Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 444/2014-T
Data da decisão: 2014-11-22  Selo  
Valor do pedido: € 48.301,74
Tema: Imposto do Selo - Terrenos para construção - Verba 28 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 444/2014-T

Tema: Imposto do Selo - Terrenos para construção - Verba 28 da TGIS

 

 

AS PARTES

 

Requerente:  «A - Sociedade de Investimentos Imobiliários, S. A.», NIPC …, com sede social na R. … Lisboa

Requerida:    Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema:            Terrenos para construção - Imposto do Selo - Verba 28 da TGIS

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I -      Objecto do pedido e tramitação processual

Em 24 de Junho de 2014, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, requerendo:

i)          A declaração de ilegalidade de dois actos tributários de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2013 (n.º 2014… e n.º 2014…); e

ii)        Indemnização pelos custos decorrentes da emissão de garantia bancária, a qual foi apresentada para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal.

As referidas notas de liquidação de imposto respeitam a dois prédios urbanos, descritos nas respectivas cadernetas prediais como “terrenos para construção” (… e …, ambos da freguesia do …, Lisboa).

 

O Imposto do Selo incide, nos termos da verba 28.1 da respectiva Tabela Geral, sobre “prédios urbanos com afectação habitacional” cujo “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a 1.000.000 €”. A norma de incidência subjectiva faz recair o imposto sobre o proprietário, usufrutuário ou superficiário (à data de 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeitar).

 

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico (n.º 1 do artigo 6.º do RJAT) foi designado como árbitro único o signatário. O tribunal arbitral foi constituído em 27 de Agosto de 2014.

 

A Administração Tributária e Aduaneira (doravante a designar, abreviadamente, por AT) apresentou a sua Resposta em 17 de Outubro. Adicionalmente, a AT requereu a dispensa da primeira reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, atenta a ausência de excepções e estabilidade da matéria de facto e respectivos elementos probatórios.

 

Notificada para o efeito, a Requerente manifestou a sua concordância com a dispensa da reunião arbitral.

 

Tendo em conta a posição manifestada pelas Partes, o tribunal decidiu dispensar quaisquer outras formalidades e proferir decisão até 21 de Novembro.

As partes gozam de capacidade e legitimidade jurídicas.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não padece de qualquer nulidade. Não foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

II -    Enquadramento fáctico e síntese dos fundamentos de direito alegados pelas partes

a)        A Requerente é proprietária de dois terrenos para construção (sitos em Lisboa, na freguesia do …), os quais configuram prédios urbanos na acepção do Código do IMI;

b)        Em Setembro de 2006 os prédios urbanos foram avaliados nos termos do regime de avaliação previsto no Código do IMI. Em ambos os casos foi determinado um valor patrimonial tributário superior a 1.000.000 €;

c)        A actualização trienal dos valores patrimoniais tributários levou a que os mesmos se encontrassem, a 31 de Dezembro de 2013, fixados em 3.295.514,62 € (…) e 4.522.972, 95 € (…);

d)       A AT emitiu notas de liquidação do Imposto do Selo, ao abrigo da verba 28.1 da correspondente Tabela Geral, nos valores de 32.955,15 € (…) e 45.229,73 € (…);

e)        O pagamento do imposto é, por remissão para o Código do IMI, fraccionado em 3 momentos, devendo realizar-se nos meses de Abril, Julho e Novembro;

f)         A Requerente juntou cópia das cadernetas prediais (emitidas em Março 2014) e liquidação do Imposto do Selo, a qual inclui o documento de pagamento da primeira parcela (Abril 2014);

g)        A Requerente não realizou o pagamento das referidas notas de liquidação;

h)        Para suspender a cobrança coerciva da dívida em sede de execução fiscal, a Requerente apresentou uma garantia bancária à primeira solicitação, no valor de 32.577,64 €.

Estes factos mostram-se provados, conforme documentação anexa ao pedido de pronúncia arbitral. A AT não contestou a matéria de facto. Não subsistem factos controvertidos ou por provar.

 

 

 

A Requerente sustenta que:

·           As liquidações de Imposto do Selo emitidas em 2014 (referentes ao exercício de 2013) padecem do vício de violação da lei, dada a sua incompatibilidade com a verba 28 da TGIS;

·           A verba 28 condiciona a exigibilidade do Imposto do Selo (facto tributário) à verificação cumulativa de 3 requisitos: a propriedade, usufruto ou direito de superfície de um prédio urbano, cujo valor patrimonial seja igual ou superior a 1.000.000 € e que o mesmo possua “afectação habitacional”;

·           Este último requisito não se encontra preenchido, pelo que inexiste qualquer facto tributário;

·           Tanto o Código do Imposto do Selo como a respectiva Tabela Geral não definem o conceito de prédio urbano com “afectação habitacional”. Pelo que este conceito deverá ser procurado no Código do IMI, o qual constitui direito subsidiário (n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo);

·           O artigo 6.º do Código do IMI classifica os prédios urbanos em “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros”;

·           Pelo que um terreno para construção configura uma espécie autónoma de prédio urbano. Não constitui um prédio urbano “habitacional”;

·           A referência à afectação de um prédio urbano surge de forma restrita, como uma das variáveis de determinação do valor patrimonial de um dado prédio. Ou seja, o coeficiente de afectação surge - enquanto regra de quantificação da base tributável do IMI - após a categorização do prédio;

·           Em suma, a espécie de prédio urbano precede a subsequente aplicação das regras de determinação do seu valor patrimonial, pelo que estas, por se encontrarem a jusante, em nada alteram a prévia categorização do prédio urbano;

·           Um prédio urbano habitacional será aquele que como tal foi edificado. Ou que para tal haja sido licenciado nos termos do Regime Jurídico das Edificações Urbanas;

·           Uma dada edificação pode incluir diferentes espécies de prédios urbanos, o que relevará no âmbito da subsequente determinação do valor patrimonial;

·           Um terreno para construção, como próprio nome e conceito indicam, não possui qualquer edificação que permita aferir da respectiva afectação (real, constante de licença ou por referência ao destino normal);

·           Pelo que não existe afectação sem edificação;

·           Uma parte relevante de um terreno para construção (que pode levar à superação do limite de 1.000.000 €) resulta do terreno adjacente à construção. O qual, uma vez concluída a construção, não terá a mesma afectação habitacional;

·           O espírito do legislador coincide com a letra da lei, ao não permitir que um terreno para construção seja passível de qualquer afectação habitacional ou outra;

·           São invocadas decisões arbitrais do CAAD e sentenças do Supremo Tribunal Administrativo, as quais confluem no entendimento de subtrair os terrenos para construção à norma de incidência constante da verba 28 da TGIS;

·           Por fim, o Imposto do Selo constitui um imposto sobre a riqueza patrimonial de um dado sujeito passivo. A empresa detentora de um prédio urbano pretende a sua afectação a venda ou construção;

·           A mera detenção de um terreno para construção em nada revela quanto à capacidade contributiva desse sujeito passivo. Porquanto o terreno é detido como mero instrumento produtivo. Pelo que a sua tributação em sede de Imposto do Selo violaria a Constituição, por desrespeito para com a natureza do tributo;

·           E voltaria a violar o princípio da igualdade contido no comando constitucional, na medida em que o Imposto do Selo não incidiria sobre os instrumentos produtivos detidos por outras empresas.

Na sua resposta, a AT alega que:

·           A definição dos conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional consta do Código do IMI, por remissão do Código do Imposto do Selo. O mesmo é válido para as matérias não reguladas no Código do Imposto do Selo e respeitantes à verba 28;

·           A noção de afectação do prédio urbano encontra-se prevista nas regras de avaliação dos imóveis. À avaliação dos terrenos para construção é aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do Código do IMI;

·           O modelo de avaliação dos terrenos para construção é análogo ao dos edifícios construídos. Cita sentença do TCA Sul, na qual se conclui que o legislador pretendeu estender aos terrenos para construção a metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral. O que inclui a aplicação do coeficiente de afectação;

·           Existe uma harmonia hermenêutica no teor literal da verba 28 da Tabela Geral, na medida em que o alcance e sentido desta norma devem ser procurados no Código do IMI. O qual subsume ao conceito de afectação habitacional as diferentes espécies de prédio urbano. Categoria esta, que inclui quer os prédios edificados quer os terrenos para construção com potencial construtivo;

·           Para mais, quando o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas inclui, necessariamente, os elementos que permitem aferir da utilização prevista para o prédio edificando;

·           E também os planos directores municipais estabelecem as regras de ordenamento do território e demais regras de edificação;

·           Razão pela qual a afectação de um dado prédio pode ser obtida previamente à existência de qualquer edificação;

·           No plano da constitucionalidade da verba 28, não identifica qualquer desrespeito perante a lei fundamental. Na medida em que a Constituição Fiscal permite a diferenciação das normas de incidência objectiva e subjectiva. Afastando, isso sim, as discriminações arbitrárias ou irrazoáveis nos termos do princípio da proporcionalidade;

·           A diferente aptidão ou finalidade de um prédio (habitacional, industrial ou para comércio e serviços) justifica, objectivamente, que o legislador fiscal lhes confira um regime distinto.

 

 

 

III -   Do direito

O pedido de pronúncia arbitral resume (no seu artigo 15.º) a questão controvertida sobre a qual há-que decidir: “um terreno para construção deve ser considerado como prédio com afectação habitacional para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo?”.

 

A verba 28 da TGIS - na redacção vigente no ano de 2013 a que se reportam as liquidações controvertidas de Imposto do Selo - apresenta o seguinte teor:

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%”;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%.”

 

O Código do Imposto do Selo completa a norma de incidência ao definir a territorialidade (prédios situados em território português) e incidência subjectiva (o proprietário, usufrutuário ou superficiário).

E estabelece as regras de liquidação e pagamento (único ou prestacional) do imposto.

 

Retomando o conceito de “prédio com afectação habitacional”, a Requerente e Requerida divergem quanto às espécies de prédio. Bem como quanto à extensão e alcance das regras de determinação do valor patrimonial de um prédio urbano.

 

Para a Requerente, as regras de quantificação da obrigação tributária não se confundem com a tipologia de prédio urbano. A categorização dos prédios urbanos localiza-se a montante da determinação do valor patrimonial. Pelo que este último não pode influir nessa prévia categorização. A semântica (afectação habitacional) não se confunde com a letra da lei (terreno para construção).

 

Para a Requerida os conceitos de terrenos para construção e respectivas regras de determinação do valor patrimonial são indissociáveis. Porquanto qualquer prédio urbano há-de, independentemente da sua categorização, apresentar uma afectação habitacional, industrial ou para comércio ou serviços.

 

Esta questão já foi objecto de diversas decisões. Tanto do Supremo Tribunal Administrativo [[i]] como do CAAD [[ii]].

 

Decisões essas que são uniformes no seu conteúdo, permitindo concluir pela existência de uma clara corrente jurisprudencial. No sentido de os terrenos para construção não poderem ser subsumidos à norma de incidência do Imposto do Selo, conforme a mesma consta da verba 28 da respectiva Tabela Geral.

 

É essa linha jurisprudencial que a presente decisão arbitral acolhe.

 

E por se tratar de um tema amplamente discutido no plano jurisprudencial, a presente decisão arbitral segue de perto a recente sentença do Supremo Tribunal Administrativo (Processo n.º 0739/14). Da qual são transcritos diversos excertos.

 

Desde logo, «o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário».

 

Da letra da lei «(…) nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria [utiliza] um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário (…)».

 

Da mens legislatoris «nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais (…) motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer».

 

É especialmente preocupante que esta imprecisão afecte a extensão da norma de incidência desta nova normativa impositiva de Imposto do Selo. Deixando a AT e os sujeitos passivos à mercê da incerteza do alcance literal e sentido legislativo dessa mesma norma de incidência.

 

O que explica a particular litigiosidade deste novo tributo, medido pelo expressivo número de impugnações judiciais e pedidos de pronúncia arbitral. Bem como a subsequente alteração da verba 28 no quadro do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a que não será alheia a corrente jurisprudencial entretanto firmada quanto à presente questão controvertida.

 

Concretamente, o Imposto do Selo cujo facto gerador ocorra após 1 de Janeiro de 2004 incidirá sobre “prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.

 

Foi, deste modo, removida a ambiguidade que gravitava em torno da expressão “afectação”. Acresce a referência às construções autorizadas ou previstas, assim se contemplando os terrenos para construção que não apresentem quaisquer edificações.

 

Mas esta lei nova não revestiu a natureza de lei interpretativa, «(…) nada esclarecendo (…) em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013)».

De qualquer modo, ainda que à lei nova fosse atribuído um tal alcance, sempre haveria que determinar se a mesma se apresentaria, ou não, como inovadora. Posto que estamos perante uma norma de incidência objectiva, à qual compete a circunscrição do facto tributário, sem o qual a relação jurídico-fiscal é inexistente.

 

A verdade é que o legislador nem sequer curou de qualificar a lei nova como interpretativa. O que permite afirmar o princípio geral de direito, nos termos do qual a lei nova apenas dispõe para o futuro. Abrangendo, no caso, os factos tributários nascidos após 1 de Janeiro de 2014.

 

É ainda pacífico concluir que da lei nova não resulta que a intenção ou vontade do legislador «(…) tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais (…)».

 

E o que dizer do coeficiente de afectação utilizado como variável de apuramento do valor patrimonial da generalidade dos prédios urbanos?

 

«O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs. 1 e 2 do artigo 45º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional” (…)».

 

Com efeito, «(…) a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (…)».

 

Sendo que após a conclusão das obras, o terreno para construção dará origem a um novo prédio urbano de entre as demais tipologias previstas no artigo 6,º do Código do IMI (prédio habitacional, industrial, comercial, para serviços ou outros).

 

Na verdade todo e qualquer prédio urbano apresenta um valor patrimonial tributário, cujas regras de quantificação não se poderiam confundir com a antecedente categorização dos próprios prédios. Sob pena de o facto tributário (sujeição de uma dada realidade económico-jurídica, no caso um prédio urbano, a Imposto do Selo) se confundir com a obrigação tributária (a quantificação de uma obrigação como consequência do facto tributário).

 

Dito de outra forma, a norma de incidência de um imposto precede sempre as posteriores regras de quantificação da obrigação tributária.

 

Se um determinado prédio urbano não se subsume à regra de incidência de um determinado tributo, não se pode dar por verificado o nascimento de um facto tributário e, logo, de uma subsequente obrigação tributária passível de quantificação. Sob pena de as regras de quantificação dessa obrigação tributária serem valorizadas como verdadeiras normas de incidência.

 

E, como refere o Supremo Tribunal Administrativo, «estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41º do Código do IMI)».

 

Uma interpretação contrária implicaria admitir que qualquer norma de quantificação da obrigação tributária (valor patrimonial) poderia ser utilizada na interpretação do sentido e alcance de uma norma de incidência (a sujeição a Imposto do Selo dos prédios classificados como urbanos).

 

«Atendendo a que um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno».

 

Assim se concluindo pela «(…) clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”». Não podendo estes últimos ser qualificados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (na redacção vigente no ano de 2013, a que se reportam as liquidações de Imposto do Selo emitidas em 2014).

 

Em conclusão, os prédios urbanos detidos pela Requerente estão classificados, no ano de 2013, como terrenos para construção. Não configurando um prédio urbano com afectação habitacional. Encontrando-se, consequentemente, excluídos da incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da respectiva Tabela Geral.

 

Razão pela qual as notas de liquidação violam o princípio da legalidade. Devendo ser anuladas.

 

Por fim, a Requerente prestou garantia bancária. Tendo suportado custos cobrados pela instituição de crédito emitente (o que terá incluído a repercussão do Imposto do Selo constante da verba 10, a par do Imposto do Selo previsto na verba 17 para as comissões).

 

Tais custos foram incorridos na razão directa da prévia prática de um acto tributável ferido de ilegalidade. Pelo que à Requerente assiste o direito ao ressarcimento por tais custos, em obediência ao disposto no artigo 53.º da Lei Geral Tributária.

 

Na medida em que a execução voluntária desta decisão arbitral não poderá, obviamente, ser imediatamente concretizada pela AT, a garantia bancária permanecerá válida após o encerramento da lide.

Pelo que caberá à Requerente o subsequente apuramento (e documentação) dos custos suportados no tempo período de tempo decorrido entre a emissão e devolução da garantia bancária.

 

IV -   Questão de conhecimento prejudicado

Fica prejudicado o conhecimento da inconstitucionalidade da referida verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando interpretada no sentido de tributar os terrenos para construção detidos por sociedades comerciais.

 

V -  Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

i)     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das notas liquidações de Imposto do Selo referente ao exercício de 2013; e

ii)    Julgar procedente o pedido de indemnização pela prestação de garantia indevida, pelo valor a determinar em execução da presente decisão arbitral.

 

O valor económico do pedido é fixado em 48.301,74 €.

Custas pela Requerida.

 

 

Notifique-se as partes.

 

Lisboa, 22 de Novembro de 2014

 

 

Tribunal Arbitral Singular

José Luís Ferreira

 

 



[i]      Acórdãos do STA de 9 de Abril (processos n.º 1870/13 e n.º 48/14), 23 de Abril (processos n.º 270/14 e n.º 272/14), 14 de Maio (processos n.º 055/14, n.º 01871/13 e n.º 0317/14), 28 de Maio (processos n.º 425/14, n.º 0396/14 e n.º 0395/14), 2 de Julho (processo n.º 0467/14), 9 de Julho (processo n.º 0676/14), 10 de Setembro (processo n.º 0740/14) e 24 de Setembro (processo n.º 739/14).

[ii]     Decisões arbitrais do CAAD nos processos n.º 42/2013-T, n.º 48/2013-T, n.º 49/2013-T, n.º 53/2013-T, n.º 75/2013-T, n.º 144/2013-T, n.º 158/2013-T, n.º 180/2013-T, n.º 189/2013-T, n.º 191/2013-T, n.º 215/2013-T, n.º 231/2013-T, n.º 288/2013-T e n.º 310/2013-T.