Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 460/2014-T
Data da decisão: 2015-02-09  IRS  
Valor do pedido: € 99.800,15
Tema: IRS – Rendimentos da Categoria G; Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis; Valor de realização.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Jorge Lopes de Sousa (árbitro presidente), Ricardo Rodrigues Pereira e Diogo Feio, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 2 de julho de 2014, A, NIF …, e B, NIF …, ambos com domicílio fiscal na … Porto, (doravante, Requerentes), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que teve por objeto a liquidação de IRS relativa ao ano de 2009 e, por consequência, a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2009 (liquidação n.º 2010 …) e respetivos juros compensatórios, sendo Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT). Os Requerentes juntaram 2 (dois) documentos, não tendo arrolado testemunhas, nem requerido a produção de quaisquer outras provas. 

No essencial e em breve síntese, os Requerentes alegaram o seguinte:

No ano de 2009, os Requerentes venderam o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … – …, concelho da …, pelo preço de € 1.000.000,00.

Nesse mesmo ano, o valor patrimonial tributário (VPT) daquele imóvel era de € 1.465.000,00.

No entanto, esse VPT estava viciado pelo facto de a área privativa do imóvel estar empolada em 300 m2, pois a declaração modelo 1 de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), preenchida e entregue pelo primeiro Requerente (à qual foi atribuído o n.º …), referente àquele imóvel, continha um erro de escrita decorrente do facto de aquele Requerente ter transcrito erradamente os dados referentes às áreas do imóvel em questão. As áreas estavam corretamente definidas, quer nas plantas que acompanharam aquela declaração modelo 1 de IMI, quer nas notas que serviram de base ao preenchimento da declaração, mas por manifesto lapso o referido Requerente inscreveu erradamente os dados nos respetivos campos daquela declaração.

Os serviços da AT, pela simples análise daquela declaração modelo 1 de IMI, constataram que esta estava erradamente preenchida, pois o dito Requerente replicou o valor da área bruta de construção, no quadro da área bruta privativa, o que levou a que nenhum valor aparecesse inscrito na área dependente porque excederia, na soma com a área privativa, a área bruta, o que não é possível. Pela análise das respetivas plantas, a AT verificou que a área privativa tinha menos 300 m2 do que a que estava declarada, os quais estavam inscritos na área dependente.    

Sequentemente, a AT procedeu oficiosamente à correção do VPT do imóvel em questão, no ano de 2010, para € 985.440,00. A AT, em 24.08.2010, efetuou ainda a revisão oficiosa da liquidação de IMI de 2009, na sequência da correção do VPT de 2009 para o valor de € 985.440,00.

Nesta parametria, o VPT de € 985.440,00 será o valor a considerar para determinar, em sede de IRS, o valor de realização na referenciada venda do dito imóvel em 2009, pois é o VPT correto.

Acontece que os Requerentes declararam no quadro 2 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS que entregaram em 14.12.2010 (declaração de substituição), a verba de € 1.465.000,00, como sendo o valor de realização para efeitos de IRS, sendo que deveriam ter declarado a verba de € 1.000.000,00 – como tinham anteriormente feito na declaração modelo 3 de IRS inicialmente entregue em 29.05.2010 – pois, comparando o VPT correto (€ 985.440,00) com o valor declarado, conclui-se que o valor declarado é o maior, pelo que deverá ser este que deverá ser inscrito no quadro 2 do mencionado anexo G, atento o disposto no artigo 44.º, n.º 2, do Código do IRS.     

Os Requerentes apresentaram então uma reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS do ano de 2009, a qual foi convolada em pedido de revisão oficiosa do mesmo ato de liquidação. Este pedido de revisão oficiosa veio a ser indeferido pela AT com os seguintes fundamentos: sendo verdade que o VPT foi corrigido para € 985.440,00, essa alteração apenas pode ter repercussões em 2010, pois a avaliação do imóvel apenas ocorreu em 26.05.2010; e a emissão da nota de cobrança referente ao IMI devido à data de 31.12.2009, datada de 24.08.2010, foi processada com erros pelos serviços, pois o novo VPT apenas devia vigorar sobre o IMI a apurar em 31.12.2010.

Na perspetiva dos Requerentes, a liquidação de IRS em questão encontra-se ferida de ilegalidade, padecendo de vício de erro nos pressupostos de direito, uma vez que a norma invocada – artigo 130.º do Código do IMI – não é aplicável quando está em causa uma liquidação de IRS. Ora, tendo a AT incorrido em erro que lhe é imputável, são devidos juros indemnizatórios aos Requerentes, computados desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

Ademais, a manutenção da referida liquidação de IRS na ordem jurídica viola os princípios da justiça, da igualdade, da boa fé e da proporcionalidade previstos no artigo 266.º da CRP e no artigo 55.º da LGT.

Mesmo que assim não se entenda, sempre se estará perante uma injustiça grave e notória, com violação manifesta de preceitos constitucionalmente consagrados (artigos 103.º, n.º 1, 104.º, n.º 2 e 266.º da CRP), procedendo o pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º, n.º 4 da LGT. 

Os Requerentes rematam o pedido de pronúncia arbitral formulando os seguintes pedidos:

«a) Julgado procedente e provado o pedido formulado no presente processo arbitral tributário;

b) Anulado o ato de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário de liquidação 2010 … de 2010-12-20 de IRS relativo ao ano de 2009 por este padecer de vício de violação de lei, nos termos do n.º 1 e 2 do art. 78.º da LGT,

Assim não se entendendo e subsidiariamente deve ser anulado o acto de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário de liquidação 2010 … de 2010-12-20 de IRS relativo ao ano de 2009, pois a mesma constitui injustiça grave e notória, com violação manifesta de preceitos constitucionalmente consagrados (art. 103.º, n.º 1 e art. 104.º, n.º 2 e art. 266.º, todos da CRP), nos termos do art. 78.º, n.º 4 da LGT;

c) Devendo ser parcialmente anulado o acto tributário de liquidação 2010 … de 2010-12-20 de IRS relativo ao ano de 2009, em consequência da correcção da declaração Modelo 3 de 2009 dos requerentes de forma a ser considerado o valor de realização correcto (€ 1.000.000,00) no quadro 2 do anexo G;

d) Condenar a Requerida a devolver à Requerente o tributo indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios a computar entre a data do pagamento da quantia referida e a emissão da correspondente nota de crédito a favor da Requerente, conforme estatuído no artigo 43.º da Lei Geral Tributária.»

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 7 de julho de 2014.

            3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea a) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo o Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro presidente), o Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e o Dr. Diogo Feio (árbitros vogais), que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 20 de agosto de 2014, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 4 de setembro de 2014.

6. No dia 7 de outubro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, para além de haver deduzido a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, com a sua consequente absolvição da instância, impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelos Requerentes e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido. A Requerida juntou um documento, não tendo arrolado testemunhas, nem requerido a produção de quaisquer outras provas. Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua contestação:

A Requerida começa por invocar a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral porquanto os Requerentes não lograram apresentar a reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, a qual deveria ter sido deduzida no prazo de dois anos após a submissão da declaração modelo 3 de IRS. Efetivamente, apesar de o haverem tentado, fizeram-no intempestivamente, razão pela qual requereram, posteriormente, a convolação em pedido de revisão oficiosa. Assim, o único meio administrativo a que recorreram previamente à via arbitral foi o pedido de revisão oficiosa do ato tributário.

Por força da remissão operada pelo n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD fica dependente do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, designadamente quanto ao tipo e ao valor máximo dos litígios abrangidos. Como decorre do artigo 2.º, alínea a), da referida Portaria n.º 112-A/2011, a vinculação da AT àquela jurisdição arbitral tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, excetuando as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT.

Desta forma, no caso concreto, impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, para que os Requerentes pudessem recorrer à jurisdição arbitral, pois, como os Requerentes reconhecem no artigo 5 do pedido de pronúncia arbitral e expressamente se aceita, está em causa um ato de autoliquidação. Porquanto, o legislador não previu, no artigo 2.º da dita Portaria n.º 112-A/2011, o procedimento de revisão oficiosa como equiparável ao recurso à via administrativa, designadamente à reclamação graciosa, para efeitos de acesso à jurisdição arbitral.

Sendo certo que o entendimento de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede no caso sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), bem como da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

Por impugnação, veio a AT dizer que a teoria dos Recorrentes, estribada na invocação de erro e na sua retificação, é inócua, uma vez que a AT pautou a sua atuação pelo estrito cumprimento da legalidade e dos deveres a que se encontra vinculada quer legal, quer constitucionalmente.

Mais, contrariamente ao alegado pelos Requerentes, não se trata de negar, ou não, que o VPT do imóvel é, aquando da avaliação, de € 985.440,00, mas, tão só, de em cumprimento das determinações legais considerar esse valor apenas para o exercício em que ocorre a avaliação e posteriores.

Por outro lado, inexiste fundamento legal para afirmar, como fazem os Requerentes, que o n.º 8 do artigo 130.º do Código do IMI não se aplica a uma liquidação de IRS, sendo certo que, para efeitos de apuramento da mais-valia imobiliária em sede de IRS, é o próprio legislador que remete para a liquidação de IMI, liquidação que só pode ser a válida e eficaz em relação ao exercício em causa.

Acresce que a nota de cobrança de IMI, datada de 24.08.2010, referente ao imposto devido à data de 31.12.2009, padecia de violação do n.º 8 do artigo 130.º do Código do IMI, tendo essa ilegalidade sido corrigida, logo que foi detetada.

Deste modo, o VPT de € 1.465.000,00, vigente no ano de 2009, não pode ser alterado em virtude de posteriores avaliações do imóvel em questão ou atualizações.

Por esta ordem de razões, a AT não incorreu em qualquer erro, pelo que não se mostram devidos os peticionados juros indemnizatórios.

Por último, a AT refere que deve ser totalmente ignorada a invocação que os Requerentes fazem do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, pois não se verificam os pressupostos de aplicação daquela disposição legal.

7. Em 7 de outubro de 2014, foi proferido despacho a determinar a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, caso as partes a tal não se opusessem, e a notificação dos Requerentes para em 10 (dez) dias virem aos autos pronunciar-se relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida.

Os Requerentes, devidamente notificados, vieram pronunciar-se no sentido da improcedência da exceção invocada pela Requerida.

Nenhuma das partes se opôs à não realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, nessa medida, não houve lugar à produção de alegações.

8. Por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, proferido em 4 de fevereiro de 2015, foi declarado findo o mandato do árbitro presidente deste Tribunal Arbitral coletivo, Senhor Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, em virtude de se encontrar incapacitado, por motivo de doença, para o desempenho das respetivas funções, tendo sido designado, em sua substituição, o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            II.1. Da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral

A Requerida, na sua resposta, suscita a questão da incompetência material do Tribunal Arbitral por entender que, atento o disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, no leque de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não está contemplada a possibilidade de apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, mas tão só, como sucede na situação sub judice, de pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT.

Consequentemente, preconiza a Requerida que «o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT e obsta ao conhecimento do pedido e a absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Sob pena de, se assim não se entender, tal interpretação ser não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toada a atividade da AT.».

O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

É certo que os Requerentes, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, nomeadamente no respetivo artigo 5, aludem a autoliquidação. Sendo ainda certo que os Requerentes não juntaram a pretensa autoliquidação, mas apenas cópia da sua declaração de rendimentos modelo 3 de IRS.

Os Requerentes não juntaram a dita autoliquidação de IRS, nem o poderiam fazer, dado que, nos termos do disposto no artigo 75.º do Código do IRS, «a liquidação do IRS compete à Direcção-Geral dos Impostos [atualmente, Autoridade Tributária e Aduaneira]».

Efetivamente, ao contrário do que acontece noutros impostos – por exemplo, no IRC (cf. art. 89.º, alínea a), do Código do IRC) e no IVA –, em sede de IRS não há lugar a autoliquidação.

E, não havendo lugar a autoliquidação, não poderia ter havido erro na mesma, pelo que não há aqui que chamar à colação o artigo 131.º do CPPT e invocar o regime dela resultante, pois esta norma legal apenas resulta aplicável «em caso de erro na autoliquidação» (cf. n.º 1).

Consequentemente, afigura-se absolutamente impertinente, por desenquadrado do regime legal aplicável à situação sub judice, tudo quanto a AT refere quer quanto à necessidade de reclamação graciosa prévia, quer sobre a aplicação da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Não tendo, assim, qualquer cabimento invocar-se, com essa sustentação legal, a incompetência material deste Tribunal Arbitral para conhecer e decidir este processo.

Nestes termos, sem necessidade de maiores considerações, é julgada improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o presente processo.

*

            Não há outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Nesta parametria, tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida e o processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1. No ano de 2009, os Requerentes venderam o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … – …, concelho da …, pelo preço de € 1.000.000,00 – cf. artigo 8 da petição inicial.

2. Em 29.05.2010, os Requerentes submeteram a declaração modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2009, composta pelos anexos A, C, F, G e H – cf. PA junto aos autos.  

3. No campo 4 do anexo G àquela declaração modelo 3, os Requerentes fizeram constar a seguinte informação relativa ao referenciado imóvel (cf. PA junto aos autos):

Realização

Aquisição

Ano

Mês

Valor

Ano

Mês

Valor

2009

07

1.000.000,00

2009

01

975.000,00

4. Em 25.06.2010, foi emitida a liquidação n.º 2010 …, referente ao IRS de 2009, com rendimento global no valor de € 296.531,23 e apurando imposto a pagar no montante de € 90.317,65 – cf. PA junto aos autos.  

 5. Em 14.12.2010, os Requerentes submeteram uma declaração de substituição, corrigindo o quadro 4 do citado anexo G, no tangente ao mencionado imóvel, para as seguintes importâncias (cf. documento n.º 4 junto à petição inicial e PA junto aos autos):

Realização

Aquisição

Ano

Mês

Valor

Ano

Mês

Valor

2009

07

1.465.000,00

2009

01

975.000,00

6. Posteriormente, foi emitida a liquidação n.º 2010 …, referente a IRS de 2009, com rendimento global no valor de € 529.031,23 e apurando imposto a pagar no montante de € 190.117,80, em causa nos presentes autos – cf. documento n.º 2 junto à petição inicial e PA junto aos autos.  

7. No ano de 2009, o valor patrimonial tributário (VPT) do referido imóvel era de € 1.465.000,00 – cf. artigo 10 da petição inicial.

8. O Requerente A, quando preencheu e entregou a declaração modelo 1 de IMI referente ao dito imóvel – que originou a ficha de avaliação n.º …, de 30.01.2007 –, transcreveu erradamente os dados referentes às respetivas áreas, tendo daí resultado um empolamento da área privativa do imóvel em 300 m2 em detrimento da respetiva área bruta dependente, sendo que as áreas estavam corretamente definidas, quer nas plantas que acompanharam aquela declaração modelo 1 de IMI, quer nas notas que serviram de base ao preenchimento da declaração – cf. artigos 11 a 14 da petição inicial e 77.º da resposta e documento junto à resposta.

9. Em 26.05.2010, a entidade que adquiriu o mencionado imóvel (“C – Empreendimentos Imobiliários, Lda.”, NIPC …) decidiu requerer a avaliação do mesmo – o que originou a ficha de avaliação n.º …, de 24.06.2010 –, ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º 3, alínea a), do Código do IMI, tendo o respetivo VPT sido corrigido pelos serviços da AT para € 985.440,00 – cf. artigo 77.º da resposta, documento n.º 1 junto à petição inicial, documento junto à resposta e PA junto aos autos.  

 10. Em 24.08.2010, foi emitida a liquidação n.º 2009 …, referente ao IMI incidente sobre o citado imóvel no ano de 2009, em nome da empresa “C – Empreendimentos Imobiliários, Lda.”, NIPC …, na qual o VPT daquele imóvel é de € 985.440,00 – cf. documento n.º 5 junto à petição inicial e PA junto aos autos.  

11. Por entender que o novo VPT do imóvel que foi determinado no ano 2010, no montante de € 985.440,00, devia apenas vigorar sobre o IMI a apurar em 31.12.2010, repercutido na liquidação emitida durante o ano de 2011, a AT, em 16.10.2010, procedeu à emissão da nota de cobrança n.º 2010 … de IMI, corrigindo o VPT do imóvel para o montante vigente durante o exercício de 2009, ou seja, € 1.465.000,00 – cf. PA junto aos autos.    

12. Em 30.05.2012, os Requerentes apresentaram no Serviço de Finanças do Porto … uma reclamação graciosa, solicitando que no anexo G à declaração modelo 3 de IRS, apresentada em 14.12.2010, o valor de realização inscrito no quadro 4, na importância de € 1.465.000,00 (VPT), fosse alterado para € 1.000.000,00 (valor da escritura), uma vez que a AT tinha procedido oficiosamente à correção do VPT do dito imóvel para € 985.440,00, no ano de 2010, mas com efeitos à liquidação respeitante ao IMI de 2009 – cf. artigo 1.º da petição inicial, documento n.º 3 junto à petição inicial e PA junto aos autos.   

13. No projeto de decisão daquela reclamação graciosa, os serviços da AT propuseram o respetivo indeferimento por intempestividade, tendo os Requerentes, aquando do exercício do direito de audição, peticionado a convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão, pretensão essa que foi indeferida com fundamento no facto de o pedido de revisão ser extemporâneo, o que tornaria a prática do ato inútil – cf. PA junto aos autos.

14. A mencionada decisão de indeferimento foi notificada aos Requerentes através do ofício n.º …, de 31.08.2012, da Direção de Finanças do Porto (registo postal … assinado em 05.09.2012) – cf. PA junto aos autos.

15. Por discordarem do despacho de indeferimento da convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão, por intempestividade, em 27.09.2012, por via postal (registo postal …), os Requerentes interpuseram um recurso hierárquico na Direção de Finanças do Porto – cf. PA junto aos autos.

16. Aquele recurso hierárquico foi deferido e, consequentemente, foi anulado o ato recorrido e praticado novo ato aceitando a convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão – cf. PA junto aos autos.

17. O mencionado pedido de revisão foi indeferido em 21.03.2014, por decisão proferida pela Diretora de Serviços em substituição da DSIRS, a qual notificada ao mandatário dos Requerentes por via do ofício n.º …, datado de 04.04.2014 (registo postal …) – cf. artigo 2 da petição inicial, documento n.º 1 junto à petição inicial e PA junto aos autos.

18. Em 2 de julho de 2014, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – cf. sistema informático de gestão processual do CAAD.

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se no processo administrativo, nas afirmações feitas nos articulados, nos pontos indicados, em que não foi posta em causa a respetiva aderência à realidade, e nos documentos juntos aos autos, referenciados em relação a cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não foi questionada.

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III.2. DE DIREITO

            As  questões decidendas a apreciar prendem-se com o seguinte:

a)      se o valor patrimonial tributário fixado em 2010, com base numa reclamação da matriz apresentada nesse ano ao abrigo do artigo 130.º do Código do IMI, pode ser considerado para efeitos de uma mais-valia apurada em sede de IRS, no ano de 2009;

b)      se no apuramento da matéria tributável subjacente ao ato impugnado foi demonstrada injustiça grave e notória determinante da sua anulação.

Os Requerentes fundam o seu pedido no entendimento que o valor patrimonial tributário a considerar para determinação do valor de realização da venda em 2009, em sede de IRS, é o valor patrimonial tributário fixado em 2010.

Sustentam os Requerentes este seu pedido na alegada circunstância da Administração Tributária ter procedido à retificação da Mod. 1 de IMI n.º …, com referência ao prédio inscrito na matriz sob o art.  … - … e, bem assim por ter alegadamente procedido oficiosamente à correção do valor patrimonial tributário no ano de 2010 para € 985 440 e à revisão oficiosa da liquidação de IMI de 2009, com base no novo valor patrimonial tributário de € 985 440.

Julgamos não ser de acompanhar o entendimento sufragado pelos Requerentes, senão vejamos.

No caso vertente está em causa o apuramento de uma mais-valia em sede de IRS, em virtude de ter sido promovida no exercício de 2009, a transmissão de um prédio urbano pelo valor de € 1 000 000, cujo valor patrimonial tributário ascendia a € 1 465 000.

De acordo com o artigo 44.º, n.ºs 1, alínea f) e 2, do Código do IRS, na redacção vigente em 2009, no que concerne ao valor de realização para efeito de cálculo de mais-valias, «tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.” (a referência à sisa considera-se feia para o IMT, por força do disposto no artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro).

Considera-se, assim, para efeitos de IRS, que, no caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, o valor de realização é o que servir de base à liquidação de IMT ou não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.

Ora, por sua vez, o IMT incide sobre o valor patrimonial do imóvel, especificando o artigo 16.º do Código do IMT que “O valor patrimonial tributário para efeitos deste imposto é o valor dos bens imóveis inscritos nas matrizes à data da liquidação” (cf. ainda n.º 1, do artigo 12.º, do Código de IMT).

Esta norma corresponde ao parágrafo 1º do artigo 30º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, revogado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, cuja redação, à data da revogação, era a seguinte: "Artigo 30º - Para efeitos de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações, o valor dos bens imóveis será o valor patrimonial constante das matrizes. Parágrafo 1º - Tratando-se de transmissões a título oneroso, considerar-se-á o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação."

Ao abrigo desta disposição, que estatui que o valor a considerar na determinação da matéria coletável é o inscrito na matriz à data da liquidação, a doutrina entendia que “O mesmo é dizer que se a matriz não estiver actualizada nessa data, embora a Repartição de Finanças disponha de elementos que implicam a sua actualização, não é possível, face a ulterior alteração da matriz, proceder depois à correcção da liquidação”, acrescentando-se que “O disposto no artigo 30.º do Código é de observar aquando da primeira liquidação. Mas nas liquidações adicionais que, nos termos em que o Código o permite, forem posteriormente efectuadas para correcção de outras anteriores, não podem ser aproveitadas ou servir de pretexto para, à sombra do mencionado artigo 30.º se actualizarem os valores patrimoniais em vigor à data da liquidação inicial (FERNANDES F. Pinto e FERNANDES Nuno Pinto - Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações – Anotado e Comentado, 4.ª edição, 1997, pág. 409).

Ora, a liquidação do IMT precede o ato ou facto translativo dos bens (cf. n.º 1, do artigo 22.º do Código do IMT), o que significa que, no caso vertente – de acordo com as regras do IMT para os quais o IRS remete -  o valor patrimonial tributário será o valor do bem inscrito na matriz à data da liquidação, ou seja no ano de 2009, uma vez que a transmissão se verificou nesse ano.

Acresce que, de acordo com os factos dados como provados a alteração do valor patrimonial tributário do prédio em questão, em 2010, é consequência de uma reclamação da matriz, apresentada pelo novo proprietário do imóvel – a sociedade C – Empreendimentos Imobiliários, Lda – ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 3 do artigo 130.º do Código do IMI.

A alteração do valor patrimonial do prédio em causa em 2010 deveu-se assim a uma reclamação apresentada com base na desatualização do valor patrimonial tributário e, não com fundamento em erro de transcrição ou na determinação das áreas, nem na retificação oficiosa promovida pela Administração Tributária.

O regime da reclamação das matrizes previsto no artigo 130.º do Código do IMI previa especificamente no seu n.º 7, na redação então em vigor (correspondente no essencial ao atual n.º 8) que “Os efeitos das reclamações efectuadas com qualquer dos fundamentos previstos neste artigo só se produzirão na liquidação respeitante ao ano em que o pedido for apresentado.”.

Está assim expressamente excluída a existência de efeitos retroactivos nas alterações ocorridas no valor patrimonial tributário decorrentes da reclamação de matriz feita ao abrigo do referido artigo 130.º do Código do IMI.

Note-se que na sua redação atual o n.º 8, do artigo 130.º do Código do IMI não admite efeitos retroativos - quando estejam em causa quaisquer dos fundamentos aí previstos - quer quando as alterações decorram de reclamação (como no anterior n.º 7), quer quando decorram de correções promovidas pelo próprio chefe do serviço de finanças. E entre os fundamentos previstos na disposição legal em causa, para além, da desatualização do valor patrimonial, encontram-se nomeadamente o “erro de transcrição dos elementos cadastrais ou das inscrições constantes de quaisquer elementos oficiais” e o “erro na determinação das áreas de prédios rústicos ou urbanos, desde que as diferenças entre as áreas apuradas pelo perito avaliador e a contestada sejam superiores a 10% e 5%, respectivamente”.

Conforme indicado na decisão arbitral proferida no Processo nº 13/2011-T – CAAD, “O legislador pretende obstar que, a todo o tempo, as alterações às matrizes resultantes de reclamações, tivessem efeitos retroactivos relativamente às liquidações de IMI e IMT já realizadas para esse imóvel. Caso contrário, as liquidações de IMI e de IMT nunca estariam consolidadas e bastaria uma alteração no VPT resultante da reclamação da matriz, que, nalgumas situações, pode ser feita a todo o tempo, para as liquidações anteriores daqueles impostos serem alteradas. Um tal problema não pode ser dissociado, todavia, do respeito pelo princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático, onde não podem manter-se situações eternamente não consolidáveis.”.

Em suma, há uma expressa intenção legislativa em que a correção das incorreções matriciais identificadas no artigo 130.º do Código do IMI não tenha efeitos retroativos.

Em conformidade com o exposto, a reclamação da matriz apresentada pela sociedade C – Empreendimentos Imobiliários, Lda, em 26 de Maio de 2010, só produz efeitos “na liquidação respeitante ao ano em que o pedido for apresentado” (cf. n.º 7, do artigo 130.º do Código do IMI então em vigor). Ou seja, da citada disposição legal resulta que a correção ou correções à matriz decorrentes da reclamação, nomeadamente a alteração do respetivo valor patrimonial tributário, só produzem efeitos com referência ao ano de 2010.

Sustentam os Requerentes, que o n.º 7, do artigo 130.º (ou nº 8 na atual redação) do Código do IMI não é de aplicar ao caso vertente, entendimento este que não se acompanha uma vez que como já adiantado para apuramento da mais-valia, para efeitos de IRS, se atende ao valor definitivo que servir de base à liquidação de IMT. E para efeitos da liquidação de IMT, qualquer correção à matriz, ao abrigo do referido artigo 130.º do Código do IMI não tem efeitos retroativos.

Em consequência da inação dos Requerente o valor patrimonial tributário resultante da avaliação realizada em 2007 consolidou-se na ordem jurídica independentemente de qualquer eventual erro que enfermou o ato de avaliação.

A não utilização dos meios de defesa, previstos no artigo 76.º e no artigo 130.º do Código do IMI, por parte dos Requerentes levou à formação de caso decidido ou resolvido sobre o valor patrimonial constante da matriz.

Assim, o ato de liquidação impugnado assenta num valor patrimonial tributário que se encontrava consolidado na ordem jurídica, por ausência de reação dos contribuintes, não podendo os Requerentes fundar a sua pretensão, como já anteriormente desenvolvido, numa atualização do valor patrimonial tributário promovida pelos novos proprietários, no ano seguinte ao da transmissão.

O acto de fixação do valor patrimonial tributário deve ser impugnado autonomamente, não podendo a correção do mesmo ser efetuada em sede de impugnação de subsequentes atos de liquidação.

Com efeito, “Na nossa ordem jurídica vigora a regra da impugnabilidade autónoma dos actos de fixação de valores patrimoniais com fundamento em qualquer ilegalidade, como sejam as avaliações de imóveis (cfr.artº.86, nº.1, da L.G.Tributária; artº.134, do C.P.P.Tributário). (…). Tratando-se de actos destacáveis e inexistindo tal restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa. Sendo assim, não haverá possibilidade de apreciação da correcção do mesmo acto em impugnação do acto de liquidação, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n.º 07047/13, de 28-11-2013, in www.dgsi.pt).

Isto significa, que não cabe nos presentes autos apreciar da correção do valor patrimonial tributário fixado na matriz antes do pedido de atualização formulado em 2010, e consequentemente não cabe apreciar se o mesmo estava inflacionado. Essa discussão só poderia ter lugar em sede de pedido de segunda avaliação, de reclamação da matriz ou de subsequente impugnação do valor patrimonial.

Por outro lado, os Requerentes, apesar de não terem impugnado a fixação do valor patrimonial, poderiam ter feito a prova de que o preço efetivamente praticado na transmissão foi inferior ao valor patrimonial tributário que constava da matriz, pois como tem vindo a ser entendido pelo Tribunal Constitucional as presunções ínsitas em normas de determinação da matéria tributável são ilidíveis (acórdãos do TC n.º 348/97 (BMJ n.º 466, página 140), n.º 211/03, de 28-4-2003 (DR, II Série, de 21-6-2003), mas não fizeram essa prova no procedimento de liquidação de IRS, nem na sua subsequente impugnação administrativa, nem no presente processo.

Para além disso, a falta de prova de que o preço efetivamente praticado na transmissão foi inferior ao valor patrimonial tributário que constava da matriz, obsta a que se possa concluir que foram violados os princípios da verdade material, da justiça, da igualdade, da boa fé e da proporcionalidade.

 Em face do exposto conclui-se que a liquidação impugnada não enferma de erro de facto ou de direito conducente à sua anulação.

 

Finalmente, os Requerentes sustentam que não tendo provimento os fundamentos avançados sempre se estará perante uma injustiça grave e notória, devendo proceder o presente pedido nos termos do n.º 4, do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

Dispõe a referida norma no seu número 4 que pode ser autorizada, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. Acrescentando-se no número 5 que se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e que se considera grave nomeadamente a injustiça resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade.

Este prazo estabelecido no n.º 4, do artigo 78º da Lei Geral Tributária “é, como o próprio preceito indica, um prazo excepcional, que só pode ser usado nos casos em que se verifiquem os seus estritos pressupostos, porque se entende que esse prazo especialmente alargado (aplicável numa situação em que não está em causa um erro da administração, pois neste caso o prazo será mais longo) contende com o valor jurídico da estabilidade do acto tributário e do princípio da segurança jurídica. Só quando exista uma injustiça grave ou notória, o que é diferente de uma ilegalidade, se admite a possibilidade de revisão de um acto tributário no prazo de três anos.” (Decisão proferida no Processo nº 187/2013-T – CAAD, em 3 de Março de 2014).

Note-se, ainda, que a injustiça grave e notória a alegar e demonstrar tem que ser diretamente direcionada à matéria tributável apurada (à semelhança do que se verifica na revisão excecional do lucro tributável prevista no artigo 62.º do Código do IRC).

A injustiça grave ou notória na matéria tributável em sede de IRS a existir resultará da fixação, em 2007, de um valor patrimonial tributário desproporcionado, em virtude dum alegado erro nas áreas declaradas, ou na circunstância do valor de venda ter sido manifestamente inferior ao respetivo valor patrimonial, ambas situações suscetíveis de ter conduzido ao apuramento de uma mais-valia exagerada, no ano de 2009.

 

“É o contribuinte que tem de provar a gravidade ou notoriedade da injustiça, sob pena de liminar indeferimento do pedido de revisão da matéria colectável” (GUERREIRO, António Lima Guerreiro - Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, pág. 347). Ou seja, para que seja possível dar provimento ao pedido efetuado pelos Requerentes, seria necessário que fosse devidamente alegado e demonstrado a ocorrência, no caso concreto, de uma injustiça grave e notória com referência à matéria tributável apurada, o que não verifica uma vez que os Requerentes em nenhum momento concretizam em que se consubstancia a alegada injustiça grave ou notória.

Não resulta demonstrado nos autos que o valor patrimonial tributário fixado em 2007 era um valor desproporcionado. Os Requerentes adotam sempre como referência o valor patrimonial tributário fixado em 2010 (que não fundou o ato tributário impugnado) nunca avançando qual o valor que teria sido fixado em 2007, se não se tivesse verificado o alegado erro nas áreas indicadas. Não bastando invocar o erro na declaração do Modelo 1 de IMI pois cabia-lhes demonstrar que esse erro resultou numa injustiça inequívoca ou manifestamente desproporcionada.

Por outro lado, também não foi feita prova pelos Requerentes do preço efetivo da transmissão do imóvel para que se possa concluir que foi efetivamente apurada uma mais-valia desproporcionada. Sendo certo que não basta o valor declarado na escritura para que se possa fazer essa prova, pois este será sempre, necessariamente, o valor declarado pelos contribuintes como valor de realização, o que faz pressupor que nos casos em que o valor de venda é inferior ao valor patrimonial tributário fixado, se exige aos contribuintes elementos de prova adicionais, que não foram apresentados.

Em face do exposto conclui-se não ter sido demonstrada nos autos a existência de injustiça grave ou notória conducente à anulação da liquidação impugnada.

Não sendo determinado a anulação da liquidação impugnada não se reconhece consequentemente o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios.

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            IV. DECISÃO

            Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;

b)      Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, não declarar ilegal a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares impugnada e não se reconhecer o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios;

c)      Absolver a Requerida do pedido; e

d)     Condenar os Requerentes nas custas do processo.

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VALOR DO PROCESSO:

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 99.800,15 (noventa e nove mil e oitocentos euros e quinze cêntimos).

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CUSTAS:

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.

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Lisboa, 9 de fevereiro de 2015.

 

Os Árbitros,

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

(Diogo Feio)