Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 208/2015-T
Data da decisão: 2015-09-25  IRC  
Valor do pedido: € 242.123,28
Tema: IRC – Exceção da inimpugnabilidade parcial; artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redação vigente em 2010-2011; ajustamentos decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros
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Processo n.º 208/2015-T

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Ramos Alexandre e Prof.ª Doutora Luísa Anacoreta, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-06-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A... SGPS, S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ....º, ...-..., ..., (doravante designada como "Requerente"), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial e anulação nessa parte da autoliquidação de IRC e derrama consequente do grupo fiscal AA... no exercício de 2011, relativamente ao montante de € 242.123,28., bem como o reembolso desta quantia, com juros indemnizatórios.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 23-03-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15-05-2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 01-06-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da inimpugnabilidade parcial por a Requerente não ter incluído, no campo 737 da declaração modelo 22 individual, indicação de qualquer desvalorização respeitante a «perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio» ocorridas no ano de 2011 e, por isso, não ter sido objecto de reclamação graciosa esta matéria. Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e, em qualquer caso, a não existência de direito a juros indemnizatórios.

Por despachos de 06-07-2015 e de 08-07-2015 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

2. Excepção da inimpugnabilidade parcial

 

 

Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)     A Requerente A... SGPS, S.A., é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades ("RETGS"), e cujo objecto social se centra na gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

B)     Na qualidade de sociedade dominante do referido grupo de sociedades, a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente relativamente ao exercício de 2011 mediante apresentação da declaração Modelo 22 do Grupo, em 22-05-2012 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)     No exercício de 2005, o Grupo AA... adquiriu 1.101.085 acções da C..., Ltd. (doravante, C...), anteriormente denominada D..., sociedade cotada na Bolsa de Valores de Londres (London Stock Exchange), com um custo de aquisição de € 11.010.850,00, a que correspondeu a aquisição por atribuição a título gratuito de 1.376.356 acções preferenciais (C... preferenciais ou C...) em 2010;

D)    A aquisição das referidas acções conferiu à Requerente uma participação representativa de menos de 5% do capital social da C...;

E)     Até 31 de Dezembro de 2009, as participações sociais em causa encontravam-se mensuradas nas demonstrações financeiras da Requerente ao custo de aquisição, nos termos dos princípios contabilísticos definidos no Plano Oficial de Contas (POC);

F)     Na sequência da aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, a Requerente passou a mensurar, nas suas demonstrações financeiras, as participações sociais detidas no capital da C... de acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 (NCRF 27), a qual dispõe que os instrumentos de capital próprio, nomeadamente as participações sociais negociadas em mercado regulamentado e representativas de menos de 20% do capital social de uma determinada entidade são mensurados ao justo valor através de resultados;

G)    Em virtude da adopção das novas regras contabilísticas, a Requerente apurou uma variação patrimonial negativa associada à mensuração da participação detida na C... de acordo com o justo valor, no montante de € 7.982.866,25;

H)    No período de tributação de 2011 ocorreram desvalorizações no montante de € 61.962,89 e € 16.477,73, com respeito às ... Ordinárias e às ... Preferenciais, respectivamente, num total de € 78.440,62;

I)       Em 22 de Janeiro de 2011, a Requerente efectuou um Pedido de Informação Vinculativa no sentido de confirmar o entendimento da Autoridade Tributária (AT) sobre o enquadramento fiscal daquela variação patrimonial, nomeadamente no que respeita à limitação da dedução a 50% constante do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC;

J)      Em resposta ao Pedido, informou a Direcção de Serviços de IRC que “No caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o artigo 45º, nº 3 do CIRC, estabelece que “outras perdas relativas a partes de capital concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”, concluindo que “Sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45º, nº 3, do CIRC, em 50% do seu valor”;

K)     A Requerente, seguindo o entendimento da AT, considerou, para efeitos fiscais, na autoliquidação de IRC de 2011, em apenas 50%, a variação patrimonial negativa respeitante à participação na C... decorrente da transição para o novo referencial contabilístico em matéria de reconhecimento do justo valor (de forma diferida por cinco períodos de tributação) e, bem assim, em 50% apenas, a desvalorização ocorrida no próprio período de 2011 com a referida participação financeira;

L)      Em 21-05-2012, a Requerente apresentou a sua declaração modelo 22 individual relativa ao período de tributação de 2011 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

M)   No campo 705 do quadro 07 da sua declaração modelo 22 individual relativa ao ano de 2011, respeitante a «Variações patrimoniais negativas (regime transitório previsto no art.º 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/7)», considerou, a título de variação patrimonial negativa decorrente da transição para o novo referencial contabilístico em matéria de reconhecimento do justo valor, o montante de € 798.286,62, o qual corresponde a 50% de 1/5 da variação patrimonial negativa acumulada total (7.982.866,25 €) (documento n.º 7 junto com a petição inicial);

N)     Na referida declaração modelo 22 individual relativa ao ano de 2011, a Requerente inscreveu no campo 737, respeitante a «50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (art.º 45.º, n.º 3, parte final)» o valor «0,00» (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

O)    No campo 713, da referida declaração modelo 22 individual, relativo a «Ajustamentos não dedutíveis decorrentes da aplicação do justo valor (art.º 18.º, n.º 9)» a Requerente inscreveu o valor de € 17.192.850,35 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

P)     No que respeita à valorização ocorrida em 2012 com a participação financeira na C..., foi considerada pela Requerente em 100% na autoliquidação desse exercício, segundo enquadramento confirmado pela AT em resposta a um novo Pedido de Informação Vinculativa, datado de Setembro de 2013;

Q)    Em 21-05-2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de autoliquidação do IRC respeitante ao período de tributação de 2011 (documento n. 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R)     No dia 6 de Janeiro de 2015 notificada, por intermédio do Ofício n.º ... de 2 de Janeiro de 2015, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido em 31 de Dezembro de 2014 pelo Senhor Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, que manifesta concordância com um parecer e uma informação em que se refere, além do mais o seguinte: a (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

 

III - ALEGAÇÕES DA RECLAMANTE

Na sua petição, alega a Reclamante que:

- A A... SGPS, S.A. é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades ("RETGS"), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, e cujo objecto social se centra na gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas;

- Entre as referidas participações financeiras, a A... detém uma participação inferior a 5 % do capital social da C..., Ltd. ("C...");

- A referida participação resulta de uma primeira aquisição, no exercício de 2005, de 1.101.085 acções, com um custo de aquisição de € 11.010.850,00 (C... Ordinárias), tendo as acções remanescentes (C... preferenciais), no total de 1.376.356 acções, sido atribuídas á A... a titulo gratuito, no exercício de 2010;

- No que respeita à forma de contabilização, e até ao final do exercício de 2009, por força da aplicação dos princípios contabilísticos geralmente aceites e definidos no Plano Oficial de Contas ("POC"), a referida participação social encontrava-se mensurada nas demonstrações financeiras da Reclamante ao custo de aquisição;

- Ma sequência da aprovação do Sistema de Normalização Contabilística ("SNC"), o qual revogou o anterior POC e provocou alterações ao nível da mensuração e reconhecimento dos instrumentos financeiros, a A... a partir de 1 de Janeiro de 2010, começou a mensurar as acções da C... ao justo valor através de resultados, apresentando à data da transição uma desvalorização de € 7.982.866,25, sofrendo posteriormente as alterações de justo valor;

- Tendo-se suscitado dúvidas sobre o tratamento fiscal a conferir aquela variação patrimonial, nomeadamente no que respeitava a eventual aplicação da limitação da dedução prevista no então n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, apresentou em 22/01/2011, um pedido de informação vinculativa, com vista ao seu cabal esclarecimento;

- A resposta dada pela Autoridade Tributária (AT) foi a seguinte: " Não tendo o legislador excluído do âmbito do n° 3 do artigo 45° do C/RC as perdas resultantes da mensuração pelo justo valor dos instrumentos de capitel próprio previstos na alínea a) do n.º9 do artigo 18.º do C/RC, não há dúvida que as mesmas só são dedutíveis em metade do seu valor" (fls. 43 a 45);

- No que respeita ao reflexo em resultados dos ajustamentos negativos decorrentes da aplicação do critério dos justo valor relativamente a participação social detidas na C..., no montante total de € 78.440,62 (C... Ordinárias - € 61.962,89 - e C... Preferenciais - € 16.477,73, com referencia ao período de tributação de 2011, foi considerado no campo 713 do quadro 07 o montante de € 39.220,31, correspondente a 50 % do aludido montante;

- De modo a dotar o anterior entendimento da AT de algum racional e equilíbrio no médio e longo prazo, a reclamante apresentou novo pedido de informação vinculativa (fls. 52 a 61), no sentido de confirmar a possibilidade de fazer concorrer os ganhos decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos do capital próprio, com preço formado em mercado regulamentado, representativos de uma participação inferior a 5 % no respectivo capital igualmente em metade do seu valor (e na parte em que respeitasse a reversão de perdas aceites em 50 %)

- Em resposta ao referido pedido (fls. 62 a 65), veio a AT sancionar que "quando estão em causa rendimentos associados a ganhos de valor e cuja variação de valor deve ser reconhecida em resultados, como acontece no caso em concreto, esses ganhos concorrem para a formação o lucro tributável na sua totalidade";

- A reclamante teve conhecimento de uma decisão arbitrai, datada de 25/11/2013, proferida no âmbito do processo n.º 108/2013-T (fls. 66 a 98), o qual versa sobre o tratamento fiscal a conferir aos gastos decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados,

- A mencionada decisão contraria o entendimento da AT vertido na resposta ao pedido de informação vinculativa inicialmente apresentado pela A... (em Janeiro de 2011), "entende-se ser de interpretar o artigo 45.º/3 do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valorem instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n" 9 do artigo 18°";

- Tanto os ganhos, como os gastos, associados ás variações de justo valor ocorridas no período de detenção das participações sociais, devem concorrer para a formação do lucro tributável em 100 % do seu valor, como a reclamante sempre defendeu;

- Em face do exposto, a reclamante não pode conformar-se com o entendimento da AT vertido no âmbito do- pedido de informação vinculativa apresentado em 2011, nos termos do qual a dedutibilidade dos gastos resultantes do modelo do justo valor associados a instrumentos do capital próprio se encontraria limitada a 50 % do seu valor, pelo que se pretende ver reconhecida a possibilidade de deduzir ao lucro tributável do exercício de 2011 a parcela relativa a 50 % das perdas de justo valor decorrentes da participação detida na C... que não foi aceite para efeitos fiscais, nos termos e com os fundamentos que de seguida se apresentam;

- A redacção da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC deixa claro que os rendimentos ou gastos decorrentes da aplicação do modelo do justo valor na mensuração das participações iguais ou inferiores em sociedades abertas que sejam negociadas em mercado regulamentado, deverão concorrer, na sua totalidade, para a formação do lucro tributável;

- Assim sendo, resta apenas avaliar se aos gastos decorrentes da variação no justo valor dos instrumentos de capital próprio em causa é aplicável o anterior n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, dado que este preceito legal era igualmente aplicável a outras perdas relativas a partes de capital;

- Caso o legislador tivesse pretendido subsumir os gastos decorrentes da aplicação do modelo do justo valor às disposições previstas na parte final do n,° 3 do artigo 45.º do CIRC, tê-lo-ia deixado expresso na redacção daquela norma, pelo que, não o tendo feito, não poderá a AT atribuir à mesma norma um sentido que não encontra na respectiva letra qualquer correspondência;

- Por outro lado, o facto de o elemento literal do n.º 9 do artigo 18," do CIRC referir explicitamente que "os ajustamentos do justo valor" concorrem para a formação do lucro tributável, sem estabelecer qualquer diferença no tratamento fiscal a conferir a rendimentos e a gastos ou qualquer limitação â dedutibilidade destes últimos, torna claro qual terá sido a intenção do legislador relativamente a esta matéria;

- Acresce ainda que o n," 9 do artigo 18.º do CIRC não faz qualquer remissão para o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, nem tão pouco esta norma faz qualquer referência aos ajustamentos negativos de justo valor em instrumentos do capital próprio;

- Perante o presente enquadramento, não se vislumbram, á luz do elemento literal do n.º 9 do artigo 18.º e do n.º 3 do artigo 45.º, ambos do CIRC, quaisquer razões que possam justificar a limitação a 50 % da dedutibilidade do gasto decorrente da aplicação do método do justo valor através de resultados, sustentada pela AT;

- Face â evolução do justo valor das participações da C..., os ganhos agora apurados mais não são do que reversões dos gastos apurados anteriormente, pelo que, por uma questão de coerência e de justiça na tributação, os gastos deverão ser considerados para efeitos fiscais na mesma medida que os ganhos;

- Nos termos do n.º 15 do artigo 68.º da LGT, as informações vinculativas caducam em caso de alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito em que assentam, o que a reclamante entende verificar-se no caso em apreço, pelo que, de forma a repor a justiça tributária revela-se imperativa a não aplicabilidade do entendimento proferido pela AT no âmbito do pedido de informação vinculativa, submetido no decurso de 2011;

E vem requerer,

- Que os gastos fiscais decorrentes da aplicação do justo valor através de resultados sejam reconhecidos na totalidade do seu valor;

- A este respeito, cumpre referir que, não obstante a AT se encontre vinculada ao entendimento vertido no âmbito da resposta ao pedido de informação vinculativa apresentado em 22/01/2011, a reclamante entende que, considerando a decisão arbitrai que se revela uma alteração de Direito, a qual se dá aqui a conhecer, revela-se nos termos do n.º 5 do artigo 78.º da LGT, notória, inequívoca e grave, a injustiça tributária preconizada, uma vez que desta resulta uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada;

- Entende a reclamante que se mostra legitimo deduzir a presente reclamação graciosa do acto tributário, solicitando que os gastos fiscais decorrentes da aplicação do justo valor através de resultados sejam reconhecidos na totalidade do seu valor;

- Neste contexto, a reclamante vem solicitar o reembolso do imposto pago em excesso no exercício de 2011, no montante de€ 209.376,75, acrescido da derrama municipal, no montante de € 12.562,61 e de derrama estadual, no montante de € 20.937,68;

- Juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, no valor de € 242.877,03, e contados, até ao integral reembolso do mesmo, desde o termo da data para o reembolso oficioso do imposto.

 

IV - ANALISE DO PEDIDO/PARECER

Analisada a petição da Reclamante bem como os elementos carreados aos autos, cumpre tecer as seguintes considerações:

1. Sobre a matéria versada nos presentes autos a reclamante solicitou em 22/01/2011 um pedido de informação vinculativa, que deu origem à Informação Vinculativa n.º ..., com despacho de 21/04/2011 Em Setembro de 2013 a reclamante volta a fazer o mesmo pedido sobre a mesma matéria, e a DSIRC fundamentou com mesmo entendimento em informação com despacho em 2014. Assim a última informação vinculativa mantém todo o entendimento já vertido na Informação Vinculativa n.º ..., tal como a seguir se transcreve:

"17. Face ao disposto na alínea a) do n.º 9 do art.º 18.º do CIRC, concorrem para a formação do lucro tributável os ajustamentos decorrentes da aplicação do Justo valor, quando respeitam a instrumentos de capital próprio reconhecidos pelo justo valor através de resultados, com preço formado em mercado regulamentado e representativos de uma participação directa ou indirecta, de uma percentagem não superior a 5 % do respectivo capital social

18. Sendo este o actual enquadramento fiscal das alterações de justo valor ocorridas neste tipo de instrumentos de capital próprio, os ajustamentos que a requerente teve de efectuar na data de transição para o SNC, por força da alteração da política contabilística de mensuração (do modelo do custo para o modelo do justo valor através de resultados) consideram-se relevantes para efeitos fiscais. Enquadram-se, por isso, no regime transitório previsto no art.º 5° do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que alterou, renumerou e republicou o Código do IRC.

19. No entanto, não podemos esquecer que o n.º 3 do art.º 45.º do CIRC prevê uma restrição quanto à dedutibilidade das perdes relativas a partes de capital.

20. Se o legislador pretendesse excluir do âmbito deste preceito as perdas resultantes das variações de justo valor dos instrumentos de capital próprio previstos na alínea a) don.º9 do art.º 18.º do CIRC, tê-lo-ia dito expressamente. Não o tendo feito, resulta claro da letra da lei que estas perdas ficam sujeitas, como as demais, à restrição ai prevista.

21. Consequentemente, os ajustamentos de transição negativos que resultaram da mudança do modelo de mensuração têm, forçosamente, o mesmo tratamento fiscal que as perdas ocorridas já no âmbito tio novo Código.

22. Portanto, no que se refere a variação patrimonial negativa apurada à data da transição e referíeis pela requerente (4.952.247,00), há que separar os ajustamentos positivos (3.030.619,99) dos ajustamentos negativos (7.982.866,00), uma vez que o tratamento fiscal de uns e outros não é igual. Assim:

a) Os efeitos (positivos) no capital próprio resultantes da alteração de mensuração dos activos financeiros em questão concorrem, na íntegra, em partes iguais, para a formação do lucro tributável dos períodos de tributação de 2010 e dos quatro períodos de tributação seguintes;

b) Os efeitos (negativos) no capital próprio só podem concorrer em 50 % para a formação do lucro tributável dos períodos de tributação de 2010 e dos quatro períodos de tributação seguintes. Encargos financeiros suportados com a aquisição das partes de capital.

23. Quanto aos encargos financeiros suportados com a aquisição dos instrumentos de capital próprio que, à data da transição, passaram a ser mensurados (contabilística e fiscalmente) pelo modelo do justo valor através de resultados, foi já sancionado superiormente (Despacho de 2011-02-24, do Director-Geral dos Impostos, Processo n. ° 39/2011) que os mesmos passam a ser dedutíveis.

24. E porque a alteração do tratamento fiscal dos encargos financeiros não é indissociável dos efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, dos novos normativos contabilísticos, a dedução deve ser efectuada, em partes iguais, durante o período em que estes concorrem para a formação do lucro tributável, ou seja, no período de tributação de 2010 e nos quatro períodos de tributação seguintes.

Perda reconhecida em 2010 em resultado da aplicação do modelo de justo valor 25. Como referimos anteriormente, não tendo o legislador excluído do âmbito do n" 3 do art° 45.º do CIRC as perdas resultantes da mensuração pelo justo valor dos instrumentos de capital próprio previstos na alínea a) do n.º 9 do art.º 18° do CIRC, não há dúvida que as mesmas só são dedutíveis em metade do seu valor.

26 E porque o legislador utilizou a expressão "perdas", e não "a diferença negativa entre ganhos e perdas", conclui-se que estas tem da ser tratadas separadamente dos ganhos, sendo que:

a) Os ganhos, enquadrando-se na alínea f) do n.º 1 do art.º 20° do CIRC, concorrem na íntegra, para a formação do lucro tributável referente ao período em que se verificam (2010);

b) Quanto as perdas, embora sejam consideradas dedutíveis nos termos da alínea i) do n.º 1 do art.º 23.º, a respectiva dedutibilidade fica sujeita à limitação imposta pela parte final do n.º 3 do art.º 45°, ambos do CIRC.º.

2. Assim, os gastos resultantes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC estão abrangidos pela limitação prevista no n.º 3 do artigo 45.º (entretanto revogado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro) do mesmo diploma, concorrendo, assim, para a formação do lucro tributável apenas em 50 %, tal como vem previsto na ficha doutrinária relativa ao tratamento fiscal da perda apurada por SGPS em resultado da aplicação do modelo do justo valor (Processo …/2011 - Despacho de 24/2/2011 do Director-Geral).

3. A reclamante requer, também, o pagamento de juros indemnizatórios, invocando para tanto o artigo 43° da LGT, sem, no entanto, especificar qual dos vários preceitos deste artigo considera aplicável ao caso (fls. 38).

4. Não estando, claramente, em causa as situações previstas no n° 3 do artigo 43°, tão-pouco se verificam os pressupostos de que depende o direito a juros indemnizatórios nos termos do n° 1, dado não se reconhecer na presente reclamação graciosa que a contribuinte haja pago imposto "em montante superior ao legalmente devido" por motivo de "erro imputável aos serviços".

5. O art° 43° da Lei Geral Tributária (LGT) define os pressupostos do direito a juros indemnizatórios a favor contribuinte, designadamente no seu n° 1 que determina -"São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido.º

6. Ou seja, este dispositivo consagra 4 requisitos deste direito a juros indemnizatórios: A existência de um erro num acto de liquidação de um tributo;

-» Que o erro seja imputável aos serviços;

-» Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial;

—> Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma divida tributária em montante superior ao legalmente devido.

7. Este dispositivo legal define os pressupostos do direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte que tenha sido objecto de tributação ilegal e, consequentemente ter efectuado pagamento de imposto superior ao devido

8. Para que se haja lugar ao direito a juros, é indispensável que a comprovação dos pressupostos acima referidos seja aferida em reclamação graciosa ou impugnação judicial.

9. Em face do exposto, entendemos, não se mostrarem reunidos os pressupostos consagrados no referido artigo 43° da LGT que permitam o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, por isso, também não procede, o seu pedido de juros indemnizatórios.

 

S)      Em 21-03-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com a petição inicial e que constam do processo administrativo.

Relativamente à inclusão ou não do valor de € 39.220,31 no campo 713 da declaração individual que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, o que se prova é o teor objectivo do que consta da declaração.

 

3. Questão da inimpugnabilidade parcial

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a autoliquidação não é impugnável quanto à desvalorização de 78.440,62 (valor total) das acções da C... ocorrida no ano de 2011 por, em suma, não ter sido incluída qualquer quantia no campo 737 da Declaração modelo 22 individual que a Requerente apresentou, que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

Consequentemente, entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que não houve autoliquidação quanto àquela desvalorização, designadamente quanto ao valor de 50% daquela desvalorização, cuja legalidade a Requerente impugna, pelo que essa autoliquidação não foi objecto da reclamação graciosa, o que leva a concluir que não se verifica o requisito exigido pela alínea a) do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

A Requerente defende, nas alegações, que o valor de € 39.220,31 (correspondente a 50% da desvalorização das acções referidas no ano de 2011), está incluído no campo 713 da Declaração modelo 22, fazendo parte do valor de € 17.192.850,35, aí indicado.

O facto de não ter sido incluída no campo 737 da declaração modelo 22 individual referência a 50% da referida desvalorização daquelas acções no ano de 2011 não pode levar a concluir que ela não foi incluída na declaração, designadamente no campo 713, onde devem ser referidos «Ajustamentos não dedutíveis decorrentes da aplicação do justo valor (art.º 18.º, n.º 9)» como defende a Requerente. Na verdade, à face do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, adoptado pela Requerente ao elaborar a Declaração modelo 22 individual, os ajustamentos derivados da aplicação do justo valor serão parcialmente dedutíveis e parcialmente não indedutíveis, por se lhes aplicar o regime do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC de dedução em 50%.

Por outro lado, se se entender, como adiante se referirá, que é pertinente fazer uma distinção entre «gastos» e «perdas» e que as variações patrimoniais negativas de instrumentos financeiros resultante da aplicação da regra do justo valor deve ser qualificada como «gasto» e não como «perda», terá de se concluir que será incorrecta a inscrição daqueles ajustamentos no campo 737 daquela Declaração, pois ele refere-se a «50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (art.º 45.º, n.º 3, parte final)» e o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, embora continue a fazer referência a variações patrimoniais que qualifica como perdas [designadamente na alínea h)], expressamente qualifica como «gastos», na sua alínea i), as variações patrimoniais negativas «resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros».

Isto é, à face da terminologia utilizada pelo CIRC, se as variações patrimoniais negativas «resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros» são consideradas «gastos», a referência a «perdas» que se faz no campo 737, reportar-se-á a outras variações patrimoniais negativas, que sejam qualificadas como «perdas» e não como «gastos». ( [1] )

Por outro lado, é inquestionável que a Requerente submeteu à apreciação da Autoridade Tributária e Aduaneira na reclamação graciosa esta questão da ilegalidade da autoliquidação por inclusão do valor de € 39.220,31 no campo 713, pois ela foi expressamente referida no artigo 15.º da reclamação.

Assim, tendo a questão sido submetida à apreciação da Autoridade Tributária e Aduaneira na reclamação graciosa, não se verifica inimpugnabilidade baseada na exigência feita na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 211-A/2011, de 22 de Março.

Por outro lado, nas situações de autoliquidação seguida de reclamação graciosa em que é proferida uma decisão expressa, o que fica a subsistir na ordem jurídica é a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira perante o contribuinte que é definida pela decisão da reclamação graciosa, na parte em que a legalidade da autoliquidação foi submetida à apreciação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Consequentemente, a questão que se coloca ao Tribunal é a de saber se deve ser declarada a ilegalidade da autoliquidação ou se ela deve ser mantida na ordem jurídica pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa e apenas esses, pois, como jurisprudência assente, é irrelevante a fundamentação a posteriori.

Na verdade, num contencioso de mera legalidade, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão de indeferimento da registo, apreciar se a reclamação graciosa deveria ser indeferida por outras razões. ( [2] )

Por isso, é à face da fundamentação da decisão reclamação graciosa que tem de ser apreciada a questão da legalidade ou não da autoliquidação.

Non caso em apreço, quanto às razões do indeferimento da pretensão da Requerente, a decisão de indeferimento apenas invoca, em suma, que «os gastos resultantes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.° do CIRC estão abrangidos pela limitação prevista no n.º 3 do artigo 45.° (entretanto revogado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro) do mesmo diploma, concorrendo, assim, para a formação do lucro tributável apenas em 50 %, tal como vem previsto na ficha doutrinária relativa ao tratamento fiscal da perda apurada por SGPS em resultado da aplicação do modelo do justo valor (Processo 39/2011 - Despacho de 24/2/2011 do Director-Geral)».

No contexto da reclamação graciosa, em que foi expressamente invocada a ilegalidade da liquidação quanto à inclusão de 50% da desvalorização e se pretendia que fosse considerada como gasto a totalidade da desvalorização, a decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira tem de ser interpretada como indeferindo também esta pretensão pelo fundamento referido e apenas por ele e não por outros hipotéticos fundamentos como seriam os de não estar incluída na declaração a quantia de € 39.220,31 ou  a reclamação graciosa carecer de objecto nessa parte.

Por isso, nada obsta à apreciação da legalidade da autoliquidação tal como ficou a subsistir na ordem jurídica na sequência da decisão da reclamação graciosa, com os fundamentos nela invocados.

 

 

4. Matéria de direito

 

As correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira basearam-se na interpretação que fez do regime do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente em 2010-2011, que entendeu ser aplicável aos ajustamentos decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados.

É aceite pelas Partes que as participações financeiras em questão deverão ser contabilizadas de acordo com o critério do justo valor e que os ajustamentos foram reconhecidos através de resultados.

Fica, desta forma, devidamente delimitada a questão a resolver nos autos, que é, então, a de saber se a perda contabilística resultante da aplicação retrospectiva do método do justo valor e as perdas contabilísticas verificadas nos exercícios de 2010 e 2011, decorrentes da depreciação da cotação das acções, devidamente contabilizada de acordo com o critério aplicável do justo valor, e reconhecida em resultados, deverão ser atendidas na totalidade, ou apenas em 50%.

 

            4.1.      Quadro normativo

 

O artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção dada pelo DL 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:

           

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

            A norma geral sobre a determinação do lucro tributável de IRC é o artigo 17.º do CIRC que estabelece que

1 – O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

           

Relativamente aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, o n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código, dispõe que:

9 – Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

 

O artigo 20.º, n.º 1, do CIRC concretiza o conceito de rendimentos estabelecendo, no que aqui interessa, o seguinte:

 “Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

 (...)

f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

 (...)

h) Mais-valias realizadas;”.

           

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC define o conceito de «gastos», estabelecendo o seguinte:

 

1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(...)

i)                    Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

 (...)

l) Menos-valias realizadas;”.

 

Relativamente às variações patrimoniais positivas, o artigo 21.º, n.º 1, do CIRC dispõe que:

“Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

 (...)

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

 

No que concerne às variações patrimoniais negativas, o artigo 24.º, n.º 1, do CIRC refere que:

Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

(...)

b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”.

 

No que diz respeito às mais e menos-valias, dispõe o artigo 46.º/1 do mesmo Código, que:

 

1 – Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

 (...)

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º”

           

O artigo 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:

 

Artigo 5.º

Regime transitório

1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

(...)

 

            4.2. Análise da questão

 

Na análise desta questão seguir-se-á de perto a fundamentação do acórdão arbitral de 25-11-2013, proferido no processo n.º 108/2013-T, que merece a concordância dos signatários.

O referido artigo 45.º, n.º 3, do CIRC decorre da renumeração do anterior artigo 42.º, n.º 3, efectuada pelo Decreto-Lei DL 159/2009.

            Este n.º 3 do artigo 42.º em causa, por sua vez, foi introduzido pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção:

 

       “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.º.

           

De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).

            A redacção actual da norma em análise, resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (p.31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAIS E OUTRAS MEDIDAS DIRECCIONADAS À CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL”.

            Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável, obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do DL 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:

“Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. (...)

No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.º.

           

Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º.

            Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20.º), passou-se a falar de rendimentos, e onde antes se falava de custos ou perdas (artigo 23.º), passou-se a falar de gastos.

            Previamente à adopção do justo valor, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, que estabelecia que não concorriam para a formação do lucro tributável «as mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reabilitação legalmente autorizadas». Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.

            Este enquadramento fiscal, que se reconduzia uma tributação única (que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros), dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo (na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo assim o quisesse) e em que a valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária propiciavam um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia optar por desencadear a relevância tributária no momento e termos em que lhe tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.

Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, que precede o actual artigo 45.º, n.º 3, do mesmo.

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.

Em consonância com esta intenção legislativa, o artigo 18.º, n.º 9, do CIRC veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, o que consubstancia um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, «quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

Ou seja, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

a)                            Sejam reconhecidos “através de resultados”;

b)                           Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;

c)                            “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e

d)                           “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”.

Cumpridas estas condições:

a)                             consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 20.º, n.º 1, alínea f), do CIRC]; e

b)                             consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC].

 

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única, aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável [artigos artigo 20.º, n.º 1, alínea f), e artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC] do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º, n.º 9, do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias [artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC].

            Neste quadro, deixam de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.

Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.

Não obstante estas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, renumerado para artigo 45.º, n.º 3, manteve a respectiva vigência, com a sua redacção inalterada.

Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.

Numa primeira análise, baseada exclusivamente no teor literal do n.º 3 do artigo 45.º é sugerida uma resposta afirmativa e esta questão, em face da abrangência de previsão desta norma.

Mas, uma interpretação atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da questão, que se indicaram, conduz a uma conclusão diferente.

Na verdade, o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC refere que:

A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

 

A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

a)                            “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;

b)                            “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;

c)                            “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

 

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.

A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, mas também porque o artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC exclui as situações descritas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do conceito de mais-valias realizadas.

Deste modo, restam as possibilidades de integração da situação dos autos em alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.

A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas”, serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.

Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.

 Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:

– “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

– “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

 

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção actual do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:

a)      Custos;

b)      Perdas;

c)      Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

 

A previsão do artigo 42.º, n.º 3 (predecessor do actual 45.º, n.º 3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º, nas redacções anteriores ao Decreto-Lei n.º 159/2009.

Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.

E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º, n.º 3, do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigo 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregado a mesma distinção.

Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável e, consequentemente, trata-se de uma interpretação a rejeitar, por força da regra do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que impõe que se presuma que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC se reportará a:

a)                            diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;

b)                            outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e

c)                            outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

 

Sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.

            Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

            A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22” ( [3] ), a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no art.º 18.º, n.º 9, alínea a)”.

Sucede que o artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorrecta a sua inscrição no campo em causa.

De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, no âmbito do artigo 45.º, n.º 3, do mesmo, teria:

-                  incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC ( [4] ); ou

-                  referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.

 

No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.

Esta circunstância não é, face à redacção actual do CIRC, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20.º, n.º 1, alíneas f) e h), 23.º, n.º 1, alíneas i) e l), e, em especial 46.º, n.º 1, alínea b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais-valias e menos-valias.

            Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45.º, n.º 3, e 46.º do CIRC, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.

            É que, estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela.

            Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º, n.º 3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.

            Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.

            Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

            Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico, quer de um ponto de vista jurídico.

            É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepção das situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC ao regime do princípio da realização. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º. n.º 9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito do passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário Público. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, que foi instituído.

            Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, às situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a):

 

Ano

Valor Inv. Financeiro

Variação Patrimonial

Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

0

Valor de aquisição (V.A.)

0

0

1

V.A.+ 40

+ 40

+40

2

V.A.+ 20

-20

-10

3

V.A

-20

-10

4

V.A.-40

-40

-20

5

V.A.

+40

+40

6

V.A. -20

-20

-10

 

           

A não aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.

            Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!

            Parece claro que tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável, que, por imperativo do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, tem de fazer assentar a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

            É certo que a solução alternativa, que exclui a aplicação do artigo 45.º, n.º 3, leva a que, no caso de se verificar, a final, uma menos-valia, esta acabe por ter sido considerada a 100%, e não a 50%, como ocorreria ao abrigo do princípio da realização. Seria o caso de, no exemplo do quadro supra, a realização ocorrer nos anos 4 ou 6. Contudo, esta discriminação positiva (ou melhor, não discriminação negativa) pela opção pelo critério do justo valor, poderá justificar-se, desde logo, porquanto no regime do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), deixa de fazer sentido qualquer desincentivo à realização de menos-valias, uma vez que as mesmas relevarão fiscalmente independentemente da sua efectiva realização. Não se deverá desconsiderar igualmente que, por um lado, a contabilização pelo justo valor é considerada mais conforme à aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, finalidade confessadamente prosseguida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, por outro, a circunstância de estarmos perante realidades objectivamente avaliadas, sem que haja margem significativas para manipulações fiscalmente convenientes.

Ou seja, como se havia adiantado já, não se verificam as razões de combate à fraude e evasão fiscal, nem as razões de consolidação orçamental, que demonstradamente estiveram na génese da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC.

Assim, tem de se concluir devem afastar-se do campo de aplicação deste artigo 45.º, n.º 3, as situações em que não vale a sua razão de ser, em sintonia com a velha máxima “cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)”. ( [5] ). “O método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo”. ( [6] )

Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.º (n.º 3), entende-se ser de interpretar o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º.

Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC aplicável impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º, n.º 3, do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merece provimento o pedido.

Consequentemente, a autoliquidação é ilegal quanto à dedução em apenas 50% dos ajustamentos i decorrentes da aplicação do justo valor, quer os sujeitos ao regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, quer os ocorridos no ano de 2011.

Pelo exposto, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa que a manteve enfermam de vício de violação de lei, por errada interpretação do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, pelo que se justifica declaração da sua ilegalidade.

           

5. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar-lhe juros indemnizatórios.

 

4.1. Admissibilidade do reconhecimento do direito e condenação a pagar juros indemnizatórios nos processos arbitrais

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

4.2. Reembolso da quantia paga a mais e direito a juros indemnizatórios nos casos de autoliquidação

 

Nos casos de pagamento indevido de imposto, o contribuinte tem direito a ser reembolsado, como decorre do preceituado nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 – São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 – A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 – No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

No caso dos autos há pagamento de imposto indevido quanto às partes da autoliquidação em que o pedido de pronúncia arbitral procede.

Das várias situações em que são devidos juros indemnizatórios indicadas no artigo 43.º da LGT, haverá lugar aos mesmos se se entender que ocorreu erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, os impostos indevidamente pagos foram autoliquidados, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não teve qualquer intervenção na prática do acto em que se baseou o pagamento, sendo à própria Requerente que é imputável a sua prática.

Por isso, quanto ao acto de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida a pretensão da Requerente, quanto à ilegalidade da autoliquidação e o não acolhimento das pretensões é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [7] )

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 21-05-2014, pelo que o prazo para decisão terminou em 21-09-2014 (artigo 57.º, n.º 1, da LGT).

Pelo que se referiu, deverá entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, começam a contar-se juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios serão calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).

 

5. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

 

a)       Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto pretensão de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido em 31 de Dezembro de 2014 pelo Senhor Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa quanto à ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC (e derrama municipal consequente) do grupo fiscal AA... do exercício de 2011, no que respeita ao montante de € 242.123,28;

b)      Anular o referido despacho de indeferimento;

c)       Anular a autoliquidação, na parte respeitante aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, relativamente ao montante de € 242.123,28 de IRC e derrama municipal consequente;

d)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 242.123,28, acrescida de juros indemnizatórios, contados desde 22-09-2014, à taxa legal supletiva, até integral reembolso da quantia referida.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 242.123,28.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 25 de Setembro de 2015

 

Os Árbitros

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

(José Ramos Alexandre)

(Luísa Anacoreta)

 



[1]              Sobre este ponto da distinção terminológica entre «perdas» e «gastos» remete-se para o que adiante se refere neste acórdão.

[2]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

     –        de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;

     –        de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de  10-2-2004, página 4289;

     –        de 09/10/2002, processo n.º 600/02;

     –        de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

               

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

     –        MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;  

     –        MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

[3]              Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/BAFFC60A-E1B8-4217-89E1-17440629A6BA/0/ ManualQ07201104052V.pdf, p. 31.

[4]              Em rigor, tal seria incoerente, na medida em que o artigo 18.º/9/a) refere-se a “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, e o artigo 24.º se refere, como se viu a “variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.

[5]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[6]              KARL ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico, página 120.

( [7] )          ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:

«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».