Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 443/2014-T
Data da decisão: 2015-08-25  IRS  
Valor do pedido: € 1.055,55
Tema: IRS - Reinvestimento de valor de realização; amortização de empréstimo
Versão em PDF

Processo n.º 443/2014-T

 

Requerente : A…, residente na Av. … Corroios, NIF …

Requerida: Administração Tributária e Aduaneira

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1.             O Requerente veio requerer a Constituição de Tribunal Arbitral nos termos do nº2 do artigo 5º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, em que intervirá como contra-parte a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), nos termos da Portaria 112 A/2011 de 22 de Março, tendo em vista o indeferimento de recurso hierárquico que manteve a decisão de deferimento parcial que recaiu sobre a reclamação graciosa nº …, pugnando o Requerente, em síntese, que seja considerado na dedução do valor de realização o montante total do empréstimo contraído (e não apenas a parte em dívida à data da alienação), com o consequente reembolso da quantia de 1055,55€, que integra a quantia de € 650,56 a título de IRS indevidamente pago e € 404,99 a título de excesso de retenções na fonte, a que acrescem os juros indemnizatórios.

2.             Mais especificamente o Requerente solicita a aplicação integral da exclusão de tributação preceituada na da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S., considerando-se, nesses termos, o valor correto de € 49.879,79 como o valor da amortização do empréstimo a deduzir ao valor de realização, de forma a não ser tributado sob o pagamento das várias amortizações (€ 11.528,66) do empréstimo, feitas antes da data de escritura de venda.

3.             Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitro Ana Teixeira de Sousa, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

4.             Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 27.08.2014.

5.             Notificado o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida” ou AT) para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional, foi apresentada resposta em 03.10.2014, subscrita pelos juristas Senhora Dra. … e Sra. Dra. … em nome e representação da Requerida bem como junto pela AT o processo administrativo (PA de ora em diante).

6.             Face à Resposta da AT o tribunal, através de despacho 02.02.2015, decidiu que se dispensa a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT atribuindo às partes prazo legal para apresentação de alegações. 

7.             O Requerente apresentou alegações em 23.02.2015 tendo a Requerida apresentado as suas alegações em 24.02.2015.

8.             Dada a complexidade de análise de vária documentação e elementos adicionais pedidos a prolação da decisão foi adiada até 26 de Agosto.

 

O pedido de Pronúncia arbitral

Em síntese, os fundamentos apresentados pelo Requerente são os seguintes.

9.             Em Janeiro de 2008, pela quantia de € 115.500,00 (cento e quinze mil e quinhentos euros), vendeu a fracção “O” do artigo urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o número ….

10.         Esse imóvel constituía a sua habitação própria e permanente.

11.         O imóvel foi adquirido em 27/05/1998, já com esse destino, pelo valor de € 49.879,79 (quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos) e com recurso a empréstimo bancário no valor total da aquisição.

12.         Em 11/03/2008 pelo valor de € 117.500,00 (cento e dezassete mil e quinhentos euros) adquiriu a fracção “Z” do artigo nº …, inscrito na matriz urbana da freguesia de Corroios para habitação própria e permanente, recorrendo a um empréstimo de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

13.         Em Julho de 2012 recebeu a nota de liquidação de IRS do ano de 2008, corrigida oficiosamente, com o valor a pagar de € 8.234,10, incluindo de juros compensatórios no valor de € 794,58.

14.         Tendo detectado que na declaração de IRS de 2008, por si apresentada no prazo legal, por lapso foi declarado o valor € 6.750,00 no campo 506 do respectivo anexo G – Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais, em vez € 67.500,00.

15.         Ao analisar mais aprofundadamente a liquidação de IRS de 2008, referida anteriormente, detectou uma aplicação errada do preceituado na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S. Erradamente, A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) deduziu, ao valor de realização, somente o pagamento da última parcela de amortização do empréstimo para aquisição do imóvel, conforme o exigível no campo 503 do quadro 5 do anexo G - Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais da Declaração de IRS do ano de 2008 e seguintes.

16.         O Requerente Apresentou uma Reclamação Graciosa, em 16/08/2012, a solicitar a correcção, do lapso referido em 14, do valor inscrito no campo 506 do anexo G, para € 67.500,00.

17.         Na mesma Reclamação Graciosa, foi solicitada a correcção do erro da liquidação do IRS de 2008 de forma que ao valor de realização da venda do imóvel fosse deduzido o valor real da amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição, no valor de € 49.879,79, conforme o estipulado na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S., em vez dos € 38.351,13, pagos na última parcela de amortização do empréstimo e considerados, errada e ilegalmente, pela AT.

18.         A Reclamação Graciosa apresentada foi apenas parcialmente deferida corrigindo a colecta liquida para o valor de € 4.508,56 que, após subtraídas as retenções na fonte, resultou uma liquidação com imposto a pagar no valor de € 650,56.

19.         Foi atendido o pedido de correcção do valor (€ 67.500,00) a considerar-se no campo 506, do quadro 5, do anexo G da respectiva declaração de IRS do ano de 2008. Quanto à parte que reclamava a real aplicação do preceituado na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S. não foi deferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), considerando somente o pagamento da ultima parcela de amortização do empréstimo, no valor de € 38.351,13, contraído para a sua aquisição, à data da escritura de venda.

20.         Em 26/03/2014 o Requerente recepcionou o despacho datado de 14/02/2014, do recurso hierárquico apresentado em 28/01/2013, que manteve o despacho recorrido da reclamação graciosa da liquidação de IRS do ano de 2008, nomeadamente, quanto ao valor considerado da amortização do empréstimo contraído na aquisição e deduzido ao respectivo valor de realização cuja fundamentação legal se restingue à alusão das instruções de preenchimento do campo 503 do quadro 5 do anexo G, a vigorar para rendimentos do no ano de 2008.

21.         O Requerente apresenta um conjunto de simulações, efectuadas a partir do Portal das Finanças de forma demonstrar que, em situações idênticas de reinvestimento, às do seu IRS de 2008, em que diverge só e unicamente o valor em divida do empréstimo à data da alienação do bem (campo 503 do anexo G), mantendo-se todos os elementos de rendimento constantes, resultam vários montantes de imposto a pagar, sendo sempre maior o valor do IRS final quanto maior o valor da dívida previamente amortizado e menor o valor da dívida amortizado com a alienação do imóvel que originou a contracção do empréstimo.

22.         Pelo que a liquidação do seu IRS de 2008, nas condições descritas, é imputável a erro de interpretação e incorrecta aplicação da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S pela AT.

23.         O Requerente entende que o pagamento efectuado, da amortização de € 11.528,66, onerada com os respectivos juros, desde a aquisição até à transmissão, não foi conseguido “sem esforço ou por acaso da sorte”, mas sim a contrário. E, a redução do seu passivo, divida bancária, não se traduz, de forma alguma, em aumento dos activos (incremento patrimonial) ou em rendimento.

24.         No caso em apreço, o empréstimo contraído em 1998, para aquisição do primeiro imóvel, transposto para 2008, aplicando-se, por isso, o respectivo coeficiente de desvalorização da moeda, teria na verdade um valor superior aos € 50.000,00 do empréstimo contraído em 2008.

25.         O valor de Realização deduzido do empréstimo da aquisição do imóvel é € 65.620,21 (€115.500,00 - € 49.879,79) e a diferença entre o crédito bancário e o valor da aquisição da nova habitação própria e permanente é de € 67.500,00 (€117.500,00 - € 50.000,00).

26.         Por tal, sustenta que o valor de reinvestimento mínimo, que excluiria a sujeição a mais-valias, considerado no seu IRS de 2008, seria de € 65.620,21, valor que, na verdade, teria excedido em mais € 1.879,79.

27.         A parte final do nº 3 do Artigo 11º da Lei Geral Tributária menciona que se deve atender à substância económica dos factos tributários, que no caso em apreço é, tão-somente, o valor da amortização/amortizações de empréstimo bancário não sujeito a I.R.S., não consideradas rendimento ou incremento patrimonial.

28.         A própria Autoridade Tributária e Aduaneira considera, inequivocamente, que a amortização parcial ou total de empréstimo bancário não é um rendimento sujeito a IRS, e que esse mesmo valor deverá ser considerado como uma dedução ao valor de realização a reinvestir, conforme se pode verificar na informação vinculativa emitida em 27/09/2012, sobre o pedido …/2012.

29.         O pagamento de empréstimos para aquisição de habitação própria e permanente não figura, em caso algum como rendimento, tributável no IRS do ano de 2008.

30.         O legislador, no teor da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S., consagra a amortização como unidade/totalidade a deduzir ao valor de realização de forma a não serem tributadas ilegal e indevidamente as amortizações efectuadas antes da data da alienação, dado que as mesmas não figuram como rendimento nem são tributadas em sede de I.R.S. Se o contrário o legislador desejasse, bastaria que aludisse, no corpo da referida alínea a), que a dedução da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel seria o valor pago à data da escritura, ou algo similar.

31.           Se a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) cumprisse com o estipulado na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S. o valor da dedução a declarar do campo 503 (valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 502) seria o da amortização do empréstimo e não o valor parcial amortizado na data da escritura de alienação.

32.         Segundo o Requerente, em resultado desta anómala interpretação resultam vários valores a pagar de simulações de IRS do ano de 2008 idênticas à reclamada, divergindo somente no valor da amortização do empréstimo efectuado antes da data da escritura de venda, conforme os exemplos que apresenta na minuta da petição.

33.         Solicita assim o Requerente o seguinte:

a.       a aplicação integral da exclusão de tributação preceituada na da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S., considerando-se, nesses termos, o valor correto de € 49.879,79 como o valor da amortização do empréstimo, que o foi na realidade, a deduzir ao valor de realização, de forma a não ser tributado sob o pagamento das várias amortizações (€ 11.528,66) do empréstimo, feitas antes da data de escritura de venda.

b.      que o valor considerado como amortização do empréstimo a deduzir ao valor de realização seja o valor de € 49.879,79, nos termos da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S., de forma a se reflectir no valor da colecta líquida, corrigida para € 3.453,01 que, subtraídas das respectivas retenções na fonte, originarão o justo e legal reembolso no valor de € 404,99.

c.       Considerando-se a inexistência de fundamentação legal dos despachos de

indeferimento parcial da reclamação graciosa, de 02/01/2013 e do respectivo recurso hierárquico de 14/02/2014, os nºs 2 e 3 e do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa e o acima exposto, solicita que o tribunal ordene o justo reembolso de € 1.055,55 (€ 650,56 + € 404,99) do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do ano de 2008, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 94º do C.I.R.S., nº 3 do artigo 61º do C.P.P.T., nºs 1 dos artigos 43º e 30º da L.G.T.

 

Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

34.         A Autoridade Tributária entende que não cabe razão ao Requerente.

35.         Com efeito, e de acordo com o art. 85º do CIRS, na redacção vigente à data dos factos, (anterior à Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro), não só os juros como as amortizações de dívidas (amortizações de capital) contraídas com a aquisição de imóveis para habitação própria e permanente eram objecto de dedução, declarados no Anexo H do Modelo 3 de IRS.

36.         Ou seja, anualmente, e durante a vigência do mútuo, as amortizações de capital eram, à data dos factos tributários, objecto de dedução à colecta (através do Anexo H).

37.         O Requerente deduziu anualmente, para além dos juros, uma parcela do capital amortizado.

38.         Por outro lado, aquando da alienação do imóvel, o sujeito passivo, no campo 503 do Anexo G da Declaração de IRS inscreve a dedução referente ao montante do empréstimo que é amortizado no momento em que o imóvel era alienado.

39.         A fazer-se a interpretação pugnada pelo requerente teríamos uma dupla dedução dos montantes de capital amortizado, pela via de dedução declarada no Anexo H, anualmente durante o empréstimo, e também através do Anexo G, aquando da alienação do imóvel.

40.         E é o entendimento que é pugnado no Doc. nº 4 junto à p.i..

41.         Na verdade, a amortização de empréstimo bancário não é um rendimento sujeito a tributação em sede de IRS, devendo ser considerado no anexo G, (com a exclusão dos juros e outros encargos), como uma dedução ao valor de realização a reinvestir, nos termos do estabelecido no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, a indicar no Campo 503 do Quadro 5 do anexo G da declaração Modelo 3 (na mencionada informação refere-se o campo 505, devido a uma alteração no formulário Modelo 3, Anexo G).

42.         Sendo certo que o que está em causa não é a totalidade do empréstimo mas o remanescente do mesmo, à data da alienação do imóvel.

43.         Por essa razão é que as instruções de preenchimento do campo 503 do quadro 5 do Anexo G estipulam, de forma inequívoca, o seguinte:

“Campo 503 – o valor do capital em dívida do empréstimo contraído para a aquisição do bem alienado (excluem-se os juros e outros encargos, bem como os empréstimos para obras) à data da alienação do imóvel (só tem aplicação para as alienações efectuadas nos anos de 2002 e seguintes)”.

44.         Assim sendo, nenhum vício há a imputar ao acto impugnado nestes autos o qual fazendo uma correcta aplicação da lei aos factos, em particular da alínea a) do nº 5 do art. 10º, na redacção então vigente, manteve a decisão proferida em sede da reclamação graciosa nº ...2012....

45.         Sendo correcta e legal a liquidação nº …, nos termos fundamentados, de facto e de direito, do acto recorrido, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

46.         E não enfermando o acto impugnado de qualquer vício invalidante, não existe fundamento para o pagamento de juros indemnizatórios.

 

Alegações das partes

47.         O Requerente apresentou alegações escritas em que clarificou a sua posição.

48.         Acrescenta ainda o Requerente o seguinte relativamente à dedução à colecta referente a juros e amortizações de empréstimo à habitação.

49.         O benefício a que se refere AT era uma dedução à colecta de 30% do juros e amortizações, com limite de € 586,00, existente no ano de 2008 e regulado pela alínea a) do artigo 85º do Código do Imposto Sobre Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

50.         Estes abatimentos só produzia efeitos práticos quando a colecta total (após a aplicação das taxas e do coeficiente conjugal) tivesse um valor igual ou superior a € 586,00. Assim sendo, existiria a possibilidade de muitos contribuintes ficarem penalizados perante a Lei (CIRS), porque não conseguiam abater qualquer valor, nos termos da alínea a) do art.º 85.º do CIRS e quando reinvestissem numa nova habitação perderiam a dedução, ao valor de realização, das amortizações feitas antes da escritura da venda da anterior habitação.

51.         As deduções à colecta da alínea a) do art.º85º do CIRS são facultativas e nem sempre sucedem de facto (como se verifica no ponto anterior), não devendo por isso justificar que se desconsiderem as amortizações dos empréstimos pagas antes da data da venda da habitação na dedução ao valor de realização em caso de reinvestimento em novo imóvel para esse fim.

52.         Na alínea a) do art.º 85.º do CIRS que vigorou no ano de 2012 deixaram de ser considerados como abatimentos as amortizações das dívidas dos empréstimos contraídos para habitação e permanente. Somente 30% dos juros desses créditos é que podiam ser abatidos à colecta.

53.         Se fosse real o invocado pela AT o anexo G do IRS do ano 2012, e seguintes, teria de ser alterado, de forma a não penalizar os contribuintes que fazem reinvestimentos em habitações próprias, porque desde 2011 que a suposta “compensação” da AT das amortizações abatidas do através da a) do art.º85º do CIRS, declarados no anexo H, deixou de existir.

54.         Por seu turno a AT, nas suas alegações, reitera igualmente a sua posição.

55.         Remetendo para o nº 5 do artigo 10º do Código do IRS clarifica que o cálculo das mais valias é efectuado numa perspectiva de apuramento do rendimento anual líquido tendo por conseguinte que reflectir a amortização efectuada no ano da realização (e não em todos os anos anteriores, desde a aquisição do imóvel com recurso a crédito bancário).

56.         Quanto ao alegado pelo Recorrente no que respeita ao benefício fiscal de dedução à colecta de juros e amortização de empréstimo a AT vem dizer que, a seguir o raciocínio do Requerente, todas as deduções à colecta constituiriam violações do princípio da igualdade uma vez que, todos os contribuintes que não as tivessem, seriam discriminados pela negativa.

57.         E que o autor da acção teria sido discriminado pela positiva face aos sujeitos que adquiriram a sua habitação própria permanente sem recurso ao crédito bancário, uma vez que estes não teriam tido qualquer dedução de juros ou amortização de capital.

 

Objecto do pedido

58.         A questão que o Requerente pretende ver decidida é a legalidade da liquidação de IRS de 2008, no que se refere à tributação das mais valias imobiliárias apuradas na alienação de imóvel para habitação própria permanente.

59.         Especificamente o Requerente pretende que a liquidação de IRS de 2008 seja declarada ilegal uma vez que, no cálculo das mais valias imobiliárias tributáveis, a AT considera que o valor da amortização do empréstimo, a deduzir ao valor de realização, deve ser o valor disponibilizado pelo Requerente alienante, para amortização final do valor do empréstimo à data dessa alienação enquanto que o Requerente entende que deverá ser o valor do empréstimo à data da aquisição do imóvel.

60.         Na declaração de rendimentos de IRS/Modelo 3, referente ao ano de 2008, entregue em 20/05/2009, o Requerente inscreveu no campo 401 do quadro 4 do anexo G os valores de realização de 115.500,00€ e de aquisição de 49. 879,79€ e despesas e encargos de 1.101,00€. O Requerente inscreveu ainda nos campos 503 (valor em divida do empréstimo), 504 (valor a reinvestir) e 506 (valor reinvestido no ano da alienação) os montantes de, respectivamente, 38.351,13€, 67.500,00€ e 6750,00€.

61.         De acordo com o declarado foi emitida a liquidação de IRS nº ..., datada de 19/06/2009, a que correspondeu imposto a pagar no valor de 650,56€.

62.         Desta liquidação, o Requerente apresentou reclamação graciosa em 29/12/2009, com o nº ...2009....

63.         Aquela reclamação graciosa foi objecto de decisão de indeferimento, de 21/04/2010 da Chefe do Serviço de Finanças de Seixal ….

64.         Como nas declarações de IRS dos anos subsequentes, o sujeito passivo não inscreveu o restante reinvestimento do valor da realização, foi efectuada uma reliquidação da declaração, que deu origem à liquidação de IRS/2008, nº …, a que correspondeu o pagamento do imposto no valor de 7.583,54€ (liquidação nº …).

65.         Desta ultima liquidação foi apresentada reclamação graciosa nº ...2012..., em 16/08/2012.

66.         Por ofício nº ..., de 12/12/2012, o sujeito passivo foi notificado para efeitos de audição prévia sobre um projecto de decisão que deferia parcialmente a reclamação graciosa, reconhecendo a administração tributária um reinvestimento de 67.500,00 € e mais-valias no valor de 76.614,30€.

67.         O sujeito passivo veio pronunciar-se discordando da posição da AT, pugnando pelo entendimento de que “O valor de Realização deduzido do empréstimo da aquisição do imóvel é de 65.620,21€ (115.500,00€-49.879,79€) e a diferença entre o crédito bancário e o valor da aquisição da nova habitação própria e permanente é de 67.500,00€ (117.500,00€-50.000,00€). Por tal, o valor correcto e real de reinvestimento a declarar no campo 506 do Anexo G (…)  é de 65.620,21€ em vez de 76.614,30 …”.

68.         A reclamação graciosa foi deferida parcialmente, no segmento relativo ao lapso na indicação do valor reinvestido (67.500,00€ em vez de 6750,00€), nos termos do projecto de decisão comunicado ao Requerente.

69.         Na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa foi elaborada uma declaração oficiosa, tendo sido inscritos no campo 401 do quadro 4 do anexo G os valores de realização de 115.500,00€ e de aquisição de 49.879, 79€ e despesas e encargos de 998, 29€ e nos campos 503 (valor em divida do empréstimo), 504 (valor a reinvestir) e 506 (valor reinvestido no ano da alienação) do quadro 5 do citado anexo, os valores de, respectivamente, 38.385,70€, 67.500,00€ e 67.500,00€.

70.         Essa declaração deu origem à liquidação de ..., de 18/01/2013 com um imposto a pagar de 647,50€.

71.         Em 28/01/2013, o sujeito passivo apresentou recurso hierárquico do indeferimento (parcial) da reclamação graciosa, reiterando os argumentos apresentados na mesma reclamação.

72.         Por despacho de 14/02/2014 da Directora de Serviços do IRS (em substituição) foi indeferido o recurso hierárquico da decisão que recaiu sobre o processo de reclamação graciosa nº … - 2012….

73.         Este acto de indeferimento do recurso hierárquico da decisão que recaiu sobre o processo de reclamação graciosa nº … - 2012… constitui o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Saneamento

74.         As leis tributárias prevêem a possibilidade dos contribuintes impugnarem administrativamente os actos de liquidação através de reclamação graciosa e impugnar as decisões de indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos, conforme artigos 66º, 67º e 76º do CPPT.

75.         Os actos que decidem reclamações graciosas ou recursos hierárquicos de indeferimento de reclamações graciosas serão, neste contexto, actos de segundo e terceiro grau, respectivamente, em que pode ser apreciada a legalidade dos actos de liquidação, que são actos de primeiro grau (Guia da Arbitragem Tributária, Comentários ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária por Jorge Lopes de Sousa, em co-autoria com Tânia Carvalhais Pereira, pág. 121, Edições Almedina 2013).

76.         O nº 1 do artigo 10º do RJAT estabelece que o pedido de constituição do tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos nos nº 1 e 2 (entretanto revogado) do artigo 102º do CPPT quanto aos factos susceptíveis de impugnação autónoma bem como da notificação da decisão do recurso hierárquico.

77.         Conclui-se assim que a competência dos tribunais arbitrais se estende a estes actos de segundo e terceiros graus que apreciam a legalidade dos actos primários, designadamente actos de indeferimento de recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação, caso dos presentes autos.

78.         Conclui-se pois pela competência material do tribunal, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

79.         As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

80.         O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

Factos provados

Com base nas peças juntas pelo Requerente (pedido de pronúncia arbitral, Doc. nº 1 a 6 junto com esse Pedido; Resposta da A.T. e processo administrativo junto – PA – bem como os factos alegados e não contestados pelas partes), fixa-se a seguinte factualidade:

 

81.         Em 27/05/1998, o Requerente adquiriu, pelo preço de 49.879,79€ e para habitação própria, uma fracção autónoma designada pela letra “O” correspondente ao 3º andar, porta B, do prédio urbano denominado “…”, Lote …, situado na Urbanização …, freguesia de ..., concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo … (cópia da escritura de compra e venda e mútuo no PA).

82.         Esta aquisição foi suportada em empréstimo bancário, no montante da compra e venda, ou seja, 49.879,79€.

83.         Em 18/01/2008, alienou o aludido imóvel pelo valor de 115.500,00€ (cópia da escritura de compra e venda no PA).

84.         À data daquela alienação, o valor do empréstimo era de 38.351,13€ (cópia do documento “Declaração” emitida pelo Banco … em 07/12/2007 declarando o capital em dívida em 31/12/2007 no valor de 38.385,70 € no PA).

85.         Em 11/3/2008, o Requerente adquiriu um novo imóvel, destinado a habitação própria, correspondente à fracção autónoma designada peça letra “Z”, do … andar B, sito na Avª …, freguesia de Corroios, concelho do Seixal, inscrito na matriz sob o artigo …, pelo preço de 117 500,00 € (cópia da escritura de compra e venda e mútuo no PA).

86.         Para esta última aquisição foi efectuado um empréstimo junto da CGD, no valor de 50.000,00€.

87.         Na declaração de rendimentos de IRS/Modelo 3, referente ao ano de 2008, entregue em 20/05/2009, o Requerente inscreveu no campo 401 do quadro 4 do anexo G os valores de realização de 115.500,00€ e de aquisição de 49. 879,79€ e despesas e encargos de 1.101,00€ (documento no PA).

88.         O requerente inscreveu ainda nos campos 503 (valor em divida do empréstimo), 504 (valor a reinvestir) e 506 (valor reinvestido no ano da alienação9 os montantes de, respectivamente, 38.351,13€, 67.500,00€ e 6.750,00€ (documento no PA).

89.         De acordo com o declarado foi emitida a liquidação de IRS nº ..., datada de 19/06/2009, a que correspondeu imposto a pagar no valor de 650,56€ (Doc.1 da PI).

90.         Desta liquidação, o Requerente apresentou reclamação graciosa em 29/12/2009, com o nº ...2009..., com fundamento no facto de “ter sido obrigado a declarar apenas 38.351, 13 no campo 503 do Anexo G do Modelo e de IRS do ano de 2008, da amortização do empréstimo em divida, à data da transmissão, em vez da amortização total do empréstimo de 49.879,79” .

91.         Aquela reclamação graciosa foi objecto de decisão de indeferimento, de 21/04/2010 da Chefe do Serviço de Finanças de Seixal …, com fundamento no entendimento de que o campo 503 deve ser preenchido com o valor do capital em dívida à data da alienação (cfr. instruções para preencher o campo 503).

92.         Nas declarações de IRS dos anos subsequentes, o sujeito passivo não inscreveu o restante reinvestimento do valor da realização, tendo sido efectuada uma reliquidação da declaração, que deu origem à liquidação de IRS/2008, nº …, a que correspondeu o pagamento do imposto no valor de 7.583,54€ (liquidação nº …, documento no PA)).

93.         Desta ultima liquidação foi apresentada reclamação graciosa nº ...2012..., em 16/08/2012 (documento no PA).

94.         Por ofício nº ..., de 12/12/2012, o Requerente foi notificado para efeitos de audição prévia sobre um projecto de decisão que deferia parcialmente a reclamação graciosa, reconhecendo a administração tributária um reinvestimento de 67.500,00 € e mais-valias no valor de 76.614,30€ (documento no PA).

95.         O Requerente veio pronunciar-se discordando da posição da AT, pugnando pelo entendimento de que “O valor de Realização deduzido do empréstimo da aquisição do imóvel é de 65.620,21€ (115.500,00€-49.879,79€) e a diferença entre o crédito bancário e o valor da aquisição da nova habitação própria e permanente é de 67.500,00€ (117.500,00€-50.000,00€). Por tal, o valor correcto e real de reinvestimento a declarar no campo 506 do Anexo G (…)  é de 65.620,21€ em vez de 76.614,30 …” (documento no PA).

96.         A reclamação graciosa foi deferida parcialmente, no seguimento relativo ao lapso na indicação do valor reinvestido (67.500,00€ em vez de 6750,00€), nos termos do projecto de decisão comunicado ao Requerente (documento no PA).

97.         Foi elaborada uma declaração oficiosa, tendo sido inscritos no campo 401 do quadro 4 do anexo G os valores de realização de 115.500,00€ e de aquisição de 49.879, 79€ e despesas e encargos de 998, 29€ e nos campos 503 (valor em divida do empréstimo), 504 (valor a reinvestir) e 506 (valor reinvestido no ano da alienação) do quadro 5 do citado anexo, os valores de, respectivamente, 38.385,70€, 67.500,00€ e 67.500,00

98.         Essa declaração deu origem à liquidação de ..., de 18/01/2013 com um imposto a pagar de 647,50€.

99.         Em 28/01/2013, o sujeito passivo apresentou recurso hierárquico dessa decisão parcial de indeferimento, reiterando os argumentos apresentados na reclamação graciosa (documento na PI e no PA).

100.     Por despacho de 14/02/2014 da Directora de Serviços do IRS (em substituição) foi indeferido o recurso hierárquico da decisão que recaiu sobre o processo de reclamação graciosa nº … - 2012….

 

Factos não provados

Os factos não provados são considerados irrelevantes para a apreciação do mérito da causa.

 

Fundamentação da decisão – do Direito aplicável

101.     Resulta das posições das Partes que a questão essencial nos presentes autos consiste em saber como deve ser efectuada a tributação de mais-valias imobiliárias e, em particular, o valor que, para esse efeito, deve constar no campo 503 do quadro 5 do anexo G da Declaração Modelo 3/IRS (valor em divida do empréstimo), conforme modelo vigente em 2008, entendendo

(i)                     o Requerente que o valor aí a registar deve corresponder ao total do empréstimo contratualizado com a instituição bancária à data da aquisição do imóvel e

(ii)                   a Requerida que tal valor deve ser o do remanescente da dívida à data da alienação do mesmo imóvel. 

102.     Para o Requerente, o legislador, no teor da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S., consagra a amortização como unidade/totalidade a deduzir ao valor de realização de forma a não serem tributadas ilegal e indevidamente as amortizações efectuadas antes da data da alienação, dado que as mesmas não figuram como rendimento nem são tributadas em sede de I.R.S.

103.     Se o contrário o legislador desejasse, bastaria que aludisse, no corpo da referida alínea a), que a dedução da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel seria o valor pago à data da escritura, ou algo similar.

104.     Assim, no entender do Requerente, se a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) cumprisse com o estipulado na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do C.I.R.S. o valor da dedução a declarar do campo 503 (valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 502) seria o da amortização do empréstimo e não o valor parcial amortizado na data da escritura de alienação.

105.     A AT reconhece que amortização de empréstimo bancário não é um rendimento sujeito a tributação em sede de IRS, devendo ser considerado no anexo G, (com a exclusão dos juros e outros encargos), como uma dedução ao valor de realização a reinvestir, nos termos do estabelecido no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, a indicar no Campo 503 do Quadro 5 do anexo G da declaração Modelo

106.     Sendo certo que o que está em causa não é a totalidade do empréstimo mas o remanescente do mesmo, à data da alienação do imóvel.

107.     Por essa razão é que as instruções de preenchimento do campo 503 do quadro 5 do Anexo G estipulam, de forma inequívoca, o seguinte:

“Campo 503 – o valor do capital em dívida do empréstimo contraído para a aquisição do bem alienado (excluem-se os juros e outros encargos, bem como os empréstimos para obras) à data da alienação do imóvel (só tem aplicação para as alienações efectuadas nos anos de 2002 e seguintes)”.

108.     Assim sendo, nenhum vício há a imputar ao acto impugnado nestes autos.

109.     Para a AT a liquidação efectuada, o foi com base na lei aplicável, à qual a Administração está vinculada, visando a Administração Tributária, nos termos do artigo 55º da LGT e no seguimento do princípio vertido no artigo 266º n.º 1 e 2 da CRP, «… a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos» e estando os seus «… órgãos e agentes administrativos … subordinados à Constituição e à lei …» e devendo «… actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé».

110.     Estando assim, a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55º da LGT.

111.     Para o tribunal a questão decidenda reporta-se a uma questão de direito – interpretação do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS – na redacção vigente à data, aplicável à tributação de mais valias imobiliárias, assentando igualmente num conceito económico que é o conceito de “reinvestimento”.

112.     No caso dos autos, deve, antes de mais, fazer-se a exegese da norma constante do artº.10, nº.5, do C.I.R.S., na redacção em vigor no ano de 2008 (cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), norma que tinha a seguinte redacção:

 1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

………………………………..

2 -……

3 - …….

4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

b)…………

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de 24 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; (Redacção dada pelo Decreto-Lei 361/2007, de 2 de Novembro).

b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;

c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;

6 -

7 - No caso do reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.

………………………………..

113.     Por seu lado, as instruções de preenchimento do Anexo G da Modelo 3 de IRS, na versão vigente em 2008, determinavam o seguinte:

QUADRO 5 REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

São excluídas da tributação as mais-valias provenientes da alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se o produto da alienação (valor de realização) for utilizado de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro nos nºs 5 e 6 do art. 10.º do Código do IRS.

Assim, os sujeitos passivos que pretendam beneficiar desta exclusão devem indicar:

No campo 501, o ano em que ocorreu a alienação;

No campo 502, o campo do quadro 4 correspondente ao imóvel alienado cujo valor de realização se pretende reinvestir;

No campo 503, o valor do capital em dívida do empréstimo contraído para a aquisição do bem alienado (excluem-se os juros  e outros encargos, bem como os empréstimos para obras) à data da alienação do imóvel (só tem aplicação para as alienações efectuadas nos anos de 2002 e seguintes);

No campo 504, o valor de realização que o sujeito passivo pretende reinvestir na aquisição de habitação própria permanente, excluindo a parte do valor de aquisição efectuada com recurso ao crédito;

Nos campos 505 e 506, respectivamente, o valor que foi reinvestido nos 12 meses anteriores e o que foi efectuado no ano da alienação, excluindo a parte do valor de aquisição efectuada com recurso ao crédito;

No campo 507 deve ser indicado o valor reinvestido no primeiro ano seguinte ao da alienação do bem imóvel, excluindo a parte do valor da aquisição efectuada com recurso ao crédito;

No campo 508 deve ser indicado o valor reinvestido no segundo ano seguinte, mas dentro dos 24 meses contados da data da alienação, excluindo a parte do valor de aquisição efectuada com recurso ao crédito.

114.     O tratamento, em sede de IRS, das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, tem vindo a sofrer sucessivas alterações desde a entrada em vigor do respectivo Código do IRS.

115.     Ora, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 de 3 de Julho, vigente até 2001, não se contemplava sequer, para exclusão do valor sujeito a tributação, a dedução da amortização de empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, do valor a reinvestir.

116.     Efectivamente o artigo 10º do CIRS determinava o seguinte em matéria de tributação e exclusão de tributação de mais valias imobiliárias:

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: 
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; 

…..

3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato;

(…) 
4- O ganho sujeito a IRS é constituído: 

a)      Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1; 

b)      …..

c)     

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições: 

a)      Se, no prazo de 24 meses contados da data de realização, o produto da alienação for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português; 

………………………………..

117.     É apenas com a publicação da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, aprova o Orçamento de Estado para o ano de 2002, o legislador deixa de se referir ao reinvestimento do PRODUTO DA ALIENAÇÃO, passando a exigir o reinvestimento do VALOR DA REALIZAÇÃO.

118.     A MAIS-VALIA é calculada pela diferença entre o VALOR DE REALIZAÇÃO (venda) e o VALOR DE AQUISIÇÃO (compra) deduzido do coeficiente de correcção monetária (valor de compra x coeficiente de desvalorização da moeda) (desde que tenham decorrido 24 meses desde a data da aquisição); ao anterior resultado serão ainda deduzidos os encargos com a aquisição (sisa e IMT posteriormente, escritura e registos), os encargos com a valorização dos bens comprovadamente realizados nos últimos 5 anos e as despesas necessárias à alienação efectivamente praticadas e devidamente documentadas, passando a ser deduzido a amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel (no caso de reinvestimento).

119.     No caso de pretender reinvestir o valor de realização (ou parte), deverá o contribuinte mencionar esse facto na declaração do ano da alienação, COMPROVANDO nessa e nas declarações dos dois anos seguintes, O(S) REINVESTIMENTO(S) EFECTUADO(S) (valor da nova aquisição da propriedade de outro imóvel).

120.     Sendo que esta disposição inscrita no nº 5 do artigo 10º do CIRS constitui uma incursão no âmbito das normas de exclusão de tributação do rendimento.

121.     Efectivamente, na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.39 e seg.).

122.     Por seu turno, a mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.4771/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).

123.     Ora, reitera-se, o nº 5 do artigo 10º do Código do IRS contém uma exclusão de incidência, relativa às mais valias realizadas em bens imóveis, desde que se verifiquem determinadas condições, nos termos referidos no próprio artigo.

124.     O pressuposto da exclusão de incidência, que é a sua radical razão de ser, é o de se verificar, dentro dos prazos legais, e financiada pelo valor de realização do imóvel alienado em que se realizou a mais valia, uma aquisição de um imóvel destinado à habitação própria e permanente, por forma directa ou indirecta (…) e, além disso, se verificar efectiva destinação do imóvel adquirido, construído, ampliado ou melhorado, à habitação própria permanente (José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.415 e seg.).

125.     Citando o mesmo autor, José Guilherme Xavier Basto, ob. Cit., pág.413 e segs., o objectivo geral do regime de exclusão de incidência é pois não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se a técnica do roll over, que torna não tributáveis essas mais valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação.

126.     Para efeitos do reinvestimento, todavia, não contam as importâncias que forem usadas na amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, como se conclui das alíneas a) e b) do nº 5, já transcritas.

127.     Toma-se em conta que o proprietário pode ter de, antes de proceder à alienação, amortizar o empréstimo que houvera contraído.

128.     Com efeito, o reinvestimento que é relevante, para exclusão da tributação em categoria G de IRS, mais valias imobiliárias, é o do valor de realização, menos o do valor da amortização do empréstimo.

129.     A tributação será efectuada no ano da realização, pelo valor da mais valia apurada, segundo a teoria do “rendimento acréscimo”, se esse valor de realização não for reinvestido na aquisição de novo imóvel para o mesmo fim: habitação própria permanente.

130.     Se o reinvestimento do valor de realização for parcial, a mais valia será tributada segundo uma proporção legalmente definida no nº 7 do artigo 10º do CIRS.  

131.     Cabe a este tribunal determinar se é conforme à lei a interpretação dada ao preceito do nº 5 do artigo 10º do CIRS pelo Requerente, que defende que deve constar no campo 503 do quadro 5 do anexo G da Declaração Modelo 3/IRS (valor em divida do empréstimo) o valor correspondente ao total do empréstimo contratualizado com a instituição bancária à data da aquisição do imóvel – € 49.879,79 – ou se esse valor deve ser aquele que corresponde ao remanescente da dívida à data da alienação do mesmo imóvel – € 38.385,70, como defende a AT, ora Requerida.

132.     E, consequentemente, determinar a ilegalidade do acto de liquidação de IRS objecto de contestação nos presentes autos, ou decidir pela sua conformidade à lei.

133.     Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,2/10/2012,proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,12/12/2013, proc.7073/13).

134.     O artº.10, nº.5, do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação negativa da incidência.

135.     A ratio desta delimitação negativa de incidência foi já explicitada.

136.     O preceito consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respectivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional.

137.     O não cumprimento de todas as condições fixadas na lei fará com que a venda do imóvel, se realizada com mais valias, caia no regime regra que é o da tributação do rendimento de mais valias apurado nos termos do artigo 43º e seguintes do CIRS.

138.     Em termos concretos, o tribunal é interpelado a interpretar o disposto no artigo 10º do CIRS, nomeadamente no seu nº 5, no que se refere à “dedução da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel”, especificamente, se esta amortização respeita ao valor inicial do empréstimo ou ao valor final amortizado quando o imóvel é vendido.

139.     A interpretação das normas fiscais, incluindo normas de desagravamento ou diferimento da tributação, está sujeita às regras legais, nomeadamente ao artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT) que determina:

Artigo 11.º
Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.

140.     O artigo 9ºdo Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) também não estabelece princípios distintos destes, apenas excluindo a integração analógica, mas admitindo a interpretação extensiva.

141.     O Acórdão do STA no processo 0250/14, de 17/09/2014, clarifica que: “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (cf. n° 1 do art. 11° da LGT), pelo que devemos trazer à colação o art. 9.° do Código Civil e concluir que "o enunciado gramatical ou filológico da lei assume-se como o ponto de partida do intérprete, mas comporta também uma função de limite, já que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr n° 2 do art. 9°).

142.      Acresce que, "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

143.     As normas de desagravamento fiscal, ou de diferimento da tributação, que afastam o regime regra de tributação, criam equilíbrios e tensão permanente entre o objectivo de arrecadação de receita fiscal e a protecção de interesses ou valores distintos, supra fiscais, que merecem protecção.

144.      A determinação desses interesses e bens relevantes, é realizada através da tipicidade fiscal que constitui um dos corolários constitucionais do princípio da legalidade no direito fiscal.

145.     Questão de interpretação da lei cuja elucidação deverá resultar de uma conjugação do conteúdo concreto do preceito em causa com apelo ao elemento racional e histórico. Na verdade, como refere Ferrara, (Francesco Ferrara, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, pp. 21 e 26; Interpretação e Aplicação das leis, tradução de Manuel de Andrade, 3ª ed., Coimbra, 1978, pp. 127 ss e 138 ss) toda a norma tem um objectivo a atingir, quer cumprir certa função e finalidade, para cuja concretização foi criada. A norma descansa num fundamento jurídico, numa ratio iuris, que indigita a sua real compreensão e é necessário que a mesma seja entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter, pois que a lei se comporta para com a ratio iuris, como o meio para com o fim: quem quer o fim quer também os meios.

146.     E, segundo o mesmo autor, para se determinar esta finalidade prática da norma, é preciso atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada. Devemos partir do conceito de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas e sociais que brotam das relações (natureza das coisas). E, portanto, é necessário atentar, não só no mecanismo técnico das relações, como, também, nas exigências que derivam daquelas situações, procedendo-se à avaliação dos interesses em causa. Interpretação e aplicação das leis Autor(es): Francesco Ferrara; trad. Manuel A. D. de Andrade Coimbra: Arménio Amado, 1933 obra citada pag 141.e Lisboa de 10-10-2013, Proc. 443/09.4TTVFX.1,L1-4].

147.     Voltando ao caso dos autos, e considerando as razões subjacentes ao diferimento da tributação das mais valias mobiliárias, supra expendidas, entende-se que a norma fiscal inserida no nº 5 do artigo 10º do CIRS deverá ser interpretada como se referindo à amortização do empréstimo efectuada no ano da alienação do imóvel, pelo valor em dívida a esta data, e não pela totalidade do valor do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, à data da aquisição.

148.     Não pode, pois, sufragar-se o entendimento sustentado pelo Requerente, já que a admissibilidade desse entendimento, além de apelar a uma interpretação potenciadora de resultados incongruentes, também exigiria que se presumisse que o legislador utilizou termos desadequados para exprimir uma determinada realidade, sem qualquer justificação, o que contrariaria os próprios princípios e regras da interpretação, que impõem que se presuma que o legislador, ao elaborar a norma, teve em consideração a unidade do sistema jurídico e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º do CCivil).

149.     Efectivamente, a posição defendida pelo Requerente conduziria a uma diferenciação no tratamento fiscal das mais valias imobiliárias, consoante o sujeito passivo tivesse adquirido o imóvel com recurso ao crédito ou com capital próprio, sem qualquer justificação fiscal ou extra fiscal, e que quebraria o respeito pelos princípios fundamentais da igualdade e capacidade contributiva.

150.     A mais valia imobiliária deve ser tributada segundo as regras do artigo 10º e 43º e seguintes do CIRS, independentemente das fontes de financiamento para aquisição do imóvel que vai originar esse tipo de rendimento.

151.     E é assim que, nas várias situações exemplificadas pelo Requerente, na sua PI, o valor da mais valia apurada segundo as regras do CIRS é sempre idêntico, independentemente do valor já anteriormente amortizado do empréstimo a que recorreu o sujeito passivo para adquirir o imóvel.

152.     A diferença do valor final do IRS liquidado, nos vários exemplos apresentados pelo Requerente na PI, não corresponde a um apuramento de rendimento de mais valia diferenciado mas sim a uma diferença no valor de capital que o sujeito passivo utiliza para adquirir uma nova habitação própria permanente, operacionalizando aquilo a que a lei fiscal chamou de “reinvestimento” e que, na medida em que o valor de realização do imóvel for afecto a este reinvestimento, permite afastar na totalidade ou parcialmente a tributação da mais valia.

153.     Ou seja, para afastar o regime regra da tributação das mais valias imobiliárias o legislador exige que o “valor de realização” (e não a mais valia) tenha que ser afecto à aquisição de uma outra habitação própria para residência permanente.

154.     E é a totalidade do valor de realização que tem que ser reinvestido caso contrário, será a mais valia tributada, ainda que parcial e proporcionalmente.

155.     O valor que, a partir de 2002, pode ser excluído deste reinvestimento é o valor da amortização do empréstimo contraído para compra do imóvel, na medida em que este valor, com a alienação do imóvel, não fica na disponibilidade do sujeito passivo mas tem que ser entregue ao banco para amortização final do empréstimo.

156.     Ao contrário do que entende o Requerente, as amortizações parciais efectuadas a empréstimos contraídos para a aquisição do imóvel não são objecto de tributação pelo facto de estes valores não serem deduzidos ao valor a reinvestir, no momento da alienação do imóvel.

157.     Cada amortização do capital em dívida implicará uma diminuição do “passivo” do contribuinte perante o banco, bem como uma diminuição do “activo”, pelo facto desta amortização ser feita à custa de capital próprio do contribuinte.

158.     Sendo que, antes da alienação do imóvel, não há qualquer rendimento tributado na esfera do sujeito passivo, mesmo quando é totalmente liquidado o empréstimo.

159.      A tributação só opera no ano da venda do imóvel, se houver uma diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, conjugado com os restantes ajustamentos.

160.     No entanto, cada amortização parcial do empréstimo implica que, no momento da venda do imóvel, o capital do sujeito passivo investido nessas amortizações será recuperado pelo próprio e não para ser utilizado para liquidar qualquer empréstimo ao banco.

161.     E, assim, no momento da posterior venda do imóvel, toda a parcela do preço que corresponde ao capital investido pelo sujeito passivo, quer inicialmente com a escritura de compra e venda quer posteriormente, durante o período em que se verificaram amortizações parciais de capital mutuado, num empréstimo contraído para a aquisição do dito imóvel, é recuperada pelo sujeito passivo, o qual pode decidir reinvestir a totalidade ou parte desse preço recebido ou não reinvestir.

162.     Veja-se que, no limite, se dois sujeitos passivos adquirirem simultaneamente um imóvel pelo valor de 100.000 €, o primeiro com recurso total a crédito e o segundo com totalidade de capital próprio, e o imóvel for posteriormente vendido por 150.000 €, no momento em que é liquidada a última parcela do empréstimo a que recorreu o primeiro sujeito passivo, teríamos na interpretação do Requerente o seguinte resultado (desconsiderando outros ajustamentos e despesas bem como actualização dos valores por aplicação de coeficientes da moeda): para não haver tributação da mais valia imobiliária o primeiro sujeito passivo teria que reinvestir apenas 50.000 € enquanto que o segundo teria que reinvestir praticamente a totalidade dos 150.000 €.

163.     Acresce o facto de que, se o legislador fiscal prosseguir uma política de benefícios fiscais que envolva deduções à colecta de IRS aplicáveis à amortização de capital em empréstimos para habitação, o sujeito passivo que contraiu o empréstimo para aquisição de habitação sempre poderá ainda beneficiar dessas mesmas deduções à colecta.

164.     Ora, este resultado é incongruente e em nada se reconcilia com a ratio legis da norma de diferimento de tributação das mais valias imobiliárias.

165.     Não se pode pois concluir por uma interpretação que teria, na sua génese ou resultado, alguma forma de beneficiar fiscalmente os sujeitos passivos que adquirissem habitação própria permanente com recurso ao crédito, em detrimento dos que o fazem com recurso a capitais próprios.

166.     Ou de tributar mais pesadamente estes últimos sujeitos passivos, como se estes revelassem maior capacidade contributiva do que aqueles que adquirem casa com recurso a crédito.

167.     Tal implica uma violação injustificada dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

168.     Que a interpretação que se defende é a única compatível com as boas regras de hermenêutica jurídica resulta ainda evidente do próprio facto de a AT proceder à liquidação do Imposto – IRS – anualmente e apenas no ano da realização da mais valia.

169.     A apoiar a interpretação de que o valor do empréstimo amortizado a deduzir ao valor a reinvestir é o valor desse empréstimo, à data da alienação do imóvel, e não à data em que o mesmo foi adquirido, atente-se na redacção das instruções ao Anexo G da Modelo 3 de IRS, nesta matéria.

170.     Estas instruções têm a seguinte menção, consistentemente, desde 2002: No campo 503, o valor do capital em dívida do empréstimo contraído para a aquisição do bem alienado (excluem-se os juros  e outros encargos, bem como os empréstimos para obras) à data da alienação do imóvel (só tem aplicação para as alienações efectuadas nos anos de 2002 e seguintes

171.     É certo que importa, antes de mais, frisar que as circulares ou estas instruções não constituem regras de decisão para os tribunais e que a circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada, em face do disposto no actual artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária, às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário, não altera esta perspectiva, porque elas não têm força vinculativa nem para os particulares nem para os tribunais.

172.     Como explica CASALTA NABAIS In "Direito Fiscal", 5.ª edição, pág. 201., as circulares constituem «regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos. Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de actuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).

173.     Mas é também certo que estas circulares e até as instruções densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos actos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação.

174.     Da mesma forma, estas instruções consubstanciam o dever de cooperação com os contribuintes da Autoridade Tributária bem como convocam e desenvolvem o direito à informação dos particulares.

175.     Não servindo de padrão para aferir da legalidade dos actos da administração tributária, têm ainda assim algum valor doutrinário que, não se impondo ao juiz, poderá coadjuvar na interpretação na norma tributária quando contém, ela própria, os elementos essenciais da incidência tributária (sujeitos, incidência, isenções, taxas), desde que não a contrarie mas clarifique a sua aplicação em obediência ao princípio da legalidade.

176.     Deste modo, a razão de decidir não reside no teor destas instruções mas as mesmas são consideradas clarificadoras e explicativas da forma de aplicar a lei.

177.     Finalmente, a interpretação acima sustentada, a que o tribunal adere, decorre da análise da letra da lei e sua inserção no conjunto de outras normas tributárias aplicáveis, é a mais consonante com o espirito das alterações legislativas introduzidas em 2002, aquando da previsão, pela primeira vez, da possibilidade de dedução, ao valor a reinvestir, da amortização do empréstimo contraído para aquisição de um imóvel para habitação própria permanente.

178.      Ora, pelas razões aduzidas, parece carecer totalmente de adesão à realidade a sustentação da tese de que o valor do empréstimo amortizado a deduzir ao valor a reinvestir é o valor do empréstimo inicial, independentemente de ter ou não havido amortizações parciais do capital em dívida até à alienação do imóvel.

179.     Daqui também a dificuldade em encontrar doutrina ou jurisprudência que aborde esta matéria.

180.     Daí que se tenha que reconhecer que o acto de liquidação de IRS do ano de 2008, impugnado nos autos, está de acordo com a lei vigente e não pode ser feito com exclusão total da tributação dos ganhos da transmissão onerosa do imóvel, visto que o impugnante não reinvestiu a totalidade do valor de realização deduzido da amortização do empréstimo contraído para adquirir o mesmo imóvel.

181.     Conclui-se portanto que a pretensão do Requerente não tem provimento

 

Dos juros indemnizatórios

 

182.     A par da anulação da liquidação e reembolso do montante de imposto indevidamente pagos, o Requerente solicitou ainda que lhe fossem liquidados juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT.

183.     No presente caso, e no decorrer lógico do indeferimento da pretensão do Requerente, este não tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

Conclusão

Assim, o presente tribunal arbitral conclui pela legalidade e manutenção da liquidação de IRS de 2008, considerando que o nº 5 do artigo 10º do Código do IRS deve ser interpretado no sentido em que o valor do empréstimo a deduzir ao valor a reinvestir, para efeitos de exclusão de tributação das mais valias imobiliárias, deve ser o valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem imóvel para cuja aquisição foi o mesmo contraído.

 

Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente manutenção da liquidação impugnada, com todas as consequências legais absolvendo a AT quanto ao pedido de pronúncia arbitral formulado.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.055,55 (mil, cinquenta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos).

 

Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pelo Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Agosto de 2015

 

O Árbitro

 

 

 

 (Ana Teixeira de Sousa)

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.]