Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 212/2015-T
Data da decisão: 2015-11-30  IRS  
Valor do pedido: € 196.004,00
Tema: IRS – ajudas de custo, limites legais, art. 2º, nº 3, d) e nº 14 do CIRS
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Decisão Arbitral

 

RequerenteA…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IRS – ajudas de custo, limites legais, art. 2º, nº 3, d) e nº 14, do CIRS

 

I – Relatório

 

1. No dia 23 de Março de 2015, A…, contribuinte com o NIF …, residente em …, Loja …, …, ..., veio, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a) e 10º, nº 1, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral com vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios constante do documento nº 2014…, datado de 20/11/2014, relativo ao ano de 2010, no montante global de € 1.960.04 (mil novecentos e sessenta euros e quatro cêntimos). Com o Requerimento inicial foram juntos, para além do documento de cobrança, procurações e comprovativo de pagamento da taxa, três documentos.

2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. O tribunal arbitral ficou constituído em 2 de Junho de 2015.

4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou a sua Resposta e o processo administrativo (PA) em 9 e 14 de Julho de 2015, respectivamente.

5. Em 26 de Outubro de 2015 realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, procedendo-se, conforme anterior despacho arbitral, a audição de duas testemunhas indicadas pelo Requerente. As Partes prescindiram da produção de alegações, sendo designado o dia 1 de Dezembro de 2015 para prolação da decisão arbitral.

 

6. O Pedido de Pronúncia

No Pedido inicial, o Requerente sustentou, em síntese (da nossa responsabilidade):

  • É, desde 1 de Setembro de 2009, trabalhador da empresa B… – Sucursal em Portugal (B…), empresa cuja actividade consiste na realização de trabalhos sobre solos em áreas marítimas e costeiras, por exemplo defesa de costa, reforço de areia em praias, dragagem de leitos de rio e fundos marinhos.

  • Foi contratado para o exercício de funções de engenheiro civil, tendo-se mantido ao serviço da empresa desde então, com funções cuja descrição inclui a preparação de propostas para concursos, tarefas de fiscalização e acompanhamento de obras realizadas em Portugal e no estrangeiro realizadas pela entidade patronal.

  • A função exercida implica frequentes deslocações e permanência em estaleiros de obra da sua entidade patronal, tanto em Portugal como no estrangeiro.

  • Para indemnizar o trabalhador das despesas de alimentação e alojamento que essas deslocações implicam, a B… atribui-lhe, como é política da empresa, determinados montantes a título de ajudas de custo.

  • Da análise feita pela AT à sua declaração fiscal referente ao ano de 2010 resultou um acréscimo de € 5.048,19 ao rendimento colectável desse ano: o montante de € 1.263,09 por acumulação de subsídio de refeição com ajudas de custo e o montante de € 3.785,10 relativamente a ajudas de custo consideradas como excesso face aos limites legais.

  • Quanto à correcção referente ao montante de € 1.263,09, de subsídio de refeição reconhece que não foi pago antes devido a erro de processamento da empresa, já que corresponde a importância que não poderia ser atribuída cumulativamente com as ajudas de custo, e aceitou a liquidação do imposto resultado dessa correcção, tendo já procedido, em 5 de Janeiro de 2015, à liquidação da correspondente quantia de imposto apurada, no valor de € 315,39.

  • Mas não se conforma com a correcção quanto ao abono de “ajudas de custo” por corresponder a montantes atribuídos pela entidade patronal - atendendo à actividade da empresa e funções do requerente que exigem presenças frequentes e por vezes imprevistas nos estaleiros das obras tanto em Portugal como no estrangeiro - para o indemnizar, de forma aproximada, das respectivas deslocações.

  • Na análise do mapa das ajudas de custo, os serviços de inspecção tributária terão concluído que nos meses de Março, Maio, Agosto e Novembro houve ajudas de custo pagas acima do limite legal, mas ignoraram que nos restantes meses o requerente recebeu um montante de ajudas de custo inferior ao limite legal, pelo que (tendo em conta o recebido a menos em Janeiro e Fevereiro; Junho e Julho e Setembro e Outubro) o Requerente acabou por receber, no total do ano, menos € 5.679,15 do que o valor máximo de ajudas de custo a que legalmente teria direito.

  • A explicação para pagamento aquém e além dos limites conforme os meses deve-se ao facto de, dada a complexidade do processamento de salários em si (número de dias por mês, férias, variações de remuneração, retenções, etc.) e imprevisibilidade das deslocações do Requerente, a entidade patronal ter optado por um controlo anual do pagamento das ajudas de custo atribuídas numa base anual.

  • Portanto, numa base anual, que é a base de lançamento do IRS, conforme o art. 22º do CIRS, as ajudas de custo efectivamente pagas situaram-se € 5.679,15 abaixo do respectivo limite legal tendo em conta os dias e locais da deslocação, sendo que o próprio Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de Abril, prevê, nos arts. 35º e 36º, para os funcionários públicos mecanismos de atribuição antecipada e postecipada de ajudas de custo bem como respectivos acertos.

  • A AT, ao ignorar que os valores a considerar deverão ser os valores globais do ano de 2010 e não os valores mensais obrigatoriamente sujeitos a acertos e correcções, porque o IRS é um imposto de base anual em que o que se tributa é o rendimento global do ano e não cada um dos seus meses em separado, desrespeitou o princípio da verdade material da tributação (art. 5º, nº 2, da LGT) e não da prevalência da substância sobre a forma na interpretação das normas tributárias (art. 11º, nº 3, da LGT e art. 22º do CIRS)

  • O pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado procedente e declarada a ilegalidade, com consequente anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios (doc. nº 2014…) e todas as consequências legais.

 

7. A Resposta

A Requerida responde, em síntese (da nossa responsabilidade):

  • Reagindo contra as correcções propostas pela AT ao detectar situações em que os limites diários legalmente estabelecidos foram ultrapassados, tendo em conta o disposto no artigo 23º- A do CIRC, nº 1, al. h), e no n.º 3 do artigo 2º do CIRS, o Requerente considera que as quantias pagas a título de ajudas de custo estão sujeitas a um cômputo anual de acordo com a base anual do IRS, não podendo os limites legais ser aferidos mensalmente

  • Reiterando o conteúdo do Relatório de Inspecção Tributária, as ajudas de custo são pagas diariamente, assim como o seu limite legal é fixado diariamente, quer a deslocação seja em território nacional ou no estrangeiro, como se encontra expressamente determinado na Portaria 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, para o ano em análise (€ 62,75 para deslocações em Portugal e € 148,91 para deslocações ao estrangeiro).

  • Que tudo o que excede o montante legal diário de ajudas de custo deve ser objecto de tributação porque estas não estão sujeitas a um cômputo anual mas sim diário resulta do Decreto-Lei 106/98, de 24/04, onde se refere que as ajudas de custo têm como finalidade assegurar necessidades diárias de deslocação.

  • A pretensão do Requerente, no sentido de solicitar compensações a fim de fazer ajustes entre os meses em que recebeu mais e os que recebeu menos, improcede por representar a constituição de um “banco de ajudas de custo”, contrário à legislação em vigor.

  • Os artigos 35.º e 36º do citado diploma não estabelecem um mecanismo de atribuição antecipada e postecipada de ajudas de custo, apenas reconhecendo diferentes modalidades de pagamentos e não um direito a receber ajudas de custo.

  • Da análise dos documentos juntos resulta a verificação de um excesso no valor diário das ajudas de custo quando comparadas com o limite legal, não existindo qualquer norma que permita à AT efectuar a contabilização de ajudas de custo sem ter por base e como referência máxima o valor diário estabelecido na lei.

  • Não têm, também, sustentabilidade as alegadas violações ao princípio da verdade material da tributação contido no artigo 5º, nº 2, da LGT e da regra da prevalência da substância sobre a forma na interpretação das normas tributárias (artigo 11º, nº 3 da LGT).

  • Não pode defender-se a não exigência pela AT do preenchimento de um requisito legal, sob pena de violação do princípio da legalidade e outros princípios legais e constitucionais, pelo que deve o pedido ser julgado improcedente.

 

8. Objecto do pedido

A questão jurídica a decidir no presente processo consiste em saber, no caso de importâncias auferidas por um trabalhador a título de ajudas de custo pagas pela respectiva entidade patronal, como se interpreta o disposto na alínea d) do nº 3 do artigo 2º e no nº 14 do mesmo artigo, do Código do Imposto do Rendimento sobre as Pessoas Singulares (IRS), de modo a determinar qual o montante não sujeito ao imposto em causa.

 

9. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II Fundamentação

 

10. Factos provados

10.1. C…, sociedade dinamarquesa, que actua em Portugal através da “B…, Sucursal em Portugal”, com NIF …, instalada na … – …, Apartado …-…-…, ..., é uma empresa que realiza trabalhos sobre solos em áreas marítimas e costeiras em defesa da costa, reforço de areias em praias, dragagem de leitos de rio e fundos marinhos (Pedido de pronúncia, art. 2º, documentação constante dos autos e depoimento testemunhal).

10.2. Em documento datado de 1 de Setembro de 2001, o Requerente, residente então na Urbanização …, nº … ...- … – Alcochete, celebrou com a B…, Sucursal em Portugal, um “contrato de trabalho a termo certo” para exercício da função de engenheiro civil na obra pública “Empreitada de Dragagens de Manutenção de Fundos no Terminal do Petroleiro”, adjudicada à entidade empregadora pela D…, SA, bem como a preparação/elaboração da proposta a apresentar no âmbito do Concurso Público aberto pela E…, tendo em vista adjudicação de obras idênticas e o eventual acompanhamento da mesma durante o período do contrato de trabalho, e ainda o lançamento da actividade em território espanhol (Doc. nº 2, junto com o Pedido de pronúncia, cláusula terceira).

10.3. O contrato referido no número anterior, celebrado “nos termos dos artigos 41º e seguintes do Regime jurídico anexo ao Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro”, tinha a vigência de um ano (Doc. nº 2 junto com o Pedido, cláusula segunda).

10.4. O contrato de trabalho referido nos números anteriores previa uma remuneração base mensal de € 299.000$00, sujeita aos descontos legais devidos, e o direito a férias e subsídio de férias e, ainda, que “as demais condições de trabalho não expressamente previstas no clausulado que antecede serão reguladas pelas disposições legais aplicáveis, bem como pelas práticas correntes e regulamentos internos da entidade empregadora” (Cláusula décima quinta do contrato de trabalho constante do doc. nº. 2 junto com o pedido).

10.5. Na declaração de rendimentos de IRS referente a 2010, o Requerente declarou ter auferido como rendimento da categoria A o montante de € 27.720,00, em resultado do trabalho prestado pelo primeiro Requerente à sociedade B… Sucursal Portugal … (nº 9 da Resposta, Relatório da Inspecção Tributária, II.3., Doc. nº 3 junto com o Pedido e PA1).

10.6. Em resultado da troca de informações automáticas entre Portugal e a Dinamarca para prevenção da dupla tributação internacional e evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, foi a Direcção de Finanças de Setúbal informada pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais de que o sujeito passivo tinha auferido rendimentos provenientes do estrangeiro (Dinamarca), no valor de 568.166 Coroas Dinamarquesas (PA1, Relatório da Inspecção Tributária, II.4.2.).

11.7. A Direcção de Finanças de Setúbal notificou o Requerente para este regularizar a falta de englobamento na sua declaração de IRS no montante de € 76.213,79 de rendimentos obtidos na Dinamarca, através dos ofícios nº … e …, respectivamente de 14 de Maio e 5 de Junho de 2012, mas que não foram recebidos, tendo o Requerente, em posterior contacto telefónico, indicado que não auferira esses rendimentos Resposta, artigo 5º).

10.8. Solicitados, através do ofício nº …, de 12 de Agosto de 2014, da DF de Setúbal, elementos e esclarecimentos à B…, Sucursal em Portugal, esta respondeu que “O sujeito passivo em análise não é trabalhador da casa mãe, mas sim da sucursal em Portugal e que em 2010 não exerceu qualquer actividade na Dinamarca. Os rendimentos auferidos são os que constam na declaração emitida pela B… – SUCURSAL EM PORTUGAL (...), e enviou cópia de uma declaração, de acordo com o artigo 119º do CIRS, dos rendimentos auferidos no ano de 2010 pelo Funcionário “A…”, constando os seguintes valores: € 27.720,00, de rendimentos sujeitos a IRS; € 35.797,20, de rendimentos isentos de IRS; € 4.944,00 de descontos (retenções) de IRS e € 3.049,20 de contribuições para Segurança Social (Relatório da I.T. ponto II.4.2., e anexo 4).

10.9. Em resposta ao pedido complementar feito à B…, por ofício nº …, de 9 de Setembro de 2014 da DF Setúbal), no sentido do esclarecimento dos rendimentos isentos de IRS pagos ao sujeito passivo no montante de € 35.797,20 e documentos comprovativos dos respectivos pagamentos, a B… remeteu, em 23 de Setembro de 2014, os elementos solicitados, esclarecendo que o montante de € 35.797,20 é composto de € 34.302,84 de ajudas de custo por deslocações efectuadas a obras situadas em Portugal e no estrangeiro e € 1.494,36 de subsídio de refeição, e que o Requerente esteve em 2010 deslocado 70 dias em Portugal e 239 no estrangeiro. Mais esclarecia que a empresa optara por pagar ajudas de custo “segundo um cálculo estimado assegurando sempre que os valores pagos em cada exercício se situam abaixo dos limites de isenção legalmente previstos”, pelo que, “tendo em conta os limites diários de pagas como os limites diários de € 62.75 para deslocações em Portugal e € 148,91 para deslocações ao estrangeiro e o número de dias efectivos de deslocação – 70 em Portugal, 239 no estrangeiro – resulta o limite legal de € 39.981,99 para o pagamento de ajudas de custo isentas”, verificando-se que o valor de ajudas de custo pagas – € 34.302,84- situa-se abaixo do referido limite. Junta 13 documentos, 12 recibos de ordenado em 2010 e um mapa suporte das ajudas de custo referente às deslocações nesse ano. (Relatório da I.T. ponto II.4.2. e anexos 5 e 6).

10.10. Todos os recibos de vencimento pagos pela B… ao Requerente, em 2010, contém um montante idêntico de “remunerações” a receber mensalmente, abrangendo nessa designação “ordenado base” (€ 1.980,00), “subsídio de refeição” (€ 118,60) e “ajudas de custo” (€ 2.421,20 em 10 meses e no montante de € 4.955,07 e € 5.015,07 nos meses de Julho e de Novembro, aquando do pagamento de subsídio de férias e de Natal (PA 2, anexo 6 ao RIT).

10.11. No mapa suporte de ajudas de custo “para efeitos do art. 45º, nº 1, alínea f) do CIRC”, a empresa declarou as deslocações do Requerente a obras da entidade patronal: em Janeiro, 23 dias em Espanha e 5 dias no Brasil; em Fevereiro, 4 dias no Brasil e 23 dias em Espanha; em Março, 5 dias em Portugal; em Abril, 14 dias em Portugal e 16 dias em Espanha; em Maio, 31 dias em Espanha; em Junho, 20 dias em Espanha; em Julho, 31 dias em Espanha; em Setembro, 30 dias em Espanha; em Outubro, 24 dias em Portugal e 7 dias em Espanha; em Novembro, 7 dias em Portugal e 23 dias em Espanha; em Dezembro, 20 dias em Portugal e 11 dias no Brasil (PA, RIT, III.1.1. e anexo 6)

10.12. A análise efectuada no procedimento de inspecção baseado na Ordem de Serviço Interna nº OI2013…, emitida pelo Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, propôs correcções ao rendimento de 2010 do Requerente, traduzidas num acréscimo de € 5.048,19 de rendimento colectável, correspondendo, o montante de € 1.263,09 ao total de subsídio de refeição indevidamente acumulado com ajudas de custo, e o montante de € 3.785,10 ao valor das ajudas de custo consideradas em excesso face aos limites legais (art. 11º do Pedido, RIT, III.1. e III.2.).

10.13. O projecto de relatório de Inspecção Tributária, propondo correcção aos rendimentos da categoria A do Requerente, foi enviado através do ofício nº … de 14 de Outubro de 2014, para efeitos de exercício de direito de audição (PA 2, fls. 46).

10.14. O Requerente, através de documento entrado na Direcção de Finanças de Coimbra em 8 de Novembro de 2014, exerceu o direito de audição aceitando as correcções propostas no montante de € 1.263,09 relativo a subsídios de refeição pagos em acumulação com ajudas de custo e contestando a correcção proposta de € 3.785,10 (PA 2, fls. 47 a 51).

10.15. Os argumentos apresentados em audição foram analisados em informação de 3 de Novembro, que propôs a aprovação do Relatório final da IT, tendo o Parecer da Chefe de equipa sublinhado que “de acordo com os factos e fundamentos descritos no relatório, verificou-se que o sujeito passivo recebeu a título de ajudas de custo o montante de 3.785,10, que nos termos da alínea d) do nº 3 do art. 2º do CIRS, é considerado como rendimentos do trabalho dependente, por ultrapassar os limites legalmente estabelecidos e previstos na Portaria 1553-D/2008, de 31/12. Verificou-se igualmente que o sujeito passivo recebeu subsídio de refeição nos dias em que esteve deslocado e que recebeu ajudas de custo, valor que ascende a € 1.263,09 e que nos termos do nº 2 do art. 2º do CIRS é considerado como rendimento de trabalho dependente” e “dado que o SP não englobou estes rendimentos, vai proceder-se à sua correcção no total de € 5.048,19” e “vai ser elaborado o correspondente documento de correcção” (PA, RIT).

10.16. A conversão do projecto em Relatório Final foi objecto do despacho do Director de Finanças de Setúbal, de 12 de Novembro de 2014, sendo o relatório notificado (em 2ª notificação) ao Requerente, através do ofício nº … da DF de Faro, de 27 de Novembro de 2014, e ao seu Mandatário, por ofício de 13 de Novembro (PA 1, junto aos autos).

10.17. Após notificação da liquidação nº 2014 … o Requerente dirigiu uma exposição ao Chefe do Serviço de Finanças aceitando as correcções feitas pela AT referentes ao montante de € 1.263,09 auferido a título de subsídio de refeição, declarando pretender pagar já o tributo resultante dessa correcção, que calculou corresponder a um montante de € 315,39, pelo que pediu a emissão da respectiva guia. (Documento nº 4 junto com o Pedido).

10.18. Efectuado acerto de contas - compensação datada de 20 de Novembro de 2014 - foi emitido documento de cobrança para pagamento da importância de € 315,39 para pagamento até 29 de Dezembro de 2014 (Doc. 6 junto com o Pedido).

10.19. Como resultado do acerto de contas e compensação efectuados em 20 de Novembro de 2014, o Requerente foi notificado do documento de liquidação nº 2014…, para pagamento do montante global de € 1.960.04 (mil novecentos e sessenta euros e quatro cêntimos) até 29 de Dezembro de 2014 (Pedido e documento de cobrança introduzido juntamente com Pedido).

10.20. O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pelo Requerente em 23 de Março de 2015.

 

11. Factos não provados

Não há factos não provados a considerar como relevantes para a decisão do presente processo.

 

12. Fundamentação dos factos provados e não provados

Os factos foram dados como provados e não provados com base na avaliação feita pelo tribunal das peças processuais entregues pelas Partes e na análise dos documentos juntos aos autos, designadamente o processo administrativo, conforme referência feita relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto fixada.

 

13. Aplicação do direito

13.1. A tributação de rendimento do trabalho e das ajudas de custo

13.1.1. O rendimento de trabalho segundo a lei laboral

No presente litígio as Partes estão de acordo quanto à existência de uma relação de trabalho dependente entre o Requerente e a B…, Sucursal em Portugal, invocando o Requerente a aplicação de um contrato de trabalho junto aos autos, datado de 2001.

 

Segundo o Código do Trabalho em vigor, aprovado pela  Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro1, “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” (art. 11º) e “considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”, compreendendo “a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”, presumindo-se “constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (artigo 258º, nºs 1 a 3). O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição (art. 263º, nº 1) e direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias (art. 264º, nº 2).

 

Com interesse para o caso em apreciação, dispõe ainda o nº 1 do artigo 260º que “Não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador” 2.

 

Os conceitos acima referidos não constituem qualquer ruptura com a legislação antecedente3 pelo que se pode reproduzir, por merecerem concordância deste tribunal, as considerações e citações doutrinais feitas no Acórdão proferido pelo TCAS, em 5 de Junho de 2003, proc. n.º 05036/01 (Relatora Desembargadora Dulce Neto), designadamente :

  • A retribuição surge como um conjunto de valores, expressos ou não em moeda, a que o trabalhador tem direito, por título contratual ou normativo, correspondente a um dever da entidade patronal, integrando todos os benefícios outorgados dela entidade patronal que se destinem a integrar o orçamento normal do trabalhador conferindo-lhe a justa expectativa do seu recebimento dada a sua regularidade e continuidade periódicas;

  • Da retribuição excluem-se apenas as prestações que, embora sendo devidas, têm um carácter meramente ocasional (v.g., a remuneração por trabalho suplementar - art. 86° da LCT) e as que se traduzem em simples compensações ou reembolsos por despesas do trabalhador feitas em serviço da entidade patronal - art. 87° da LCT);

  • As ajudas de custo (e demais prestações então enumeradas no art. 87° da LCT) visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo um correspectivo da prestação do trabalhador, característica da retribuição;

  • A doutrina acentua que característica essencial destas prestações é o facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e instalações que teve de efectuar em serviço, inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho (cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in "Colectânea de Leis do Trabalho"; pág. 89 e segs.; Menezes Cordeiro, in ”Manual de Direito do Trabalho”; págs. 721 e segs. e Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”; vol. I, 8ª edição, págs. 361 e segs.).

  • Assim, as importâncias pagas a título de ajudas de custo tanto podem, como não podem, considerar-se parte da remuneração, consoante a realidade que lhes subjaz.

 

13.1.2. A tributação dos rendimentos de trabalho dependente em IRS e as ajudas de custo

O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares inclui na sua base de incidência os rendimentos do trabalho dependente (categoria A), todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes, designadamente, de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado e de trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direcção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito activo na relação jurídica dele resultante (alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do CIRS).

 

Segundo o nº 2 do artigo 2º do CIRS, as remunerações referidas no nº 1 “compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não”.

 

As normas do CIRS4 ao abrangerem os rendimentos obtidos no quadro de relações de trabalho subordinado ou em situações equivalentes, remetem para o direito do trabalho, mas a lei fiscal efectua uma tipificação muito ampla, com o propósito de “uma inclusão esgotante, na incidência do imposto de todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente”5.

 

Assim, o nº 3 do artigo 2º do CIRS procede a uma enumeração exaustiva de pagamentos considerados rendimentos de trabalho dependente, embora em muitos deles os considere apenas parcialmente, ou com exclusão se preenchidos certos pressupostos.

 

A alínea d) do nº 3 do art. 2º dispõe que se consideram rendimentos do trabalho dependente “As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.

 

Os casos de não sujeição a imposto das ajudas de custo justificam-se por não constituírem um rendimento efectivo mas um reembolso ou adiantamento relativo a despesas suportadas pelo trabalhador no interesse da entidade patronal.

 

Mas a não sujeição é condicionada, de forma a evitar práticas abusivas 6.

 

Por essa razão, não estão excluídas de tributação as ajudas de custo em situações em que o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da entidade patronal ou em que, ainda que as tenha realizado, não suportou as respectivas despesas.

 

Assim como não está excluído de tributação o excesso de montante de ajudas auferido, se no respectivo pagamento foram ultrapassados os limites legais impostos pela alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS 7.

 

Com vista à determinação dos limites em causa, o nº 14 do artigo 2º do CIRS dispõe: “Os limites legais previstos neste artigo serão os anualmente fixados para os servidores do Estado”.

 

Ou seja, na aplicação da alínea d) do nº 3 do artigo 2º, há que ter em conta o regime jurídico dos abonos de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública quando deslocados por motivo de serviço público”.

 

Ao tempo dos factos, encontrava-se em vigor o Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de Abril de 1998, 8 constando as tabelas de ajudas de custo (tais como de subsídios de refeição e viagem, e outros suplementos remuneratórios) da Portaria nº 1553-D/2008, de 31 de Dezembro9.

 

Verifica-se que nos autos não existe divergência das Partes quanto propriamente à qualificação das importâncias recebidas pelo Requerente a título de ajudas de custo: a Requerida ter-se-á contentado com a prova feita sobre a efectividade das deslocações declaradas. 10

 

Também não existe controvérsia sobre a reunião de pressupostos para poder auferir de ajudas de custo nos dias indicados.

 

A divergência circunscreve-se à interpretação do limite máximo de ajudas de custo – em que medida pode considerar-se como compensação por despesas efectuadas no interesse da entidade patronal e não uma forma indirecta de remuneração, uma remuneração acessória.

 

O Requerente defende que o montante das ajudas de custo susceptíveis de ser consideradas compensação de despesas e não remuneração é aferido face aos valores globais do ano em que forem pagas as ajudas em causa, argumentando que o IRS é um imposto de base anual em que o que se tributa é o rendimento global do ano e não cada um dos seus meses em separado, sob pena de desrespeito do princípio da verdade material da tributação (art. 5º, nº 2, da LGT) e não da prevalência da substância sobre a forma na interpretação das normas tributárias (art. 11º, nº 3, da LGT e art. 22º do CIRS)

 

Já a Requerida considera que, tal como expressamente determinado na Portaria 1553-D/2008 de 31 de Dezembro, as ajudas de custo são pagas diariamente, quer a deslocação seja em território nacional ou no estrangeiro, sendo o seu limite legal fixado diariamente, pelo que tudo o que exceda o montante legal diário deve ser objecto de tributação.

 

Vejamos.

 

Resulta do que acima fica dito que dos pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação, eleitos inequivocamente pela lei fiscal 11, não está em causa, no presente caso, a realização das viagens e o direito a ajudas de custo nos dias indicados como deslocação pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal mas apenas o montante efectivamente pago, na parte em que excede a soma das importâncias correspondentes aos dias de deslocação, atendendo aos limites legais previstos no diploma aplicável às ajudas de custo pagas no âmbito da Administração Pública.

 

Mas como interpretar a alínea d) do nº 3 do art. 2º quando sujeita a tributação as ajudas de custo na parte em que excedam os limites legais, tendo em conta que o nº 14 do art. 2º remete para os limites legais anualmente fixados para os servidores do Estado? Qual o alcance da remissão feita no Código do IRS para o regime de ajudas de custo pagas no âmbito da Administração Tributária?

 

O Decreto-Lei nº 106/98, de 24/04, prevê a atribuição de abonos de ajudas de custo conforme as tabelas em vigor e de acordo com as restantes normas do diploma (art. 1º, nº 1), devendo os montantes constar “do diploma legal que fixar anualmente as remunerações dos funcionários e agentes da Administração Pública” (art. 38º). O diploma contém normas cujo conteúdo se reflecte na determinação da aplicação das tabelas, como sejam os conceitos de deslocações diárias (art. 4º), deslocações por dias sucessivos” (art. 5º), domicílio necessário, contagem de distâncias (art. 7º), contagem do tempo da deslocação (art. 8º), pagamento alternativo de reembolso de despesas (art. 9º), limite no tempo da deslocação (art. 11º), normas específicas sobre transporte (arts. 16º a 31º), deslocações em conjunto (art. 35º), subsídio de refeição (art. 37º).

 

Também o Decreto-Lei nº 192/95, de 28/07, dispõe que “a tabela de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro é aprovada por portaria do Ministro das finanças e anualmente revista no diploma que actualiza as remunerações dos funcionários e agentes da Administração Pública” (art. 4º) (sublinhados nossos).

 

Pronunciando-se sobre a extensão da remissão das normas de incidência de IRS para o regime de ajudas de custo na Administração Pública, João Ricardo Catarino, no estudo referido acima (nota 11), defende que “os agentes económicos privados apenas devem considerar-se sujeitos a tudo quanto em tais regimes se disponha em matéria de natureza quantitativa, em obediência ao determinado pelo nº 14 do artigo 2º do CIRS”12.

 

Assim, concluiu, designadamente, que nas viagens ao e no estrangeiro o abono no dia de partida e de chegada não depende de qualquer percentagem em função da hora a que se processe, devendo ser pago por inteiro; os agentes económicos privados não estão sujeitos à opção por hotel de três estrelas; o limite de 90 dias apesar de quantitativo não deve ser directamente aplicável por a sua racionalidade ser tipicamente pública.

 

Mas considerou, quanto aos efeitos relativamente ao IRS, que :

- Sempre que as entidades patronais optem por pagar o hotel devem respeitar os limites de 70% no máximo fixado sob pena de tributação da diferença13;

- O montante de ajudas de custo a pagar ao colaborador não é sequer objecto de limitações quantitativas na lei, pelo que, em abstracto, nada impede o abono de valores superiores aos limites legais. Se forem ultrapassados os limites fixados para os servidores do Estado o excesso pago é considerado, nessa parte, rendimento do trabalhador.14 (sublinhado nosso).

 

Com efeito, a remissão para o regime de ajudas de custo pagas pelo Estado, ainda que circunscrita a limites legais quantitativos abrange o que nessa fixação visa demarcar o que são pagamentos a título de compensação de despesas suportadas em deslocação ao serviço da entidade patronal e outro tipo de compensação já com carácter remuneratório.

 

Daí que em situações em que, contra a posição da Administração de que as ajudas de custo pagas se caracterizam à partida como remuneração por serem atribuídas de acordo com contrato de trabalho, de forma certa e regular, se invoca que é “expectável que perante uma determinada actividade (...) a entidade patronal calcule um valor de ajudas de custo que, em média, receberia por mês de trabalho e faça constar o direito a essa verba no contrato de trabalho”, seja fundamental, para a admissibilidade das ajudas de custo como compensação por deslocações, a exigência de que “sempre que se dê como provado a efectividade das deslocações e das despesas incorridas pelo trabalhador” 15.

 

Assim, a remissão das normas do CIRS para o regime de ajudas de custo pagas a servidores do Estado visa fixar, genericamente, os limites quantitativos diários considerados razoáveis pelo legislador para uma compensação de despesas com deslocações efectivamente realizadas, ao serviço de entidades públicas ou privadas.

 

Por consequência, não faz sentido que o montante de ajudas de custo excluído do conceito de rendimento de trabalho por corresponder a compensação do pagamento despesas feitas com deslocações ao serviço da entidade patronal seja em qualquer caso determinado pelo montante total passível de ser pago ao trabalhador durante um período equivalente ao total de dias de um ano.

 

Nem a expressão “limites legais anualmente fixados para os servidores do Estado” utilizada no nº 14 do artigo 2º do CIRS consente tal interpretação. A fixação anual significa que os montantes (calculados diariamente...) seriam anualmente revistos. A norma foi criada numa altura em que se procedia anualmente à correcção de remunerações e outros pagamentos feitos pelo Estado, o que correspondia, pelo menos parcialmente, à reposição do poder de compra exigida pela inflação16.

 

Assim como não existe na lei qualquer elemento susceptível de confirmar a interpretação feita pelo Requerente de que teria direito a ver excluída de tributação uma importância igual ao cálculo de ajudas de custo virtualmente pagas durante todos os dias de um ano.

 

Antes pelo contrário, a lei regula com minúcia o direito a pagamento de ajudas de custo 17, e a remissão da lei fiscal para os “limites legalmente fixados” não pode deixar de abranger os condicionalismos que definem o quantitativo de ajuda de custo aceite como compensação por despesas efectivamente realizadas.

 

13.2. Aplicação da lei aos factos

Tendo em conta a matéria de facto e a fundamentação jurídica acima exposta, conclui-se no mesmo sentido da posição defendida nos autos pela Requerida quanto às ajudas de custo abonadas ao Requerente - o seu limite, para efeitos de exclusão de incidência tributária em IRS é aferido pelos montantes pagos diariamente e a diferença, por excesso, entre o limite legal e o montante pago já não é abrangida pela exclusão, antes sendo considerada rendimento de trabalho abrangido por imposto.

 

Considera-se de realçar, novamente, que neste processo não esteve em causa a qualificação global do montante pago ao Requerente a título de ajudas de custo mas a determinação do que foi pago para além do limite legalmente fixado, pelo que não colhe qualquer comparação com jurisprudência analisada em outro processo por nós decidido (processo nº704/2014-T 18) nem com a decisão nele tomada.

 

E também se dirá que a presente situação se distingue, designadamente, de situações de atribuição de forma certa e constante, ao longo de todo o ano, de importâncias a trabalhadores deslocados no estrangeiro, em que se discute se o trabalhador mantém o local de trabalho contratual em Portugal (questão relevante para atribuição de ajudas de custo devidas por deslocação) – cf. Ac TCAN de 8/11/2007, in proc. 1006/04; e do TCAS de 30/9/2003, proc 700/03 e de 11/11/2003, proc 598/03), e em que a questão fundamental (nesses outros casos) era a exclusivamente a própria qualificação dos pagamentos feitos ao trabalhador a título de ajudas de custo.

 

Ou seja, no caso sub judice a Requerida não colocou em causa o direito da Requerida ao pagamento de ajudas de custo por deslocação - não existe controvérsia acerca da realização de deslocações nem do número de dias em que ocorreram - o que está em causa é a forma de cálculo do limite da exclusão de tributação que decorre do artigo 2º do CIRS, atento o disposto no nº 3, alínea d), conjugado com o nº 14.

 

E, como ficou dito e com a fundamentação exposta, o Tribunal entende que as importâncias que ultrapassaram os limites legais caem no âmbito de incidência do IRS face às referidas normas do respectivo Código, pelo que considera o Pedido improcedente.

 

14. Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRS referente ao ano de 2010, no montante global de € 1.960.04 (mil novecentos e sessenta euros e quatro cêntimos).

  2. Condenar o Requerente em custas.

 

15. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.960.04 (mil novecentos e sessenta euros e quatro cêntimos).

 

16.Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pelo Requerente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2015.

 

A Árbitro

 

 

(Maria Manuela Roseiro)

1 A Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, revogou a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovara o anterior Código do Trabalho, assim como a Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, diploma que regulamentou o C.T.

2 Já o artigo 87º do DL n.º 49.408, de 24/11/69 (referido por jurisprudência adiante citada) dispunha: «Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as despesas normais tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador».

3 Quanto ao conceito de retribuição, cf. artigos 249º, 254º, 255º, 260º do Código de Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/8, e artigos 82º e 87º do 49.408, de 24/11/69 (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho) e art.6º, nº 2 do DL 874/76 (retribuição subsídio de férias).

4 As alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 2º incluem ainda: «Exercício de função, serviço ou cargo públicos» e «Situações de pré-reforma, pré-aposentação ou reserva, com ou sem prestação de trabalho, bem como de prestações atribuídas, não importa a que título, antes de verificados os requisitos exigidos nos regimes obrigatórios de segurança social aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou, mesmo que não subsista o contrato de trabalho, se mostrem subordinadas à condição de serem devidas até que tais requisitos se verifiquem, ainda que, em qualquer dos casos anteriormente previstos, sejam devidas por fundos de pensões ou outras entidades, que se substituam à entidade originariamente devedora».

5 Cf. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, 2014, 3ª ed., p.52. O Autor acrescenta: «O conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral e, eventualmente, que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social». Sobre a diferença de âmbito da lei laboral (tendo em conta os anteriores artigos da LCT, 82º, 86º, 88º e 89º) e o art. 2º, nº 2 do CIRS, Luís Menezes Leitão assinalou como a remuneração por trabalho extraordinário, as gratificações e a participação nos lucros, apesar de excluídas do conceito de retribuição na lei laboral integram, desde que em conexão com a prestação de trabalho, o conceito de remuneração objecto de incidência da categoria A do IRS (in A tributação dos Rendimentos de Trabalho Dependente em IRS, CTF nº 408, p. 17).

6Rui Duarte Morais, ob. cit. pp. 52 e 53, observa que o regime fiscal destas despesas visa garantir dois interesses conflituantes: a integral dedutibilidade fiscal das que são instrumento necessário à obtenção de proveitos empresariais e evitar situações de dupla evasão fiscal (em IRC e IRS).

7Supõe-se serem no interesse da entidade patronal e de excluir da tributação em IRS as despesas com deslocações, viagens, representação efectuadas pelo trabalhador e suportadas pela entidade patronal sempre que esta preste delas contas até ao termo do exercício, por exemplo entregando a correspondente documentação comprovativa (art. 2º, 3, d)). Porém a lei tributa autonomamente este tipo de despesas procurando por via indirecta tributar o rendimento que assim pode ser obtido pelo trabalhador ou por terceiros (Duarte Morais, ibidem, p. 53). Não há, contudo, lugar a tributação autónoma se as vantagens tiverem sido tributadas na esfera do beneficiário por existir um contrato escrito (art. 2º, nº 3, b), ponto 9) ou relativamente à parte das ajudas de custo que por excederem os limites previstos na lei seja considerada remuneração do trabalhador (Idem, ibidem, p. 174 e nota 372).

8 Diploma que revogou os Decretos-Leis nºs 616/74, de 14/11, 519-M/79, de 28/12 e 248/94, de 7/10, mas não o Decreto-Lei 193/95, de 28 de Julho, referente a atribuição de ajudas de custas por deslocações ao estrangeiro.

9 A Portaria 1553-D/2008 que procedeu à revisão anual das tabela para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2009 manteve a sua vigência até à actualidade, registando-se que as ajudas de custo e o subsídio de transporte foram sujeitos a reduções remuneratórias previstas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, na redacção dada pelo n.º 1 do artigo 42.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (OE para 2013).

10 Em decisão proferida no processo nº 704/2014, numa situação em que a AT recusara tratar montantes pagos ao trabalhador a título de ajudas de custo por considerar não ter sido feita prova da respectiva natureza compensatória de despesas, analisámos diversa jurisprudência do STA, TCAS e TCAN, tendo identificado convergência de interpretação, embora com oscilações de fundamentação, quanto aos seguintes aspectos: a lei presume que todos os pagamentos feitos aos trabalhadores constituem retribuição, base de incidência de IRS; são excluídas da incidência, até certo montante, as ajudas de custo que correspondam a verbas atribuídas para compensação de despesas feitas ao serviço da entidade patronal; no caso de serem declarados pagamentos de ajudas de custo, a Administração poderá por em causa essa natureza, cabendo ao contribuinte provar a reunião dos respectivos pressupostos; o tribunal deverá avaliar os argumentos em presença (importância dos elementos indiciários reunidos pela Administração Tributária, valor da prova e argumentos invocados pelo contribuinte).

11 Realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da entidade patronal e pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado (cf. João Ricardo Catarino, “As ajudas de custo – algumas notas sobre o regime substantivo e fiscal”, Revista Fisco, nº 97/98, p. 81).

12 Assim, concluía que nas viagens ao e no estrangeiro o abono no dia de partida e de chegada não depende de qualquer percentagem em função da hora a que se processe, devendo ser pago por inteiro, os agentes económicos privados não estão sujeitos à opção por hotel de três estrelas

13 “Tratando-se de um limite quantitativo, qualquer entendimento em sentido diferente equivaleria ao estabelecimento injustificado de uma diferenciação de tratamento fiscal das ajudas de custo pagas a servidores e a não servidores do Estado”, João R. Catarino, ibidem, p. 86.

14 Ibidem, conclusões, p. 90.

15 Cf. Nuno de Oliveira Garcia, “Fundamentação e ónus de prova na liquidação de imposto pelo reembolso de despesas a trabalhadores – considerações e jurisprudência recente sobre ajudas de custo”, 2005.

16 Como vimos essa correcção anual não tem acontecido, devido a congelamento, e até redução, de montantes fixados na Portaria 1553-D/2008, de 31 de Dezembro.

17 Regime consagrado nos Decretos-Leis nºs 106/98 e 192/95.

18 Nesse caso (a AT tinha qualificado os pagamentos feitos ao trabalhador como remunerações acessórias), foi admitido que o facto de as ajudas de custo serem pagas em montante superior ao do ordenado base, de forma regular, inclusivamente conjuntamente com o subsídios de férias e 14º mês, parecia constituir um forte indício de que se tratava de um complemento de salário e não de ajudas de custo. Contudo, tendo ficado provado que o Requerente deslocou-se e esteve ausente durante longos períodos no estrangeiro a trabalhar em empreitadas da entidade que lhe efectua os pagamentos a título de salário e ajudas de custo e não tendo ficado provado quem pagava e como era paga a estadia (dormida e alimentação) durante muitos períodos do ano, e que, a terem sido tais despesas efectivamente suportadas pelo trabalhador, a desconsideração da totalidade dos montantes auferidos como ajudas de custos constituiria uma injustiça face a casos semelhantes em que se tem generalizado, na construção civil, essa prática de pagamento de despesas suportadas aquando de deslocações em trabalho, concluiu-se que, subsistindo fortes dúvidas sobre a quantificação do facto tributário, seria de considerar procedente o pedido. Face à prova produzida o tribunal concluiu não se encontrarem reunidos os requisitos conducentes à qualificação dos montantes atribuídos a título de ajudas de custo como retribuição sujeita a incidência de IRS, o que, no caso, significaria serem consideradas complemento de remuneração abrangido pelo nº 2 do art. 2º do CIRS. Foi, porém, realçado que se tratava de uma interpretação acolhida após balanço das circunstâncias concretas do caso, balanço difícil e influenciado pela ausência de elementos que a Administração Tributária poderia ou deveria ter obtido da entidade pagadora acerca das circunstâncias da atribuição de montantes a título de ajudas de custo.