Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 376/2014-T
Data da decisão: 2015-01-16  IRC  
Valor do pedido: € 372.648,00
Tema: IRC –Prestações Acessórias; dedutibilidade fiscal de encargos financeiros. Artigo 32.º, n.º 2 do EBF e Artigo 23.º do CIRC
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Decisão Arbitral

 

Processo nº 376/2014 – T

Requerente: A..., SGPS, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IRC – Prestações acessórias; dedutibilidade fiscal de encargos financeiros.

 

 

            O árbitro, Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, acorda no seguinte:

 

 

1. RELATÓRIO

 

A..., SGPS, S.A., com o número de identificação fiscal … (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º 2013 ..., relativa ao exercício de 2009, e que ditou imposto e juros compensatórios a pagar no valor total de € 3.726,48, bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., no mesmo valor.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada por “AT”) em 19 de Maio de 2014, tendo sido designado como árbitro do Tribunal Arbitral aquele já acima indicado, que aceitou o encargo.

 

No dia 3 de Julho de 2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 18 de Julho de 2014.

 

A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

(i) Não se conforma com o entendimento que esteve na base da liquidação adicional de IRC n.º 2013 ... com referência ao exercício de 2009, porquanto entende ser inequívoco que o conceito de “partes de capital” apenas inclui as “partes do capital social” (i.e. acções e quotas), distinguindo-se, portanto, das prestações acessórias.

 

(ii) Alega que com base nas regras de interpretação das normas fiscais previstas no artigo 11.º da LGT, o entendimento da AT que deu lugar à liquidação adicional em crise nos autos não é válido, pois assenta em erro de facto e de direito.

 

(iii) Entende que o conceito de capital encontra-se associado ao capital social, pois se o conceito de “capital” faz apelo ao “capital social”, o conceito de “partes de capital” terá, por maioria de razão, diz, de referir-se a “partes do capital social”, o que será o mesmo que dizer “participações sociais” ou ainda quotas ou acções, consoante se esteja perante sociedades por quotas ou sociedades anónimas.

 

(iv) Entende que não podem restar dúvidas que o direito societário trata partes de capital como partes do capital social, não se encontrando na abrangência deste conceito as prestações acessórias.

 

(v) E que, na esteira das regras de interpretação das leis fiscais previstas no artigo 11.º da LGT, nunca se poderia aplicar o princípio da substância sobre a forma, como pretende a AT, por forma a delimitar o conceito de partes de capital previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

 

(vi) E que o disposto no n.º 4 do artigo 48.º do Código do IRC, na redacção em vigor à data, estendia a aplicação do regime do reinvestimento dos valores de realização às “partes de capital”, incluindo-se, para além da venda, a sua “remissão e amortização com redução do capital”.

 

(vii) Ora, vem dizer que atendendo à referência que aquele regime fazia às operações de “remissão e amortização com redução de capital”, será difícil admitir outro significado para “partes de capital” que não seja o de “participações sociais” ou “partes do capital social” (i.e. acções ou quotas).

 

(viii) Em face do exposto, entende que não restam dúvidas que as prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares não se incluem no conceito de partes de capital.

 

(ix) E que tendo por referência o espírito subjacente ao regime previsto no artigo 32.º do EBF, terá de se concluir que as prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares não estão abrangidas pelo disposto no n.º 2 daquela norma, uma vez que não sendo tais prestações, em circunstâncias normais, susceptíveis de gerar mais-valias que beneficiem do regime de isenção consagrado naquela norma, por uma questão de equidade, os encargos financeiros associados aos financiamentos obtidos para a sua concessão deveriam ser fiscalmente dedutíveis.

 

(x) Não aceitando a posição seguida pela AT à luz do princípio da substância sobre a forma.

 

(xi) Concluindo que das prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares não decorre qualquer rendimento directo enquadrável no conceito de mais-valia, pelo que facilmente se compreende que os encargos financeiros incorridos com a concessão de prestações acessórias não deverão ser qualificados como encargos imputáveis a partes de capital, para efeitos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, devendo ser dedutíveis para efeitos fiscais.

 

(xii) Em suma, defende que a subsunção das prestações acessórias no conceito de “partes de capital” a que apela o n.º 2 do artigo 32.º do EBF não pode ser entendida como válida, na medida em que (i) o direito societário distingue, sem margem para dúvidas, os conceitos de “partes de capital” das prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares; (ii) as indicações constantes do Código do IRC apontam no mesmo sentido, i.e. a referência que o regime do reinvestimento dos valores de realização às partes de capital, faz às operações de “remissão e amortização com redução de capital” e, bem assim, a evolução da própria redacção do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC;, (iii) a mesma distinção é ponto assente e pacífico quer na maioria da doutrina existente sobre esta matéria, quer na jurisprudência recente do Tribunal Arbitral que invoca ao longo da sua petição, (iv) que a ratio subjacente ao n.º 2 do artigo 32.º do EBF determina o não enquadramento na mesma norma dos encargos financeiros suportados com a concessão de prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares e que (v) as orientações constantes da Circular n.º 7/2004 emitida pela AT são claras no sentido de imputar os encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF unicamente às “participações sociais”.

 

(xiii) No que se refere à inclusão dos “outros custos ou perdas financeiras” no cômputo dos encargos financeiros sujeitos ao n.º 2 do artigo 32.º do EBF, entende que os gastos em causa devem ser os que estejam relacionados com as mais-valias não consideradas como rendimentos, ou seja, os gastos que sejam inerentes à aquisição originária das participações sociais detidas (os juros), não podendo ser tidos como tal outros custos ou perdas financeiras que se revelem meramente acessórios e não conexos com a obtenção do rendimento não sujeito a IRC.

 

(xix) Atento o exposto, entende que não deve colher o entendimento adoptado no Relatório de Inspecção da AT, segundo o qual se devem incluir todos os encargos suportados com a aquisição de partes de capital no cômputo dos encargos financeiros a sujeitar ao regime previsto no artigo 32.º do EBF.

 

(xv) Por fim, vem peticionar a prestação de uma indemnização por garantia indevidamente prestada, que lhe foi exigida para suspensão do processo executivo instaurado pela AT, nos termos previstos no artigo 53º, n.º 2 da LGT.

 

 

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente, alegando de forma sumária, como segue:

 

(xvi) Reconhece que o thema decidendum é o de determinar se os encargos financeiros concorrem ou não para a formação do resultado fiscal, vulgo lucro tributável.

 

(xvii) Vem dizer que, como em outros conceitos constantes do IRC, o conceito de partes de capital utilizado no CIRC e no EBF tem a sua origem não no direito societário, mas sim no direito contabilístico.

 

(xviii) E assim, sem mais, entende que não discriminando o legislador, para efeitos de dedutibilidade dos encargos financeiros os suportados com a realização de prestações suplementares dos suportados com a aquisição de participações sociais – e atenta a uniformidade do restante regime fiscal e contabilístico – a conclusão interpretativa seria a de que os encargos financeiros suportados para a realização de prestações suplementares deverão ter o mesmo tratamento que aqueles suportados para a aquisição de participações sociais.

 

(xiv) E que a expressão “partes de capital” refere-se, no normativo contabilístico em vigor à data, à conta “411 – Partes de Capital”.

 

(xx) Defendendo ser este o sentido da expressão “partes de capital” adoptada pelo legislador fiscal.

 

(xxi) Deste modo, face a que diz ser uma evidência, entende que a utilização do termo “parte de capital” deriva do normativo contabilístico – onde se encontra o exacto termo utilizado – e não, como pugna a Requerente, do direito societário, supostamente derivando da expressão “participação social”.

 

(xxii) Sem prescindir, entende ainda invocar o disposto no artigo 23.º do CIRC (enquanto regra geral quanto à dedutibilidade dos gastos em sede de IRC) na medida em que só os gastos aí considerados dedutíveis poderão alguma vez concorrer para a formação do resultado fiscal.

 

(xxiii) Alega que o artigo 32.º, n.º 2, in fine, consagra uma regra de não dedutibilidade de determinados gastos, mas que em caso algum autoriza a dedução de encargos que não sejam dedutíveis, desde logo, nos termos do artigo 23.º, do CIRC.

 

(xxiv) Assim, defende que a dedutibilidade dos referidos encargos financeiros à luz do artigo 23.º, do CIRC, assume uma precedência lógica sobre a interpretação do artigo 32.º, do EBF.

 

(xxv) Concluindo que para que os encargos financeiros suportados sejam aceites como gasto fiscal é necessário que os mesmos preencham três requisitos: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e, ainda, o da ligação a proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.

 

(xxvi) Questiona se os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares ou acessórias que sigam este regime contêm qualquer escopo lucrativo, para concluir que a exploração do activo financeiro prestação suplementar ou acessória que siga este regime nunca dará origem a qualquer proveito tributado.

 

(xxvii) Sendo precisamente essa incapacidade, que qualifica como genética, das prestações suplementares ou acessórias que sigam o regime das suplementares, produzirem um rendimento tributável que determina a não aceitação dos gastos suportados com a sua realização.

 

(xxviii) Refere que ao aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros com as prestações suplementares porque estas de alguma forma valorizam a sociedade aquando da sua alienação, estará a aceitar-se um gasto que nunca terá como contrapartida um rendimento tributável.

 

(xxix) Invoca extensa jurisprudência dos Tribunais Judiciais superiores para retirar a conclusão de que nos termos do artigo 23.° do Código do IRC apenas deverão ser considerados dedutíveis os custos que respeitem à actividade desenvolvida pelo próprio sujeito passivo e que, mesmo quando exista uma relação de dependência ou domínio, as sociedades têm personalidade e capacidade tributárias distintas e que, a não ser desta forma, podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de uma outra com a qual ela tivesse alguma relação.

 

(xxx) Discorda da interpretação constante da circular n.º 7/2004, relativamente ao disposto no artigo 32.º do EBF que faz a Recorrente.

 

(xxxi) Quanto à inclusão dos outros custos ou perdas financeiras no cômputo dos encargos financeiros sujeitos ao n.º 2 do artigo 32.º do EBF, vem dizer que a jurisprudência não faz qualquer distinção entre juros e outros encargos financeiros quanto à dedutibilidade ou não dos mesmos, citando o Acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0171/11 datado de 2012/05/30.

 

(xxxii) Por fim, quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia reconhece que o mesmo depende da procedência do pedido arbitral formulado.

 

(xxxiii) Pugna, em suma, pela total improcedência do pedido da Requerente.

 

 

 

Atenta a extensa prova documental apresentada pelas partes e considerando que as questões a resolver nos autos são meramente de direito, o Tribunal Arbitral, por despacho inserido no sistema processual do CAAD e notificado às partes, entendeu dispensar a reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, considerando que ambas as partes fundamentaram suficientemente, de facto e de direito, as suas posições.

 

Não foram identificadas excepções.

 

A prolação para a decisão arbitral foi fixada até ao fim do prazo dos 6 meses previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.

 

 

 2. SANEAMENTO

 

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades e não foram levantadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

A) FACTOS PROVADOS

 

Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, incluindo o processo administrativo (“PA”), fixa-se a seguinte factualidade relevante:

 

 

A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção de carácter geral pela Direcção de Finanças de Lisboa aos seus elementos contabilístico-fiscais com referência aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, na sequência das Ordens de Serviço n.º … (cfr. Documento n.º 2 junto aos autos pela Requerente e PA junto aos autos pela Requerida).

 

A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS).

 

A referida acção inspectiva resultou numa correcção à matéria colectável de IRC da Requerente com referência ao exercício de 2009 no montante de € 2.236.846,13, relativa ao montante de encargos financeiros imputáveis a partes de capital não dedutíveis por força do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais na redacção em vigor à data dos factos tributários em causa nos autos (cfr. Documentos n.ºs 2 e 4 junto aos autos pela Requerente e PA junto aos autos pela Requerida).

 

Com relevância para os autos, verifica-se a existência de prestações acessórias de capital que seguem o regime das prestações suplementares (cfr. Documento n.º 4 junto aos autos pela Requerente e PA junto aos autos pela Requerida).

 

Em resultado da referida acção inspectiva, a Requerente foi notificada, em 7 de Novembro de 2013, pela Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária e para, querendo, exercer o respectivo direito de audição prévia (cfr. Documento n.º 2 junto aos autos pela Requerente e PA junto aos autos pela Requerida).

 

Em 26 de Novembro de 2013, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia (cfr. Documento n.º 3 junto aos autos pela Requerente e PA junto aos autos pela Requerida).

 

Em 12 de Dezembro de 2013, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributária, por despacho de 10 de Dezembro de 2013 da qual consta a correcção do prejuízo fiscal apurado pela Requerente no montante de € 2.019.017,62, convertendo-o num lucro tributável de € 217.828,51 (cfr. Documento n.º 4 junto aos autos pela Requerente e PA junto aos autos pela Requerida).

 

A Requerente foi notificada, em 20 de Dezembro de 2013, da demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., da demonstração de liquidação de IRC n.º 2013 ... e da demonstração de liquidação de juros n.º 2013 ... (cfr. Documento n.º 1 junto aos autos pela Requerida), da qual consta um valor total a pagar de € 3.726,48, correspondente a € 3.267,43 de imposto em falta e € 459,05 de juros compensatórios.

 

A Requerente vem, ao abrigo do artigo 10.º do Regime da Arbitragem em Matéria Tributária e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, peticionar a anulação do acto tributário de liquidação n.º 2013 ..., com data limite de pagamento de 14 de Fevereiro de 2014, relativo ao IRC do exercício de 2009 (cfr. Documento n.º 1 junto aos autos pela Requerente).

 

A Requerente procedeu à apresentação de garantia, no valor de € 4.906,46, para suspensão do processo executivo instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa - …, para cobrança coerciva da dívida de imposto e juros compensatórios em causa nos autos, ao qual foi atribuído o n.º … (cfr. Documentos n.ºs 7 e 8 junto aos autos pela Requerente).

 

 

 

 

B) FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem mais factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

 

C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

 

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

 

 

4. QUESTÕES A DECIDIR

 

A Requerente pretende decisão sobre as seguintes questões:

 

  1. Os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares são ou não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais e são ou não indispensáveis para efeitos de dedutibilidade e enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC?
  2. Os “outros custos ou perdas financeiras”, para além dos juros, encontram-se abrangidos pela norma do n.º 2 do artigo 32.º do EBF?
  3. A Requerente tem direito a ser indemnizada pela prestação de garantia para suspensão de processo de execução fiscal, instaurado para cobrança coerciva da dívida emergente do acto de liquidação cuja legalidade se contesta nos presentes autos?

 

 

 

5. DO DIREITO

 

Cuidados os factos, vejamos agora o Direito.

 

 

Quanto à primeira questão a decidir, a saber, se os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares são ou não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais e são ou não indispensáveis para efeitos de dedutibilidade e enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC.

 

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, em vigor à data dos factos tributários ora sindicados “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

 

In casu, a Requerente é uma SGPS que suportou encargos financeiros para efectuar prestações acessórias com natureza de prestações suplementares. Se estas prestações se enquadrarem no conceito de “partes de capital”, a situação  será abrangida pelo regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, excluindo-se a sua dedução fiscal.

 

Conforme expressamente assumido pelas partes, a vexata quaestio é, então, determinar se o conceito de “partes de capital” integra apenas as participações sociais ou integra igualmente as prestações suplementares ou, no caso dos autos, as prestações acessórias que sigam o regime das prestações suplementares.

 

A definição do alcance de “partes de capital” foi já amplamente tratada nos processos que tramitaram no CAAD sob os n.ºs 9/2012-T, 69/2012-T, 12/2013-T, 24/2013-T e 39/2013-T, só para citar alguns, disponíveis em http://www.caad.org.pt/tributario/tributario-jurisprudencia cujas conclusões nas suas linhas essenciais este Tribunal adere.

 

O Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho) bem como a demais legislação fiscal não contêm a definição de “partes de capital” para efeitos tributários. Assim, verifica-se a necessidade de aplicação do disposto no art.º 11º da LGT, que consagra as regras de interpretação das normas tributárias.

 

Não obstante a inexistência da aludida definição em termos sistemáticos o legislador separa claramente o conceito de partes de capital do conceito de capital próprio no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, ao dizer que: A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

Ou seja, o legislador usa o conceito de capital próprio na exacta acepção comercial e contabilística, o que permite concluir que, atentos os elementos literal e sistemático, o conceito de “capital” na expressão “partes de capital” não é sinónimo de “capital próprio”, incluindo-se expressamente neste último as prestações suplementares e as prestações acessórias que sigam o regime das primeiras.

 

Por outro lado, a inexistência de uma definição fiscal de “partes de capital”, leva o intérprete -  em observância do já referido art.º 11º da LGT – a procurar essa definição  no direito comercial e no direito contabilístico, atentos, neste último caso, ao modelo de dependência parcial que se estabelece entre a contabilidade e o direito fiscal no apuramento do lucro tributável.

 

As prestações suplementares “são entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas, as quais não se incluem no capital social da sociedade” (LUÍS BRITO CORREIA, in Direito Comercial, 2.º vol., 1989, pág. 297).

 

No caso específico das sociedades anónimas, que corresponde ao estatuto jurídico da Requerente, os sócios conferiram às prestações acessórias a natureza de prestações suplementares e, em consequência, são-lhes aplicáveis as regras previstas nos artigos 210.º a 213.º do CSC.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 210.º, as prestações suplementares só podem ser exigidas aos sócios se estiverem previstas no pacto social que deverá fixar: (i) o montante global das prestações suplementares; (ii) os sócios que ficam obrigados a efectuar prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados e (iii) o critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados.

 

As limitações à restituição das prestações suplementares previstas no artigo 213.º constituem uma das características mais importantes – senão a mais relevante – deste instituto: as prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios quando se verifiquem as seguintes condições: (i) desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal; (ii) o sócio já tenha liberado a sua quota e (iii) não tenha sido declarada a insolvência da sociedade.

 

Este regime é claramente distinto da obrigação de entradas para o capital social (artigos 25.º a 30.º do CSC e regras especiais para as sociedades em nome colectivo – 176.º n.º 1, al. a), 178.º e 179.º; para as sociedades por quotas – 202.º a 208.º e para as sociedades anónimas – 277.º e 285.º e 286.º).

 

Em termos contabilísticos, as prestações suplementares integram, com outras rubricas - nomeadamente o capital social -, o denominado capital próprio da entidade - interesse residual nos ativos da empresa depois de se lhe deduzir todos os seus passivos (Cfr parágrafo 49.º da Estrutura Conceptual, Aviso n.º 15652/2009 in DR nº 173 – II Série, de 7 de Setembro).

 

No entanto, a agregação no capital próprio da rubrica de capital social, de prestações suplementares e acessórias não significa a uniformização da sua natureza. Em caso algum, o capital próprio e o capital social são sinónimos, até porque apenas o capital social é transmissível.

 

De todo o exposto, conclui-se que a aplicação do regime do artigo 32.º n.º 2 do EBF aos encargos financeiros suportados com prestações acessórias não tem suporte legal, uma vez que tais prestações não preenchem o conceito de partes de capital, sendo dedutíveis em termos fiscais.

 

Alega também a Requerida que os encargos financeiros com as prestações acessórias não são indispensáveis e não têm qualquer ligação com os seus proveitos, nos termos do disposto no artigo 23.º n.º 1 do CIRC.

 

A este respeito, diga-se que esta questão foi igualmente já objecto de tratamento jurisprudencial, quer nos tribunais administrativos e fiscais, quer nos tribunais arbitrais, podendo ser consultado, a esse respeito, o Acórdão proferido no processo 107/11 de 30/11/2011, disponível em www.dgsi.pt, que se reporta à questão da indispensabilidade de encargos financeiros suportados para a realização de financiamentos de sociedades participadas, bem como, a nível arbitral, recaindo já sobre esta vertente as decisões dos processos que tramitaram no CAAD sob os n.ºs 9/2012-T; 69/2012-T; 12/2013-T; 24/2013-T e 39/2013-T, disponíveis em http://www.caad.org.pt/tributario/tributario-jurisprudencia.

 

Da aprofundada análise da questão levada a cabo naqueles arestos arbitrais, resulta, desde logo, que, na esteira da decisão do STA acima citada, não se pode afirmar que os custos financeiros suportados com a realização de prestação suplementares ou prestações acessórias que sigam o regime das primeiras sejam, tout court, dispensáveis à manutenção da fonte produtiva.

 

Constituindo a gestão de participações sociais a actividade exercida pelo tipo societário -  SGPS – e a da Requerente nos autos, será face a este objecto social que se poderá aferir dos custos indispensáveis ou não para o desenvolvimento do seu desiderato.

 

Ora, a gestão destas sociedades envolve todas as operações de compra e venda das participações sociais, administração e operações de financiamento para o seu reforço ou valorização.

 

Como se refere no Acórdão do CAAD n.º 39/2013-T, “(…) o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.

Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de um participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada que regula a sua actividade.”

 

De igual modo, ANTÓNIO MARTINS defende que “os custos derivados do financiamento do activo produtor de rendimento devem também constituir encargos dedutíveis. Eles estão inequivocamente relacionados com a obtenção de proveitos tributáveis e, à luz do balanceamento entre proveitos e custos, não se entenderia que fossem fiscalmente desconsiderados.” (ANTÓNIO MARTINS, in “Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23.º do Código do IRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias”Revistas de Finanças Públicas e Direito Fiscal n.º 2, Ano I, p. 50).

 

 

Assim sendo, como é, parece claro que, estando em causa uma sociedade gestora de participações sociais, cuja actividade, pela própria natureza consiste na valorização das participações sociais por si detidas, a dotação de uma sociedade participada dos capitais próprios, ao permitir que esta melhor e mais eficientemente exerça a respectiva actividade, com o consequente aumento do lucro, é um acto idóneo à manutenção e valorização da fonte produtiva da sociedade gestora.

 

Aliás, numa situação em que a sociedade gestora, em função da sua posição no mercado financeiro relativamente à obtenção de crédito, seja susceptível de obtê-lo em condições mais vantajosas que a sociedade participada, a utilização de crédito obtido pela primeira em benefício da segunda será, manifestamente, uma decisão economicamente fundada, na medida em que os custos globais da operação e do grupo serão diminuídos.

 

Em suma e em face de todo o exposto, na medida em que a Requerida faz uma aplicação desconforme dos artigos 32.º/2 do EBF e 23.º do CIRC, haverá que anular a liquidação impugnada, procedendo, nessa parte, o pedido.

 

 

Quanto à segunda questão, a de se determinar se os “outros custos ou perdas financeiras”, para além dos juros, encontram-se abrangidos pela norma do n.º 2 do artigo 32.º do EBF e apesar de se considerar que a procedência do pedido quanto à invalidade em causa na liquidação em crise nos autos confere uma tutela segura e eficaz do interesse da Requerente nos autos, prejudicando, assim, o conhecimento desta questão, ainda assim entende o Tribunal pronunciar-se sucintamente sobre a mesma.

 

Considera a Requerida nas correcções efectuadas à Requerente que não foram por esta equacionados os restantes encargos de ordem financeira suportados com referência ao exercício de 2009 (o relevante nos autos) para além dos juros, no cômputo dos encargos financeiros sujeitos ao disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

 

Em concreto, no âmbito do Relatório de Inspecção Tributária, a Requerida alega que “o n.º 2 do artigo 32.º do EBF é claro quando se refere não apenas aos juros mas aos «(…) encargos financeiros suportados (…)»”.

 

Efectivamente, reconhece-se que a norma do artigo 32.º, n.º 2 do EBF não é clara quanto ao que se deve entender por encargos financeiros, pois o legislador não preencheu este conceito.

 

No entanto, entende o Tribunal que a ratio legis da norma em causa só encontra o seu sentido caso se interprete a mesma no sentido de excluir os custos que apresentem uma relação com as mais-valias não tributadas, ou seja, os custos que sejam inerentes à aquisição originária das participações sociais detidas, os juros, não parecendo fazer sentido que sejam abrangidos outros encargos que se revelem meramente acessórios e não conexos com a obtenção do rendimento não sujeito a IRC.

 

De facto, acompanhando-se a posição da Requerente, o legislador, aparentemente, entendeu que se deviam tratar de forma distinta duas realidades diferentes: por um lado, os gastos suportados directamente com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição de partes de capital (os juros); e, por outro lado, os gastos de natureza acessória relativamente aos mesmos empréstimos como, a título de exemplo, os gastos suportados com o pagamento de imposto do selo.

 

Neste mesmo sentido caminha a doutrina conhecida sobre esta temática.

 

Assim, RUI TEOTÓNIO DOMINGUES e CIDÁLIA MOTA LOPES, referem, relativamente ao regime de tributação do rendimento das SGPS[1], que “entende-se por encargos financeiros os juros suportados pelo endividamento directo das SGPS para a aquisição de partes sociais.”.

 

No mesmo sentido podemos ver MIGUEL PINTO DE MELO [2] quando diz que “A Lei não esclarece o conceito de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações. Em princípio, refere-se a juros suportados de empréstimos contraídos para aquisição de partes de capital em que obtiveram ganhos ou perdas na alienação.”.

 

E percebe-se o porquê desta exclusão, pois só este tipo de encargos financeiros apresenta uma relação directa e imediata com o rendimento não tributado, a mais-valia.

 

A decisão proferida no CAAD no âmbito do processo n.º 12/2013-T, que acompanhamos, pronunciou-se também no mesmo sentido, quando vem dizer que: “O legislador não quis que se cumulassem dois benefícios. A SGPS já vê as suas mais-valias de partes de capital estarem isentas de imposto; mas quando tal suceder, não pode cumular com o benefício de aceitação fiscal dos juros suportados com o financiamento para a aquisição dessas partes de capital.”.

 

E nem valerá a pena perder muito tempo com o disposto no artigo 23.º do CIRC, pois o mesmo é claro, basta lê-lo para imediatamente alcançar-se que este tipo de encargos é dedutível, só não o sendo, caso (à época dos factos tributários em causa) tal custo não fosse tido como indispensável à formação dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da Requerente, tese essa, que, como acima se viu, não merece acolhimento por parte deste Tribunal.

 

A Requerida invoca o Acórdão do STA proferido no processo n.º 0171/11, de 30/05/2012 para fundamentar a sua tese.

No entanto, este aresto encerra em si mesmo uma factualidade diversa da factualidade apurada nos presentes autos, desde logo porque nesse caso a aí recorrente dedicava-se à actividade imobiliária, não estando os encargos financeiros assumidos e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas directamente relacionadas com o seu objecto social que era o de compra e venda de bens imobiliários e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, como, de resto e bem, identificou e reconheceu o douto STA.

 

Em face de todo o supra exposto não colhe o entendimento adoptado pela Requerida no Relatório de Inspecção Tributário, segundo o qual se devem incluir todos os encargos suportados com a aquisição de partes de capital no cômputo dos encargos financeiros a sujeitar ao regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, procedendo também nesta parte a pretensão da Requerente.

 

 

Por fim, quanto ao pedido de indemnização pela prestação e manutenção da garantia destinada a suspender o processo de execução fiscal, convirá dizer que esta matéria foi objecto já de decisão no âmbito do processo arbitral do CAAD, n.º 1/2013-T, nos termos que ora se transcrevem e a cujas conclusões aderimos:

 

“De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

 

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

 

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

 

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços.

 

Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

 

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

“Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

                        1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

                        2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                        3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                        4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”.

 

No caso dos autos, é manifesto que o erro na emissão da liquidação adicional de imposto e juros compensatórios, consubstanciado na desconsideração dos encargos financeiros relativos à realização das prestações acessórias em causa nos autos, para efeitos da formação do lucro tributável da Requerente, é exclusivamente imputável à Requerida, porquanto a iniciativa da realização da inspecção tributária e a emissão da liquidação adicional ora impugnada apenas lhe cabem a ela.

 

Por isso, a Requerente tem direito a uma indemnização pela garantia prestada.

 

No entanto, considerando que não foram alegados e provados pela Requerente os encargos que suportou para prestar a garantia bancária, não pode este Tribunal determinar nestes autos a indemnização a que a Requerente tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução desta decisão arbitral.

 

 

 

6.         DECISÃO

 

            Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

 - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, e, em consequência:

 

a) declarar a ilegalidade  do acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e juros compensatórios n.º 2013 ... no valor de € 3.726,48, bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., do mesmo valor;

b) julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização pela garantia prestada, nos termos em que for liquidada em execução da presente decisão arbitral.

 

 

 

 

* * *

 

           

 

Fixa-se o valor do processo em Euro 3.726.48, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas, no valor de Euro 612,00, nos termos previstos no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, ficará exclusivamente a cargo da AT, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

           

Notifique-se.

 

            Lisboa, 16 de Janeiro de 2015

 

 

 

O Árbitro,

 

 

 

Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com versos em branco e revisto.

               

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



1 Domingues, Rui Teotónio e Lopes, Cidália M. Mota, in “O regime de tributação do rendimento das SGPS – estudo comparativo na União Europeia (II)in Revista n.º 99 de Junho de 2008, OTOC.

2 Pinto de Melo, Miguel, in “A tributação das Mais-Valias Realizadas na Transmissão Onerosa de Partes de Capital pelas SGPS” in Almedina, 2007.