Lei exige, sem mais, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a ela qualquer outro tipo de acto ou contrato

71.  Também J. Silvério Mateus /L. Corvelo de Freitas (Os Impostos sobre o Património. O Imposto do Selo: Anotados e Comentados, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 404) sustentam que o conceito de revenda pressupõe a transmissão da propriedade do imóvel através do contrato de compra e venda.

III.C.5 Subsunção

72.  O caso sub juditio subsume-se integralmente às considerações supra na medida em que se trata duma situação de liquidação de IMT por aquisição para habitação, em 30-12-2008, de duas fracções de prédio urbano (as fracções “UG” e “UH” de prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de …, sob o artigo …).

73.  A citada aquisição havia inicialmente beneficiado de isenção nos termos do artigo 7º, do CIMT, por se tratar de adquirente cujo escopo comercial era a aquisição de prédios para revenda e aqueles se destinarem a esse fim.

74.   Uma vez que as mencionadas frações foram objeto, em 17-12-2010, de dação em pagamento a favor do Banco B, esta destinação diversa da revenda implicou a caducidade da anterior e sobredita isenção com a consequente liquidação de IMT à luz do disposto nos artigos 18º-2, 19º-2 e 21º-2/b), do CIMT.

75.  Do exposto decorre a conclusão óbvia de improcedência do pedido de anulação da liquidação.

III.C.6 - Juros compensatórios e dever de fundamentação

 

76.  À luz do dever geral de fundamentação, expressa e acessível, dos atos lesivos (artigo 268º-3, da Constituição e 77º, da LGT), na liquidação de juros compensatórios juntamente com a dívida do imposto, impõe-se a discriminação dos valores do imposto e dos juros compensatórios, explicando-se e explicitando-se com clareza o respetivo cálculo.

77.  Como tem sido entendido pelo STA, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação (Cfr Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Ed. “Encontro da Escrita” – 4ª Ed – 2012, pg 675)

78.   Para apurar se um ato administrativo-tributário está ou não fundamentado, impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação; outra, diferente, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação.

79.  Assim, se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do ato, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o ato considera-se não fundamentado (Cfr artigo 125º-2, do Cód de Processo Administrativo).

80.  Ou seja: para cumprir o ónus de fundamentação do ato tributário de liquidação a decisão tem de dar resposta ao contribuinte sobre o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo autor do ato, de forma a que se fique a saber as razões dessa decisão e não de outra.

81.   O regime dos juros compensatórios reveste a natureza de agravamento da dívida de imposto, uma espécie de sobretaxa que visa indemnizar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que não foi liquidada no momento em que o deveria ser (Cfr sobre esta matéria e neste sentido, os Acs. do STA de 8-7-92 – recurso nº 12147; de 29-1-92 – recurso nº 13671 e de 27-11-96, recurso nº 20775).

82.  Tal regime encontra-se previsto no artigo 35.º da LGT, do qual se transcrevem os números que interessam para o caso sub juditio:“1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. (…)3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação. 4 - Para efeitos do número anterior, em caso de inspecção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia. (…)6 – Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais.7 - Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em acção de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão. 8 – os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.9 – A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e dos juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.10 – A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil.

83.   Desde logo o legislador exigiu que o retardamento fosse imputável ao sujeito passivo.

84.   “A razão de ser dos juros compensatórios prende-se, além do mais, com um juízo de censura, a titulo de culpa, ou seja, numa conduta dolosa ou negligente imputável ao sujeito passivo, determinante do não recebimento atempado, pelo Estado, da totalidade do imposto devido e, nessa medida, constitutiva de uma obrigação de indemnizar de natureza civil.” (cfr. acórdão do 2º Juizo do TCA Sul, proferido em 12/01/2010, no processo n.º 3177/09).

85.   “I - A liquidação de juros compensatórios pela Administração Fiscal está umbilicalmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devido pelo contribuinte. II - O retardamento da liquidação de imposto só dá origem a juros compensatórios, se estiver demonstrada a culpa do contribuinte em tal situação de retardamento. III - A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto, pelo padrão de esmero do bonus pater familiae, hipoteticamente colocado na situação concreta. IV - A compreensível dúvida, dificuldade, ou divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento de determinada situação tributária não concorre para a integração do dito conceito de culpa – pelo que, por tal via, não se dá azo à cominação de juros compensatórios. (cfr. acórdão da 2ª Secção do STA, proferido em 11/03/2009, no processo n.º 0961/08).

86.  Nesta matéria essencial é também o disposto no artigo 33º, do CIMT:1 - Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de imposto devido, a este acrescerão juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária.2 - Os juros serão contados dia a dia, desde o termo do prazo para o pedido deliquidação até à data em que a falta for suprida, dentro do prazo fixado no artigo 35.º do presente Código”.

Subsumindo:

87.  A requerente alega falta de fundamentação do ato tributário no que diz respeito aos juros compensatórios – porque a comunicação da dívida de imposto nada elucida quanto ao preenchimento dos requisitos de que depende, nos termos do artigo 35º, da LGT, a existência de juros compensatórios.

Vejamos:

88.  A AT notificou a requerente, “(...) nos termos do nº 5 do artigo 11º, do nº 1 do artigo 35º e nº 5, do artigo 36º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosa de Imóveis (...)” da liquidação de IMT na importância de €77.696,88 “(...) correspondendo €72.000,00 a IMT e €5.696,88 a juros compensatórios (...)” atos tributários estes decorrentes da aquisição em 30-12-2008 das identificadas frações “UG” e “UH”  a que deu “(...) destino diferente ao efetuar escritura de dação em cumprimento a 17-12-2010 (...)” [Cfr  processo administrativo instrutor e Doc nº 6, junto com a contestação].

89.  Em anexo a essa notificação a requerida AT apresentou nota denominada “ demonstração da liquidação” em que, relativamente à liquidação de juros compensatórios refere: “JUROS COMPENSATÓRIOS A 4% AO ANO Juros desde 17-01-2011 a 08-01-2013 no montante de € 5.696,88”

90.  Será então razoável concluir que a requerente – uma empresa comercial dedicada à compra e venda de prédios para revenda – ficou sem perceber os fundamentos da liquidação de juros compensatórios liquidados?

91.  Ora, é manifesto, no caso, que a AT, conforme notificação à requerente, fundou o ato de liquidação no entendimento de que considerava verificados os pressupostos de exigibilidade de juros compensatórios decorrentes da culpa ou negligência (da requerente) no incumprimento do seu dever de comunicação tempestiva à Administração Fiscal da cessação do pressuposto da isenção de IMT de que beneficiara, dando assim causa a uma liquidação oficiosa.

92.  Ao citar, no ato de liquidação e notificação, o disposto no artigo 36º-5, do CIMT, a AT deixou justificada ou fundamentada a data do início de contagem dos juros compensatórios: 30º dia posterior ao da celebração do contrato de dação em cumprimento (17-12-2010), ou seja, 17-1-2011.

93.   Mostram-se assim mínima mas suficientemente explicitadas as razões ou fundamentos da AT justificativos da liquidação de juros compensatórios e qual o seu cálculo em termos de prazo e taxa aplicável. 

94.  Logo o ato não padece do vício de violação de Lei por falta de fundamentação.

III.3.C.7 Sobre a violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º, da Constituição

95.  O princípio da igualdade é um princípio jurídico-constitucional, transversal a todo o ordenamento jurídico, que ao nível do Direito Fiscal se expressa na obrigação universal de todos os cidadãos se encontrarem adstritos ao pagamento de impostos.

96.  Todavia, uma das dimensões do princípio da igualdade é a proibição do arbítrio, ou seja, devem ser tratadas de forma igual as situações iguais, e de forma desigual as situações desiguais: igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto para os que dispõem de diferente capacidade contributiva, na proporção desta diferença (igualdade vertical).

97.  Mas o princípio da igualdade também se expressa na obrigação da imposição de medidas diferenciadoras de modo a obter uma igualdade de oportunidades necessária à igualdade real entre contribuintes. É neste contexto que se justifica, por exemplo, a discriminação positiva da família, ou as deduções à colecta em sede de IRS em função do número de filhos.

98.   No caso da isenção de IMT para as entidades cujo objeto comercial seja a compra e venda de prédios para revenda, já se deixou dito ou implícito anteriormente, quais as razões ou fundamentos para isentar, os atos de compra de imóveis, de  tributação em sede de IMT na condição de ocorrer a revenda no prazo de 3 anos e quais os fundamentos para não considerar ato equivalente à revenda o ato de dação em pagamento.

99.  Acrescenta-se que se compreende que o agente económico na revenda do imóvel considere esse bem como uma mercadoria e que o transaciona tal como se de um artigo comercial se tratasse.

100.          Esta noção implica que o sujeito passivo não imprime qualquer modificação ou alteração ao estado do imóvel, sendo o único valor acrescentado criado o valor da margem comercial do agente económico.

101.          O mesmo se não passa, como se viu, na dação em cumprimento em que o agente económico efetua, como qualquer devedor, o cumprimento (com o acordo do credor) duma obrigação pecuniária através da dação.

102.          Improcede, por isso, a fundamentação de inconstitucionalidade invocada pela requerente.

III.3.C.8 -  Juros indemnizatórios

 É questão cuja apreciação fica obviamente prejudicada pela improcedência total do pedido conforme decisão infra.

 

IV. Decisão

Em face de tudo quanto antecede, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia formulado por A, Lda., absolvendo, em consequência, a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 77.696,88, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas a cargo da requerente, dado que o presente pedido foi julgado totalmente improcedente, no montante de € 2.448,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 2 de fevereiro de 2015

 

Os Árbitros

 

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

 

 

 

Ana Teixeira de Sousa

 

 

 

Fernando Borges Araújo