Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 785/2014-T
Data da decisão: 2015-03-17  IUC  
Valor do pedido: € 5.664,97
Tema: IUC - Incidência subjetiva - Locação Financeira - Presunções legais
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Decisão Arbitral[1]

 

Requerente - A, Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 2 de Fevereiro de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.             RELATÓRIO

 

1.1.    A, Lda. (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva nº 500 142 866, com sede na …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 24 de Novembro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e n.º 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare:

 

(i)      “(…) a ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto Único de Circulação (IUC) (…) identificadas (…) respeitantes aos anos de 2013 e de 2014, acrescidas  de juros compensatórios (…),bem como a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 26 de Novembro de 2014 e foi notificado à Requerida, em 28 de Novembro de 2014.

 

 

1.4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 15 de Janeiro de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Em 15 de Janeiro de 2015, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 2 de Fevereiro de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Em 2 de Março de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido”.

 

1.8.       Em 4 de Março de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido das Partes se pronunciaram, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo a Requerida apresentado, em 10 de Março de 2015, requerimento nesse sentido, bem como no sentido de solicitar a dispensa da “realização (…) das alegações finais”, não tendo a Requerente manifestado qualquer posição quanto ao teor do referido despacho arbitral dentro do prazo de cinco dias concedido para o fazer, já que o Requerimento apresentado pela Requerente (nesta matéria), chegou ao conhecimento deste Tribunal Arbitral, por motivos alheios ao mesmo, a 18 de Março de 2015 (não obstante, foi admitida a sua junção aos autos e respectiva notificação à Requerida, através de despacho arbitral datado de 18 de Março de 2015).

 

1.9.       Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 16 de Março de 2015, foi decidido prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT bem como prescindir da apresentação de alegações, tendo sido designado o dia 17 de Abril de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral e foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a fazer com data de 17 de Abril de 2015).

 

 

2.             CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral “a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IUC identificadas (…) respeitantes aos anos de 2013 e de 2014, acrescidas de juros compensatórios”.

 

Da cumulação de pedidos

 

2.2.    A Requerente defendendo a “cumulação de pedidos” dado que a sua procedência “depende (…) da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”, sendo manifesta, para a Requerente, “a verificação dos pressupostos exigidos (…) para a cumulação de pedidos no âmbito do presente pedido de constituição de tribunal arbitral”.

 

2.3.    Prossegue a Requerente referindo que “no âmbito da sua actividade (…) celebra contratos de aluguer de veículos e, no termo do contrato, procede diversas vezes à sua venda aos clientes”, esclarecendo que “os veículos indicados nas liquidações (…) foram objeto de venda”, “(…) em anos anteriores aos de 2013 e de 2014 e em data anterior ao facto gerador do imposto nos anos em causa”.

 

2.4.    Refere ainda a Requerente que “sempre que esteve ao seu alcance (…) entregou aos novos proprietários os formulários de Registo Automóvel devidamente assinados, por forma a que estes procedessem ao averbamento do registo em seu nome junto da competente Conservatória do Registo Automóvel”.

 

2.5.    Esclarece a Requerente que “no que concerne (…) ao veículo com a matrícula
...-...-..., trata-se de um veículo do qual a Requerente nunca foi nem é proprietária, nem relativamente ao mesmo dispôs de alguma posição jurídica que justificasse a liquidação de IUC
”.

 

2.6.    Ora, no âmbito das referidas liquidações, acrescenta a Requerente que, em 2014, “foi notificada pela Administração Tributária para exercer o direito de audição prévia à emissão das liquidações de IUC (…) identificadas”, porquanto, “no entendimento dos serviços da Administração Tributária, a Requerente era o proprietário/locatário das diversas viaturas (…) e, como tal, responsável pelo pagamento do IUC”.

 

2.7.    Posteriormente, “a Requerente foi notificada das liquidações de IUC (…) no valor de EUR 5.664,97” e, “não obstante a plena convicção da ilegalidade das liquidações em apreço, a Requerente procedeu oportunamente ao pagamento voluntário do imposto e juros compensatórios”.

 

2.8.    “Por não se conformar com os atos tributários em apreço deduziu o pedido de constituição de tribunal arbitral”, invocando que “as presentes liquidações de IUC padecem de manifesta ilegalidade”.

 

2.9.       Na verdade, “incidindo o IUC sobre os proprietários dos veículos à data do facto gerador do imposto e tratando-se a regra (…) de uma presunção legal ilidível mediante prova em sentido contrário, a demonstração pela Requerente de que alienou as viaturas em causa em data anterior à verificação do facto gerador do imposto nos anos de 2013 e 2014 é quanto basta para concluirmos não ser a ora Requerente o sujeito passivo do imposto”.

 

2.10.   Com efeito, para a Requerente, “não subsistindo dúvida (…) no que concerne ao momento em que se verificou o facto gerador do imposto nos anos de 2013 e de 2014, o que se controverte é se a Requerente é o sujeito passivo do IUC” à luz das disposições legais em vigor.

 

2.11.  Em suma, para a Requerente, “o que importa aferir é se (…) são sujeitos passivos do IUC os proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontram registados ou, ao invés” se é estabelecida no normativo aplicável “apenas uma presunção legal ilidível no sentido de que são sujeitos passivos os proprietários dos veículos, considerando-se como tal aqueles em nome dos quais os veículos se encontram registados”, concluindo que “é evidente que é esta última hipótese a que se afigura mais acertada”.

 

2.12.  Na verdade, para a Requerente, “tendo em consideração (…) quer o lugar sistemático que o princípio da equivalência ocupa no Código do IUC, quer o elemento histórico corporizado naquela Proposta de Lei [2], quer ainda a ratio legis (…) mencionada [3], só pode concluir-se que o artigo 3º, nº 1 do Código do IUC estabelece uma presunção legal, no sentido de que se consideram como proprietários aqueles em nome de quem os veículos se encontram registados”, sendo “tal presunção (…) ilidível”.

 

2.13.  Por outro lado, defende a Requerente que, “se o contribuinte demonstra que não é o proprietário do veículo, independentemente do registo, e sendo evidente que o IUC deve incidir e pretende tributar aqueles que são os proprietários do veículo,
impõe-se aos serviços da Administração Tributaria que relevem a situação real que lhes chega ao seu conhecimento, sob pena de desvirtuarem as finalidades do imposto
”, porquanto “(…) a interpretação do artigo 3º do Código do IUC, no sentido de que devem ser considerados proprietários dos veículos e, por conseguinte, sujeitos passivos do IUC aqueles em nome de quem os veículos se encontram registados, independentemente de qualquer prova em sentido contrário, viola os princípios do inquisitório, da justiça e da imparcialidade constitucionalmente consagrados”.

 

 

2.14.  Prossegue a Requerente argumentando que sendo “verdade que o direito de propriedade dos veículos automóveis está sujeito a registo (…), tal registo não tem caráter constitutivo (…)”, pelo que “o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, presunção esta que é ilidível admitindo, portanto, prova em contrário (…)”.[4]

 

2.15. Conclui assim a Requerente que “a função do registo é pois a de dar publicidade à situação dos veículos, não tendo aquele natureza constitutiva do direito de propriedade (…), não constituindo condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador”.

 

2.16.  Deste modo, “se os adquirentes, novos proprietários dos veículos não providenciarem o registo do seu direito de propriedade, presume-se que este direito continua a ser do vendedor, podendo, todavia, esta presunção ser ilidida mediante prova em contrário, ou seja, prova, por qualquer meio, da respetiva venda”.

 

2.17.  Para o efeito, reitera a Requerente que “juntou aos autos faturas de venda dos veículos a que correspondem as liquidações (…), datadas de data anterior aos factos geradores de imposto nos anos de 2013 e de 2014”, “documentos que beneficiam da presunção de veracidade (…) razão pela qual se deve considerar ilidida a presunção (…), concluindo-se (…) que a Requerente não era sujeito passivo do IUC referente a estes veículos nos anos de 2013 e de 2014”.

 

Do pagamento voluntário e dos juros indemnizatórios

 

2.18.  Nestes termos, a Requerente peticiona que, tendo procedido ao pagamento do imposto liquidado, “deve (…) ser reembolsada do montante indevidamente pago” e alega que “(…) decorrendo a liquidação sob apreciação de erro imputável aos serviços, do qual resultou pagamento de imposto totalmente indevido, assiste ainda (…) o direito a juros indemnizatórios cujo reconhecimento igualmente se requer.

 

3.             RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida na resposta apresentada defendeu-se por impugnação tendo, em síntese, apresentado os seguintes argumentos:

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

3.2.       A este respeito, alega a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei” (…) porquanto esta estabelece que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…) em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.

3.3.       Nestes termos, prossegue a Requerida que “é imperativo concluir que (…) o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como (…) proprietários (…), as pessoas em nome das quais os (…) os veículos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”, defendendo assim o afastamento da consagração de presunção por parte do legislador.

 

3.4.       Assim, defende a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente (…) tratando-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção (…) foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel[5], pelo que, para a Requerida, “ o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (…)”.

 

Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime

 

3.5.       Entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que este se “considera exigível no primeiro dia do período de tributação (…)”.

 

3.6.       Ou seja, “o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo”.

 

3.7.       Assim, “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida (…) não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos (…) pelo que a não atualização do registo será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto”.

 

3.8.       Prossegue a Requerida argumentando que, “a aceitar-se a posição defendida pela Requerente (…) a Requerida teria de proceder à liquidação de IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC (…)”.

 

 

3.9.       “Por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse outrem, este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou contrato de compra e venda, locação financeira, aluguer de longa duração, ou outro com um outro terceiro, mas que este também não registou (…)”, “(…) e assim sucessivamente (…)”, “colocando (…) em causa o prazo de caducidade do imposto” e, por isso, no entender da Requerida, “não pode de todo acompanhar-se tal leitura”.

 

Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei

 

3.10.   Neste sentido, alega a Requerida que, tendo em consideração o teor dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei nº 20/2008, de 31 de Janeiro, “resulta inequivocamente que o IUC é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, de modo a “evitar os problemas (…) relacionados com o facto de existirem muitos veículos não registados em nome do real proprietário”.

 

3.11.   Na verdade, de acordo com a posição defendida pela Requerida, “o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade (…)”.

 

3.12.   Assim, segundo a Requerida, “resulta claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei”, na medida em que à luz do disposto na legislação aplicável, “era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC”.

 

Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção

 

3.13.   Nesta matéria, entende a Requerida que sendo “a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC (…) todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida”.

 

3.14.   “Todavia (…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência (…), importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão”.

 

3.15.   Segundo a Requerida, “tendo em vista tal ilisão veio a Requerente instruir o seu pedido de pronúncia arbitral com a junção de faturas” as quais “não constituirão (…) prova suficiente para abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3º do CIUC (…), pelo que se impugnam as mesmas para todos os efeitos legais”.

 

 

3.16.   Na verdade, continua a Requerida, “as faturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes[6].

 

3.17.   Adicionalmente, refere a Requerida que “a Requerente não juntou prova documental do recebimento do preço quando podia e devia tê-lo feito, ou seja, no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se agora precludida a possibilidade de o fazerem em momento ulterior (…)”.[7]

 

3.18.   De seguida, a Requerida analisa caso a caso, todos os documentos anexados pela Requerente (no sentido de afastar a presunção do artigo 3º do Código do IUC) relativamente à alegada titularidade das viaturas matrícula ...-...-..., ...-...-...,
...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-...,
...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-...,
...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-...,
...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-...,
...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-...,
...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-...,
...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., concluindo que “a Requerente não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos elencados (…)”.[8]

 

3.19.   No que diz respeito à viatura matrícula ...-...-..., a Requerida contraria o alegado pela Requerente (vide ponto 2.5., supra), referindo que “na base de dados da AT, actualizada com base no cadastro informático do IMT, IP, consta como proprietário da viatura” a Requerente “desde 09/11/1990, não tendo sido em data subsequente averbado qualquer outro facto susceptível de configurar uma transferência de propriedade (…)”.

 

Da interpretação desconforme à Constituição

 

3.20.   Neste âmbito, entende a Requerida que “a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”.

 

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

3.21.   A este respeito, alega a Requerida que “o registo da propriedade constitui um elemento essencial no sistema de informação entre a Requerida e demais entidades públicas (…) e com as forças da autoridade (…) com vista à troca de informação necessária à liquidação e fiscalização do (…) IUC”.

 

3.22.   Assim, “a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é susceptível de ser controlada pela Requerida, pois inexiste qualquer obrigação acessória declarativa quanto a esta matéria (…) significando isto que o IUC é liquidado de acordo com a informação registal oportunamente transmitida pelo IRN”.

 

3.23.   Em resumo, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida (…)” pelo que “não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”, levando “(…) a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita (…).

 

3.24.   “Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” pelo que, consequentemente, “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral (…)”.

 

3.25.   “O mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios (…)”, porquanto, no entender da Requerida, se “(…) os atos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários (…) não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços” pelo que “não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios”.

 

3.26.   Nestes termos, conclui a Requerida a resposta apresentada que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, (..) absolvendo-se (…) a entidade Requerida do pedido”.

 

4.             SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

4.3.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.    A cumulação de pedidos é legal, por se verificarem os pressupostos exigidos no artigo 3º, n 1 do RJAT, ou seja, a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.5.    Não foram identificadas nulidades no processo.

 

4.6.    Não existem excepções nem questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.

 

4.7.    Nestes termos, serão as seguintes as questões a decidir:

 

4.7.1.     O artigo 3º do Código do IUC consagra ou não uma presunção ilidível quanto aos proprietários dos veículos automóveis, enquanto sujeitos passivos de imposto, de modo a afastar a presunção de que são considerados como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados?

4.7.2.     A Requerente conseguiu demonstrar, em matéria de procedimento arbitral, que não era, à data das liquidações de IUC objecto deste processo, a proprietária das viaturas objecto daquelas liquidações (e identificadas no ponto 5.2.), logrando ilidir a presunção referida no ponto anterior?

4.7.3.     As liquidações de IUC efectuadas pela Requerida enfermam, em consequência, de ilegalidade, face ao disposto na legislação aplicável?

 

5.             MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.       Dos factos provados

 

5.2.       A Requerente é uma sociedade comercial que exerce a actividade de aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos.

 

5.3.       A Requerente, no âmbito da sua actividade, foi notificada, em 2014, das seguintes liquidações oficiosas de IUC “Notificação para Audição Prévia”, conforme cópias de documentos anexadas ao processo:

 

MATRÍCULA

ANO IUC

Nº DOC.

...-...-...

2013 2014

3 DO PEDIDO

...-...-...

2013

...-...-...

2013 2014

...-...-...

2013 2014

...-...-...

2013 2014

 

 

 

5.4.       No entanto, refira-se que, quer a notificação relativa à viatura matrícula ...-...-..., quer a relativa à matrícula ...-...-..., irão aqui ser desconsideradas, para efeitos probatórios porquanto as respectivas viaturas não estão no elenco daquelas cuja liquidação de IUC deu origem ao presente pedido de pronúncia arbitral (vide ponto seguinte).

 

5.5.       A Requerente foi ainda notificada das liquidações oficiosas de IUC a seguir documentadas, as quais estão na origem deste pedido de pronúncia arbitral:

 

Nº DOCUMENTO

MATRÍCULA

DADOS MATRÍCULA

VALOR TOTAL IUC (EUR)

Nº DOC.

 

ANO 2013

ANO 2014

ANO

MÊS

 

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2004

Março

106,24

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

N/A

...-...-...

2003

Maio

57,41

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2001

Março

79,08

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2002

Abril

113,57

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2004

Maio

65,82

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2004

Maio

105,91

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2006

Abril

66,04

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2004

Junho

78,90

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

N/A

...-...-...

2001

Abril

53,64

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

N/A

...-...-...

2006

Junho

57,45

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...003

2014 ...03

...-...-...

2002

Março

79,08

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...103

2014 ...03

...-...-...

1995

Março

151,96

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...103

2014 ...03

...-...-...

2002

Abril

66,04

1 DO PEDIDO

 

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2002

Maio

65,82

1 DO PEDIDO

 

2013 ...303

2014 ...03

...-...-...

1995

Abril

40,86

1 DO PEDIDO

 

2013 ...203

2014 ...03

...-...-...

2004

Março

66,03

1 DO PEDIDO

 

2013 ...903

N/A

...-...-...

2002

Junho

145,79

1 DO PEDIDO

 

2013 ...403

2014 ...03

...-...-...

2005

Abril

106,27

1 DO PEDIDO

 

2013 ...503

2014 ...03

...-...-...

2005

Abril

106,27

1 DO PEDIDO

 

2013...303

2014 ...03

...-...-...

2006

Março

66,03

1 DO PEDIDO

 

2013 ...603

2014 ...3

...-...-...

2005

Maio

105,91

1 DO PEDIDO

 

2013 ...703

2014 ...03

...-...-...

2004

Maio

39,27

1 DO PEDIDO

 

2013 ...903

N/A

...-...-...

2005

Junho

53,51

1 DO PEDIDO

 

2013 ...803

2014 ...03

...-...-...

2007

Junho

65,88

1 DO PEDIDO

 

2013 ...03

2014 ...03

...-...-...

2003

Maio

65,82

1 DO PEDIDO

 

2013 ...103

2014 ...03

...-...-...

2005

Maio

105,91

1 DO PEDIDO

 

2013 ...203

2014 ...03

...-...-...

2007

Abril

66,04

1 DO PEDIDO

 

2013 ...403

N/A

...-...-...

2003

Junho

18,33

1 DO PEDIDO

 

2013 ...03

N/A

...-...-...

2005

Abril

53,64

1 DO PEDIDO

 

2013 ...403

2014...03

...-...-...

2005

Maio

105,91

1 DO PEDIDO

 

2013 ...03

N/A

...-...-...

2007

Março

33,65

1 DO PEDIDO

 

2013 ...03

2014...03

...-...-...

2001

Junho

113,29

1 DO PEDIDO

 

2013 ...03

2014...03

...-...-...

1997

Junho

113,29

1 DO PEDIDO

 

2013 ...703

2014...03

...-...-...

2003

Maio

65,82

1 DO PEDIDO

                                                                             
 

 

 

 

Nº LIQUIDAÇÃO DE IUC

MATRÍCULA

DADOS MATRÍCULA

VALOR TOTAL IUC (EUR)

Nº DOC.

ANO 2013

ANO 2014

ANO

MÊS

2013 ...903

2014...03

...-...-...

2002

Maio

78,83

1 DO PEDIDO

2013 ...603

2014...03

...-...-...

2002

Março

106,24

1 DO PEDIDO

2013 ...-...-...003

2014...03

...-...-...

2004

Abril

66,04

1 DO PEDIDO

2013 ...-...-...103

2014...03

...-...-...

2002

Maio

123,13

1 DO PEDIDO

N/A

2014...003

...-...-...

2008

Março

32,38

1 DO PEDIDO

2013 ...203

N/A

...-...-...

2008

Março

218,03

1 DO PEDIDO

2013...103

N/A

...-...-...

2008

Março

218,03

1 DO PEDIDO

N/A

2014...03

...-...-...

2011

Março

252,41

1 DO PEDIDO

2013 ...903

2014...03

...-...-...

2008

Abril

450,37

1 DO PEDIDO

2013 ...403

2014...03

...-...-...

2001

Abril

113,57

1 DO PEDIDO

2013 ...03

N/A

...-...-...

2008

Abril

627,99

1 DO PEDIDO

2013 ...003

2014...03

...-...-...

2004

Maio

78,83

1 DO PEDIDO

2013 ...03

N/A

...-...-...

2008

Junho

124,64

1 DO PEDIDO

2013...03

2014...403

...-...-...

2008

Junho

449,24

1 DO PEDIDO

2013 ...503

2014...03

...-...-...

1990

Junho

40,76

1 DO PEDIDO

TOTAL

5.664,97

 

 

 

5.6.       Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.7.       Dos factos não provados

 

5.8.       Com relevância para a decisão do pedido, considera-se como não provada a transferência da propriedade das viaturas que a seguir se identificam, tendo em conta a insuficiência da prova documental, junta aos autos, para esse efeito (Facturas e Notas de débito – ND[9]) pela Requerente:

 

MATRÍCULA

TIPO DE DOC.

DADOS DOCUMENTO

VALOR COM IVA (EUR)

Nº DOC.

NÚMERO

DATA

...-...-...

FACTURA

...-...6

26-05-2006

10.000,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...0

08-04-2004

18.900,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...9

06-02-2004

1.750,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...5

10-08-2006

8.514,82

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...1

13-06-2008

3.100,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...8

01-10-2008

6.300,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...8

12-06-2009

4.200,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...0

04-07-2008

11.900,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...3

05-09-2005

6.200,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...8

18-03-2011

39.700,71

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...2

12-12-2003

25,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...8

04-08-1999

7.382,21

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...9

14-07-2008

800,00

2 DO PEDIDO

 

 

MATRÍCULA

TIPO DE DOC.

DADOS DOCUMENTO

VALOR COM IVA (EUR)

Nº DOC.

NÚMERO

DATA

...-...-...

ND

...-...02

07-01-2005

7.200,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...58

01-11-1998

6.056,91

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...44

03-04-2007

4.500,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...57

18-07-2007

17.000,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...94

13-03-2008

9.100,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...62

13-03-2008

8.700,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...11

11-09-2008

4.300,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...2

04-07-2008

10.199,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...7

13-02-2007

10.500,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...6

01-12-2008

8.000,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...6

06-02-2009

7.718,96

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...6

04-06-2007

5.900,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...1

05-06-2009

9.829,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...0

15-09-2010

4.918,31

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...4

17-10-2006

0,01

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...6

14-10-2006

2.600,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...59

12-09-2008

5.500,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...1

01-09-2009

5.200,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...3

20-08-2004

5.409,76

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...8

14-03-2001

4.987,98

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...

21-04-2005

8.032,25

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...0

03-06-2005

8.962,35

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...5

29-04-2005

6.700,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...28

18-05-2007

5.500,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...02

03-06-2005

19.900,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...8

20-05-2013

3.925,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...8

01-02-2013

14.000,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...8

21-02-2013

13.800,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...0

20-03-2014

15.400,01

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...16

11-07-2012

15.200,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...5

20-05-2005

10.000,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

ND

...-...2

01-10-2012

28.000,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...4

02-03-2007

15.700,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...9

09-05-2013

8.400,00

2 DO PEDIDO

...-...-...

FACTURA

...-...15

11-07-2012

21.199,00

2 DO PEDIDO

 

 

5.9.       Não foi também dado como provado que a viatura matrícula ...-...-... nunca tenha pertencido à Requerente, face ao teor da documentação anexada.

5.10.   Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

6.1.    A questão subjacente ao presente pedido de pronúncia arbitral, em geral, e aos pedidos que dele fazem parte, em concreto, será a da verificação da legalidade das liquidações de IUC notificadas à Requerente.

 

6.2.    No pedido de pronúncia arbitral a Requerente invoca a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, não ser já a proprietária dos veículos e, consequentemente, não assumir a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

6.3.    Com efeito, considera a Requerente não ser o sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado, porquanto de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, aí está consagrada uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário, nomeadamente, através da demonstração da alienação das viaturas na origem das liquidações de IUC em data anterior à verificação do facto gerador do imposto nos anos de 2013 e 2014 (sublinhado nosso).

 

6.4.    Em sentido contrário, a Requerida considerou que o disposto no artigo 3º, nº1 do Código do IUC, não comporta qualquer presunção legal e que, pelo contrário, estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos estão registados.

 

6.5.    Ora, sendo esta a questão principal a decidir nos presentes autos, será necessário determinar a incidência subjectiva do IUC, de acordo com o disposto no respectivo Código, e assumir uma posição sobre a referida norma de incidência subjectiva de modo a aferir se a mesma estabelece ou não uma presunção legal.

 

6.6.    Nesta contenda, se a referida presunção estiver aí consagrada, há que verificar se a mesma é susceptível de ser ilidida (conforme defende a Requerente) ou se, pelo contrário, se consagra de forma expressa e inilidível, que as pessoas em nome das quais os veículos estão registados são os proprietários, para efeitos de incidência subjectiva do IUC (conforme defende a Requerida).

 

6.7.    Preliminarmente, e com vista à apreciação desta matéria, deverá ter-se presente que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com ou sem registo.

 

 

6.8.    Neste âmbito, são três os artigos do Código Civil que importa ter em consideração a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel, a saber:

 

6.8.1.     Artigo 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “(…) o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”;

6.8.2.     Artigo 879º, alínea a), nos termos da qual se prevê como como efeitos essenciais do contrato de compra e venda “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito”;

6.8.3.     Artigo 408º, nº 1, que estabelece que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”.

 

6.9.    Estamos, assim, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, o que no caso dos veículos automóveis, é determinada por mero efeito do contrato.

 

6.10.  No âmbito dos contratos com eficácia real, cite-se Pires de Lima e Antunes Varela, em anotações ao artigo 408º do Código Civil, quando defendem que “(…) os contratos ditos reais por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (…) se distinguem-se dos chamados contratos reais, que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação”.[10]

 

6.11.  Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

 

6.12.  Também a jurisprudência têm defendido, face ao disposto no artigo 408º, nº 1 do Código Civil que "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei".[11]

 

6.13.  Neste caso estará o contrato de compra e venda de veículo automóvel [vide artigo 874° e 879º alínea a) do Código Civil], o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal.[12]

 

6.14.  Tendo o contrato de compra e venda, face ao acima referido, natureza real, com as mencionadas consequências, haverá também que considerar o valor jurídico do registo automóvel (objecto desse contrato), na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

 

 

6.15.  Com efeito, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, considera que quanto ao registo de veículos aquele “tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor (…), tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, sendo que, de acordo com o Código do Registo Predial (aplicável ex vi artigo 29º do RJAT), “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define”.

 

6.16.  Assim, parece, pois, segura a conclusão de que o registo definitivo é uma presunção ilidível da existência do direito, que pode ser afastada, ou seja, que admite prova em contrário.

 

6.17.  Não obstante, refira-se que, no Código do IUC não existe qualquer disposição que exija o registo, enquanto condição de validade dos contratos.

 

6.18.  Todavia, e antes de passar a interpretar o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, é relevante ter presente o disposto no artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT), na medida em que as normas tributárias devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação e, bem assim, o disposto no artigo 9º do Código Civil que estabelece as regras e elementos para a interpretação das normas.

 

6.19.  Com efeito, para que possamos concluir se o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra (i) uma presunção ilidível de quem deve ser considerado sujeito passivo do imposto com base no Registo Automóvel ou se (ii) o Legislador pretendeu expressa e intencionalmente determinar, com base no Registo Automóvel, quem deve ser considerado o sujeito passivo do IUC, é fundamental em primeiro lugar atentar na letra da Lei.

 

6.20.  Nestes termos, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” (sublinhado nosso).

 

Elemento Literal

 

6.21.  Ora, de acordo com o elemento literal da norma referida, a problemática centra-se na expressão “considerando-se como tais” utilizada pelo legislador.

 

6.22.  De facto, a letra da Lei não refere a expressão “presumindo-se”, conforme constava nos diplomas antecedentes ao presente Código, sendo assim questionável se a natureza de presunção continua ou não a estar presente na norma em análise.

 

 

6.23.  Neste sentido, a título de exemplo, verifica-se, que no artigo 243º, nº 3 do Código Civil e nos artigos 45º, nº 6 e 89º-A, nº 4 da LGT, também é utilizada a expressão “considera-se” e, no entanto, estamos perante presunções legais pelo que, de acordo com as normas gerais de interpretação, se considera que está assegurado o mínimo de correspondência verbal, para efeitos da determinação do pensamento legislativo que se encontra objectivado na norma em apreço.[13]

 

Elemento Histórico

 

6.24.  Assim, e ainda no âmbito dos elementos da interpretação de acordo com o artigo 9º do Código Civil, importa atender também ao elemento histórico.

 

6.25.  O o legislador, na definição da incidência subjectiva do Imposto Municipal sobre Veículos (IMV), do Imposto de Circulação (ICI) e do Imposto de Camionagem (ICA), impostos abolidos pelo IUC, estabelecia que "o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados" (sublinhado nosso).

 

6.26.  Nestes termos, quanto a este elemento de interpretação fica demonstrado que os antecedentes do Código do IUC consagraram uma presunção de que são sujeitos passivos do IUC os proprietários registados na Conservatória do Registo Automóvel.

 

6.27.  No que diz respeito ao IUC, não obstante continuar a atribuir aos proprietários dos veículos a qualidade de sujeitos passivos, o legislador optou por utilizar uma formulação diversa da norma de incidência, abandonando a expressão
"(…) presumindo- se como tais, (…)” em favor da expressão "(…) considerando-se como tais (…)".

 

6.28.  Em consequência, fica claro que o entendimento subjacente ao disposto naquele artigo do Código do IUC prevê uma presunção ilidível, relativamente à qual a questão semântica em nada altera o sentido interpretativo da norma.[14] [15]

 

 

6.29.  Se for adoptado o entendimento perfilhado em anteriores decisões [16] sobre a mesma matéria, entendemos que deve ser concluído que, de facto, o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra uma presunção, pois não é a substituição da expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se” que faz com que esta norma deixe de consagrar uma presunção.

 

6.30.  Na verdade, entendemos que se está perante uma mera questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da norma em questão, porquanto:

 

6.30.1.   Para que se esteja perante uma presunção legal, é necessário que a norma que a estabelece se adapte ao respectivo conceito legal (vertido no artigo 349º do Código Civil), sendo para tal irrelevante que a mesma seja explícita, revelada pela utilização da expressão "presumem-se" ou apenas implícita.[17] [18]

6.30.2.   Por outro lado, a liberdade de conformação do legislador está limitada por princípios fundamentais consagrados na CRP, nomeadamente, o princípio igualdade, cuja relevância é pertinente no caso em análise.

              Com efeito, no plano tributário, o princípio da igualdade traduz-se na generalidade e abstracção da norma que cria os elementos essenciais do tributo, de acordo com a capacidade contributiva de cada um.

 

6.31.  Neste âmbito, “a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo".[19]

 

6.32.  É no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo, estabelecida no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC.

 

6.33.  Com efeito, no que respeita à importância do Registo Automóvel, importa referir que o registo permite publicitar a situação jurídica dos bens e, bem assim, presumir que existe o direito sobre esses e que o mesmo pertence ao titular, conforme consta do registo.

 

6.34.  Com isto, podemos considerar que o registo não tem natureza constitutiva do direito, mas sim, natureza declarativa, pelo que se conclui que o registo não constitui condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

 

6.35.  A propriedade é assim adquirida mediante a celebração de contrato de compra e venda, de acordo com o disposto no artigo 879º, alínea a), do Código Civil, nos termos do qual se prevê que um dos efeitos deste contrato assenta na transmissão da coisa ou da titularidade do direito.

 

Elemento Racional e Teleológico

 

6.36.  Por fim, no que se refere ao elemento racional e teleológico, importa fazer notar que o IUC tem subjacente o princípio da equivalência, consagrado no artigo 1º do respectivo Código.

 

6.37.  Este princípio veio corporizar as preocupações ambientais ao estabelecer que o imposto deve onerar os contribuintes pelos custos ambientais e viários provocados pela circulação automóvel, ou seja, quem polui tem de pagar (princípio que também subjaz ao artigo 66º, nº 2, alínea h) da CRP e ao Direito Comunitário [20]).

 

6.38.  Com efeito, o que se pretende alcançar através da consagração do referido princípio é fazer com que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

 

6.39.  Sendo conhecida a dimensão dos danos ambientais causados pelos veículos automóveis, a lógica e coerência do sistema de tributação automóvel, em geral, e do regime inscrito no Código do IUC em particular, apontam no sentido de que quem polui deve pagar, associando assim, o imposto aos danos ambientalmente causados.

 

6.40.  Assim, esta imputação do encargo fiscal aos sujeitos que só, aparentemente, estão nessas condições, enviesa a ratio legis de que devem ser os efectivos proprietários que devem suportar o respectivo imposto, dado serem estes os reais poluidores.

 

6.41.  Tratam-se, pois, de preocupações com assinalável importância, na economia do IUC, e que não se poderão deixar de, coerentemente, ter em conta na interpretação do artigo 3º, relativo à incidência subjectiva daquele imposto.

 

 

6.42.  Nestes termos, correspondendo a tributação (em sede de IUC) dos reais poluidores a um importante fim visado pela lei, à luz dos elementos de carácter racional e teleológicos de interpretação, impõe-se concluir que o nº 1 do artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção ilidível.[21]

 

6.43.  Em resumo, importa salientar que os referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, sejam os respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se como tais” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se como tais”, devendo, assim, entender-se que, reitera-se, o disposto no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção legal.

 

6.44.  Ora, de acordo com o disposto no artigo 349º do Código Civil, presunções são as ilações que a lei (ou o julgador), tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

 

6.45.  Deste modo, as presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341º do Código Civil), pelo que quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de fazer prova do facto a que ela conduz (artigo 350º, nº1 do Código Civil).

 

6.46.  Todavia, as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (artigo 350º, nº 2 do Código Civil).

 

6.47.  Tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente previsto no artigo 73º da LGT.

 

6.48.  Na verdade, estas presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio, previsto no artigo 64º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem.

 

6.49.  Sobre a consagração no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC de uma presunção ilidível pronunciaram-se já diversas decisões arbitrais nesse sentido.[22]

 

 

6.50.  Nestes termos, a resposta que deverá ser dada à questão formulada no ponto 4.7.1., supra será a de que o artigo 3º do Código do IUC consagra, efectivamente, uma presunção ilidível quanto aos proprietários dos veículos automóveis, de modo a poder afastar a presunção de que são considerados como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.[23]

 

Da ilisão da presunção

 

6.51.  Concluindo-se que o artigo 3º, nº 1 do Código do IUC consagra uma presunção ilidível, cumpre ainda analisar se esta presunção foi efectivamente ilidida por parte da Requerente, conforme resulta do disposto no artigo 73º, da LGT.

 

6.52.  Assim, em geral, deve a pessoa (singular ou colectiva) que está inscrita no registo como proprietária do veículo (e que, nesse sentido, é considerada pela Autoridade Tributária como sendo o sujeito passivo de IUC), demonstrar mediante elementos de prova disponíveis que não é o real proprietário do veículo e, bem assim, que a propriedade foi transferida para outrem.

 

6.53.  O que a Requerente se propõe provar, segundo resulta dos autos, é que transmitiu a propriedade dos veículos em momento anterior aos períodos a que as liquidações dizem respeito e, para provar que ocorreram tais transmissões de propriedade, a Requerente junta cópia de facturas e notas de débito como documentos de suporte dessas transmissões.

 

6.54.  Torna-se, assim, necessário analisar que valor deve ser reconhecido a estes elementos para provar a transmissão, por parte da Requerente, da propriedade dos veículos.

 

6.55.  Em condições de cumprimento da lei, sempre que ocorre uma compra e venda de um veículo, é preenchido um documento bilateral destinado ao registo automóvel (cujo preenchimento não constitui formalidade essencial do negócio) e que contém uma declaração assinada por ambas as partes quanto à celebração do contrato.

 

6.56.  E precisamente porque a compra e venda de uma coisa móvel é um negócio não formal, aos serviços do Registo Automóvel basta este instrumento particular como prova para se proceder à alteração do registo (que pode ser promovida pelo vendedor, em nome do adquirente, munido de uma simples cópia dessa declaração).

 

6.57.  Quando o vendedor é uma entidade que se dedica ao comércio de veículos automóveis (como é o caso da Requerente), este pode promover o registo, em nome do adquirente, através de um simples requerimento, conforme previsto no artigo 25º, nº 1, alíneas c) e d) do Regulamento do Registo Automóvel.

6.58.  Ora, o que a Requerente pretende no processo não é meramente ilidir uma presunção fiscal mas sim ilidir a presunção de veracidade dos factos que se encontram registados publicamente (e para finalidades de interesse público), apresentando para tal como prova, cópias de facturas e notas de débito (não assinadas pelo comprador), em ambos os casos, tratando-se de documentos particulares, unilateralmente emitidos, com carácter comercial.[24]

 

6.59.  Ora, dado que, para emissão dos mesmos não se verificou qualquer intervenção do comprador, isto significa que este pode negar que a factura corresponda a qualquer negócio efectivamente celebrado, invalidando com isso qualquer valor probatório da mesma, não lhe sendo exigido, sequer, produzir qualquer contraprova nesse sentido.[25]

 

6.60.  Em consequência, a estes documentos particulares, por serem unilaterais, não pode reconhecer-se senão um valor probatório muito limitado.[26]

 

6.61.  Na verdade, no caso em análise, como mecanismo para ilidir a presunção, a Requerente apenas juntou, como já foi referido, a título de prova de que já não era a legítima proprietária das viaturas identificadas no ponto 5.5., supra, cópia de facturas ou de notas de débito para comprovar a alegada transferência de propriedade das mesmas.[27]

 

6.62.  Neste âmbito, a ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347º do Código Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, o que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova, tendo de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais.

 

6.63.  Ora, da análise das facturas e notas de débito (enquanto documentos particulares e unilaterais, cuja emissão não supõe a intervenção da contraparte), anexadas pela Requerente ao processo, deverá aos mesmos ser reconhecido um reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático, como é o caso da compra e venda, porquanto qualquer daqueles documentos contabilísticos não prova sequer o pagamento do preço pelo comprador.[28]

 

 

6.64.  Com efeito, em termos gerais, tanto as facturas, como as notas de débito, constituem documentos contabilísticos elaborados pelas empresas, devendo:

 

6.64.1.   As facturas ser enquadradas como documentos contabilístico através dos quais o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada e;

6.64.2.   As notas de débito ser enquadradas como documentos contabilísticos em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário.

 

6.65.  Como ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, mas não farão prova do pagamento do preço pelo mesmo, em consequência, não fazendo prova de que se concluiu o contrato de compra e venda (na verdade, somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação [29]).

 

6.66.  Na verdade, não tendo sido anexadas ao processo, nomeadamente, cópia dos contrato de compra e venda, cópia do documento comprovativo de pagamento do preço (cheque ou comprovativo de transferência do montante que foi recebido pela venda de cada uma viatura) ou cópia do recibo, a transmissão da propriedade efectiva das viaturas não conseguiu ser comprovada.

 

6.67.  Assim, só com a apresentação de tais documentos (com presunção de veracidade e idoneidade), é que teria havido força bastante para ilidir a presunção que resulta das liquidações, de acordo com o disposto no artigo 73º da LGT.

 

6.68.  Nestes termos, será forçoso concluir que a Requerente não conseguiu provar a transmissão da propriedade dos veículos que constituem o objecto das liquidações de IUC que fazem parte do Pedido Arbitral e, em consequência, não conseguiu ilidir a presunção derivada da inscrição do Registo Automóvel.

 

6.69.  Consequentemente, a Requerente não conseguiu demonstrar que, à data das liquidações de IUC, não era a proprietária das viaturas objecto daquelas liquidações (e identificadas no ponto 5.5., supra), sendo negativa a resposta a dar à questão formulada no ponto 4.7.2., ou seja, não conseguiu ilidir a presunção do artigo 3º do Código do IUC.

 

6.70.  Deste modo, de acordo com o disposto no artigo 16º do Código do IUC, a Requerida era competente para liquidar o imposto à Requerente, enquanto pessoa em nome do qual os veículos objecto das liquidações se encontravam registados (de acordo com o disposto no artigo 3º do Código do IUC).

 

 

6.71.  Em consequência, será também negativa a resposta à questão acima formulada no ponto 4.7.3., ou seja, as liquidações de IUC efectuadas pela Requerida não enfermam, em consequência do acima exposto, de ilegalidade, não devendo, por isso, ser anuladas.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.72.  Por último, no que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, o direito aos mesmos ficará prejudicado pela conclusão assumida no ponto 6.71., supra, porquanto se entendeu que, face ao acima exposto, as liquidações objecto do Pedido não enfermam de ilegalidade e, por isso, não devem ser anuladas, tendo em consideração a insuficiente prova apresentada pela Requerente para ilidir a presunção consagrada no artigo 3º do Código do IUC[30].

 

6.73. Em consonância com o ponto anterior, e nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) em vigor (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.74.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.75. Assim, as Partes devem ser condenadas tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, ou seja, sendo-lhes atribuída a responsabilidade por custas, na proporção em que forem parte vencida.

 

6.76.  Nestes termos, deverá ser imputada à Requerente a responsabilidade em matéria de custas arbitrais.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

 

7.2.    Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC em vigor).

 

7.3.    No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerente.

 

7.4.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões definidas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.4.1.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente mantendo-se, em consequência, os respectivos actos tributários;

7.4.2.     Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no reembolso das quantias pagas pela Requerente, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, porque prejudicado pela decisão do ponto anterior;

7.4.3.     Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor EUR 5.664,97.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Março de 2015

 

O Árbitro

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Proposta de Lei nº 118/X que deu origem à Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho [que aprovou o Código do Imposto sobre Veículos (ISV) e o Código do Imposto Único de Circulação (IUC)].

[3] Para a Requerente, “a ratio legis aponta no sentido de se pretender os reais proprietários e utilizadores dos veículos (…)”.

[4] Neste âmbito, a Requerente cita jurisprudência emanada em Acórdãos do STJ proferidos no âmbito do processo nº 03B4369, de 19 de Fevereiro de 2004 e do processo nº 07B4528, de 29 de Janeiro de 2008.

[5] Para reforço deste entendimento, a Requerida cita a decisão proferida no âmbito do Processo nº 210/13.0BEPNF do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (tendo anexado cópia deste decisão com a Resposta apresentada - Doc. nº 2), nos termos da qual “a falta de registo em nome do novo adquirente faz com que a incidência subjectiva do IUC (art. 3º, n.º 1, do CIUC) se mantenha no titular do direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel e seja o responsável pela liquidação e pagamento do IUC, independentemente da sua alienação efectiva”.

[6] Neste âmbito, a Requerida cita jurisprudência emanada do CAAD (cfr. processos nº 63/2014-T,
nº 150/2014-T e nº 220/2014-T).

[7] Nesta matéria, a Requerida cita transcrições das decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos processos arbitrais nº 75/2012-T e nº 212/2014-T.

[8] Neste âmbito, a Requerida anexou, com a sua Resposta, cópia do registo cadastral interno de cada viatura objecto de liquidação (Doc. nº 1 da Resposta).

[9] A este respeito, vide ponto 6.51. a ponto 6.60 do Capítulo 6 (Decisão).

[10] Vide artigos 1129º, 1142º e 1185º do Código Civil.

[11] Neste sentido, vide AC STJ Processo 03B4369, de 19/02/2004.

[12] Neste sentido, vide AC STJ de 3/3/98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, página 117.

[13] Atente-se que, no que se refere à segunda disposição legal referida, Jorge Lopes de Sousa considera estar em causa uma presunção ilidível de notificação, para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Vol. I, 6.ª Edição, Áreas Editora, S.A., Lisboa 2011, página 388).

 

[14] Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa afirma que “em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão presume-se ou por expressão semelhante” (in CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, página 589) (sublinhado nosso).

[15] Também no mesmo sentido, A. Brigas Afonso e Manuel Teixeira Fernandes (in “Imposto sobre veículos e imposto único de circulação”, Coimbra Editora, 2009, página 187) consideram que “não houve alterações relativamente à situação que vigorou no âmbito dos extintos IMV, ICI e ICA.

[16] Neste sentido vide, nomeadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 34/2014-T e 42/2014-T.

[17] Neste sentido, vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, página 586.

[18] Vide AC STA Processo 441/11, de 29 de Fevereiro de 2012 e AC STA Processo 381/12, de 2 de Maio de 2012.

[19] Vide AC TC Processo 343/97, de 29 de Abril.

[20] Com a assinatura, em 7 de Fevereiro de 1992, em Maastrich, do Tratado da União Europeia, o aludido princípio passou a constar como suporte da política Comunitária no domínio ambiental (vide artigo 130º-R, nº 2).

[21] Neste âmbito, segundo Francesco Ferrara (in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª Edição, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, página 130), “(…) a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”.

[22] Vide, nomeadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T e 67/2014-T e 115/2014-T.

[23] Neste âmbito, vide AC TCAS 08300/14, de 19 de Março de 2015, nos termos do qual se pode ler que “o IUC está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do artigo 3º, nº 1, do Código do IUC, norma onde se (…) consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artigo 73º, da LGT” (sublinhado nosso).

[24] Neste sentido, vide decisão arbitral proferida no processo 67/2014, de 15 de Setembro.

[25] Neste âmbito, vide AC TRL, Processo nº 224338/08.7YIPRT.L1-8, de 4 de Fevereiro de 2010.

[26] Neste sentido se tem pronunciado diversa jurisprudência, nomeadamente o AC TRL, Processo nº 1586/2008-8, de 5 de Junho de 2008, quando se escreve que “os documentos juntos limitam-se à existência das declarações nele contidas, ou seja, que foram emitidas facturas referentes a mercadoria fornecida (…) dos documentos não resulta que se tenha encomendado (…) a mercadoria constante das facturas juntas e que esta lhe tenha sido entregue” (sublinhado nosso).

[27] Vide cópia de documentos contantes do Doc. nº 1 anexo ao Pedido.

[28] Neste sentido, vide AC TCAS 08300/14, de 19 de Março de 2015.

[29] Vide artigo 787º do Código Civil.

[30] Com efeito, nos processos arbitrais tributários só há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2 e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (sublinhado nosso). No caso em análise, ao promover as liquidações oficiosas do IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Requerida limitou-se a dar cumprimento do disposto no
nº 1, do artigo 3º do Código do IUC que (como acima já foi analisado), imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, não se vislumbrando erro, atentas as circunstâncias descritas, que lhe fosse imputável.