Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 571/2014-T
Data da decisão: 2015-04-14  IRC  
Valor do pedido: € 266.459,98
Tema: IRC – Omissão de proveitos nos exercícios de 2008 e 2009
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CAAD – Arbitragem Tributária

Processo n.º 571/2014-T

Tema: Omissão de proveitos nos exercícios de 2008 e 2009

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Jorge Lopes de Sousa (árbitro presidente), Ana Maria Rodrigues e José Pedroso de Melo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

            I. RELATÓRIO

 

No dia 29 de julho de 2014, a A... - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. (doravante designada por "A..." ou "Requerente"), NIF …, com sede na …, …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos exercícios de 2008 e 2009. Este pedido tem por base a liquidação adicional n.º 2013 …, de 19 de abril de 2013, bem como da respetiva demonstração de acertos de contas 2013 …, de 22 de abril de 2013 e da demonstração de liquidação de IRC n.º 2013 …, de 19 de abril de 2013, e da respetiva demonstração de acertos de contas n.º 2013 …, de 29 de abril de 2013, em cumulação de pedidos, num valor total de € 275.068,71, referentes a € 177.790,40 de imposto (IRC) e juros relativos a 2008 e € 97.278,31 de imposto (IRC) e juros relativos a 2009, por vício de violação de lei, sendo Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi precedido da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa pela Requerida, notificada à Requerente em 2 de maio de 2014. A Reclamação Graciosa foi apresentada pela ora Requerente em 9 de agosto de 2013 à Direção de Finanças de …, e colocava em crise as liquidações anteriormente identificadas. Estas foram resultado de uma ação inspetiva externa de âmbito parcial, respeitante aos procedimentos adotados em sede de apuramento do IRC, no âmbito das Ordens de Serviço n.° OI2012… e n.° OI2012…, de 1 de Agosto de 2012. Esta inspeção incidiu sobre as demonstrações financeiras da Requerente relativas aos exercícios de 2008 e 2009, de âmbito parcial, respeitante aos procedimentos adoptados em sede de apuramento de IRC. Tais correções traduziram-se em correções à matéria tributável de € 576.770,02, para o exercício de 2008, e de € 307.000,02, para o exercício de 2009, que conduziram a notas de liquidação num montante total de € 275.068,71 (€ 177.790,40 referente a 2008 e € 97.278,31 referente a 2009).

Porque a Requerente aceitou parte das correções efetuadas no âmbito das correções promovidas pela Inspeção Tributária da Direção de Finanças de … no âmbito da ação inspetiva, nomeadamente, as que respeitam à amortização do goodwill (“amortizações não aceites”), nos montantes de € 13.771,47, em 2008, e de € 13.771,47 em 2009, bem como imposto em falta, em 2008, resultante da tributação autónoma referente a ajudas de custo, no valor de € 1.986,06, e ainda de juros compensatórios em 2009, no valor de € 7.789,32. A Requerente procedeu à regularização do imposto em falta resultante dessas correções. Assim sendo, estes factos não são colocados em crise neste processo.

Assim das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária apenas são colocadas em crise no pedido de pronúncia arbitral os montantes de € 562.998,81 e € 293.228,55, referentes a juros de suprimentos, e que correspondem a proveitos omitidos em 2008 e 2009, respetivamente.

Estas correções que não são aceites pela Requerente prendem-se com a omissão de proveitos correspondentes à remuneração do financiamento concedido através da cedência de créditos com caráter oneroso em 2004, no montante de € 11.729.141,85. Entende a AT que a Requerente terá omitido proveitos nos períodos anteriores, associados à remuneração do crédito resultante da cedência pela Requerente à A... SGPS, S.A. ("A... SGPS"), de suprimentos sobre diversas Empresas do Grupo

Pretende a requerente arbitral a respetiva anulação das liquidações referidas anteriormente, e, como consequência imputa, para o efeito, vícios vários às respetivas liquidações.

A Requerente juntou 26 (vinte e seis) documentos e não arrolou testemunhas.

No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

A Requerente foi alvo de uma ação inspetiva externa, levada a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de …, a qual teve por objetivo, segundo o plasmado no respetivo Relatório de Inspeção Tributária, analisar as demonstrações financeiras dos períodos de 2008 e 2009. Segundo a Administração Tributária, a Requerente terá omitido proveitos nos períodos anteriores, associados à remuneração do crédito resultante da cedência pela Requerente à A... SGPS, S.A. ("A... SGPS"), de suprimentos sobre diversas Empresas do Grupo.

Segundo a Requerente, a correção em apreço assentou no pressuposto assumido pela AT, de que a ora Reclamante terá omitido nos exercícios de 2008 e 2009, os rendimentos correspondentes à remuneração do ativo gerado nas demonstrações financeiras da A..., S.A. (juros), na sequência do contrato de cessão de créditos celebrado no exercício de 2004, entre esta sociedade e a A..., SGPS. Essas correções à matéria tributável, que compreendem proveitos omitidos, nos quantitativos de € 562,998,81 em 2008 e de € 293.228,55 em 2009.

                        Segundo a Requerente, os juros desse contrato foram, no entanto, registados no exercício de 2012, no montante de € 2.463.120,00.

Entende, por isso, a Requerente que, a aceitar-se a correção em apreço, estar-se-ia perante uma situação de duplicação de coleta.

Logo, a Requerente entende que não pode deixar de discordar da posição adotada pelos serviços de Inspeção Tributária.

 

Segundo os serviços de Inspeção Tributária, devido ao carácter oneroso do contrato de cedência de créditos celebrados entre a A... e a A... SGPS, o apuramento destes juros deveria ter ocorrido desde o momento da sua celebração, no ano de 2004, e até ao momento em que se verificasse o pagamento integral do montante em dívida.

Nesse contexto, deveriam ter sido calculados e reconhecidos, anualmente, nas demonstrações financeiras da Requerente, os juros vencidos desde o ano em que ocorreu a referida cedência, i.e, 2004.

Os serviços da Inspeção Tributária afirmam que deveriam ter sido contabilizados e, como tal, sujeitos a tributação em sede de IRC, os juros anuais correspondentes à remuneração do financiamento em apreço. Logo, entende a AT que a Requerente devia ter reconhecido os juros desses suprimentos nos exercícios de 2008 e 2009. Todavia, a contabilidade da contribuinte não evidenciava nos anos em questão proveitos de juros relacionados com o financiamento em causa.

A correção em apreço assenta no pressuposto de que a ora Requerente terá omitido nos exercícios de 2008 e 2009 os rendimentos correspondentes à remuneração do ativo gerado nas demonstrações financeiras da A..., na sequência do contrato de cessão de créditos celebrado no exercício de 2004 entre esta sociedade e a A... SGPS.

           

Tendo em conta que a Requerente aceitou algumas das correções sugeridas no Relatório de Inspeção, a AT propõe que o valor da ação seja o de € 266.459,98 (ano de 2008: €173.545,40; ano de 2009: €92.914.58), por a Requerente apenas impugnar os actos de liquidação parcialmente.

A Requerente não exerceu o direito de audição prévia sobre o Projeto de Relatório, pelo que as correções propostas foram integralmente mantidas no Relatório Final de Inspeção Tributária ("Relatório de Inspeção"), do qual a Requerente foi notificada em 20 de Março de 2013.

Em 23 de Abril de 2013, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC relativa ao exercício de 2008, tendo sido notificada da demonstração de liquidação de IRC referente ao exercício de 2009 em 1 de Maio de 2013, as quais se encontram supra identificadas e refletem as correções decorrentes da ação inspetiva realizada.

Entendeu a AT que a A... S.A. não contabilizou proveitos referentes a juros de um contrato de cedência relativos a uma operação de cedência de créditos /suprimentos, situação essa que perdura no tempo, desde a realização dessa operação, que ocorreu em 2004.

A Requerente assenta o seu pedido de constituição de tribunal arbitral, com base nos seguintes fundamentos:

 

«Os serviços de Inspeção Tributária promoveram uma correção nos montantes de € 562.998,81 e € 293.228,55 referentes, respetivamente, a 2008 e 2009, a qual decorre dos proveitos que a Requerente alegadamente deveria ter reconhecido naqueles exercícios, associados ao crédito resultante da cedência à A... SGPS, S.A. ("A... SGPS"), pela Requerente, de suprimentos sobre diversas Empresas do Grupo.

Segundo os Serviços de Inspeção Tributária, devido ao caráter oneroso do contrato de cedência de créditos celebrado entre a Requerente e a A... SGPS, o apuramento destes juros deveria ter ocorrido desde o momento da sua celebração, no ano de 2004, e até ao momento em que se verificasse o pagamento integral do montante em dívida e, neste contexto, deveriam ter sido calculados e reconhecidos, anualmente, nas demonstrações financeiras da Requerente, os juros vencidos desde o ano em que ocorreu a referida cedência, i.e., 2004, até ao momento em que se viesse a verificar a sua liquidação.

Assim foram propostas a anulação das correções que implicaram uma liquidação no montante global de € 275.068,71 (€ 177.790,40 referente a 2008 e € 97.278,31 referente a 2009), porque partes destes valores foram regularizados pela Requerente, conforme referido acima, pelo que o valor global das liquidações é agora de € 266.459,98, em que € 173.545,40 respeitam a 2008 e € 92.914,58 relativos a 2009.

Por não concordar com este entendimento, que considera ilegal, infundado e sustentado em erro de facto e de direito, a Requerente vem solicitar a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação em apreço e as consequentes anulações da liquidação de IRC, por entender que não terá omitido proveitos nos períodos de 2008 e 2009, associados ao crédito resultante da cedência à A... SGPS, S.A., pela ora Requerente, de suprimentos sobre diversas Empresas do Grupo e, consequentemente, a restituição dos juros cobrados indevidamente, acrescidos de indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos do artigo 53.° da Lei Geral Tributária ("LGT'').

No exercício de 2012, a Requerente procedeu ao registo contabilístico dos referidos juros, no montante total de € 2.463.120 (conforme o balancete e respetivo extrato de conta junto em anexo à PI como Doc. 17).

A Requerente considera que, pelo facto anteriormente invocado, as presentes liquidações em crise traduzem uma clara duplicação de coleta, ilegal nos termos dos artigos 204.° e 205.° do CPPT e inconstitucional, as liquidações motivadas pelos serviços de Inspeção Tributária carecem de legitimidade e de fundamentação legal.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 30 de julho de 2014.

 

            Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa (árbitro presidente), a Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues e o Dr. José Pedroso de Melo (árbitros vogais), que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 16 de setembro de 2014, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 1 de outubro de 2014.

 

No dia 5 de novembro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugna, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e conclui pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido. A Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA), não tendo juntado quaisquer documentos, nem tendo arrolado qualquer testemunha.

 

No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua contestação:

 

Em 13 de Dezembro de 2004, a A... realizou um processo de fusão/cisão, através do qual incorporou as empresas A... - Sociedade de Prestação de Serviços, S.A. e B… – Grupo …, Lda., mediante a transferência global do património destas sociedades, com a consequente extinção.

Na decorrência dessa transferência para a A..., como sociedade incorporante, dos elementos ativos e passivos que integravam o património da A..., foram transmitidos para a ora requerente suprimentos no montante de €11.729.141,85.

No dia 30 de Dezembro de 2004, foi celebrado, entre a A... SA e a A... SGPS, um contrato denominado pelos outorgantes de cessão de créditos, pelo qual a primeira transferia para a segunda, os acima referidos suprimentos incorporados no seu património, no montante de €11.729.141,85.

Conforme vontade das partes também expressa no contrato em apreço, foi, ainda, estabelecido que a cedência dos suprimentos tinha carácter oneroso, vencendo juros.

E foi prevista o que a ora requerente designou por “período de carência”, que se traduz em ter sido estipulado no contrato ficar essa remuneração do capital subordinada à verificação de um dos dois seguintes factos (o que ocorresse em primeiro lugar):

a)                  “Distribuição de dividendos pelas participadas em montante igual ou superior ao valor do financiamento concedido inicialmente pela A... S.A.” (ou seja, em valor superior a €11.729.141,85).

b)                 “Apuramento pela A... SGPS de um rácio de “return on equity” (doravante designado por “ROE”) igual ou superior a 7.5%.

 

Assim, o pagamento dos juros foi condicionado a condições de natureza financeira da SGPS, sendo subordinado a condições apenas controláveis pela mesma.

No que concerne à taxa desses juros, foi especificado no contrato que a mesma seria definida na data da verificação das condições acima referidas, “dentro do intervalo de plena concorrência, considerando financiamentos com nível de risco e período de carência idênticos”.

Ademais, a taxa seria determinada nos termos das regras de preços de transferência, por referência a operações similares praticadas por entidades não relacionadas em que tivesse sido concedido um período de carência semelhante.

Tratava-se, por isso, de um contrato oneroso, um financiamento remunerado em condições semelhantes às praticadas no mercado.

E essa remuneração estava contratualmente prevista desde a concessão do financiamento, ou seja desde de 1 de janeiro de 2005, já que o contrato foi celebrado a 30 de Dezembro de 2004.

Os termos e condições subjacentes ao financiamento em apreço respeitam as regras de preços de transferência, uma vez que a operação foi realizada entre entidades relacionadas, para efeitos do disposto no artigo 58.° do Código do IRC (atual artigo 63.°).

Face aos constrangimentos da atividade da A... SGPS associados à conjuntura económica e à falta de capacidade da empresa gerar cash flow, o contrato de financiamento foi sucessiva e automaticamente renovado, dado que nenhum dos eventos previstos se verificou entretanto, pelo que a contabilidade da contribuinte não evidenciava nos anos de 2008 e 2009 ora em apreço, proveitos relacionados com os proveitos financeiros de juros relacionados com o financiamento em causa, pois estes anos a ora requerente não apurou os juros correspondentes à remuneração do financiamento em causa.

Conclui a Requerida no sentido de os atos de liquidação impugnados pela ora Requerente não padecerem de qualquer ilegalidade.

 

Por inexistirem matérias suscetíveis de discussão na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, o Tribunal Arbitral, por despacho proferido pelo seu Presidente, em 3 de outubro de 2014, dispensou a realização dessa mesma reunião. O Tribunal considerou que o processo continha já todos os elementos de facto para a solução de Direito.

 

O Tribunal Arbitral dispensou a apresentação de quaisquer alegações pelas partes.

Não foram produzidas alegações escritas, apesar de ter sido suscitada uma exceção de intempestividade.

 

Entendeu o Tribunal que a mesma exceção não procede, pois o pedido foi apresentado no prazo de 90 dias a contar da notificação do indeferimento da reclamação graciosa. As partes mantiveram, por isso, as posições assumidas nas peças escritas (PI/RI e contestação/resposta).

Por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, proferido em 4 de fevereiro de 2015, foi determinada a substituição do árbitro presidente deste Tribunal Arbitral coletivo, Senhor Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa, pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em virtude de aquele se encontrar impossibilitado, por motivos de saúde, para o cabal exercício das respetivas funções.

 

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            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

             A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da intempestividade, que importa apreciar prioritariamente.

 

 

II. 1. Questão da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere que a Requerente indica como objecto do pedido de pronúncia arbitral os actos de liquidação de IRC e o termo dos prazos de pagamento voluntário ocorreu 19-06-2013 (2008) e 26-06-2013 (2009), pelo que será extemporânea a apresentação do pedido de pronúncia arbitral em 29-07-2014.

Como resulta claramente da referência que no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT, nos casos em que há reclamação graciosa e recurso hierárquico, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral conta-se da notificação da decisão deste.

E, como decorre da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de liquidação, e não de decisões de indeferimento de recursos hierárquicos ou reclamações graciosas, quando há lugar a impugnação administrativa de actos de liquidação, estes actos de liquidação são sempre impugnáveis em prazo a contar da notificação da decisão de indeferimento desses actos de segundo ou terceiro grau, pois o artigo 10.º, n.º 1, indica-os como termos iniciais. Por isso, o requerente da arbitragem não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau e, mesmo quando impugna estes, considera-se que o objecto do processo arbitral é sempre o objecto mediato que constituem os actos de liquidação mantidos por actos de segundo ou terceiro grau sempre que o Requerente não impute a estes vícios próprios. Mas, obviamente, se o requerente da arbitragem apenas pretende ver declarada a ilegalidade de actos de liquidação, que são os que, sendo susceptíveis de execução coerciva, afectam a sua esfera jurídica, não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau, que carecem de lesividade autónoma.

De resto, uma hipotética deficiência na formulação do pedido não teria como corolário a absolvição da instância, apenas dando lugar, se necessário, mas sempre que necessário, a uma correcção, como impõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, em sintonia com o direito constitucional à impugnação contenciosa de todos os actos da Administração que lesem os direitos dos contribuintes (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP).

No caso em apreço, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi proferida por despacho de 24-04-2014, notificado à Requerente em 02-05-2014 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 29-07-2014, dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Por isso, a apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi tempestiva.

Improcede, assim, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

***

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. FACTOS PROVADOS

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Nesta parametria, tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida e o PA junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

1.                  A Requerente iniciou o seu processo de reestruturação no ano de 2004. No âmbito desse processo, em 13 de Dezembro de 2004, a A... realizou um processo de fusão/cisão, através do qual incorporou as empresas A... - Sociedade de Prestação de Serviços, S.A. e B… – Grupo …, Lda., mediante a transferência global do património destas sociedades, com a consequente extinção (artigo 34.º e ss. da PI e artigo 39.º da Resposta).

2. No âmbito da mencionada reestruturação empresarial, foram destacados/cindidos da A..., S.A., algumas partes do seu património, as quais foram incorporadas nas empresas A... Imobiliária, Lda. e A..., SGPS (cfr. art. 36.º da PI e 43.º e ss. da Resposta).

3. A cisão-fusão realizou-se mediante o destaque do património constituído por participações sociais, propriedade da A..., S.A., parte que foi fundida na sociedade A..., SGPS (cfr. artigos 4.º e 5.º da PI, artigo 43.º da Resposta; Documento 3);

4. A referida operação, visou a reorganização de participações, com a constituição de um grupo estruturado liderado por uma SGPS, responsável pela gestão das participações do Grupo e da relação destas com as instituições financeiras (fls. 75 do PA, art. 44.º da Resposta e artigo 40.º da PI).

5. Dessas operações resultou a constituição da A... SGPS, bem como a concretização das seguintes operações:

“- Entradas em espécie, para realização do capital social da A... SGPS, através da entrega pelos sócios de participações na A... SA (permuta de partes sociais) em 2004 e 2005.

Fusão por incorporação das sociedades A... - Sociedade de Prestação de Serviços, S.A. e … – Grupo …, Lda., na A..., S.A., em 2004.

Cisão-fusão de parte do património da A..., S.A. para as sociedades A... Imobiliária, S.A. e A... SGPS, no ano de 2004.”

 

6. Na decorrência dessa transferência para a A..., como sociedade incorporante, dos elementos ativos e passivos que integravam o património da A..., foram transmitidos para a ora requerente suprimentos no montante de €11.729.141,85 (artigo 46.º da Resposta e Anexo 9 do Relatório Inspetivo junto do PA).

7. No dia 30 de Dezembro de 2004, foi celebrado, entre a A..., S.A. (Requerente) e a A... SGPS, um contrato denominado pelos outorgantes de cessão de créditos, pelo qual a primeira transferia para a segunda, os acima referidos suprimentos sobre diversas empresas do grupo e incorporados no seu património, que lhe haviam sido transferidos na sequência da fusão por incorporação da A..., pelo respetivo valor nominal, no montante de €11.729.141,85 (artigo 46.º da Resposta e artigo 44.º da PI e Anexo 9 ao relatório inspetivo, junto ao PA).

8. Uma vez que a A... SGPS não dispunha de meios financeiros para concretizar o pagamento desse empréstimo, ficou a mesma devedora daquele montante à A....

9. Registou os suprimentos no montante de €11.729.141,85, que contabilizou na conta “2571 – Suprimentos” (cfr. fls.70 do PA; e art. 41.º da Resposta).

10. As empresas devedoras dos suprimentos em questão encontram-se evidenciadas nas subcontas da conta “25 – Acionistas” da firma A... SGPS, S.A., do ano de 2004 – cf. página do Anexo 9 ao Relatório Inspetivo, junto ao PA.

11. A contribuinte explicou, no âmbito da ação inspetiva, a razão da celebração do contrato sub judice:

«(…) visto a A..., SGPS deter participações maioritárias nas entidades devedoras (equacionando-se já em 2004 a aquisição da totalidade dessas participações da A..., S.A. – o que veio a verificar-se no ano seguinte, 2005) considerou-se que a A..., SGPS seria a entidade mais habilitada a gerir os financiamentos intragrupo, bem como a centralização da gestão de tesouraria das entidades que o compõem.

Com efeito, “sendo a A..., S.A. uma entidade operacional não vocacionada para uma atividade de gestão, seria ineficiente de um ponto de vista organizacional que gerisse o pagamento dos financiamentos concedidos (…). A A..., SGPS, por sua vez, possuía a estrutura, know-how e a vocação para administrar os financiamentos» (cf. e-mail da contribuinte, fls. 75 do PA).

12. Ou, ainda em conformidade com a informação prestada pela contribuinte no decurso do procedimento inspectivo, por se ter sido entendido “que seria mais eficiente que a sociedade SGPS passasse a gerir os créditos”, ”a A... cedeu os créditos sobre as participadas à A..., SGPS” (Cf. e-mail da contribuinte e fls. 74 do PA).

13. Nesse designado «contrato de cessão de créditos», foi estipulado que a A..., S.A. cedia à A..., SGPS o crédito de €11.729.141,85 (fls. 71 do PA).

14. “Para suportar esta operação”, “a A... e a A..., SGPS celebraram um contrato de financiamento”, isso dadas as “carências de tesouraria da SGPS” “ e “o facto de ter sido constituída recentemente” – cf. e-mail da contribuinte constante da fls. 74 do PA.

15. Nos termos do contrato de cedência de créditos, e atendendo ao facto de, à data, a A... SGPS ser uma sociedade recém-constituída, foi estabelecido um período de carência no vencimento dos juros do referido empréstimo, por forma a A... SGPS dotar-se de robustez financeira que lhe permitisse suportar estes encargos.

16. Estabeleceu-se contratualmente que o vencimento dos juros estaria subordinado à ocorrência dos seguintes eventos:

a) “Distribuição de dividendos pelas participadas em montante igual ou superior ao valor do financiamento concedido inicialmente pela A... S.A.” (ou seja em valor superior a €11.729.141,85).

b) “Apuramento pela A... SGPS de um rácio de “return on equity” (doravante designado por “ROE”) igual ou superior a 7.5%.

 

17. Assim, relativamente ao preço a pagar pela cessionária, foi determinado que o mesmo corresponderia ao valor dos suprimentos cedidos (ou seja €11.729.141,85), montante que seria pago numa única prestação, a realizar em 31 de Dezembro de 2005, sendo, porém, tal prazo automaticamente prorrogável por períodos de um ano.

18. Uma vez que a A... SGPS não dispunha de meios financeiros para concretizar o pagamento deste ativo, ficou a mesma devedora daquele montante à A....

19. Foi vontade das partes, expressa no contrato em apreço, que a cedência dos suprimentos tinha carácter oneroso, vencendo-se juros.

20. Assim, foi estipulada uma obrigação de a SGPS remunerar o “capital objeto da presente cessão de créditos”.

21. O pagamento dos juros foi aí condicionado a condições de natureza financeira da SGPS, em condições apenas controláveis por si própria.

22. A SGPS é que ficou a gerir o pagamento dos financiamentos concedidos intragrupo.

23. A taxa desses juros que ficou especificada no contrato dependeria da taxa definida na data da verificação das condições anteriormente referidas, “dentro do intervalo de plena concorrência, considerando financiamentos com nível de risco e período de carência idênticos, com base em informação referente a créditos constantes de base de dados financeira internacional”.

24. E, esclarecendo o estabelecido contratualmente, o contribuinte informou, aquando da acção inspectiva, que “a taxa seria determinada nos termos das regras de preços de transferência, por referência a operações similares praticadas por entidades não relacionadas em que tivesse sido concedido um período de carência semelhante” (cf. e-mail da contribuinte, verso da fl. 75 do PA).

25. As operações realizadas entre a Requerente e a A... SGPS integram-se no âmbito de uma operação realizada entre entidades relacionadas, para efeitos do disposto no artigo 58º do Código do IRC (artigo 83º do r.i. e artigo 92.º da Resposta, cf. nomeadamente, fls.30 do PA).

26. A contabilidade da Requerente não apurou os juros correspondentes à remuneração deste financiamento, durante os exercícios 2008 e 2009.

27. No exercício de 2012, a Requerente procedeu ao registo contabilístico dos referidos juros, no montante total de € 2.463.120 (conforme o balancete e respetivo extrato de conta junto em anexo como Documentos 4, 5 e 17 e Declaraçao Modelo 22, cfr.documento 6).

28. O registo contabilistico dos juros em apreço foi efetuado na sequência da anulação do saldo em dívida entre a A... SGPS e a Requerente, promovida em resultado da aquisição, por parte da Requerente, da participação detida pela A... SGPS na D… — Comércio e Indústria de ..., S.A. ("D…"), realizada no exercício de 2012 no âmbito de um projeto de reestruturação societária, que a A... SGPS realizou.

29. O “reembolso” deste empréstimo veio a ocorrer no exercício de 2012, por parte da A... SGPS à A..., S.A. (Documento 4 e 5).

30. A anulação do saldo em dívida entre a A... SGPS e a A..., S.A., foi resultado da aquisição por parte da A... da participação detida pela A... SGPS na D… – Comércio e Indústria de ..., S.A., realizada no exercício de 2012, no âmbito de um projeto de reestruturação societária que a A... SGPS estava a realizar.

31. De facto, no âmbito da referida operação foi acordado entre as partes que uma parcela do respetivo valor de realização seria paga mediante compensação do saldo em dívida da A... SGPS para com a Requerente, em resultado do contrato de cessão de créditos, permitindo à A... SGPS anular este saldo sem a movimentação de meios financeiros de que não dispunha.

32. Para a determinação do montante dos juros devido, a Requerente solicitou um estudo independente de preços de transferência, produzido pela consultora ... & Associados — Sociedade de Revisores de Contas, S.A. (Doc. 18).

33. O referido estudo foi produzido no sentido de determinar intervalos de taxas de juro considerados de plena concorrência para operações comparáveis ao referido financiamento em causa.

34. Tendo por base o relatório da referida consultora, a Requerente utilizou a taxa de 2,8% para o cálculo dos juros de 01/01/2005 a 30/06/2012, registados no período de 2012.

35. A Ribeiralves optou pelo valor mínimo da taxa de juro calculada pela .... A Requerente utilizou a taxa de 2,8% para o cálculo dos juros de 01/01/2005 a 30/06/2012, registados no período de 2012.

36. Todavia, atendendo a outros compromissos financeiros detidos pelos A..., SGPS, S.A., de montantes semelhantes, nos períodos de 2007 a 2009, junto de instituições financeiras, a taxa de 2,8% não se revela adequada pela AT, atendendo à existência de relações especiais entre as duas contratantes.

37. A contabilidade da Requerente, nos anos de 2008 e 2009, evidenciava, na conta de suprimentos “25297 – A... SGPS (papel comercial) um financiamento de “sentido contrário” àquele que tem vindo a ser analisado (Cf. PA, anexo 10 ao Relatório Inspectivo – verso da pág. 84 e verso da pág. 86).

38. Ou seja, um financiamento obtido pela A... S.A. junto da sociedade A... SGPS, S.A., no montante de €12.845.000,00, valor similar aos créditos cedidos em 2004 (cf. e-mail de 8 de Fevereiro de 2013, junto ao PA, verso da pág. 75 e pág. 76).

39. A SGPS também contratualizou o pagamento de juros neste caso (cf. e-mail de 8 de Fevereiro de 2013, junto ao PA, verso da pág. 75 e pág. 76).

 40. Estes empréstimos obtidos pela ora requerente originaram, nos anos de 2008 e 2009, débito de juros por parte da A... SGPS, contabilizados na conta “6813 - Outros Juros de suprimentos”, no total de €621.458,00 e €320.245,00, respetivamente (cf. documentos juntos no mencionado anexo 10 ao Relatório Inspetivo) (cf. e-mail de 8 de Fevereiro de 2013, junto ao PA, verso da pág. 75 e pág. 76).

41. Como decorre desses elementos, a taxa de juro associada a este financiamento obtido pela A... SA da A... SGPS, nos anos de 2008 e 2009, foi, respetivamente, de 4,8% e de 2,5% (tal como se pode concluir das seguintes fórmulas: 621.458,00/12.845.000,00*100 = 4.8; e que 320.245,00/12.845.000,00*100 = 2,5) (cf. e-mail de 8 de Fevereiro de 2013, junto ao PA, verso da pág. 75 e pág. 76).

 42. Esses seriam os juros que a A..., S.A. teria que pagar no mercado financeiro se se endividasse diretamente.

43. Não tendo sido determinada a remuneração dos suprimentos de €11.729.141,85, mas sendo determinável, “deve ser apurada tendo em consideração os montantes em dívida ao longo dos anos de 2008 e 2009, no valor, e as taxas de juro aplicadas pela AT ao financiamento obtido da A... SGPS que foi de 4,8% em 2008 e 2,5% em 2009, à semelhança do previsto no parecer da ....

44. Deste modo, o proveito correspondente aos juros previstos no contrato de cessão de créditos em apreço foi sujeito a tributação em sede de IRC, tendo concorrido para a formação do lucro tributável do exercício de 2012 (Declaração Modelo 22 - Doc. 19).

45. No âmbito das Ordens de Serviço n.° 0I2012… e n.° OI2012…, de 1 de Agosto de 2012 (cfr.: Doc. 7), foi efetuada uma ação inspetiva externa às demonstrações financeiras da Requerente relativas aos exercícios de 2008 e 2009, de âmbito parcial, respeitante aos procedimentos adotados em sede de apuramento do IRC.

46. Em 27 de Fevereiro de 2013, a Requerente foi notificada do Projeto de Conclusões da Inspeção Tributária ("Projecto de Relatório" — Doc. 14), mediante o qual os serviços da Administração Tributária propuseram as seguintes correções em sede de IRC:

 

2008:

Propostas de correcção ao incro tributável:

 

 

Amortização do goodwill

Ponto III.2.

13,771,47

Juros de suprimentos (proveitos omitidos)

Ponto III.6.6.

562.998,81

Total

576.770,28

 

 

 

Imposto em falta:

 

 

Tributação autónoma – Ajudas de custo

Ponto III.2.1

1.986,01

 

 

2009:

Propostas de correcção ao incro tributável:

 

 

Amortização do goodwill

Ponto III.2.

13,771,47

Juros de suprimentos (proveitos omitidos)

Ponto III.6.6.

293.228,55

Total

307.000,02

 

Imposto em falta:

 

 

Juros compensatórios

Ponto III.4

7.789,32

 

 

 

47. Os serviços de Inspeção Tributária promovem uma correção nos montantes de € 562.998,81 e € 293.228,55 referentes, respetivarnente, a 2008 e 2009 a qual decorre dos proveitos que a Requerente alegadamente deveria ter reconhecido naqueles exercícios, associados ao crédito resultante da cedência à A... SGPS, S.A. ("A... SGPS"), pela Requerente, de suprimentos sobre diversas Empresas do Grupo (ponto III.6.6 do Relatório de Inspeção).

48. Da referida ação inspetiva resultaram correções, em sede de IRC não entregue nos cofres do Estado pela Requerente, relativas ao período de tributação de 2009 e 2010, consubstanciadas no quadro seguinte [cfr. fls. 22 do Relatório de Inspeção Tributária].

49. A correção promovida pelos serviços de Inspeção Tributária teve por base a taxa de juro aplicada ao saldo em dívida da A... SGPS à A..., em resultado do contrato de cessão de créditos, nos exercícios de 2008 e 2009, ao qual foi aplicada a taxa de juro acordada nos financiamentos obtidos em 2007 pela A... SGPS junto de instituições financeiras.

50. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia sobre o Projeto de Relatório, pelo que as correções propostas foram integralmente mantidas no Relatório Final de Inspeção Tributária, do qual a Requerente foi notificada em 20 de Março de 2013 (Doc. 1).

51. Em 23 de Abril de 2013, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC relativa ao exercício de 2008, tendo sido notificada da demonstração de liquidação de IRC referente ao exercício de 2009, em 1 de Maio de 2013, e refletem as correções decorrentes da ação inspetiva realizada (vide Doc. 2).

52. A Requerente aceitou as correções referentes à amortização do goodwiilI, à sujeição a tributação autónoma das ajudas de custo e ao pagamento de juros compensatórios, tendo procedido à regularização do imposto em falta resultante das mesmas (vide Doc. 3).

53. Por não concordar com as restantes correções promovidas pelos Serviços de Inspeção Tributária, em 9 de Agosto de 2013 a ora Requerente apresentou, como já se referiu, Reclamação Graciosa com vista à contestação das correções em apreço, e que se pretendem com a omissão de proveitos omitidos nos exercícios de 2008 e 2009 relacionados com a remuneração do financiamento concedido pela Requerente à A… SGPS.

54. Todavia, essa Reclamação foi indeferida pela AT.

55. Os fundamentos de anulação dos atos tributários aduzidos pela ora Requerente na Reclamação Graciosa não foram acolhidos pela Autoridade Tributária e, em 2 de Maio de 2014, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada (Doc. 8), na qual a Divisão de Justiça Administrativa ("DJA") manteve todas as correções promovidas pelos Serviços de Inspeção Tributária.

56. Em 24 de janeiro de 2014, a AT emitiu as liquidações impugnadas, no valor de € 177.790,40 relativa a 2008 e € 97.278,31 relativa a 2009, tendo como data limite de pagamento voluntário os dias 19.06.2013 e 26.06.2013 (cfr. documento n.º 1 junto com a PI).

57. A Requerente não efetuou o pagamento do imposto liquidado na parte relativa às correções ora impugnadas no presente Requerimento, por entender que o mesmo não é devido (artigo 118.º da PI).

58. Em consequência, foram instaurados os processos de execução fiscal n.° …2013… relativamente ao IRC de 2008 (Doc. 21) e n.° …2013… relativo ao IRC de 2009 (Doc. 22).

59. A Requerente, nos termos e para os efeitos do art. 169° do CPPT, e para garantia das dívidas do IRC de 2008 e de 2009, constituiu, hipotecas a favor da Fazenda Pública / Autoridade Tributária e Aduaneira (Documentos 23 e 24).

60. Em 29 de julho de 2014, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).

 

*

 

III.1.2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

Entende a Requerente que aquando da cisão-fusão da A..., os suprimentos não foram transferidos juntamente com as participações financeiras para a A... SGPS, situação que se deveu a um mero lapso e que veio a tornar necessário o posterior contrato de cedência deste crédito da A... para a A... SGPS.

Todavia, não se provou ter existido um lapso na não transferência do valor dos suprimentos concedidos a várias sociedades do Grupo pela A... para a A..., SGPS, pelo que esse crédito permaneceu no balanço da requerente.

Não foi provado que a taxa de juro aplicada pela Requerente fosse a taxa de juro de mercado à data que importaria considerar para efeitos de apuramento dos proveitos de juros, à luz das regras de preços de transferência.

 

*

 

III.1.3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nas afirmações feitas nos articulados, nos pontos indicados, em que não foi posta em causa a respetiva aderência à realidade e nos documentos juntos aos autos, referenciados em relação a cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não foi questionada.

Relativamente à factualidade não provada, esta foi assim considerada em resultado da ausência de quaisquer elementos probatórios suscetíveis de, inequivocamente, a comprovarem.

 

*

 

IV. DO DIREITO

 

Como resulta da matéria de facto fixada, foi realizada uma inspeção tributária, no seguimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2012… e OI2012…, de 1 de agosto de 2002 tendo em vista as demonstrações financeiras da reclamante, relativas aos exercícios de 2008 e 2009, respeitante aos procedimentos adotados em sede de apuramento de IRC. Nos elementos declarados pela Requerente, esta terá omitido nos exercícios de 2008 e 2009, os proveitos correspondentes à remuneração do ativo gerado nas demonstrações financeiras da A..., S.A., na sequência do contrato de cessão de créditos celebrados no exercício de 2004, entre esta sociedade e a A... SGPS.

Os proveitos que os serviços de inspeção tributária alegam que a Reclamante não sujeitou a tributação nos exercícios de 2008 e 2009 foram reconhecidos e tributados no exercício de 2012, motivo pelo qual a Requerente entende que, a aceitar-se a correção em apreço, estar-se-ia perante uma situação de duplicação de coleta, dado que incide sobre a mesma realidade tributável e idêntico período de tempo.

Considera ainda a Requerente que a eventual tributação dos proveitos em causa nos exercícios de 2008 e 2009, e da liquidação de quaisquer juros compensatórios, não se coaduna com o princípio de dependência parcial do CIRC face à Contabilidade.

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados à liquidação de IRC, vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

No caso em apreço, os vícios imputados pela Requerente aos actos impugnados que fornecem mais estável e eficaz tutela dos seus interesses são os referidos nos pontos III.b) do pedido de pronúncia arbitral, atinentes à não verificação dos requisitos subjacentes ao reconhecimento dos proveitos, que alegadamente não foram contabilizados pela Requerente nos exercícios de 2008 e 2009.

Dentre estes, sendo colocada uma questão contabilística de omissão de proveitos gerados por contrato de cessão de crédito, a consideração ou não dos juros como proveitos nos exercícios de 2008 e 2009 relativos a esse contrato, ou da inexistência de uma norma fiscal que obrigue à periodização dos referidos proveitos verificar-se-á um vício, que a existir, afastará definitivamente a possibilidade de impor à Requerente qualquer tributação a nível de IRC, nos termos em que foi aplicada à situação em apreço.

Depois, passar-se-á, na medida do que for necessário à apreciação dos outros vícios, que se revelem essenciais para a boa decisão da causa.

 

IV.1. Da determinação do lucro tributável

 

De entre os objetivos clássicos do relato financeiro anual das entidades cabe fornecer informação que seja útil para as decisões de investimento e de financiamento, fornecer informação acerca das fontes de fundos da entidade, do seu grau de exigibilidade e das respetivas alterações, fornecer informação útil à medição dos fluxos de caixa esperados. Para além dessa função informativa da Contabilidade importa atender à sua função performativa, para efeitos de tributação.

Assim, no âmbito dessa função, dispõe o artigo 17.º sobre a epígrafe “Determinação do lucro tributável”:

 1 - O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

 2 – (…).

 3 - De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

 a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

 b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

Omitindo uma entidade proveitos/rendimentos ou custos/gastos em um ou vários períodos contabilísticos jamais a informação contabilística pode atingir os seus objetivos informativos e/ou performativos.

 

IV.2. Da dependência parcial do Código do IRC face à Contabilidade

 

O Código do Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante, Código do IRC ou CIRC) consagra, um modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade, de acordo com o qual o lucro tributável é apurado a partir do resultado contabilístico e das variações patrimoniais não refletidas no mesmo, sendo efetuados os ajustamentos extracontabilisticos positivos ou negativos previstos na legislação fiscal.

Deste modo, o tratamento decorrente dos normativos contabilísticos é aplicável (e aceite) para efeitos fiscais sempre que o Código do IRC e eventual legislação complementar não estabeleçam regras próprias que determinem o contrário.

O modelo de dependência parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal, foi acolhido desde há muito no regime fiscal português. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, afirma-se que: “sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das normas contabilístico”.

O respeito pelo princípio de dependência parcial do Código do IRC face à contabilidade obriga a que não existindo uma disposição prévia do legislador fiscal se siga para efeitos de apuramento do lucro tributável, o que se encontrar estabelecido nas normas contabilísticas em vigor à data.

No que respeita ao tratamento contabilístico desta questão importa atender ao previsto no Capítulo 4 – Princípios contabilísticos, claramente se afirma que “com o objetivo de obter uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa (…) necessário se torna respeitar os princípios contabilísticos elencados nesse mesmo capítulo, e um deles (alínea c) do capítulo 4) é o princípio da especialização (ou do acréscimo), onde claramente se estatui que: “os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.”. Na contabilidade é evidente que o princípio do acréscimo ou da periodização económica está subjacente ao apuramento do resultado contabilístico, e afigura-se essencial para obtenção de uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira, do desempenho e das alterações da posição financeira.

O princípio do acréscimo ou da especialização dos exercícios (períodos) conduz a que os efeitos das transações e de outros acontecimentos sejam reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionam. O desempenho e a situação de uma entidade medem-se de acordo com um regime de competência económica, em que o resultado contabilístico corresponde à diferença entre todos os proveitos e gastos gerados ou incorridos no período.

Todavia, in casu, existe uma clara disposição fiscal constante no CIRC a respeito da questão em análise. Veja-se o disposto no art. 18.º do CIRC, sob a epígrafe “Periodização do lucro tributável”:

 “1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

 2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(…)”.

 

Assim, quer do ponto de vista contabilístico quer do ponto de vista fiscal, se conclui que para o apuramento do resultado líquido de cada um dos períodos devem concorrer todos os custos/rendimentos gerados em cada um dos períodos. Com efeito. também, do ponto de vista fiscal se estatui que para a determinação do lucro tributável se deve obedecer ao regime do acréscimo.

O reconhecimento dos proveitos/rendimentos, na base do acréscimo, deve ser efetuado no período a que dizem respeito os efeitos das transações, e não no período em que ocorram as receitas ou no período em que ocorram os recebimentos.

Não se pode confundir o momento da geração do proveito com o momento do seu recebimento, pois a geração do proveito vai gerar um direito a receber essa importância no mesmo momento ou em momento diferente do tempo. Com o respeito por esse princípio assegura-se do ponto de vista contabilístico uma imagem verdadeira e apropriada do património ou da situação financeira, do desempenho e das alterações da posição financeira. Do ponto de vista fiscal a obrigatoriedade de considerar os custos e os proveitos no exercício em que são gerados/incorridos impede também que os contribuintes difiram os custos e os proveitos com finalidades de gestão fiscal diversas daquelas que o legislador fiscal entendeu privilegiar no sistema fiscal português.

Por isso, de um ponto de vista contabilístico impunha-se o registo dos juros decorrentes do ativo associado à cessão de créditos da Requerente à A... SGPS, pois não existe qualquer norma no Código do IRC ou demais legislação fiscal complementar que imponha um tratamento fiscal distinto do regime contabilístico, antes ele é confirmado pelo princípio contido no artigo 18.º do CIRC.

Assim, e em obediência ao princípio do acréscimo/especialização claramente os proveitos devem ser reconhecidos quando obtidos e não quando recebidos. Assim e independentemente das condições constantes do contrato celebrado entre a A... e a A..., SGPS para o pagamento desses juros, o que é relevante do ponto de vista contabilístico é o momento da geração do proveito/rendimento, e este é necessariamente o período contabilístico em que o capital gerou juros.

Afirma a requerente que “(…) à luz dos princípios consagrados no Plano Oficial de Contabilidade (doravante,"POC”) então em vigor como normativo contabilístico aplicável em Portugal, nomeadamente à Requerente, não havia qualquer rendimento a registar contabilisticamente nos períodos de tributação de 2008 e 2009, porquanto não era possível antecipar se e quando algum dos factos de que dependia o vencimento dos juros iria ocorrer”.

Esta posição da requerente não se enquadra nos sãos princípios da contabilidade à data (POC), e que são integralmente mantidos no atual Sistema de Normalização Contabilística (SNC), pois o princípio do acréscimo ou da especialização é um garante da obtenção da imagem verdadeira e apropriada da situação financeira, do desempenho e das alterações da posição financeira na entidade em cada um dos períodos contabilísticos. Logo, não devia e não podia a Requerente apurar o resultado contabilístico de cada um dos períodos sem estimar os proveitos e os custos de cada um desses períodos à luz do princípio da especialização constante no capítulo 4 do POC, independentemente ou não do seu recebimento.

Logo, a Requerente não apurou os juros correspondentes à remuneração deste financiamento, mas tinha de o fazer à luz do princípio do acréscimo que dominava o sistema contabilístico à data.

Ao regime do acréscimo, coração de todo o edifício contabilístico, opõe-se um outro regime baseado em caixa, e assim é que importa o momento em que ocorram os factos financeiros ou monetários. Os custos/gastos e os proveitos/rendimentos em base de caixa são reconhecidos no período em que ocorram os pagamentos e os recebimentos. Todavia, não é este o regime de contabilidade que vigora em Portugal. Há uma clara confusão conceptual na posição defendida pela Requerente entre o regime do acréscimo e o regime de caixa.

Do ponto de vista contabilístico há uma confusão na argumentação da Requerente entre remuneração a pagar e rendimento.

Foi estabelecido um contrato bastante específico entre a Requerente e a A..., com uma lógica de longo prazo, uma vez que não era expectável, na data da assinatura do mesmo contrato, quando iriam ser pagos os juros e o capital do empréstimo em causa. Todavia, estas especiais condições associadas ao pagamento dos juros são assumidas pela AT e pela Requerente como consequência das especiais relações que ligavam as duas entidades contratantes.

Assim e atendendo às condições contratualmente estabelecidas entre a Requerente e a A...valves, o vencimento dos juros estaria subordinado à ocorrência de um dos seguintes eventos:

a)         a distribuição de dividendos pelas participadas da A... SGPS em montante igual ou superior ao valor em dívida à A...;

b)        o apuramento pela A... SGPS de um rácio de return on equity ("ROE") igual ou superior a 7,5%.

 

A Requerente informou a AT, em Novembro de 2012, que “face aos constrangimentos da atividade da A..., SGPS (associados à conjuntura económica) e à falta de capacidade da empresa gerar cash flow, o contrato de financiamento tem sido renovado automaticamente, sem que nenhum dos eventos previstos se tenha ainda verificado”. Em Fevereiro de 2013 veio ainda informar que:

-“Face à crise financeira instalada, com consequências ao nível da performance económica e financeira da A..., SGPS, esta ainda não atingiu o rácio em questão, não lhe permitindo suportar juros”.

-“Desta forma, a A... SGPS apenas teria capacidade para reembolsar os créditos cedidos pela A..., S.A. na eventualidade das entidades devedoras do Grupo a reembolsarem a ela própria, o que não se verificou”.

 

Todavia, esta questão não revela para o a consideração do proveito/rendimento em cada um dos períodos em análise. As condições contratualmente estabelecidas estão relacionadas com o vencimento dos juros incorridos ao longo dos diferentes períodos, todavia, o rendimento é gerado na medida em que o capital é utilizado e a sua contabilização não dependente de condições financeiras na entidade mutuária.

Verifica-se uma confusão da parte da Requerente sobre o momento de verificação dos fluxos económicos e dos fluxos financeiros e monetários. Os juros associados à cedência dos suprimentos vencer-se-iam desde a data da cessão do crédito até à data em que ocorresse o primeiro destes dois eventos enquanto obrigação financeira, todavia, eram gerados na medida em que a mutuária podiam beneficiar desse capital.

Do ponto de vista contabilístico a Requerente estava obrigada pelo ordenamento contabilístico em vigor, à data dos factos, a reconhecer na conta “2711 - Acréscimo de proveitos – juros a receber” por contrapartida da conta “781 - Juros obtidos”.

Quando as condições financeiras contratadas se verificassem, saldar-se-ia a conta 27.11. por contrapartida de uma conta de terceiros ou disponibilidades, pela assunção de uma responsabilidade financeira da A... SGPS à A....

A omissão desses proveitos ao longo do período em que foram gerados conduz a que as demonstrações financeiras não dêem uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira, pois omite-se direitos (na entidade que tem direito a receber os juros), e obrigações na entidade que tem o compromisso de pagar essa dívida de juros. Também os resultados das 2 entidades não traduzem o verdadeiro desempenho da entidade, pois os gastos e os rendimentos das duas entidades aparecem subavaliados em valores materialmente relevantes, pois as demonstrações financeiras devem evidenciar todos os elementos que sejam relevantes e que possam afetar avaliações ou decisões pelos utentes interessados.

Impunha-se, por isso, o registo contabilístico dos juros. Logo não se pode afirmar como o fez a Requerente que o registo contabilístico dos juros não se impunha. Impunha-se em função das exigências previstas na Contabilidade e no direito fiscal. A afirmação da Requerente que não existe qualquer norma no CIRC que impusesse um tratamento fiscal distinto do regime contabilístico não se afigura adequada, pois neste caso, o tratamento fiscal coincide exatamente com o tratamento contabilístico.

Ainda que não existisse uma taxa determinada para o cálculo desses juros, esta era determinável, e por isso, os juros podiam ser estimados. A verificar-se uma diferença na estimação face ao ocorrido esta seria corrigida no momento em que essa taxa fosse definitivamente determinada.

Assim, invocar que não calculou/estimou o proveito porque a taxa de juro não estava determinada senão no momento em que a A..., SGPS tivesse condições de liquidar essa obrigação não colhe assentimento no edifício contabilístico em vigor à data dos factos. Se a taxa de juro não estava claramente definida à data de cada um dos períodos, 2008 e 2009, a A..., S.A. podia e devia ter feito uma estimativa desses proveitos ao abrigo do disposto no POC e no CIRC. Como a taxa de juro não estava determinada, mas era determinável, devia estimar o fluxo de proveitos gerado por esse financiamento, pois não podia desconhecer a geração desse rendimento.

Afirma, ainda, a Requerente que o vencimento dos juros decorrentes do contrato da cessão de créditos em apreço não ocorreu, uma vez que nenhum dos eventos dos quais dependia o seu vencimento se verificou. Todavia, a questão aqui não se prende com o vencimento da obrigação gerada pela responsabilidade assumida pela A..., SGPS, mas sim com o momento da geração do proveito. E esse ocorre ao longo dos vários períodos em a A... tem direito a esse proveito.

A contabilidade da contribuinte não evidencia, porém, nos anos de 2008 e 2009 proveitos relacionados com o financiamento em causa. Todavia, o princípio do acréscimo obriga a reconhecer os proveitos e os custos quando eles ocorrem, independentemente do momento em que vierem a verificar-se os fluxos financeiros ou monetários (POC, capítulo 4).

São estes juros pela cedência dos suprimentos pela Requerente à A... SGPS, que estão em causa nos presentes autos e que motivaram as correções que estão na origem das liquidações de 2008 e de 2009 impugnadas no presente procedimento arbitral, por se traduzirem em omissão de proveitos nos períodos considerados.

O reembolso deste empréstimo veio a ocorrer no exercício de 2012, por parte da A... SGPS à A..., S.A. e nesse mesmo exercício, a Requerente procedeu ao registo contabilístico dos referidos juros, no montante total de € 2.463.120. Todavia, a Requerente violou claramente o disposto no enquadramento contabilístico, bem como ao disposto no artigo 18.º do CIRC, nos exercícios de 2008 e 2009. Os proveitos de juros deviam ter vindo a ser estimados, ano a ano, desde a data de contrato de cessão celebrado, sendo que essas estimativas poderiam e deveriam ser corrigidas no momento em que os juros fossem efetivamente pagos. A eventual necessidade de correção de valores não pode e não deve ser considerada razão para a não consideração dos proveitos nos diferentes períodos em que os juros foram gerados.

Ainda que essa taxa de juro efetivamente utilizada só fosse definida no momento da liquidação do contrato de suprimentos, ainda assim a Requerente, podia e devia ter estimado os juros a concorrer em cada ano para os resultados líquidos do período.

Há uma violação do regime da periodização económica, remetendo o reconhecimento dos juros como rendimento/gasto para os momentos em que os mesmos são recebidos ou pagos.

No caso em concreto, a Requerente para além de não apurar o seu resultado contabilístico de acordo com os princípios contabilísticos em vigor, viola a disposição fiscal prevista no art. 18.º do CIRC.

Assim, os juros em causa deveriam ter sido contabilizados e sujeitos a tributação pela Requerente desde o momento da cedência de suprimentos, e ainda que a AT esteja impedida de liquidar os juros vencidos de 2005 a 2007, pode e deve fazê-lo para os anos de 2008 e 2009.

Facilmente se depreende que o retardamento da liquidação se ficou a dever a um facto imputável ao sujeito passivo, que não deu cumprimento ao previsto no ordenamento contabilístico - POC, bem como nos artigos 17º e 18º do Código do IRC.

Assim, pode concluir-se que a Requerente omitiu proveitos/rendimentos nas suas demonstrações financeiras e, logo, do apuramento do lucro tributável nos exercícios em causa.

A Requerente reconhece exatamente essa circunstância quando afirma que “nos termos do contrato de cedência de créditos, e atendendo ao facto de, à data, a A... SGPS ser uma sociedade recém-constituída, foi estabelecido um período de carência no vencimento dos juros do referido empréstimo, por forma a A... SGPS dotar-se de robustez financeira que lhe permitisse suportar estes encargos”.

O período de carência do vencimento dos juros é, todavia, apenas motivado por questões financeiras, ou seja, por impossibilidade de cumprimento financeiro desses juros. Outra é a questão central neste processo: o momento de reconhecimento pela A..., S.A. do rendimento de juros associados ao contrato de suprimentos. Esses em obediência ao princípio do acréscimo ou da especialização podiam e deviam ter sido reconhecidos como proveitos nas contas da A..., S.A. nos anos em que os mesmos foram gerados, independentemente do momento em que a obrigação financeira associada aos mesmos venham a ser exigíveis.

A Requerente reconhece este facto ao afirmar que esse cumprimento financeiro estava condicionado pelo nível adequado de liquidez e solidez financeira, traduzido, no recebimento de dividendos das suas subsidiárias, ou num ROE de 7,5%. Os juros associados à cedência dos suprimentos vencer-se-iam desde a data da cessão até à data em que ocorresse o primeiro destes dois eventos.

Apesar disso, a Requerente optou por não apurar os juros correspondentes à remuneração deste financiamento, em cada um dos exercícios que o devia ter feito.

Não se verifica, portanto, qualquer ilegalidade da liquidação de IRC. A correção proposta pela Administração Tributária permite o respeito pelo disposto no artigo 18.º do CIRC.

A aceitar-se a posição da Requerente, esta violaria o princípio da especialização dos exercícios, previsto no sistema contabilístico, bem como nesse preceito fiscal.

 

IV.3. Da duplicação da coleta relativamente aos juros alegadamente omitidos

 

A Requerente acabou por calcular, posteriormente aos exercícios de 2008 e 2009, os juros ao longo de todo o período que antecedeu a liquidação do financiamento, usando como base o relatório da consultora …, para o cálculo dos juros de 01/01/2005 a 30/06/2012, registados no período de 2012.

Assim, a Requerente reconheceu que o financiamento em causa gerou proveitos ao longo de todo o período, em cada um dos exercícios de 2004 a 2012.

O registo contabilístico dos juros em apreço foi efetuado na sequência da anulação do saldo em dívida entre a A... SGPS e a Requerente, promovida em resultado da aquisição, por parte desta (Requerente), da participação detida pela A... SGPS na D… — Comércio e Industria de ..., S.A. ("D.."), realizada no exercício de 2012 no âmbito de um projeto de reestruturação societária, que a A... SGPS estava a realizar à data.

Entende a requerente que deste modo, o proveito correspondente aos juros previstos no contrato de cessão de créditos em apreço foi sujeito a tributação em sede de IRC, tendo concorrido para a formação do lucro tributável do exercício de 2012, pelo que não devia ser motivo de correção à matéria coletável apurado em 2008 e 2009, no âmbito da ação inspetiva.

Assim, invoca que há uma duplicação da coleta relativamente aos juros alegadamente omitidos.

Apela para fundamentar a sua posição ao n.° 1 do artigo 205.º do CPPT que estatui que haverá duplicação de coleta "quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo".

Afirma a Requerente que à data da presente liquidação agora em crise, estava já a correção promovida já (auto)liquidada e tributada, pelo que a exigência dos serviços da Inspeção Tributária incidem sobre prestação idêntica, sobre a mesma realidade tributável e idêntico "período de tempo”.

Todavia, o tributo em causa (IRC de 2012) não estava pago à data do relatório final de inspeção tributária, da qual a Requerente foi notificada em 20 de março de 2013, e nem mesmo da demonstração de liquidação de IRC relativa ao exercício de 2008, que lhe foi notificada em 23 de abril de 2013. Foi, também, notificada da demonstração de liquidação de IRC referente a 2009 em 1 de Maio de 2013. Assim, e atendendo à data da entrega e autoliquidação de IRC de 2012, realizada em 31 de maio de 2013, apenas 30 dias depois da última notificação de IRC de lhe ter sido notificada.

Logo, conclui-se que a duplicação de pagamento é da exclusiva responsabilidade do contribuinte, pois no momento da determinação da colecta relativamente a 2012, já se conhecia a liquidação de IRC agora em crise.

Em face do exposto, a existir duplicação de coleta, esta verifica-se em 2012 e não nos períodos de 2008 e 2009, pois não é exigido neles pela Autoridade Tributária e Aduaneira o IRC neles devido derivado dos juros em causa que já estivesse pago relativamente a esses mesmos anos.

Por outro lado, pelo que se disse quanto à correta contabilização dos juros, o erro poderá estar em contabilizar no ano de 2012 os juros que deveriam ser contabilizados nos anos de 2008 e 2009, pelo que é na autoliquidação relativa ao ano de 2012 e não nas respeitantes aos anos de 2008 e 2009 que poderá ter havido erro. De qualquer modo, a autoliquidação relativa ao ano de 2012 não é objecto do presente processo, pelo que não se insere nos poderes de cognição deste Tribunal Arbitral apreciar se existiu ou não erro nessa autoliquidação.

Para além disso, o imposto pago em 2012, não se refere aos anos de 2008 e 2009, pelo que não se refere «ao mesmo período de tempo», para efeitos do artigo 205.º do CPPT. Só haveria duplicação de colecta já estivesse pago o imposto que deveria ser pago relativamente aos anos de 2008 e 2009, na parte correspondente aos juros referidos.

Assim, a correção promovida pelos serviços de Inspeção Tributária ao lucro tributável dos exercícios de 2008 e 2009 não enferma de vício de duplicação de colecta.

 

 

IV.4. Do princípio de plena concorrência

 

Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária o seguinte, além do mais:

 

«6.2 -Contrato de cedência de suprimentos à sociedade A... SGPS, SA, datado de 30 dezembro de 2004.

No dia 30 de dezembro de 2004, foi celebrado, entre a A... SA e a A... SGPS, um contrato denominado pelos outorgantes de cessão de créditos, pelo qual a primeira transfere para a segunda, os suprimentos incorporados no seu património, pela incorporação (por fusão) dos ativos e passivos da empresa A..., SA. no montante de € 11.729.141,85. Anexo 9.

As empresas devedoras dos suprimentos em questão encontram-se evidenciadas nas subcontas da conta 25 Acionistas" da firma A... SGPS. SA, do ano de 2004, representando os suprimentos em dívida da A... Imobiliária o total de € 11.291.982,14. Anexo 9.

Da leitura deste contrato de cessão de créditos, nomeadamente quanto ao valor do crédito cedido, condições de preço e pagamento e de remuneração a que se referem as cláusulas primeira, segunda e terceira, sobreleva o seguinte:

- A A... SA cedeu a A... SGPS, o crédito de onze milhões setecentos e vinte e nove mil cento e quarenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos (€ 11.729.141,85).

- O preço a pagar pela cessionária corresponde ao valor dos suprimentos (€ 11.729.141,85).

Este montante será reembolsado numa única prestação a realizar em 31 de dezembro de 2005. Este prazo será prorrogado automaticamente por períodos de um ano, salvo manifestação de vontade em contrário pela cedente A..., SA.

Quanto à remuneração dos suprimentos, esta ficou subordinada à verificação do facto que, de entre os dois, que se passam a mencionar, ocorra em primeiro lugar:

a) Distribuição de dividendos pelas participadas em montante igualou superior ao valor do financiamento concedido inicialmente pela A... SA.

b) Apuramento pela A... SGPS de um ráclo de "retum on equity", vulgarmente designado por "ROE" (resultados liquidas/situação liquida) igualou superior a 7.5%.

 

Quanto à taxa de juro aplicável é referido que será definida na data da verificação das condições referidas na alínea anterior, dentro do intervalo de plena concorrência, considerando financiamentos com nível de risco e período de carência idênticos.

A verificação de Qualquer um dos factos a que foi subordinada a remuneração dos suprimentos implica o vencimento do montante de juros apuráveis pelo período decorrido desde a data da cedência até à data em que ocorra o respetivo facto.

No termos do contrato, o montante de juros apurados deve ser pago pela cessionária, A... SGPS SA, à cedente, A... SA, até ao final do exercício seguinte à data do seu vencimento, sendo que, caso não ocorra nenhum dos factos estabelecidos no contrato para a determinação da remuneração dos créditos cedidos, o vencimento desta ficará suspenso.

6.3 -Esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo sobre os suprimentos concedidos, no ano de 2004, à A... SGPS, SA.

 No decurso do presente procedimento Inspetivo, foram por nós solicitados aos responsáveis da A... SA, esclarecimentos sobre o montante contabilizado na conta 2571 a titulo de suprimentos, cedidos. O sujeito passivo prestou os esclarecimentos por escrito, tendo, para o efeito remetido, dois mails, que se • anexam e cujo teor passamos a sintetizar, transcrevendo algumas das afirmações produzidas (Vide Anexo 9):

- O valor dos suprimentos está associado à cedência de créditos, no ano de 2004, da A..., SA para a A... SGPS.

- A cedência de créditos enquadra-se numa operação de fusão-cisão, datada de 2004, que visou a reorganização das participações que os acionistas da A... SGPS detinham em várias sociedades, que resultou na constituição da A... SGPS, bem como na concretização das seguintes operações: ". Entradas em espécie, para realização do capital social da A... SGPS, através da entrega pelos sócios de participações na A... SA (permuta de partes sociais) em 2004 e 2005.

- Fusão por incorporação das sociedades A... - Sociedade de Prestação de Serviços, SA e B… - Grupo …, Lda, na A... SA, em 2004.

- Cisão-fusão de parte do património da A..., S.A. para as sociedades A... Imobiliária, SA e A... SGPS, no ano de 2004."

O objetivo deste conjunto de operações visou individualizar as várias atividades desenvolvidas pelo Grupo A... em entidades distintas, colocando-as sobre o domínio da A... SGPS, Que ficou responsável pela administração das participações do Grupo, bem como pela gestão da relação destas com as Instituições financeiras, do financiamento intragrupo e ainda da gestão de tesouraria das entidades que o compõem. Neste contexto, foi considerado do ponto de vista organizacional que seria mais eficiente que a sociedade A... SGPS passasse também a gerir o financiamento intragrupo. Assim, no ano de 2004, a A... SA cedeu créditos obtidos na sequência da incorporação por fusão da empresa C…, SA, relacionados com suprimentos, que esta detinha sobre os devedores originários. à A... SGPS. O montante cedido de € 11.729.141,85, ficou, necessariamente, como crédito sobre a A... SGPS de igual montante.

Os responsáveis da A..., no corpo da exposição remetida sobre a cedência dos suprimentos em apreço, referem, ainda, que as condições acordadas e praticadas, estabelecidas no contrato celebrado, prendem-se com o caráter especifico da operação e das entidades intervenientes e no que se refere às condições de remuneração, nomeadamente o mecanismo de carência do vencimento de juros, permite-lhes concluir que o financiamento em causa é devidamente remunerado em condições em tudo semelhantes às praticadas no mercado.

Quanto ao mecanismo de carência do vencimento de juros, estabelecido no clausulado acordado, foi referido que o mesmo decorre do facto da A... SGPS ser uma empresa recente, pelo que foi considerado económica e financeiramente eficiente garantir um período de carência, até que esta apresentasse robustez financeira que lhe permitisse suportar os encargos associados aos suprimentos. Desta forma, o sujeito passivo considera que ficou estabelecido contratualmente que quando a A... SGPS atingisse um nível de solidez financeira significativo -Retum on Equity IROE) de 7,5% ou recebimento de dividendos de participadas -os juros associados aos suprimentos vencer-se-iam a taxas que considerassem essa mesmo período de carência. E que a taxa seria determinada nos termos das regras dos preços de transferência, por referência a operações similares praticadas por entidades não relacionadas em que tivesse sido concedido um período de carência semelhante. Neste sentido, a A... SA seria compensada a preços de mercado, pelo período de carência de vencimento de Juros concedido à A..., não havendo qualquer espécie de perda financeira na sua esfera. Foi também referido, pelo sujeito passivo, que, face à crise financeira instalada, com consequências ao nível da performance económica e financeira da A... SGPS, esta ainda não atingiu rácio de liquidez, que lhe permita suportar os juros do financiamento em questão.

 Nestes termos foi concluído que o financiamento em causa é devidamente remunerado em condições semelhantes às praticadas no mercado.

No entanto, o sujeito passivo considera que "a cedência de créditos não representou qualquer espécie de movimentação de valores efetivos, representando antes um movimento contabilístico, pelo qual os ativos da A... SA sobre empresas do Grupo passaram a figurar na contabilidade da A... SGPS, por ser a entidade habilitada, dentro do Grupo, para gerir os financiamentos intragrupo. Com efeito, através da presente operação não se verificou a entrada de capitais da A... SA, para a A... SGPS, apenas a cedência contratual e formal dos créditos detidos pela primeira para a segunda." Referem ainda que atendendo à situação financeira da A... SGPS, SA, que apresenta rácios de liquidez muito baixos, esta não pode reembolsar os suprimentos cedidos pela A... SA, situação que apenas poderia ter ocorrido na eventualidade das entidades devedoras do Grupo a reembolsarem a ela própria, o que, conforme foi referido pelo sujeito passivo, não se verificou.

Nestes termos, a A... SA nos anos de 2008 e 2009, bem como nos anos anteriores, não apurou e consequentemente não repercutiu à A... SGPS, SA os juros correspondentes à remuneração deste financiamento. O que significa que, a contabilidade da A... SA não evidencia, pelo menos nos anos de 2008 e 2009, proveitos relacionados com o financiamento em causa.

6.4 -Empréstimos efetuados no ano de 2007, pela A... SGPS SA à A..., com caráter de permanência. Esclarecimentos do sujeito passivo relacionados com estes empréstimos.

Nos anos de 2008 e 2009, a contabilidade do sujeito passivo evidencia, na conta de suprimentos "25297 -A... SGPS (papel comercial)", financiamento obtido pela A... SA junto da sociedade A... SGPS, SA, no montante de € 12.845.000,00, valor similar aos créditos cedidos em 2004, que, à data, não tinham sido reembolsados, nem dado origem ao pagamento de qualquer remuneração. Anexo 10 Acresce que, os empréstimos obtidos pela A... SA e contabilizados na conta 25297, originaram o débito por parte da A... SGPS, SA de juros, nos anos de 2008 e 2009, contabilizados na conta "6813 -Outros Juros de suprimentos", no total de € 621.458,00 e € 320.245,00, respetivamente, conforme documentação que consta no anexo 10. Os juros foram contabilizados com base em estimativas mensais, que foram regularizadas no final de cada um dos anos, tendo por base uma nota de débito de juros emitida pela A... SGPS, SA nota de débito esta que permitiu apurar o valor dos juros suportados efetivamente em cada um dos anos.

 Podemos, assim, apurar que a taxa de juro associada ao financiamento obtido da A... SGPS, SA nos anos de 2008 e 2009 foi de 4,8% (621.458.00/12.845.000,00*100) e 2,5% (320.245,00/12.845.000,00*100), respetivamente.

O sujeito passivo foi questionado sobre a existência de financiamento recíproco entre as entidades em questão, atrás referidos, nos anos de 2008 e 2009, em que um teve remuneração apurada e o outro não, tendo prestado os esclarecimentos sobre o assunto que passamos a sintetizar. Anexo 9 No ano de 2007 verificou-se falta de liquidez na esfera da A... SA, revelando-se necessário contrair crédito bancário.

Neste contexto, na prossecução do seu objeto social e da sua função no seio do Grupo, a A... SGPS, SA financiou-se junto de instituições financeiras, em concreto junto da Caixa Geral de Depósitos e Banco Popular, tendo cedido parte do financiamento, “via suprimentos", à sua participada A... SA.

O sujeito passivo alegou sobre o financiamento concedido que:

- Como seria exigível neste tipo de operação, a A... SGPS, SA contratualizou o pagamento de juros.

- A A... SA, apesar da falta de liquidez temporária, tinha maturidade financeira suficiente para fazer face aos encargos periódicos associados ao financiamento, que de resto teria que pagar se se endividasse diretamente. -Apesar do “valor dos suprimentos concedidos à A... SA, em 2007, ser aproximado ao valor dos créditos cedidos por esta à A... SGPS, em 2004, no contexto particular em apreço não havia forma de evitar o endividamento junto da banca".

- Fez também questão de salientar que a cedência de créditos à A... SGPS, SA não representou entrada de capitais na esfera desta e que, à data, esta empresa não apresentava situação financeira robusta, já que tinha rácios de liquidez multo baixos. Desta forma, o sujeito passivo entende que, a A... SGPS, SA apenas teria capacidade para reembolsar os suprimentos cedidos pela A... SA na eventualidade das entidades devedoras do Grupo a reembolsarem a ela própria, o que não se verificou.

 

6.5 -Enquadramento dos suprimentos concedidos como financiamento remunerado a preços de transferência.

A nossa opinião, quanto ao enquadramento dos suprimentos concedidos e aos consequentes efeitos contabilísticos e fiscais, diverge, em certos pontos, da apresentada pelo sujeito passivo.

 Com os suprimentos concedidos a A... SA, na qualidade de cedente, transferiu/alienou um direito, a favor da A... SGPS. SA (cessionária), ficando esta legitimada a exigir Junto dos originários devedores o pagamento dos mesmos.

Esta cedência contratual e formal de créditos da cedente para a cessionária, embora possa não ter representado "a entrada de capitais da A... SA para a A... SGPS", possibilitou a esta última a gestão dos mesmos. Apesar de, e de acordo com O referido pelo sujeito passivo, não terem ocorrido fluxos financeiros entre a A... SA e a A... SGPS SA, esta teve a possibilidade de exigir os créditos aos devedores, sem, no entanto, ter a obrigação de, aquando do pagamento pela parte destes, reembolsar os juros, os quais dependem de decisão dos órgãos de gestão. Desta forma, a cessionária obteve uma vantagem de natureza económica que se traduz na possibilidade de exigir os créditos ao devedor e assim obter financiamento para a sua atividade, fazendo depender o respetivo reembolso à cedente de requisitos que ultrapassam a mera satisfação dos créditos pelos devedores.

O contrato de suprimentos, a que já nos referimos nos pontos 6.2 e 6.3, encontra-se regulamentado nos termos do disposto nos artigos 243º a 245º do Código das Sociedades Comerciais.

(...)

Por vontade dos dois outorgantes, A... SA e A... SGPS SA, embora a validade do contrato não dependa de forma especial, aqueles optaram pela forma escrita.

Conforme vontade das partes, ficou estabelecido que a cedência dos suprimentos teria caráter oneroso ficando expressamente estabelecido o vencimento de juros, nos termos já relatados.

Recorda-se que, o sujeito passivo afirmou sobre os suprimentos concedidos à A... SGPS, SA, o seguinte:

 - Ter celebrado com a A... SGPS, SA um contrato de financiamento, que linha por propósito suprir as carências de tesouraria da mutuária.

- Que o financiamento em causa é devidamente remunerado em condições em tudo semelhantes às praticadas no mercado.

- Que a taxa seria determinada, nos termos das regras de preços de transferência, por referência a operações similares praticadas por entidades não relacionadas, em que tivesse ocorrido em período de carência de pagamento de juros semelhantes

- Que este financiamento será compensado, a preços de mercado, pelo período de carência de vencimento de juros a pagar pela A... SGPS.

- Que o apuramento de juros ficou subordinado a condições de natureza financeira da A... SGPS, SA, que se prendem com rácio de liquidez ou recebimento de dividendos de empresas participadas, nos termos já relatados.

- Que, face à crise financeira instalada, com consequências ao nível da performance económica e financeira da A... SGPS, SA esta ainda não atingiu o rácio em questão, não lhe permitindo suportar os juros.

- Que a A... SGPS, SA apenas teria a capacidade de reembolsar os créditos cedidos pela A... SA na eventualidade das entidades devedoras a reembolsarem a ela própria, o que não se verificou.

Conforme dispõe o n.º 4 do art. 58° do CIRC, considera-se que existam relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa na gestão da outra, o que se considera verificado, caso se verifiquem algumas realidades elencadas nesta disposição legal. No caso em apreço a existência de relações especiais decorre, nomeadamente, do seguinte:

- A constituição da A... SGPS SA visou colocar sob o seu domínio as suas participadas, nas quais se inclui a A... SA, conforme foi afirmado pelos responsáveis do sujeito passivo. Anexo 9 Concretamente, a relação de domínio decorre, designadamente, do facto da A... SGPS SA deter desde o ano de 2004 uma participação no capital social da A... SA superior a 10%. No ano de 2004 a participação era de 11,10%, enquanto que nos anos de 2008 e 2009 a participação era de 100%, conforme se pode constatar pelo contrato de suprimentos e notas ao balanço e demonstração de resultados das entidades em questão dos anos de 2008 e 2009. Anexo 9.

Atendendo ao que antecede, concluímos relativamente aos efeitos de natureza fiscal do financiamento decorrente da cedência dos suprimentos que:

- Um contrato de financiamento desta natureza, que estabelece que o pagamento da sua remuneração/juros fica subordinado a condições financeiras da empresa mutuária, não seria, certamente, celebrado por entidades não relacionadas. No limite, estaríamos na presença de um financiamento que as partes pretendem que seja remunerado, que pode perpetuar-se no tempo sem ónus para o cessionário, já que o pagamento da remuneração depende apenas de fatores de ordem financeira controláve1s pela cessionária.

- Este financiamento efetuado entre entidades em situação de relações especiais, deve obedecer às regras dos preços de transferência, definidas no art.º 58° do CIRC, como, aliás, defende o sujeito passivo.

O n.º 1 desta disposição legal estabelece que: “Nas operações comerciais, Incluindo designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condiç6es substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações similares”.

- O facto do contrato de financiamento estabelecer que a remuneração/juros e o consequente pagamento está subordinado a situações, que de acordo com o sujeito passivo, ainda não ocorreram, não significa que o cedente não tenha adquirido direitos sobre o recebimento de juros, que importa quantificar.

O próprio contrato estabelece que a taxa a aplicar terá em consideração as condições de mercado, bem como o período de carência no que se refere ao pagamento da remuneração, que medeia entre a data de concessão do financiamento e a data em que a remuneração vier a ser apurada.

Ou seja, nos anos em questão o financiamento tem uma remuneração associada, que no entanto não foi apurada pelo sujeito passivo.

É nossa opinião que, existindo financiamento reciproco, remunerado, entre as mesmas entidades, com características comparáveis - montante e prazo de reembolso (médio/longo prazo), que reflete as condições de mercado, a remuneração dos suprimentos deve ser apurada tendo em consideração os montantes em divida ao nos anos de 2008 e 2009 e as taxas de juro aplicadas ao financiamento obtido da A... SGPS, atrás identificado (pontos 6.2 e 6.3).

 

6.6 - Proveitos omitidos nos exercícios de 2008 e 2009, relacionados com a remuneração dos suprimentos concedidos à A... SGPS SA.

O n.º 1 do art.º 18º do CIRC, na redação em vigor nos anos de 2008 e 2009, dispunha que "Os proveitos e custos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios", imputação que não se encontra dependente do seu recebimento ou pagamento.

No mesmo sentido, a norma contabilística estabelece o princípio contabilístico da especialização ao estatuir que "Os proveitos e os custos silo reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a qua respeitam".

Nestes termos, devem ser quantificados e reconhecidos, para cada um dos anos de 2008 e 2009, os juros associados ao financiamento concedido, a título de suprimentos no ano de 2004, pela A... SA à A... SGPS, SA, o que não foi feito por parte do sujeito passivo.

Existindo financiamento reciproco, remunerado, entre as mesmas entidades, com características comparáveis, a remuneração dos suprimentos, não tendo sido determinada pelo sujeito passivo mas sendo determinável, deve ser apurada tendo em consideração os montantes em dívida ao longo dos anos de 2008 e 2009, no valor de € 11.729.141.85 e as taxas de juro aplicadas ao financiamento obtido da A... SGPS, atrás identificado (pontos 6.2 e 6.3), que foi de 4,8% em 2008 e 2,5% em 2009.

Concretamente, os juros associados ao financiamento/suprimentos totalizam no ano de 2008 e 2009 os montantes de € 562.998,81 (11.729.141,85*4,8%) e € 93.228,55 (11.729.141.85*2.5%).

Devido ao caráter oneroso do contrato, o apuramento destes juros deveria ter ocorrido desde o momento da cedência de suprimentos, no ano de 2004 e até ao pagamento Integral desses mesmos créditos à A.... Neste contexto, deveriam ter sido calculados e reconhecidos na contabilidade do sujeito passivo os juros vencidos nos anos de 2005, 2006 e 2007, o que não feito pelo mesmo, estando neste momento a Autoridade Tributária impedida de o fazer, atendendo ao prazo geral de caducidade dos impostos, prevista no art.º 45º da Lei Geral Tributária. Tal obrigação de reconhecimento dos juros deriva do caráter oneroso do contrato, independentemente da existência de financiamentos recíprocos.

Para cada um dos exercícios de 2008 e 2009, o sujeito passivo não apurou os Juros em questão, o que consequentemente originou, a omissão dos respetivos proveitos em termos contabilísticos, o que teve reflexo em termos fiscais, em sede do apuramento do lucro tributável».

 

No que respeita ao alegado incumprimento do princípio de plena concorrência na remuneração acordada entre a ora Requerente e a A... SGPS constante do contrato de cessão de créditos celebrado entre as partes é entendimento dos serviços de Inspeção Tributária e da Requerente que os termos e condições subjacentes ao financiamento em apreço deverão respeitar as regras de preços de transferência, uma vez que se reconhece, por ambas as partes, estar-se perante uma operação realizada entre entidades relacionadas, para efeitos do disposto no artigo 58.° do Código do IRC (atual artigo 63.°).

Aliás, a própria Requerente reconhece no artigo 84.º do pedido de pronúncia arbitral, que «concorda totalmente com a conclusão supra, razão pela qual foi expressamente estabelecido no contrato de cessão de créditos que a taxa de juro aplicável seria definida de acordo com as regras de preços de transferência, "dentro do intervalo de plena concorrência, considerando financiamentos com nível de risco e período de carência idênticos, com base em informação referente a créditos constante de base de dados financeira internacional."»

Nos anos de 2008 e 2009 vigorou um contrato de financiamento de sentido inverso entre as mesmas entidades, nesse caso entre a A... SGPS (mutuante) e a A... (mutuária), com um valor (€12.845.000,00) semelhante ao que está em causa no financiamento cujos juros se pretende determinar (€11.729.141,85), financiamento este cujos meios foram assegurados pela A... SGPS através de financiamentos junto da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Popular, como a própria Requerente informou à Inspecção Tributária (fls. 14-15 do Relatório da Inspecção Tributária).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «existindo financiamento recíproco, remunerado, entre as mesmas entidades, com características comparáveis - montante e prazo de reembolso (médio/longo prazo), que reflete as condições de mercado, a remuneração dos suprimentos deve ser apurada tendo em consideração os montantes em divida ao nos anos de 2008 e 2009 e as taxas de juro aplicadas ao financiamento obtido da A... SGPS, atrás identificado».

Assim, é manifesto que a se entendeu que o financiamento da A... SGPS à Requerente «reflete as condições de mercado», pelo facto de, para o assegurar, aquela se ter financiado junto de entidades bancárias, entidades independentes.

E, por isso, foi utilizado o método do preço comparável de mercado, para determinar os juros que seriam acordados entre entidades independentes em cada um dos períodos.

Na verdade, os valores dos juros destes financiamentos obtidos da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Popular nos anos de 2008 e 2009 são valores de mercado, acordados entre a A... SGPS e estas entidades bancárias. Por outro lado, se é certo que as condições do financiamento pela Requerente a A... SGPS são diferentes das do contrato entre a A... SGPS e as entidades bancárias, nomeadamente quanto à imprevisibilidade de uma data exacta para reembolso da quantia financiada que caracterizava aquele, também o é que esse era um factor que apenas poderia justificar um agravamento das taxas de juro.

Por isso, tem de se concluir que as taxas de juros que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu aplicáveis não podem ser consideradas superiores às que seriam acordadas entre entidades independentes, nas condições do financiamento realizado pela Requerente à A... SGPS, antes pelo contrário, serão inferiores às que em situação de plena concorrência seria praticadas.

Sendo assim, a existir erro na determinação das taxas de juros que seriam praticados entre entidades independentes no financiamento da Requerente à A... SGPS, esse erro não será lesivo dos direitos da Requerente, pelo que não pode justificar-se que, com base nele, seja anulado o acto de liquidação.

De qualquer modo, os valores dos referidos financiamentos, encontram-se entre os valores determinados como sendo os adequados no parecer da ..., que a própria Requerente refere ter utilizado para determinar os juros em 2012 (entre 2,811% e 4,185%), pelo que não se podem considerar inadequados os valores de 4% em 2008 e 2,8% em 2009, sendo este último mesmo inferior ao mínimo sugerido naquela parecer.

            Assim, não se pode considerar demonstrado que as liquidações impugnadas enfermem de erro na aplicação do regime dos preços de transferência, designadamente que os valores dos juros aplicados pela Autoridade Tributária e Aduaneira sejam superiores aos que seriam normalmente acordados entre entidades independentes para financiamentos do tipo dos efectuados Requerente à A... SGPS.

            Pelo, exposto improcede o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

 

            IV.5. Questão da falta de fundamentação

 

A questão denomina como «vício de inconstitucionalidade» a alegada falta de fundamentação do afastamento das regras de preços de transferência.

            A falta de fundamentação dos actos tributários á exigida pelo artigo 77.º da LGT.

O STA tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [1] )

No caso em apreço, a longa fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária, que se transcreveu, revela perfeitamente o itinerário seguido pela Autoridade Tributária e Aduaneira para praticar o acto, designadamente quanto à aplicação das regras de preços de transferência, que foram aplicadas, como se viu.

            Por isso, os actos impugnados não enfermam de vício de falta de fundamentação.

 

IV.6. Violação do princípio da legalidade

 

A Requerente defende que há violação do princípio, invocando o artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

Esta norma estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes»

No caso, todas as normas em causa foram criadas por lei, em sentido próprio ou decreto-lei baseado em autorização legislativa, pelo que não se vislumbra violação desta norma.

 

IV.7. Violação do princípio da tributação incidente sobre o rendimento real

 

A Requerente defende que ocorre violação do princípio enunciado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, que estabelece que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».

Para além de esta norma enunciar um princípio que admite excepções (como decorre da expressão «fundamentalmente»), no caso em apreço, ao imputar-se à Requerente os proveitos dos juros em causa está aplicar-se essa regra, como a para Requerente reconheceu, ao incluir os montantes dos juros na sua contabilidade relativa ao ano de 2012.

            Mas, pelo que se referiu, a face das regras fiscais e contabilísticas, não e a esse ano que os proveitos têm de ser imputados, mas sim aos anos de 2008 e 2009.

            Assim, a Requerente não deixa de ser tributada com base no seu rendimento real, determinado da firma prevista na lei.

            Por isso, não é violada esta norma constitucional.

 

 IV.8. Indemnização por garantia indevida

 

Devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, a garantia constituída pela Requerente para suspender as execuções fiscais instauradas para cobrança das quantias liquidadas não pode considerar-se indevida.

Consequentemente, a Requerente não tem direito a indemnização, à face do preceituado no artigo 53.º da LGT, pois ela só está prevista para as situações em que o contribuinte obtém vencimento na impugnação de actos tributários.

 

V. DECISÃO

 

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral coletivo decide:

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Julgar improcedente o pedido indemnização por garantia indevida;

c)      Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerente não impugnou as liquidações na sua totalidade, mas apenas na parte relativa à imputação dos juros derivados da cedência dos suprimentos, no montante de € 266.459,98 (ano de 2008: €173.545,40; ano de 2009: €92.914.58)

Assim, em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 266.459,98.

*

VII. CUSTAS

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

*

Lisboa, 14 de abril de 2015.

 

Os árbitros,

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Ana Maria Rodrigues)

 

 

(José Pedroso de Melo)

(vencido, conforme declaração anexa)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

Divergi da posição que fez vencimento, votando vencido, pelas razões essenciais que passo a resumir.

Está em causa nos presentes autos a legalidade das liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios e 2008 e 2009 efectuada à Requerente A... - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, S.A., na parte e montantes correspondentes às correcções à matéria colectável efectuadas pelos serviços de Inspecção Tributária da Administração Tributária e Aduaneira, com fundamento na alegada falta de contabilização de proveitos referentes a juros de suprimentos cedidos pela Requerente à sociedade A... SGPS, S.A.

Entenderam, em suma, os serviços de Inspecção Tributária em sustento das indicadas correcções, que, devido ao carácter oneroso do contrato de cedência de créditos, o apuramento destes juros deveria ter ocorrido desde o momento da sua celebração, no ano de 2004, e até ao momento em que se verificasse o pagamento integral do montante em dívida, independentemente das condições contratuais acordadas para o respectivo reembolso.

Com referência à factologia subjacente ao thema decidendum, ficou assente no probatório, com relevância para a presente declaração de voto, que:

7. No dia 30 de Dezembro de 2004, foi celebrado, entre a A..., S.A. (Requerente) e a A... SGPS, um contrato denominado pelos outorgantes de cessão de créditos, pelo qual a primeira transferia para a segunda, os acima referidos suprimentos sobre diversas empresas do grupo e incorporados no seu património, que lhe haviam sido transferidos na sequência da fusão por incorporação da A..., pelo respetivo valor nominal, no montante de €11.729.141,85 (artigo 46.º da Resposta e artigo 44.º da PI e Anexo 9 ao relatório inspetivo, junto ao PA).

(..)

13. Nesse designado «contrato de cessão de créditos», foi estipulado que a A..., S.A. cedia à A..., SGPS o crédito de €11.729.141,85 (fls. 71 do PA).

14. “Para suportar esta operação”, “a A... e a A..., SGPS celebraram um contrato de financiamento”, isso dadas as “carências de tesouraria da SGPS” “ e “o facto de ter sido constituída recentemente” – cf. e-mail da contribuinte constante da fls. 74 do PA.

15. Nos termos do contrato de cedência de créditos, e atendendo ao facto de, à data, a A... SGPS ser uma sociedade recém-constituída, foi estabelecido um período de carência no vencimento dos juros do referido empréstimo, por forma a A... SGPS dotar-se de robustez financeira que lhe permitisse suportar estes encargos.

16. Estabeleceu-se contratualmente que o vencimento dos juros estaria subordinado à ocorrência dos seguintes eventos:

a) “Distribuição de dividendos pelas participadas em montante igual ou superior ao valor do financiamento concedido inicialmente pela A... S.A.” (ou seja em valor superior a €11.729.141,85).

b) “Apuramento pela A... SGPS de um rácio de “return on equity” (doravante designado por “ROE”) igual ou superior a 7.5%.

(…)

18. Uma vez que a A... SGPS não dispunha de meios financeiros para concretizar o pagamento deste ativo, ficou a mesma devedora daquele montante à A....

 

Com base nos indicados factos, considerou o colectivo assistir razão à ATA Requerida por se entender que as condições contratualmente estabelecidas entre as partes relacionadas com o vencimento dos juros incorridos ao longo dos diferentes períodos, não poderia obstar ao reconhecimento contabilístico e fiscal dos juros desde a data da cessão do crédito, pelo facto de a questão não se prender com o vencimento da obrigação gerada pela responsabilidade assumida pela A..., SGPS, mas sim com o momento da geração do proveito, o qual ocorre ao longo dos vários períodos em a A... tem direito a esse proveito.

Salvo o devido respeito, que é muito, não perfilho o mesmo entendimento.

O artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC consagra, como regra em matéria de periodização do lucro tributável das empresas, o princípio de periodização económica, segundo o qual os rendimentos e os gastos (os proveito e os custos, na terminologia adoptada na redacção em vigor à data dos factos), assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, com base num critério de competência económica, por contraposição ao denominado critério de competência financeira.

A regra adoptada para efeitos de tributação segue o princípio contabilístico da especialização ou do acréscimo, há muito adoptado como padrão homogéneo na prática contabilística, vertido à data no Ponto 4 do Plano Oficial de Contabilidade.

O princípio da especialização coexiste com outros importantes princípios contabilísticos com relevância na periodização dos resultados, tal como o designado princípio da prudência.

Decorre da conjugação destes dois princípios que os juros devem ser imputados ao exercício, numa base temporal, sempre que o direito, ainda que não vencido, ao recebimento, relativamente ao período já decorrido e pela taxa praticada pelo seu cálculo, não puder ser posto em causa por eventos posteriores. Caso contrário são havidos como proveitos no exercício em que se vencem (cf. neste sentido Manuel de Freitas Pereira, In A Periodização do Lucro Tributável, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 349, Edição do Centro de Estudos Fiscais, págs. 126 e sgs.).

Esta mesma prudência era imposta, à data, pela International Accounting Standard (IAS) 18, em termos semelhantes à que se encontra actualmente vertida na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 20.

O Sistema de Normalização Contabilística (SNC) que recolhe o princípio vertido naquela Norma, é, a este respeito, taxativo: em caso de dúvida quanto aos benefícios económicos futuros, o rendimento não deve ser reconhecido.

Ora, no caso dos autos, afigura-se-me que as condições contratuais estipuladas pelas partes para o vencimento dos juros (distribuição de dividendos pelas participadas em montante igual ou superior ao valor do financiamento ou apuramento de um “ROE” igual ou superior a 7.5%) eram, à data, de tal forma incertas, que não permitiam qualquer juízo de prognose quanto ao momento da sua verificação, ou mesmo quanto à probabilidade da sua verificação. No limite tais condições poder-se-iam nunca verificar, mesmo sem qualquer intervenção das partes nesse sentido.

Poderia a ATA Requerida em face deste quadro vir demonstrar que tais condições eram diferentes das que seriam normalmente acordadas entre entidades independentes e corrigir com esse fundamento os critérios do vencimento dos juros (o que sempre estaria por demonstrar, face ao especial enquadramento fáctico da situação).

O que é certo é que não o fez, optando por considerar incorrecta a imputação temporal dos proveitos, mesmo assumindo como assentes as condições contratuais estipuladas, e reconhecendo - desprezando-a - a imputação de proveitos feita posteriormente pelo sujeito passivo no exercício de 2012. Ao fazê-lo dessa forma, procedeu, pelas razões que acima indico, a uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, penalizando de forma excessiva e injustificada o sujeito passivo, razão pela qual votaria pela anulação dos actos tributários sindicados - José Pedroso de Melo.



[1]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.