Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 650/2022-T
Data da decisão: 2023-09-01  IMI  
Valor do pedido: € 46.782,00
Tema: IMI. Valor patrimonial dos terrenos para construção. Revisão oficiosa.
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SUMÁRIO:

  1. Se o contribuinte não sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, fica impossibilitado de arguir a ilegalidade dos atos de liquidação subsequentes com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhes serviu de matéria coletável.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório

 

A..., S.A., B..., S.A., C..., S.A. D...S.A. e E... S.A, sociedades comerciais anónimas todas com sede em ..., ..., ...-... ..., Oeiras, titulares, respetivamente, dos Números Únicos de Identificação de Pessoas Coletivas e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ..., ..., ..., ..., ...(separada e respetivamente, “1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª Requerente” ou, conjuntamente, “Requerentes”), requereram, ao abrigo dos artigos 95.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alíneas a) e c), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), a constituição de Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a ilegalidade das decisões finais de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, bem como sobre a ilegalidade das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.º 2017..., n.º 2017..., n.º 2017..., n.º 2017... e n.º 2017..., requerendo a sua anulação parcial e o reembolso do montante global de 46.782 EUR, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, e ainda peticionado pelo pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-10-2022.

Em 16-12-2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 03-01-2023.

Em 28-12-2022, ainda antes da constituição do Tribunal Arbitral, vieram as Requerentes requerer a substituição objetiva parcial da instância visando a substituição das decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelas Requerentes A..., S.A., C..., S.A., D..., S.A. e E..., S.A. pelas correspondentes decisões de indeferimento expresso notificadas já depois do pedido de constituição do tribunal arbitral.

A AT apresentou resposta em 08-02-2023, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 16-02-2023, as Requerentes apresentaram requerimento, ao abrigo do princípio do contraditório, para se pronunciarem sobre as exceções invocadas pela AT na sua resposta.

Por despacho de 17-02-2023, foi decidido deferir o pedido de substituição objetiva parcial da instância arbitral requerido pelas Requerentes.

Igualmente por despacho de 17-02-2023, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 15 dias.

Em 27-02-2023, a Requerida, ao abrigo do princípio da colaboração, requereu a junção aos autos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 102/22.2BALSB.

Por despacho de 01-03-2023, foram as Requerentes notificadas para, ao abrigo do princípio do contraditório, querendo, e no prazo de 5 dias, pronunciarem-se sobre o requerimento da Requerida de 27-02-2022.

Em 07-03-2023, veio a Requerida informar aos autos que não pretendia produzir alegações finais escritas, dando por integralmente reproduzido todo o aduzido em sede de Resposta.

Na mesma data, vieram as Requerentes apresentar alegações escritas, mantendo a sua posição inicial.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do

mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

 

  1. As Requerentes são sociedades comerciais integrantes do GRUPO F..., que dedicam a sua atividade aos ramos da construção civil e imobiliário (cf. alegado no artigo 19.º do PPA e não contestado pela Requerida).
  2. Em 2017, as Requerentes eram, no seu conjunto, proprietárias de 41 terrenos para construção em regime de propriedade plena, os quais seguidamente se discriminam (cfr. Documentos n.ºs 7 a 11 juntos ao PPA):

 

Titular

Código

Artigo

Ano de inscrição na matriz

VPT inicial (EUR)

VPT a
31-12-2017 (EUR)

Natureza do imóvel

Afetação

1.ª Requerente

...

U-...-

2009

2.608.650

2.074.690

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2009

2.371.010

1.886.450

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2009

1.327.120

1.059.560

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2009

1.334.040

1.065.040

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

1.976.650

1.589.640

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

1.648.150

1.346.930

Terreno p/constr.

Serviços

 

U-...-

2012

73.410

73.410

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

73.570

73.570

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

73.860

73.860

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

74.340

74.340

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

77.500

77.500

Terreno p/constr.

Habitação

...

U-...-

2012

97.460

97.460

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

103.860

103.860

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

96.570

96.570

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

106.060

106.060

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

98.490

98.490

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2012

95.390

95.390

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

1998

91.048,07

137.230

Terreno p/constr.

Habitação

2.ª Requerente

 

U-...-

2003

1.382.400

1.284.280

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2005

1.134.780

579.440

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2005

1.643.850

574.970

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2011

4.299.270

3.471.875,23

Terreno p/constr.

Habitação

...

U-...-

2011

2.618.660

2.123.820,08

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2011

3.550.420

2.699.360

Terreno p/constr.

Comércio

 

U-...-

2011

2.189.130

1.772.766,78

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2011

2.279.780

1.737.870

Terreno p/constr.

Comércio

 

U-...-

2011

3.229.100

2.609.314,18

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2011

1.047.380

850.853,90

Terreno p/constr.

Habitação

3.ª Requerente

 

U-...-

2006

78.610

86.520,17

Terreno p/constr.

Comércio

 

U-...-

1999

268.867,03

888.460

Terreno p/constr.

Habitação

4.ª Requerente

...

U-...-

2009

2.247.440

1.640.150

Terreno p/constr.

Armazéns e atividade industrial

5.ª Requerente

...

U-...-

2010

1.574.900

1.279.716,43

Terreno p/constr.

Habitação

...

U-...-

2010

2.014.370

1.638.598

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2010

812.200

664.980,23

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2010

1.418.370

1.152.993,08

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2010

783.920

640.437,53

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2010

398,540

328.767,40

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2010

776.200

633.727,58

Terreno p/constr.

Habitação

 

U...-

2010

375.160

309.544,30

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2010

1.962.870

1.592.373,90

Terreno p/constr.

Habitação

 

U-...-

2010

994.890

791.380

Terreno p/constr.

Habitação

TOTAL

 

41

 

49.408.285,10

39.482.248,79

 

 

 

  1. Em 2018, tendo por referência o ano de 2017, a Autoridade Tributária emitiu as liquidações de IMI objeto dos presentes autos relativamente a cada um dos terrenos para construção acima identificados, das quais resultou o montante total de imposto a pagar de 73.534,35 EUR (cfr. Documentos n.ºs 1 a 5 juntos ao PPA).
  2. Em parte, as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pelas Requerentes, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, os quais foram calculados tendo em conta os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto previstos no artigo 38.º do CIMI (cfr. Documentos n.ºs 7 a 11 juntos ao PPA).
  3. Em 27-04-2018, as Requerentes pagaram as quantias liquidadas (cfr. Documento n.º 12 junto ao PPA).
  4. A 28-03-2022, as Requerentes apresentaram individualmente pedidos de revisão oficiosa das respetivas liquidações de IMI, com fundamento em erro imputável aos serviços, em sede dos quais peticionaram a anulação parcial de tais atos tributários e a restituição do imposto pago em excesso, no montante global de 46.782 EUR (cfr. Documentos n.ºs 13 a 17 juntos ao PPA).
  5. A Autoridade Tributária e Aduaneira não proferiu decisão sobre os pedidos de revisão oficiosa até 26-10-2022, data em que as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
  6. Em 28-11-2022, cada uma das Requerentes, com exceção da Requerente B..., S.A., foi notificada do despacho da Senhora Diretora da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, de 25-11-2022, que indeferiu o respetivo pedido de revisão oficiosa (cfr. Documentos n.ºs 1 a 4, do requerimento da Requerente de 28-12-2022, juntos ao PPA).

 

  1. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas Requerentes.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

  1. Matéria de direito

As Requerentes pediram a revisão oficiosa de liquidações de IMI relativas ao ano de 2017, com fundamento em erro na fixação dos valores patrimoniais tributários de terrenos para

construção, por a AT ter aplicado os coeficientes de localização, de afetação, e de qualidade e

conforto, conforme fórmula ínsita no artigo 38.º, n.º 1, do CIMI, ao invés de calcular o VPT nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do CIMI, o qual, na redação em vigor à data dos factos, não fazia qualquer menção aos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto.

A Autoridade Tributária e Aduaneira aceita expressamente que as liquidações enfermam desses erros, dizendo no artigo 18.º da Resposta:

18.º

Importa desde já sublinhar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto

 

Assim, o litígio tem por objeto apenas a verificação ou não de uma situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efetuado a revisão que foi pedida pelas Requerentes.

As Requerentes defendem, em suma, que estão reunidos os requisitos previstos no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, que é ilegalidade por erro imputável aos serviços, porquanto a fixação dos VPT dos terrenos para construção (que serviu de base às liquidações de imposto ora em crise) foi realizada pelos serviços da Autoridade Tributária sem qualquer intervenção das Requerentes.

Ainda segundo as Requerentes, também na esteira do artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, as liquidações de IMI objeto dos presentes autos sempre teriam de ser oficiosamente revistas porquanto a errónea aplicação pela Autoridade Tributária do regime de avaliação previsto no artigo 38.º do CIMI originou uma coleta de imposto de montante superior ao legalmente devido.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, defende, em síntese, que:

A. Não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores, pelo que a pretensão da Requerente carece de fundamento legal;

B. O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado;

C. Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade;

D. E, mesmo que assim não se entendesse, o que por hipótese se admite, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78.º da LGT;

E. Sendo que a final sempre se concluiria no sentido de já ter decorrido o prazo de 5 anos em que seria possível a para anulação do ato.

 

O artigo 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária constitui o ponto de partida quanto a esta questão, estabelecendo o seguinte:

 

Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

A questão essencial que se coloca nesta sede prende-se com a possibilidade de as requerentes poderem sindicar as ilegalidades dos atos de fixação do VPT no âmbito da impugnação dos atos de liquidação que lhes são subsequentes.

Com relevo para a decisão, importa trazer à colação a posição firmada na Decisão Arbitral de 08-05-2023, proferida no processo n.º 510/2022-T, a qual acompanhamos integralmente:

“18. A resposta a esta questão, que gerou vasta jurisprudência arbitral em sentido contraditório, foi objecto de uniformização pelo STA através do acórdão proferido em 23.12.2023, no processo n.º 0102/22.2BALSB, no âmbito do qual se referiu o seguinte:

“Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).

No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.

O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).

Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.

Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.”.

19. Com base nesta argumentação, concluiu o STA que “deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”.

20. Em virtude do precedente jurisprudencial fixado pelo STA, e em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, nos termos da qual recai sobre todo e qualquer órgão jurisdicional o dever de assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do direito enquanto garantia de coerência sistemática e concretização do princípio da segurança jurídica, adere este Tribunal Arbitral à posição sufragada pelo STA.”

 

No referido acórdão uniformizador, conclui o STA que “(…) deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”

Aplicando o entendimento vertido pelo STA aos presentes autos, verifica-se que ao não terem as Requerentes contestado autonomamente os atos de fixação do VPT de cada um dos terrenos para construção por via de um pedido de segunda avaliação, não poderão posteriormente ser invocadas ilegalidades na fixação do VPT no âmbito da impugnação da legalidade dos atos de liquidação que lhe são subsequentes, que era o que as Requerentes pretendiam neste caso, tendo, para o efeito, recorrido aos pedidos de revisão oficiosa e, agora, à impugnação dos seus indeferimentos, bem como dos atos de liquidação neles visados.

Resulta daqui, portanto, que assiste razão à Requerida quando invoca na sua defesa a consolidação do ato que determinou o VPT e a consequente inimpugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios daquele, razão pela qual não se verifica possível o recurso pelas Requerentes à revisão dos atos de liquidação de IMI nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Neste sentido, improcede o pedido formulado pelas Requerentes.

 

  1. Decisão

 

Em face do exposto, decide-se:

  1. Manter na ordem jurídica os atos de indeferimento, expressos quanto às Requerentes A..., S.A., D..., S.A., C..., S.A. e E..., S.A., e tácito quanto à Requerente B..., S.A., dos pedidos de revisão oficiosa e os atos de liquidação de IMI objeto destes autos;
  2. Julgar totalmente improcedente o pedido formulado pelas Requerentes; e
  3. Condenar as Requerentes a suportar integralmente as custas do processo.

 

  1. Valor do Processo

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 46.782,00.

 

 

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.142,00, a cargo das Requerentes, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

 

Porto, 01 de setembro de 2023

 

O árbitro

 

Francisco Melo