Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 423/2014-T
Data da decisão: 2014-11-17  IRS  
Valor do pedido: € 30.624,89
Tema: IRS; mais-valias; reinvestimento; caducidade do direito de acção
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Decisão Arbitral [1]

 

Requerente – A…

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Agosto de 2014, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.             RELATÓRIO

 

1.1.    A… (doravante designado por “Requerente”), contribuinte nº …, residente na Rua …, nº …, R/C..., …-… Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 9 de Junho de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    O Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare:

 

1.2.1. “Anuladas as liquidações de IRS relativas ao ano de 2007, ou, caso assim não se     entenda e subsidiariamente, corrigir-se os valores das referidas liquidações, devendo considerar-se, quer o valor do reinvestimento, quer o valor da própria mais-valia, quer ainda o valor das despesas com a alienação”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida, em 16 de Junho de 2014.

 

1.4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

1.5.    Em 29 de Junho de 2014, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13 de Agosto de 2014.

 

1.7.    Em 1 de Outubro de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta, tendo suscitado as seguintes excepções:

 

1.7.1. Da impropriedade do meio e,

 

1.7.2. Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.8.    Adicionalmente, e ainda na Resposta apresentada, a Requerida defendeu-se por impugnação, arguindo:

 

1.8.1. A tempestividade da interposição do recurso hierárquico;

 

1.8.2. A ilegalidade das liquidações.

 

1.9         Nestes termos, conclui a Requerida pedindo que “devem ser julgadas procedentes, por provadas as excepções de incompetência material do Tribunal Arbitral e da intempestividade do pedido ou, caso assim não se entenda, ser a Entidade Requerida absolvida do pedido, julgando-se o presente processo arbitral improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados”.

 

1.10.   Em 14 de Outubro de 2014, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º, do RJAT, foi realizada a primeira reunião arbitral, no CAAD, da qual foi lavrada a corresponde acta.

 

1.11.   No âmbito desta reunião, tendo o mandatário do Requerente declarado preferir pronunciar-se por escrito relativamente às excepções invocadas pela Requerida, o Tribunal concedeu o prazo de 10 dias para esse efeito e fixou o dia 17 de Novembro de 2014 para a prolação da decisão interlocutória sobre a matéria de excepção.

 

1.12.   Na eventualidade do prosseguimento dos autos, os representantes da Requerente e da Requerida pronunciaram-se no sentido da realização de alegações de Direito por escrito, para as quais o Tribunal concedeu um prazo de 15 dias a contar da decisão interlocutória, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações do Requerente.

 

1.13.   No âmbito de reunião acima referida, e no caso do prosseguimento dos autos, após a prolação da decisão interlocutória, foi ainda designado o dia 13 de Janeiro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

1.14.   Em 27 de Outubro de 2014, o Requerente apresentou, por escrito, resposta às excepções deduzidas pela Requerida.

 

2.             CAUSA DE PEDIR

 

O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    Errada decisão sobre a tempestividade do recurso hierárquico

 

2.2.    Foi notificado em 11 de Março de 2014 do indeferimento do recurso hierárquico nº …2012…, apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa nº …2012…, que teve por objecto a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2007, “(…) com base na sua intempestividade (…)”, porquanto, “(…) alega a Administração Tributária, que o recurso hierárquico foi apresentado no último dia do prazo (12 de Dezembro de 2012), por fax, após o encerramento do serviço administrativo competente para o seu recebimento, o que conduz à sua extemporaneidade”.

 

2.3.    O Requerente não concorda com os argumentos do indeferimento do referido recurso hierárquico, com base na extemporaneidade, dado que “o facto de a telecópia (fax) ter sido expedida fora do horário normal da secretaria não tem qualquer relevância para efeitos de tempestividade, uma vez que, de acordo com o artigo 20º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279º do Código Civil”, ou seja, “(…) à meia-noite do último dia do prazo”.

 

2.4.    Neste sentido, o Requerente sustenta os seus argumentos, quer na Convenção Europeia para a Contagem de Prazos (assinada por Portugal em 20 de Novembro de 1979), quer em Acordãos (AC) do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) de 15/05/2013[2] e de 31/03/2004[3].

 

2.5.    Nesta matéria, cita o Requerente o AC TRC de 31/03/2004, nos termos do qual “só o acto processual que está dependente, implica e exige a intervenção da secretaria é que terá de ser praticado dentro do horário de funcionamento normal das secretarias (…)”.

 

2.6.    A errada decisão sobre a reclamação graciosa - a ilegalidade das liquidações

 

2.5.1. Da caducidade do direito à liquidação

 

2.7.    O Requerente apresentou, em 4 de Maio de 2012, reclamação graciosa das liquidações oficiosas nºs 2011…, 2011… e 2009…, no montante de EUR 30.624,89, respeitantes ao IRS de 2007.

 

2.8.  Nessa reclamação graciosa, o Requerente “pugnou pela caducidade do direito de liquidação e peticionou a correcção das referidas liquidações devido a erros ocorridos no preenchimento da declaração de rendimentos referente ao IRS de 2007 e devido à entrega tardia da declaração de rendimentos do ano de 2009, ano em que se concretizou o reinvestimento”.

 

2.9.    Contudo, a reclamação graciosa foi indeferida, por despacho de 16 de Agosto de 2012, dado que “entendeu o decisor da reclamação graciosa que o reclamante foi notificado das decisões dos actos tributários levados a cabo pelos serviços da administração fiscal (…) motivo pelo qual se afigura não assistir razão ao argumento a que recorre”.

 

2.10.  Não obstante, não concorda o Requerente com as referidas liquidações porquanto, em seu entender, “caducou o direito à liquidação” porquanto, alega o Requerente, “não recebeu qualquer notificação das liquidações de IRS de 2007 (…) até 31 de Dezembro de 2011, inclusive, (…) desconhecendo o teor dos documentos juntos (…) já que dos mesmos nunca teve (…) conhecimento”.

 

2.11.   Assim, conclui o Requerente, “não se pode nem se deve presumir a notificação do sujeito passivo nas datas referidas pelo despacho que indeferiu a pretensão do sujeito passivo”.

 

2.12.   Da não consideração do reinvestimento e despesas

 

2.12.1.       Erros no preenchimento da declaração de rendimentos referente ao IRS/2007;

2.12.2.       Entrega tardia da declaração de rendimentos de 2009, ano em que se concretizou o Reinvestimento.

 

2.13.   Neste âmbito, defende o Requerente que “alegou na reclamação graciosa que na declaração de IRS de 2007, enviada em 1 de Outubro de 2009, no respectivo anexo G, por lapso, os valores declarados como despesas e encargos no quadro 4, campo 401, estão incorrectos, sendo que o valor a considerar deverá ser de EUR 6.490,00 (…)”.

 

2.14.   Adicionalmente, continua o Requerente “foi ainda reclamado um erro no preenchimento do anexo G, quadro 5, campo 503, devendo ter constado o valor de EUR 76.693,91 e não EUR 0 (…) como por lapso sucedeu”, tendo ainda sido requerida a respectiva correcção “devido ao facto de não ter sido entregue a declaração de rendimentos referente ao ano de 2009, ano em que se concretizou o reinvestimento da parte da mais-valia obtida em 2007, sem recurso ao crédito, no montante de EUR 100.000, para aquisição de habitação própria e permanente (…)”.

 

2.15.   Assim, conclui o Requerente que “deveria ter sido atendida a reclamação graciosa nesta matéria”, pelo que, “nos termos do exposto (…) deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser considerado procedente por provado (…) e, em consequência, serem anuladas as liquidações de IRS em análise ou, caso assim não se entenda e subsidiariamente, corrigir-se os valores das referidas liquidações (…).

 

3.             RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando, em última instância, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, mas invocando também (e pela mesma ordem que a seguir se elencam), os seguintes pedidos:

 

3.1.1. “Serem julgadas procedentes, por provadas as excepções de incompetência material do Tribunal Arbitral e de intempestividade do pedido ou, caso assim não se entenda,

3.1.2. Ser a Requerida absolvida do pedido, julgando-se o presente processo arbitral improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados”.

 

3.2.    Com efeito, a Requerida na sua resposta, apresentou os seguintes argumentos:

 

POR EXCEPÇÃO

 

Da impropriedade do meio

 

3.3.    Neste âmbito, defende a Requerida a “impropriedade do meio” utilizado, porquanto, tendo “o recurso hierárquico sindicado nos presentes autos sido objecto de indeferimento liminar, com fundamento na sua intempestividade, tal decisão não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação do tributo, razão pela qual, o meio contencioso de a sindicar é, nos termos da alínea p) do nº 1 e nº 2 do artigo 97º do CPPT, o anteriormente denominado recurso contencioso (actual acção administrativa especial), previsto e regulado pelas normas do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA)”.

 

3.4.    Por outro lado, entende a Requerida que “as competências materialmente deferidas ao tribunal arbitral restringem-se apenas às expressamente elencadas nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT e nesse âmbito, não está elencados os actos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade de acto de liquidação de tributo”.

 

3.5.    Assim, “(…) só quando o acto de segundo grau incorpora a ilegalidade do acto de primeiro grau, por confirmação do acto de liquidação, é que o tribunal arbitral será materialmente competente para conhecer do mesmo”.

 

3.6.    Nestes termos, de acordo com o alegado pela Requerida, “não será a jurisdição arbitral competente para aferir da pretensão” do Requerente, “(…) razão pela qual deverá ser reconhecida a incompetência material do tribunal arbitral, e em consequência, ser a Requerida absolvida (…)”.

 

Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

3.7.    A Requerida entende que “o pedido omite (…) qualquer referência, quer ao pedido de anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico, quer ao indeferimento da reclamação graciosa (…)”.

 

3.8.    Assim, entende a Requerida que “ daqui resulta que o acto sindicado é tão-somente o acto de liquidação de IRS do ano de 2007, cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 09.01.2012”.

 

3.9.    “Sendo o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral definido nos termos do artigo 10º do RJAT, a sua formulação em 09.06.2014 denota a sua manifesta extemporaneidade”.

 

3.10.  Não obstante, continua a Requerida, “caso assim não se entenda e se conclua que do pedido formulado na petição, resulta um pedido de apreciação do despacho que recaiu sobre a reclamação graciosa, tendo este sido validamente notificado em 29.08.2012, igualmente será de concluir que a apresentação do pedido de pronúncia arbitral em 09.06.2014 se mostra ferida de intempestividade”.

 

3.11.  Nestes termos, conclui a Requerida, pela intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, “o que determinará a sua absolvição”.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

3.12.  Tempestividade da interposição do recurso hierárquico

 

3.13.  Nesta matéria, alega a Requerida que o Requerente se socorreu, na sua argumentação, “de jurisprudência dimanada dos tribunais comuns, visando por essa forma rebater a decisão de indeferimento liminar da petição de recurso hierárquico, por intempestividade”.

 

3.14.  Contudo, defende a Requerida que “não poderá (…) nem o Requerente, nem o Tribunal Arbitral, olvidar que em direito administrativo vigora um regime especial para a prática de actos administrativos” nos termos da qual “não é transponível para o contencioso gracioso a regra do cômputo do tempo até à meia-noite do dia em que findar o prazo (…), aplicável aos prazos judiciais por determinação expressa do artigo 296º do Código Civil, porque existe um corpo normativo específico do direito administrativo sobre contagem de prazos[4].

 

3.15.  Assim, entende a Requerida que “o acto não padece do vício que lhe é assacado, devendo assim ser mantido na ordem jurídica” porquanto “a fundamentação do despacho de indeferimento liminar ora sindicado acompanha esta jurisprudência (…)”.

 

3.16.   Ilegalidade das liquidações

 

3.17.   Nesta matéria, a Requerida alega que “esta questão não pode ser apreciada pelo Tribunal Arbitral atentos os argumentos apresentados na decisão final do procedimento de reclamação graciosa”, a saber:

 

3.17.1.       “Dos elementos documentais nada nos permite concluir pela existência de um reinvestimento do valor de realização para o ano em causa (…) nem ajuizar sobre os montantes a ter em consideração para efeitos de uma hipotética correcção em sede do anexo G das declarações de rendimentos (tardiamente) apresentadas pelo contribuinte, relativas aos anos de 2007 e 2009 (…)”.

3.17.2.       “Assim, no que tange quanto às alegações apresentadas quanto à não concordância com as correcções apresentadas, o reclamante não apresenta qualquer documento que prove o alegado”.

3.17.3.       “Em suma, quanto aos argumentos que servem de alegações por parte do ora reclamante, conclui-se (…) que por força do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT) o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos (…) recai sobre quem os invoca pelo que, neste contexto, cabia ao reclamante apresentar elementos de prova que permitissem comprovar o alegado” o que “todavia não o fez”.

 

4.             RESPOSTA DO REQUERENTE ÀS EXCEPÇÕES DEDUZIDAS PELA REQUERIDA

 

Da impropriedade do meio

 

4.1.    O Requerente em resposta a esta excepção veio alegar que “não tem razão a Autoridade Tributária” quando invoca a incompetência material do tribunal arbitral, porquanto, “o recurso hierárquico foi interposto da decisão da reclamação graciosa que apreciou a legalidade do acto de liquidação do tributo e, assim sendo, como é do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento de reclamação graciosa que aprecie a ilegalidade do acto de liquidação cabe impugnação judicial e não recurso contencioso (…), nos termos do artigo 97º nº 1, alíneas d) e p) do CPPT”.

 

4.2.    Assim, continua o Requerente, “o pedido de constituição de tribunal arbitral pode ser apresentado no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão do recurso hierárquico, nos termos do artigo 10º nº 1, alínea a) do RJAT”.

 

4.3.    Por outro lado, alega o Requerente que é a própria Requerida que “no Ofício remetido ao Requerente relativo à decisão de indeferimento do recurso hierárquico que refere que (…) o sujeito passivo pode, no prazo de três meses, a contar da data da assinatura do aviso de recepção, apresentar impugnação judicial contra aquela decisão, nos termos previstos nos artigo 99º e seguintes do CPPT”.

 

4.4.    Nestes termos, conclui o Requerente quanto a esta excepção que “(…) do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento de reclamação graciosa que aprecie a legalidade do acto de liquidação, estando em causa a declaração de ilegalidade de actos de liquidação, bem como das decisões administrativas que comportaram a apreciação desses actos de liquidação, cabe impugnação judicial, pelo que se verifica a competência do tribunal arbitral em conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT (…)”.

 

Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

4.5.    Neste âmbito, entende o Requerente que “uma vez mais, não assiste razão à Requerida” porquanto, “no caso em apreço, tem aplicação o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, tendo o contribuinte a faculdade de pedir a constituição do tribunal arbitral no prazo de 90 dias, contados da notificação da decisão do recurso hierárquico”.

 

4.6.    Assim, “tendo a notificação da decisão do recurso hierárquico ocorrido a 11.03.2014, os 90 dias previstos neste artigo terminavam a 9.06.2014, data em que foi submetido o pedido de constituição do tribunal arbitral pelo Requerente”.

 

4.7.    O Requerente veio também, na resposta apresentada, comentar os argumentos invocados “por impugnação” (quanto à tempestividade da interposição do recurso hierárquico e quanto à ilegalidade das liquidações), pela Requerida na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, os quais não vão ser aqui tidos em consideração pelo tribunal pois não assistia ao Requerente, nesta fase do processo, qualquer direito de “contra-resposta” nessa matéria, mas tão-somente de resposta às excepções deduzidas pela Requerida, conforme ficou definido na reunião havida em 14 de Outubro de 2014[5].

 

5.       APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES PRÉVIAS

 

5.1.    De acordo com o disposto no artigo 608º do CPC em vigor, aplicável por força do disposto no artigo 22º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).

 

5.2.    Nestes termos, tendo em consideração as questões prévias suscitadas pela Requerida, torna-se necessário apreciar e decidir previamente, no presente processo arbitral, as seguintes questões:

 

5.2.1. Da impropriedade do meio utilizado pelo Requerente, porquanto, segundo a Requerida, “o recurso hierárquico sindicado neste processo foi objecto de indeferimento liminar, com fundamento na sua intempestividade” pelo que, defende a Requerida, “tal decisão não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação do tributo” e, por isso, “a sindicância jurisdicional daquele acto (…) encontra-se subtraída à competência dos tribunais arbitrais” (sublinhado nosso).

5.2.2. Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, porquanto, segundo a Requerida, “o presente pedido de pronúncia arbitral (…) omite (…) qualquer referência, quer ao pedido de anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico, quer ao indeferimento da reclamação graciosa, (…) daqui resultando que o acto sindicado é tão-somente o acto de liquidação de IRS do ano de 2007, cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 09 de Janeiro de 2012” (sublinhado nosso).

5.2.3. Assim sendo, defende a Requerida que a apresentação em 09 de Junho de 2014 de pedido de pronúncia arbitral, definido nos termos do artigo 10º do RJAT, denota a sua manifesta extemporaneidade.

5.2.4. Caso assim não se entenda, continua a Requerida, “e se conclua que do pedido formulado na petição, resulta um pedido de apreciação do despacho que recaiu sobre a reclamação graciosa, tendo este sido validamente notificado em 29 de Agosto de 2012, igualmente será de concluir que a apresentação do pedido de pronúncia arbitral em 09 de Junho de 2014 se mostra ferida de intempestividade” (sublinhado nosso).

 

5.3.    Em qualquer das hipóteses (5.2.2.a 5.2.4.), entende a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral será intempestivo, o que determinará a sua absolvição.

 

Da impropriedade do meio utilizado

 

5.4.    Coloca-se a questão de saber se procede a questão prévia alegada pela Requerida, da “impropriedade do meio” processual utilizado pelo Requerente quanto ao recurso ao Tribunal Arbitral para conhecer da ilegalidade do acto de indeferimento liminar do recurso hierárquico interposto pelo Requerente, em consequência do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa.

 

5.5.    O artigo 2º do RJAT fixa quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral, encontrando-se entre as competências aí definidas “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos” (abrangida pela alínea daquele artigo).

 

5.6.    O âmbito de aplicabilidade do enunciado “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, utilizada na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, não restringe a jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto daquela natureza.

 

5.7.    Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

 

5.8.    Assim, “a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos, elencados no artigo 2º do RJAT, é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau (…) resulta com segurança da referência que naquela norma é feita”, nomeadamente, aos actos de liquidação de tributos, “que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais[6] (sublinhado nosso).

 

5.9.    Nestes termos, podemos assim concluir que, o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo.

 

5.10.  A questão é, agora, a de saber se se inclui, nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, declarar a ilegalidade de actos de liquidação quando essa ilegalidade não foi apreciada pelo acto que se visa sindicar (i.e., no caso em análise, o acto que indeferiu liminarmente o recurso hierárquico interposto pelo Requerente).

 

5.11.  Não obstante o artigo 2º do RJAT (“ a competência dos tribunais arbitrais”) não incluir expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento liminar de recurso hierárquico, o facto de a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT fazer referência aos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial (incluindo o recurso hierárquico), deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles nºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados no já citado artigo 2º do RJAT (sublinhado nosso).

 

5.12.  No que diz respeito ao acto de indeferimento liminar de recurso hierárquico, aquele constitui um acto administrativo, face à definição dada pelo artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2º, alínea d), da LGT, artigo 2º, alínea d), do CPPT e artigo 29º, nº 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

5.13.  Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.

 

5.14.  Nestes termos, um acto de indeferimento liminar de recurso hierárquico constitui um “acto administrativo em matéria tributária”.

 

5.15.  Da análise do disposto nas alíneas d) e p) do nº 1 e do nº 2 do artigo 97º do CPPT, infere-se a regra de que a impugnação de actos administrativos em matéria tributária pode ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191º do CPTA), conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação (sublinhado nosso).

 

5.16.  Assim, face ao critério acima enunciado, os actos proferidos em procedimentos de indeferimento liminar de recurso hierárquico de actos de liquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação (sublinhado nosso).

 

5.17.  Se o acto de indeferimento liminar de recurso hierárquico de acto de liquidação não comportar a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial (sublinhado nosso).

 

5.18.  A preocupação legislativa em afastar, das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta também, e com clareza, do disposto na Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2010 (Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril), nos termos da qual, de acordo com a alínea a) do nº 4 do artigo 124º, entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário encontram-se “(…) os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação (…)” (sublinhado nosso).

 

5.19.  Esta especificação apenas se pode justificar por ter havido uma intenção legislativa no sentido de se excluir, dos objectos possíveis do processo arbitral, a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação (sublinhado nosso).

 

5.20.  Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo do acto de indeferimento liminar do recurso hierárquico interposto depende da análise desse acto de indeferimento.

 

5.21.  Com efeito, de acordo com as diversas informações constantes do Processo Administrativo junto aos Autos pela Requerida, nomeadamente, o teor do despacho de 14 de Fevereiro de 2014, da Senhora Directora de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS) (exarado na informação nº …/14), oportunamente notificado ao Requerente, na apreciação efectuada que culminou com o indeferimento liminar do recurso hierárquico apenas foi tida em conta a questão da sua intempestividade e não qualquer questão relativa à apreciação da legalidade dos actos de liquidação subjacentes (sublinhado nosso).

 

5.22.  Na verdade, já no projecto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico em análise (Ofício nº …, de 7 de Agosto de 2013, da DSIRS) veio a ora Requerida alegar a extemporaneidade daquele recurso tendo por base o facto “(…) da petição de recurso ter sido apresentada através de fax remetido no último dia do prazo, às 23:51 (…)”.

 

5.23.  Posteriormente, e já em sede de decisão final de apreciação do referido recurso hierárquico, veio a ora Requerida alegar que “o projecto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico teve por base o entendimento sancionado pelos Serviços da Administração Tributária (cfr. Informação nº …/12, Processo …/11, da Direcção de Serviços da Justiça Tributária, sancionado por despacho do Subdirector-Geral de 27.07.2012) quanto ao momento para a prático dos actos

 

5.24.  Deste modo, fundamentou a ora Requerida que “as regras dos requerimentos no procedimento administrativo encontram-se previstas nos artigos 77º, 78º e 79º do CPA, as quais se aplicam supletivamente ao CPPT, por força do disposto no artigo 2º, alínea d) do mesmo diploma” pelo que, “embora à contagem dos prazos previstos no procedimento tributário (…) se aplique a forma de contagem previsto no artigo 279º do Código Civil (…) no caso de envio de correspondência por telecópia (…), é de aplicar o artigo 77º e seguintes do CPAmotivo pelo qual as petições assim entregues “apenas se consideram recebidas dentro do horário normal de funcionamento dos serviços (…)

 

5.25.  Assim, dado que os serviços tributários já se encontravam encerrados aquando do envio do recurso hierárquico através de telecópia, o mesmo considerou-se apresentado “no dia útil seguinte (…)”, razão pela qual aquele recurso foi considerado extemporâneo.

 

5.26.  Face à apreciação que foi efectuada pela ora Requerida (acima citada de forma resumida), entende o Tribunal que, no acto de indeferimento do recurso hierárquico, estamos perante um acto administrativo que não comporta (porque não a inclui) a apreciação da legalidade de um acto de liquidação de imposto.

 

5.27.  Assim sendo, o processo adequado, face ao acima exposto, é o da acção administrativa especial[7].

 

5.28.  Neste âmbito, a jurisprudência tem corroborado o acima apresentado, no sentido que:

 

5.28.1.   O meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação é a acção administrativa especial se nessa decisão não tiver sido apreciada a legalidade do acto de liquidação (sublinhado nosso)[8];

5.28.2.   O meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação é o processo de impugnação judicial se nessa decisão tiver sido apreciada a legalidade do acto de liquidação (sublinhado nosso)[9].

 

5.29.  Dado que, no presente caso, “subjacente ao recurso hierárquico não se discutiu os vícios assacados ao procedimento e ao acto de liquidação, mas tão só da tempestividade do recurso hierárquico, o meio processual próprio, face ao disposto no artigo 97º, nº1, alínea p) e nº2 do CPPT, para reagir judicialmente contra a decisão nele proferida, é a actual acção administrativa especial” (sublinhado nosso)[10].

 

5.30   Ainda quanto a esta matéria, como salienta Jorge Lopes de Sousa[11], nos comentários ao disposto no artigo 97º do CPPT, “resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação de um acto de liquidação [acto de indeferimento (…) de recurso hierárquico interposto da decisão que aprecie a reclamação graciosa] o meio adequado é o processo de impugnação (…) se o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidaçãoSe no acto praticado (…) não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento [como a intempestividade (…)], o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n° 2 deste artigo 97°, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação.  Embora não seja usual a determinação do meio judicial adequado através do conteúdo do acto e não da sua natureza ou do procedimento administrativo ou tributário em que ele foi proferido, é claro que a alínea d) do n° 1 e o n° 2 deste artigo 97° fazem depender a opção pela impugnação ou pela acção administrativa especial (recurso contencioso) do conteúdo do acto e não de qualquer outro factor” (sublinhado nosso)[12].

 

5.31.  Nestes termos, face à análise efectuada, no que diz respeito à excepção em análise, de que “é impróprio o meio utilizado pelo Requerente para pedir a revisão do acto que indeferiu liminarmente o recurso hierárquico, com fundamento na sua intempestividade”, entende-se que esta excepção procede, porquanto com a necessidade de adopção da acção administrativa especial (e impossibilidade de convolação do processo de impugnação adoptado), se está perante matéria excluída das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo este tribunal incompetente para conhecer aquele pedido de revisão do acto que indeferiu liminarmente o recurso hierárquico.

 

Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

5.32.  Preliminarmente, refira-se que, apesar de ter procedido a excepção da incompetência do CAAD para conhecer do pedido de revisão do acto que indeferiu liminarmente o recurso hierárquico apresentado pelo Requerente, tendo em consideração que esta excepção apenas diz respeito a este acto, será também aqui apreciada a excepção deduzida pela Requerida quanto à alegada intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, pois tendo em conta que nele também está implícito o pedido de sindicância do acto de indeferimento da reclamação graciosa, como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de IRS objecto do pedido de pronúncia, da apreciação do mérito desta excepção dependerá a continuidade do procedimento arbitral.

 

5.33.  Nos termos do disposto no n° l do artigo 102° do CPPT, o prazo (geral) de dedução da impugnação judicial é de 90 dias contados dos factos enumerados naquele artigo, sendo tal prazo de 15 dias (prazo especial), em caso de indeferimento de reclamação graciosa, a contar da notificação da decisão.

 

5.34.  Em termos gerais, os prazos para a propositura de acções são:

a)       Prazos substantivos, de caducidade, e integram a própria relação jurídica material controvertida, visando determinar o período para o exercício de um direito e;

b)      Prazos peremptórios, pois o seu decurso extingue o próprio direito.

 

5.35.  Assim, antes de uma acção dar entrada, independentemente da natureza dos tribunais a recorrer para a propositura da mesma, ainda não há processo, não havendo prazos judiciais ou processuais antes de haver processo.

 

5.36.  Em qualquer dos casos previstos no ponto 5.34., supra, trata-se de um prazo substantivo, contando-se nos termos previstos no artigo 279° do Código Civil (por remissão do artigo 20º do CPPT), ou seja, de forma contínua, não se suspendendo no período de férias judiciais[13].

 

5.37.  Conforme refere Jorge Lopes de Sousa, nas anotações ao artigo 102º do CPPT, “não se prevendo neste artigo qualquer prazo especial para a impugnação judicial de decisão proferida em recurso hierárquico, o prazo adequado será o de 90 dias previsto na alínea e) do nº 1 daquele artigo[14].

 

5.38.  Assim, estando o prazo especial de impugnação previsto apenas para a decisão de indeferimento de reclamação graciosa, e não também para a impugnação da subsequente decisão de indeferimento de recurso hierárquico, será apenas àquela decisão e não a esta que aquele prazo mais curto é aplicável[15].

 

5.39.  Consequentemente, a decisão do recurso hierárquico que comporte a apreciação da legalidade de acto de liquidação (…) engloba-se na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º, pelo que lhe é aplicável o prazo de 90 dias a contar da respectiva notificação[16][17].

 

5.40.  No âmbito do regime da arbitragem tributária, o artigo 10º, nº 1, do RJAT estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado:

 

5.40.1.   “No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico” e,

5.40.2.   “No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos na alínea b) do artigo 2º, nos restantes casos”.

 

5.41.  Nesta matéria, saliente-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.

 

5.42.  E, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do CPA e do Código do Processo Civil (CPC).

 

5.43.  Tendo em consideração o já analisado a propósito da excepção invocada pela Requerida quanto à “impropriedade do meio utilizado” pela Requerente para sindicar o acto de indeferimento liminar do recurso hierárquico (vide supra, ponto 5. 4.a ponto 5.31.), entendemos que, na situação em análise, a contagem do mencionado prazo de 90 dias (vide ponto 5.40., supra) se deveria iniciar a partir, não da notificação daquele despacho de indeferimento liminar (uma vez que este não comportou qualquer análise da legalidade das liquidações de IRS relativas ao ano de 2007 e, por isso, não daria origem à contagem de prazo para efeitos de apresentação de pedido arbitral, conforme já demonstrado), mas deveria iniciar-se a contagem daquele prazo a partir da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (porquanto esse despacho se pronunciou sobre a legalidade das liquidações acima referidas).

 

5.44.  Nestes termos, o pedido de constituição do tribunal arbitral tinha de ser submetido, no prazo máximo de 90 dias a contar da data da notificação da decisão da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, ou seja, até ao dia 27 de Novembro de 2012 (tendo em consideração a notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa a 29 de Agosto de 2012) o que não sucedeu, tendo aquele pedido de constituição do tribunal arbitral dado entrada no CAAD no dia 9 de Junho de 2014, ou seja, após o decurso do prazo legal para o fazer.

 

5.45.  Sendo o prazo de dedução do pedido um prazo de caducidade peremptório (artigos 298°, n° 2, 330°, n° 1, e 333°, n° 1, todos do Código Civil), consubstancia-se numa excepção peremptória[18][19][20], de tipo impeditivo do exercício do respectivo direito.

5.46.  Sendo impeditiva do exercício do respectivo direito [artigos 576°, n° 3 e 579° do CPC, aqui aplicável ex vi alínea e) do artigo 2° do CPPT], a intempestividade decorrente daquela excepção peremptória tem como consequência a extinção do direito de praticar o acto (artigos 298º, nº 2 e 333º nº 1 do CC e nº 3 do artigo 139º do CPC), traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, o que implica a absolvição da Requerida quanto ao pedido de sindicância (implícito no pedido de pronúncia arbitral) do acto de indeferimento da reclamação graciosa respeitante às liquidações de IRS (artigo 576º, nº 3 do CPC)[21].

 

6.             DECISÃO

 

6.1.       Nestes termos, face ao exposto no capítulo anterior, quanto à apreciação das excepções deduzidas pela Requerida, e tendo em consideração a procedência de ambas as excepções, a decisão interlocutória aqui proferida terá a natureza de decisão final deste processo, ficando sem efeito os termos subsequentes pré-definidos sob condição, na reunião havida no CAAD, em 14 de Outubro de 2014[22], e na qual estiveram presentes os mandatários de ambas as Partes.

 

6.2.       Por outro lado, de harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.3.       Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC em vigor).

 

6.4.       No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas ao Requerente.

 

6.5.       Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

6.5.1. Julgar procedente a excepção da impropriedade do meio utilizado, porquanto se reconhece a incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar o despacho de indeferimento do recurso hierárquico e, em consequência, absolver a Requerida da instância nesta matéria.

6.5.2. Julgar procedente a excepção da intempestividade do pedido de revisão do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e, em consequência, absolvendo a Requerida do pedido de anulação da liquidações de IRS objecto do pedido de pronuncia arbitral.

6.5.3. Condenar o Requerente no pagamento das custas do presente processo.

*****

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC em vigor e 97º-A, nº 1 do CPPT, bem como no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor EUR 30.624,89.

 

Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em EUR 1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente, conforme disposto no artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Novembro de 2014

 

O Árbitro

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

[2] AC TRC Processo 1660/11.2TBNC.C1 de 15.05.2013

[3] AC TRC Processo 508/0404 de 31.03.2004

[4] Vide AC TCAS Processo 09623/2013 de 21 de Março de 2013.

[5] E da qual se lavrou a respectiva acta, arquivada neste processo.

[6] Neste sentido, vide Decisão Arbitral do CAAD P65/2012-T (adaptado)

[7] Neste âmbito, vide nomeadamente AC TCAS Processo 06254/12 de 5 de Março de 2013 e AC STA de 25 de Junho de 2009 (Processo nº 0194), naquele citado.

[8] Neste âmbito, cite-se, nomeadamente, o AC STA de 20 de Maio de 2003 (Processo nº 638/03), o AC STA de 8 de Outubro de 2003 (Processo nº 870/03), o AC STA de 6 de Novembro de 2008 (Processo nº 357/08).

[9] Neste âmbito, cite-se nomeadamente, o AC STA de 19 de Fevereiro de 2003 (Processo nº 1461/02), o AC STA de 29 de Fevereiro de 2012 (Processo nº 441/11) e o AC STA Processo 0747/12 de 24 de Outubro de 2012.

[10] Vide AC TCAN Processo 00334/05.8BEVIS de 28 de Junho de 2012.

[11] Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 18 a) ao artigo 97º, páginas 53 e 54.

[12] Neste sentido, cita também Jorge Lopes de Sousa, nomeadamente, o AC STA Processo 0441/11 de 29 de Fevereiro de 2012 e o AC STA Processo 01461/02 de 19 de Fevereiro de 2003, quanto a esta posição.

[13] Neste âmbito, vide nomeadamente, AC STA Processo 01038/12 de 28 de Novembro de 2012, AC STA Processo 0677/10 de 7 de Setembro de 2011 e AC STA Processo 01922/13 de 5 de Fevereiro de 2014.

[14] Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 7 c) ao artigo 102º, página 152.

[15] Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 7 c) ao artigo 102º, página 153.

[16] Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 7 c) ao artigo 102º, página 153.

[17] Quanto aos prazos, vide AC TCAS Processo 02435/08 de 29 de Setembro de 2009.

[18] Neste sentido, vide AC STA 340/13 de 20 de Maio de 2013, nos termos do qual se escreve que “a caducidade do direito de acção, uma vez que obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, constitui uma excepção peremptória. Na verdade, a caducidade do direito de acção configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que o autor invoca como já validamente constituído e, desta perspectiva, integra o domínio das excepções peremptórias que «são as que se traduzem na invocação de factos ou causa impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção (…)»”.

[19] Neste sentido, MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, páginas 130/131, citado no AC STA Processo 340/13 de 20 de Maio de 2013.

[20] No AC STA Processo 340/13, mencionado nas notas anteriores, é referido que “(…) no CPTA, mais concretamente no artigo 89º, nº 1, alínea h), no âmbito da acção administrativa especial, a caducidade do direito de acção foi qualificada como excepção dilatória.  Aí parecer ter-se optado por um enquadramento algo diverso da questão (…) encarando a caducidade como facto preclusivo, ainda que fundado em razões de direito substantivo, «cujo efeito é o de precludir toda a indagação sobre a situação jurídica controvertida, dispensando averiguar da sua existência [posto que] invocada a caducidade o direito a ele sujeito não pode mais ser exercido, o que torna inútil a discussão sobre a sua existência anterior» (LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2.ª ed., Coimbra Editora, página 333 e seguintes). Ora, o efeito característico das excepções dilatórias é, precisamente, o de obstar a que o tribunal conheça do fundo da causa, obrigatoriamente limitando a actividade jurisdicional ao conhecimento da excepção, que é o que sucede no caso da caducidade do direito de acção, em que o tribunal se limita a certificar, face aos factos pertinentes (invocados pelo réu ou conhecidos oficiosamente), que está precludido o conhecimento do direito invocado pelo autor, daí que a decisão possa considerar-se meramente de forma, porque não extravasa do plano processual da intempestividade da acção, tendo como efeito a absolvição da instância.

Do ponto de vista dos resultados práticos, esta diversidade de opções doutrinárias não terá repercussões pois em ambas o tribunal não prossegue com a apreciação do mérito da causa (…). No caso sub judice, porque a lei subsidiariamente aplicável é o CPC, entendemos que o efeito jurídico será a absolvição do pedido (…)”.

[21] Vide AC STA 01038/12 de 28 de Novembro de 2012.

[22] E da qual se lavrou a respectiva acta, arquivada neste processo.