Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 245/2015-T
Data da decisão: 2015-12-02  IRS  
Valor do pedido: € 26.464,70
Tema: IRS - Impugnação da liquidação de IRS n.º 2014 …, por desconsideração das retenções invocadas, respeitantes a rendimentos auferidos no estrangeiro
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 245/2015-T

Tema: IRS, impugnação da liquidação de IRS n.º 2014 …, por desconsideração das retenções invocadas, respeitantes a rendimentos auferidos no estrangeiro

 

I – DO PEDIDO

 

A… E B…, contribuintes respetivamente n.º … (Sujeito passivo A) e … (Sujeito passivo B), (doravante “Impugnantes”), tendo sido notificados da liquidação de IRS n.º 2014 …, referente ao ano fiscal de 2010, no montante de € 26.464,70, vêm, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.ºs 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”) deduzir PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL contra aquele ato de liquidação de IRS, o que fazem nos termos seguintes:

 

I – RELATÓRIO

 

I.1 – Dos factos

 

  1. Os Impugnantes foram residentes fiscais em França até 2006, tendo passado a residir em Portugal a partir de 2007.

 

  1. Em 2011 apresentaram oportunamente uma primeira declaração mod. 3 de IRS respeitante ao ano de 2010, tendo posteriormente, em 14/11/2013, (conf. doc.1), apresentado uma declaração de substituição, em que incluíram um Anexo G, onde declararam a alienação onerosa de partes sociais e ainda dois Anexos J, por terem auferido rendimentos de capitais de fonte estrangeira, nos valores, respetivamente, de € 121,00 (Q. 4 do Campo 408) e € 34.334,92 (Q.4 do Campo 423), que não foram objeto de retenção em Portugal (conf. Anexo 1).

 

  1. A questão controvertida tem precisamente a ver com um desses rendimentos de capitais, auferido em França e respeitante a um seguro do ramo “Vida”, no montante global de € 85.837,79, objeto de tributação em França, por retenção na fonte, no valor de € 6.437,79 (conf. doc. 2).

 

  1. Segundo os Requerentes, declararam o rendimento correspondente a apenas dois quintos do respetivo valor, correspondente a € 34.334,92, conforme exigível pelo Código do IRS, sob pena, em seu entender, de sujeitar a tributação de um montante que por lei está expressamente excluído, bem como declararam o valor já antes referido de imposto pago no estrangeiro, no valor de € 6.437,79, conforme declaração do Banque Populaire (cfr. doc. n.º 2).

 

  1. Os Impugnantes foram notificados em 28/11/2013 pela AT para exercício do direito de audição sobre alegadas incorreções na declaração de substituição, por, segundo a AT, a retenção na fonte declarada como efetuada em França não se mostrar devidamente comprovada (cfr. doc. 3).

 

  1. Os Impugnantes responderam em direito de audição em 10/12/2013, esclarecendo que a retenção na fonte sobre os referidos rendimentos declarados, provenientes de um seguro do ramo “Vida”, foram efetuadas pelo Banco Populaire, conf. doc. 3, pelo que entendem que o processo de divergência deve ser anulado (cfr. Doc. 4).

 

  1. Posteriormente foram os Impugnantes de novo notificados em 24/10/2014, para novo exercício do direito de audição sobre correções ao rendimento e declarados no Q. 4, Campo 423 do Anexo J, que devem ser alterados nos seguintes termos:

 

Anexo

Quadro

Campo

Valor

Declarado

Valor a

corrigir

Valor

final

J

Suj. Pas. A

 

4

423

Rendimento

 

€ 34.334,92

 

€ 51.502,37

 

€ 85.837,92

J

Suj. Pas. A

 

4

423

Retenção

 

€   6.437,79

 

€ 6.437,79

 

€          0,00

(cfr. Doc. 5)

 

  1. Os Impugnantes responderam em tempo útil, reafirmando os seus argumentos e a razão que entendem assistir-lhe (cfr. doc. 6)

 

  1. Realçam que a AT manteve o seu entendimento, pelo que os Impugnantes foram notificados em 18/11/2014), da decisão final de manutenção das correções propostas (cfr. doc. n.º 7).

 

  1. Face à decisão de indeferimento, os Impugnantes foram notificados em 16/12/2014 da liquidação de IRS n.º 2014 …, no montante de € 27.203,58 e da demonstração de acerto de contas, que determinou um saldo apurado por conta do IRS a pagar no valor de € 26.464,70 (cfr. doc. n.ºs 8 e 9).

 

 I.2 – Do direito invocado

 

A – Das ilegalidades procedimentais cometidas pela Administração Tributária

 

Os Impugnantes invocam as seguintes três ilegalidades procedimentais alegadamente cometidas pela AT, que, em seu entender, qualquer delas impõe a anulação do ato impugnado.

 

A.1 – Da violação do direito de audição prévia – fundamentos novos sobre os quais não houve participação

 

  1. Os Impugantes acusam a AT de, ao longo do procedimento administrativo que antecedeu a liquidação impugnada, terem “lançado mão de fases perentórias e enigmáticas para não reconhecer aos Impugnantes o enquadramento do rendimento declarado e o direito a beneficiar do crédito por conta do imposto pago em França”.

 

  1. E, concretizando, referem que na primeira notificação que lhes foi feita, a AT sustentou que foram “declaradas retenções sobre rendimentos obtidos no estrangeiro pelo Sujeito Passivo A não comprovadas” (cfr. doc. n.º 2), não tendo a AT tecido qualquer consideração sobre os esclarecimentos que lhe foram prestados pelos Requerentes e sobre os documentos apresentados.

 

  1. E que na segunda notificação para exercício do direito de audição, os serviços da AT propuseram a desconsideração da retenção na fonte do imposto francês que incidiu sobre o rendimento declarado de € 34.334,92, propondo, para além disso, uma correção àquele rendimento para € 85.837,92, “sem apresentar para o efeito qualquer razão justificativa”.

 

  1. E também realçam que não houve da parte da AT qualquer referência à documentação apresentada, bem como aos argumentos aduzidos pelos Impugnantes, em que justificam o valor declarado.

 

  1. Na notificação feita pela AT aos Impugnantes comunicando-lhes a manutenção das correções propostas, foi dito pela AT, “pela primeira vez, não ser possível o enquadramento do rendimento em causa numa das normas previstas na Convenção celebrada por Portugal e França, para efeitos de atribuição de crédito de imposto, e, nos termos do art.º 23.º da Convenção, que os elementos do rendimento de um residente de um dos Estados, não expressamente declarados nos artigos anteriores, só podem ser tributados nesse Estado (em Portugal), desde que nele estejam sujeitos a imposto” (conf. doc. n.º 6).

 

  1. E porque só na decisão final tomaram conhecimento deste fundamento, não tiveram os Impugnantes possibilidade de sobre eles se manifestarem ou reagirem, o que constitui “uma manifesta violação do princípio da participação, previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), em especial do n.º 3 deste artigo, que exige nova audição quando se invocam factos novos sobre os quais o contribuinte ainda não se tenha pronunciado”.

 

  1. E remetem para a Jurisprudência do acórdão do TCA Sul, proferido em 13/11/2014, no processo n.º 07564/14, de que citam uma passagem a este respeito, de que realçam a seguinte parte: “A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no art.º 60.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária constitui um vício de procedimento suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada”.

 

  1. E realçam que de facto não lhes foi dada a possibilidade de se pronunciarem sobre o argumento da insusceptibilidade de enquadramento do rendimento na Convenção celebrada entre Portugal e França, nas duas vezes que foram notificados para exercerem o direito de audição sobre a correção ao rendimento, o que entendem que “é algo de espantoso e que demonstra bem a forma totalmente atabalhoada como a presente liquidação foi efetuada”,

 

  1. Pelo que entendem que a liquidação deve ser anulada por violação do princípio da decisão.

 

A.2 – Da violação do direito de audição prévia – falta de pronúncia da Administração Tributária

 

  1. Invocam os Impugnantes que não se tendo a AT “pronunciado sobre os requerimentos de exercício de direito de audição por si apresentados estão igualmente a violar de forma expressa o n.º 7 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, que decorre do princípio constitucional da participação na decisão”.

 

  1. E remetem de novo para a Jurisprudência do TCA Sul, agora para o Acórdão proferido em 17/10/2013, no processo n.º 5354/12, citando algumas passagens do mesmo, designadamente a seguinte: “Não está assim fundamentado um acto que se limita a referir, quanto às novas questões e argumentos invocados pelo contribuinte em sede de audiência prévia, que ‘face aos elementos enviados e após análise é de manter as correções efectuadas’ ”.

 

  1. E citam também a Jurisprudência do STA, em Acórdão proferido em 24/10/2014, no processo n.º 0548/12, de acordo com o qual “Sob pena de o direito de audiência se transformar num ritual inócuo, no qual recai sobre os argumentos e documentos apresentados pelo contribuinte sobranceira indiferença, exige-se a sua análise pela administração, por forma a tomar visível que a decisão do procedimento resulta de uma transparente ponderação dos elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação”.

 

  1. E, por isso, concluem os Impugnantes que a falta de pronúncia sobre os argumentos invocados e sobre os documentos por si apresentados, “determina que a decisão de liquidação deverá ser anulada por estar também em causa uma violação do princípio da participação, nos termos previstos no n.º 7 do artigo 60.º da LGT”.

 

A.3 - Da violação do dever de fundamentação

 

  1.  Alegam ainda os Impugnantes que a atuação da AT configura uma clara violação do art.º 36.º do Código de Procedimento e de Procedimento Tributário (doravante “CPPT”), nos termos do qual as notificações conterão sempre, designadamente a decisão e os fundamentos, indo ao encontro do dever legal de fundamentação a que esta entidade está adstrita.

 

  1. E citam de novo a Jurisprudência do Acórdão n.º 065/09, de 15/4/2009, do STA, donde retiram que o dever legal de fundamentação deve “permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa”.

 

  1. E porque não tendo havido por parte da AT qualquer preocupação em respeitar o dever legal de fundamentação, não resta senão concluir, em seu entender, que o ato de liquidação de IRS que impugnam é manifestamente ilegal.

 

  1. E em reforço da sua argumentação dão como exemplo que uma liquidação adicional de IRS não se encontra devidamente fundamentada quando a explicação que é fornecida refere apenas:

 

o enquadramento do rendimento em causa numa das normas previstas na Convenção celebrada por Portugal e França, para efeitos de atribuição de crédito de imposto, e, nos termos do art.º 23.º da Convenção, que os elementos do rendimento de um residente de um dos Estados, não expressamente declarados nos artigos anteriores, só podem ser tributados nesse Estado (em Portugal) desde que nele estejam sujeitos a imposto” (cfr. doc. n.º 6)

 

  1. E remete para o “arrazoado de palavras” da entidade que praticou o acto – O Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa … – que faz pressupor que não tinha qualquer ideia da fundamentação que poderia subjazer à liquidação, o que, realçam os Impugnantes, não permitindo a fundamentação conhecer o porquê da liquidação, tal ato deve ser anulado, por vício de falta de fundamentação.

 

  1. E em reforço remetem para o que dispõe o Acórdão do TCA de 28/12/2012, Proc. n.º 04893/11, de que transcreve um excerto.

 

A.4 - Dos vícios substantivos que inquinam a liquidação

 

  1. Os Impugnantes voltam a referir-se à declaração de rendimentos apresentada relativa ao ano de 2010, aos valores auferidos de € 85.837,79 respeitantes a um produto do ramo Vida, à retenção na fonte de € 6.437,79 que incidiu sobre os mesmos e os valores declarados no Anexo J de dois quintos desse valor de rendimento, no montante de € 34.335,79, por força do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS (CIRS).

 

  1. Contestam os impugnantes que a AT aplique de forma diferente a norma citada da alínea b) do n.º 3 do artigo 5.º do CIRS a rendimentos deste natureza (provenientes de resgate de seguros do ramo “Vida”) auferidos em Portugal e a rendimentos auferidos noutros Estados da União Europeia, neste caso a França, já que a norma não distingue a fonte dos rendimentos, e, portanto, a liquidação impugnada viola o disposto na norma referida.

 

A.4 – Do crédito de imposto por dupla tributação internacional

 

  1. Também não concordam com a desconsideração da retenção que os rendimentos foram objeto em França, por o n.º 1 do artigo 81.º do CIRS não fazer depender, em seu entender, a atribuição do crédito do imposto do enquadramento do rendimento em qualquer dos rendimentos previstos no acordo para evitar a dupla tributação celebrado por Portugal.

 

  1. Mais entendem que este crédito de imposto é devido independentemente de haver acordo para evitar a dupla tributação ou o rendimento ser enquadrável em convenção internacional dessa natureza, tal como resulta, em seu entender, inequivocamente, do n.º 1 do artigo 81.º do CIRS, salvo limitação prevista no n.º 2 do referido artigo 81.º do CIRS.

 

  1. E realçam que no Acordo celebrado entre Portugal e França não se estabelece qualquer limitação, como decorre do n.º 1 do artigo 12.º do referido Acordo, quando refere que “os juros provenientes de Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado”.

 

  1. Os Impugnantes remetem o enquadramento dos rendimentos em causa para o disposto no n.º 3 do artigo 12.º do respetivo Acordo, tal como o considera o Estado Francês, nos termos do n.º 1 do referido artigo do Acordo.

 

  1. E, por isso, não concordam com o enquadramento dos rendimentos em causa efetuado por Portugal que os qualifica como de capital, em vez de juros.

 

  1. Os Impugnantes remetem para os seguintes comentários da Convenção da OCDE:

 

Quando, em virtude de diferenças existentes entre o direito interno do Estado da fonte e do Estado da residência, o primeiro aplica a um determinado elemento do rendimento ou do património disposições diferentes das que teriam sido aplicadas pelo Estado da residência ao mesmo elemento do rendimento ou do património, o rendimento não deixa de ser tributado de acordo com as disposições da Convenção de harmonia com a interpretação e a aplicação que delas faz o Estado da fonte. Por conseguinte, neste caso, os dois Artigos [artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo OCDE, relativos ao método de eliminação da dupla tributação] exigem que o Estado da residência conceda um desagravamento da dupla tributação, não obstante o conflito de qualificação resultante destas divergências entre as legislações nacionais” (cf. Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e sobre o Património – Versão Condensada, 2005, pp. 425)

 

  1.  Donde, realçam os Impugnantes, “nunca poderia ser desconsiderada a retenção na fonte que ocorreu em França, tendo os impugnantes direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional”.
  2. E realçam que se dúvidas tivesse a AT, poderia ter-se socorrido do mecanismo da troca de informações, conforme previsto na Convenção celebrada com a França e conforme Diretiva da Troca de Informações – o que não fez.

 

A.5 – Da Garantia Indevida

 

  1. Por terem prestado garantia bancária para suspender o processo executivo subjacente à liquidação impugnada, requerem indemnização por garantia indevidamente prestada, ao abrigo do n.º 2 do artigo 171.º do CPPT e 53.º da LGT, uma vez que alegam ter havido erro imputável aos serviços de liquidação do tributo em causa. 

 

II – DA RESPOSTA DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

A - Questão prévia – Da incompetência Material Absoluta do Tribunal Arbitral para reconhecer o direito dos Requerentes ao pagamento de um indemnização por prestação indevida de garantia.

 

Com fundamento no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e 4.º do RJAT e na Portaria de vinculação da AT n.º 112.ºA/2011, de 22/03, a Requerida deduz que “não está abrangida no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a apreciação da matéria relativa ao processo executivo, onde se enquadra a garantia prestada”.

 

E que, assim sendo, entende que o tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido da Requerente, em tudo o que se refere ao processo de execução fiscal, designadamente a indemnização por garantia.

 

E cita, em reforço da sua tese, o Processo arbitral n.º 17/2012-T, de 14/05/2012, bem como o n.º 175/2013-T, de 16/01/2014, que perfilham o entendimento da Requerida.

 

E porque a competência o Tribunal Arbitral se inscreve no âmbito do controlo da legalidade dos atos de liquidação, a incompetência do Tribunal para conhecer da indemnização por garantia prestada constitui, segundo a Requerida, uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância. Nos termos do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, o que desde já requerem.

 

De qualquer forma e à cautela, no dizer da Requerida, remete para o disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

 

E citam o disposto nos n.ºs 1 e 2 do citado artigo 53.º da LGT:

 

N.º 1.

“O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida”.

 

N.º 2

“O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.

 

E porque no entender da Requerida não se verificou qualquer erro imputável aos serviços na liquidação do tributo em causa, porquanto a lei não previu uma responsabilidade objetiva, mas uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços e esta culpa – a título de dolo ou negligência – tem de ser alegada e provada, e não pode resultar, segundo a Requerida, de forma automática, de qualquer ilegalidade.

 

E explicita a Requerida que “o dever de indemnização não resulta imediata e automaticamente da anulação do acto, sendo apenas devida quando se determine que houve erro imputável aos serviços”.

 

E a Requerida entende que, “no caso em apreço, não se verifica a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão da liquidação impugnada, pelo que improcede por infundado o pedido do Requerente a qualquer indemnização por prestação de garantia indevida”.

 

Dada a natureza desta alegada incompetência material do Tribunal Arbitral, dela tomará o Tribunal decisão prévia à decisão quanto ao objeto da decisão principal, que é o acto de liquidação de IRS do ano de 2010.   

 

B – Dos factos

 

  1. A Requerida começa por repetir os factos descritos pelos Impugnantes, pelo que o Tribunal se dispensa de os repetir.

 

  1. Realça, porém, que por ofício de 16/11/2013 o Requerente a… foi notificado, para efeitos de audição prévia, de que o valor correspondente e declarado como imposto pago no montante de € 6.437,79, iria ser expurgado, por falta de documentos comprovativos emitidos por entidade fiscal do país em causa – a França, PA fls. 7.

 

  1. Porque o Requerente apenas apresentou fotocópia de documento emitido pelo “Banque Populaire Val de France”, sem qualquer natureza comprovativa, segundo a Requerida, muito embora tenham sido remetidos para a Direção de Serviços de IRS (DSIRS) para efeitos da sua avaliação e qualidade comprovativa do imposto pago no estrangeiro.

 

  1. Em resposta, a DSIRS pronunciou-se no sentido de que a documentação apresentada “se mostrava inexplícita quanto à natureza do rendimento pago pelo Banque Populaire Val de France, de onde resultava a impossibilidade do seu enquadramento e, por consequência a qualificação da sua natureza fiscal, sendo assim de aplicar residualmente o determinado no artigo 23.º da Convenção entre Portugal e França para evitar a dupla tributação (CDT)”, que cita:

 

determina aquela norma que os elementos do rendimento de um residente de um dos Estados, não expressamente mencionados nos artigos anteriores, só podem ser tributados nesse Estado (em Portugal), desde que nele estejam sujeitos a imposto em conformidade com a respetiva legislação fiscal. Quando uma convenção determina que a tributação é exclusiva do Estado da residência (Portugal), não há lugar à atribuição de crédito de imposto pelo Estado de residência” – Cf. PA fls.26.

 

  1. Face às conclusões da DSIRS e ao determinado pela CDT, concluiram os serviços no sentido de ser corrigido o campo 423 da declaração mod. 3, incluindo todo o rendimento auferido de € 85.837,26, bem como corrigindo para “zero” o imposto alegadamente pago no estrangeiro, por a tributação ser exclusiva do Estado da residência e por não estar previsto na Lei qualquer crédito de imposto relativamente ao artigo 23.º da CDT.

 

  1. Concedido novo direito de audição aos Requerentes, ainda que desnecessariamente segundo a Requerida, mas dele não resultou, segundo a Requerida, qualquer elemento novo de prova idónea, pelo que foram aqueles notificados da correção que a AT iria proceder no Anexo J da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2010 e de que poderiam reclamar graciosa ou contenciosamente após a notificação da liquidação – o que sucedeu em 16-12-2014.

 

C – Do direito – Quanto às alegadas ilegalidades procedimentais cometidas pela AT

 

C1 – Quanto à alegada violação do direito de audição prévia – os fundamentos novos e sobre os quais não houve participação

 

  1. Contrariamente ao alegado pelos Requerentes sobre o uso por parte da AT de frases perentórias e enigmáticas para não reconhecer aos impugnantes o enquadramento do rendimento e o direito a beneficiar do crédito por conta do imposto pago em França (cfr. art.º 25.º da PI – doravante ppa), a Requerida entende que o procedimento levado a cabo sempre se pautou pela legalidade e transparência.

 

  1. E lembra que na notificação para audiência prévia feita pela Requerida sobre as incorreções detetadas fez constar o seguinte: “declaradas retenções de rendimentos obtidos no estrangeiro pelo Sujeito passivo A não comprovadas através de documentos emitidos pela respetiva autoridade fiscal do país. Vai ser retirado valor de € 6437,79 de retenções do Anexo J do Sujeito Passivo A”” (cfr. fls. 7 do PA.

 

  1. E a Requerida remete para o art.º 74.º da LGT, sobre o ónus da prova, que incide sobre quem a si invoca o direito, no caso a Requerente, sendo irrelevante a exposição que apresentou quanto à pretendida validade do documento emitido pelo “Banque Populaire”.

 

  1. E porque não foram invocados pelos Requerentes factos novos, não havia lugar a nova audição prévia, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 60.º da LGT, pelo que, no entender da Requerida, não houve violação do direito de audição prévia.

 

  1. Por outro lado, entende também que também não procede a alegada violação do princípio da decisão, consagrado no art.º 52.º da CRP e também no art.º 56.º da LGT, porquanto a administração não só decidiu, como validamente notificou o sujeito passivo da sua decisão.

 

C2 – Quanto à alegada violação do direito de audição prévia – falta de pronúncia da administração tributária

 

  1. Sobre a alegada falta de pronúncia sobre os requerimentos apresentados pelos Requerentes, a Requerida remete para o seguinte excerto da notificação que lhes foi feita sobre os mesmos, para provar que não existiu também aqui qualquer falta de pronúncia por parte da AT:

Em 2014.10.03, entrada n.º 2014…, foi remetido a este SF, e-mail da DSIRS-DL, a fim de ser efectuada a correção do valor inscrito no campo 423 do anexo J, respeitante ao SPA cujo rendimento deverá ser de € 85.837,29, e imposto pago no estrangeiro de € 0,0, uma vez que não é possível o enquadramento do rendimento em causa numa das normas previstas na Convenção celebrada entre Portugal e França, para efeitos de atribuição de crédito de imposto, e, nos termos do art.º 23.º da Convenção, que os elementos do rendimento de um residente de um dos Estados não expressamente declarados nos artigos anteriores, só podem ser tributados nesse Estado (em Portugal), desde que nele estejam sujeitos a imposto”.

 

  1. E sobre a aplicabilidade aos autos da Jurisprudência dos Acórdãos invocados pelos Requerentes, também a Requerida não vê qualquer falta de pronúncia, porquanto, em seu entender, inexistem quaisquer notificações com teor semelhante a “face aos elementos enviados e após análise é de manter as correções efectudas”.

 

C3 – Quanto à alegada violação do dever de fundamentação da liquidação

 

  1. Responde a Requerida, a este respeito, que, por um lado e nos termos do art.º 37.º do CPPT, a não invocação da sua insuficiência, no prazo legal ali previsto, conduz à sua sanação, desde que a fundamentação seja contemporânea do acto tributário em causa, tal como aconteceu no caso dos autos.

 

  1. Mas a Requerida entende que a fundamentação do acto tributário em causa cumpre todos os requisitos do n.º 2 do art.º 77.º da LGT, por resultar do seu teor, de forma clara, expressa e congruente, quais as razões de facto e de direito que motivara as correções efetuadas e a consequente liquidação adicional de imposto.

 

  1. E isto porque, face ao artigo 23.º da CDT entre Portugal e França, o crédito de imposto de € 6.437,79 só poderia ser considerado se fosse apresentada a competente prova material, constituída de forma legal através do sobredito Certificado Fiscal emitido pela Autoridade Tributária/Fiscal Francesa, não podendo os Requerentes pretender justificar o crédito fiscal com documentos que não foram validamente emitidos.

 

  1. Donde, conclui a Requerida, “não foi minimamente violado o disposto no art.º 77.º da LGT ou o art.º 125.º do CPA”.

 

C4 – Quanto aos alegados vícios substantivos que inquinam a liquidação

 

  1. Esclarece a Requerida que os argumentos tecidos pelos Requerentes levam a entender que não compreenderam ou não aceitaram que o que está verdadeiramente em causa é a impossibilidade de reconhecimento da natureza dos rendimentos declarados no Anexo J, por falta do probatório material com vista ao seu reconhecimento fiscal qualitativo, “sendo esta a questão molecular” que deve ser reconhecida numa primeira fase.

 

  1. Donde, segundo a Requerida, “resta a possibilidade da sua qualificação residual no âmbito do art.º 23.º da CDT Portugal/França, de onde poderia sair o almejado crédito fiscal no montante de € 6.437,79, se, para tanto, voltamos a reiterar, fosse apresentada a competente prova material, constituída de forma legal através do sobredito Certificado Fiscal emitido pela Autoridade Tributária/Fiscal Francesa”.

 

  1. Porém, como não foi apresentada prova idónea, como lhe competia nos termos do art.º 74.º da LGT, e como decorre da citada Jurisprudência do Acórdão do TCA Norte no processo 00434/09.5BEMDL, citado.

 

  1. Pelo que não poderá conclui-se pela existência de qualquer erro praticado pela AT na respetiva liquidação.

 

D – Quanto ao alegado crédito de imposto por dupla tributação internacional

 

  1. A Requerida responde ao repúdio da desconsideração da retenção na fonte que teve lugar em França sobre os rendimentos aí auferidos, salientando que, “no que diz respeito ao imposto sobre o rendimento, o critério escolhido pela generalidade dos Estados membros, para definir em que situações teriam competência para tributar determinar facto, foi o critério da residência”.

 

  1. Remete para o disposto no artigo 13.º da LGT, sobre a tributação universal dos rendimentos auferidos por residentes em território português, independentemente do local da fonte, sem prejuízo, porém, da aplicação de convenções internacionais de que Portugal seja parte e salvo disposição em contrário constante das mesmas.

 

  1. Assim, face à lei interna vigente no Estado Português, decorre do artigo 81.º do CIRS então em vigor, sobre a “Eliminação da dupla tributação económica”, o seguinte:

 

1. Os titulares dos rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponde à menos das seguintes importâncias:

a)  Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fracção da colecta de IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.

2. Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção”.  

 

  1. Realça a Requerida que, por se encontrar em vigor CDT celebrada entre Portugal e França, que prevalece sobre a lei interna, impõe-se o respeito pelas normas convencionais, quer quanto à qualificação do rendimento auferido em França, quer quanto à concessão de crédito para eliminação da dupla tributação, sendo caso disso, quer quanto à competência atribuída aos Estados em causa para tributar os rendimentos.

 

  1. E realça que as CDT estabelecem no seu artigo 23.º ou 24.º as disposições para eliminar a dupla tributação, remetendo para os métodos aplicados pela legislação interna de cada um dos Estados contratantes, lembrando que existe o método de isenção, segundo o qual o Estado da residência renuncia à tributação, o método da imputação ou método do crédito, nos termos do qual será concedido um crédito de imposto, conforme disposto no n.º 2 do art.º 24.º, exceto se nos termos da CDT o Estado da fonte não puder tributar, ou seja, se a tributação for exclusiva do Estado da residência.

 

  1. Os Requerentes qualificam os rendimentos auferidos em França como sendo “juros”, fazendo depois todo o enquadramento jurídico em torno do mesmo, e referem que se a AT tivesse dúvidas deveria recorrer ao mecanismo da troca de informações, “invertendo por completo o ónus da prova, quando o artigo 74.º da LGT, expressamente impõe que quem invoca factos deve comprová-los”.

 

  1. A Requerida, a propósito de toda esta problemática, cita um longo excerto do texto do Ac. 0434/09, de 22-02-2012 do TCA Norte, que se dá aqui como reproduzido, mas de que se realça, em síntese, o disposto no artigo 81.º, n.º 2 do CIRS sobre a prevalência das CDT sobre o direito interno, da necessidade de comprovação, por parte de quem tem o ónus de prova - os Requerentes, de que foi pago imposto (neste caso em França) pelos rendimentos ali auferidos, não sendo legítimo inverter o ónus da prova exigindo-se à AT o uso do mecanismo da troca de informação.

 

  1.  Pelo que, conclui a Requerida que falecem as pretensões formuladas pelos Requerentes.    

 

III – DAS ALEGAÇÕES DOS REQUERENTES

 

III.1 – DOS REQUERENTES

 

Os Requerentes começam por realçar o que apelidam de “um manto de confusões” na Resposta dada pela Requerida, justificando com o facto de esta começar por enunciar que “o que está em causa nos autos é a prova do imposto pago em França por rendimentos aí obtidos” e posteriormente referirem também que, afinal, “o que está verdadeiramente em causa no presente processo, é antes de mais, a impossibilidade de reconhecimento da natureza dos rendimentos em causa, por falta de probatório com vista ao reconhecimento fiscal qualitativo, e esta é a questão molecular que deve ser reconhecida numa primeira fase”.

 

Para além disso, também põem em evidência a invocação pela Requerida da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o direito a indemnização por garantia indevida, com recurso a Jurisprudência arbitral que em nada se relaciona com o tema em discussão.

 

Também põem em realce as dúvidas da Requerida quanto à prova feita pelos Requerentes sobre o rendimento auferido em França, quando vêm a reconhecer a sua existência e quantitativo desse mesmo rendimento.

 

Finalmente põem em evidência a errónea aplicação dos vários princípios e conceitos estruturantes das convenções para evitar a dupla tributação internacional e em particular a celebrada entre Portugal e França e a aplicabilidade do Código do IRS.

 

Passemos, então, às alegações em concreto:

 

  1. Ausência de provas documentais apresentada pelos Peticionantes

 

  1. Estranham os Requerentes a alegada inexistência de provas documentais, quer relativamente à natureza do rendimento, quer quanto às retenções na fonte, porquanto juntaram aos autos (doc. n.º 2) uma carta emitida em 14.01.2010 pelo “Banque Populaire Val de France”, no qual se detalha:
  1. o montante bruto de € 300.337,29 do reembolso correspondente ao seguro do ramos “Vida” que haviam subscrito;
  2. o montante de € 85.837,29 referente ao rendimento obtido pelos mesmos; e
  3.  o montante de € 6.437,79 das retenções na fonte sofridas a título liberatório”.

 

  1. Mais alegam que juntaram os seguintes documentos (n.ºs 10 e 11) demonstrativos de que o referido seguro do ramo “Vida”[1]:
  1. Que tinha a designação comercial de “Fructi-Selection Vie 2”,
  2. Que havia sido subscrito em 20.11.2001 e
  3.  Constituído com um capital inicial (investimento) no montante de € 213.427,50.

 

  1. Daí não compreenderem os Requerentes a alegada falta de prova, porquanto nunca foi posta em causa a autenticidade dos documentos apresentados e emitidos pelo “Banque Populaire”.

 

  1. Mais realçam que se os documentos fossem emitidos por uma seguradora portuguesa, a AT não teria qualquer dúvida em aceitá-los. E, assim sendo, não poderá haver discriminação de tratamento, sob pena de violação dos princípios basilares do Direito da União Europeia e do art.º 8.º da CRP.

 

  1. Para além disso, a exigência pela AT de documentos de “fonte oficial” não se encontra baseada em qualquer disposição legal que o imponha, desde a CDT entre Portugal/França ao próprio Código do IRS.

 

  1. Citam, nomeadamente o Ac. do STA de 20.04.2005 (processo n.º 124/04), segundo o qual, em caso idêntico, embora relativamente a rendimentos do trabalho dependente, se conclui que “…A lei não estipula um regime de prova vinculada…”, o que também é corroborado pelo entendimento manifestado por Rui Duarte Morais (in “Dupla Tributação Internacional em IRS – Notas de uma leitura em jurisprudência, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1, Ano I, Abril 2008, pág. 123”), ao referir que “a prova dos factos em questão pode ser lograda por outros meios que não a apresentação de determinados “impressos” (muito embora – acrescentamos nós – a natureza das coisas pareça exigir, sempre, um documento)”.

 

  1. Os Requerentes qualificam a atitude da AT como caricata e perversa, ao aceitarem, por um lado, a declaração dos rendimentos como sendo fiável, mas recusando aceitar a declaração do imposto retido na fonte sobre esses mesmos rendimentos, mesmo quando este se encontra documentalmente provado.

 

  1. Realçam que o crivo não resultou nem da CDT Portugal/França, nem do Código do IRS, mas da doutrina do Ofício-Circulado n.º 20022, de 19.05.2000, em que se estabelece que nos casos de rendimentos obtidos no estrangeiro suscetíveis de beneficiarem das normas internas ou convencionais sobre dupla tributação internacional “…deverá exigir-se documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido ou autenticado pelas Autoridades Fiscais do respetivo Estado de onde são originários os rendimentos (…)”[2].

 

  1. E sobre a natureza e valor destas instruções administrativas, designadas de “direito circulatório”, os Requerentes remetem para o Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, pág.s 73 de JJ Saldanha Sanches, bem como para Manual Idêntico de Alberto Xavier e ainda para o Ac. do STA, de 16.01.2008 (processo n.º 381/07), que, no geral, vão todos no sentido de que se trata de instruções que não vinculam diretamente os contribuintes nem os Tribunais, mas apenas a Administração Fiscal e os seus funcionários, por falta de valor normativo.

 

  1. Donde, concluem os Requerentes, que “apesar de os Peticionantes estarem obrigados a provar os factos constitutivos do seu direito a beneficiar do crédito de imposto por dupla tributação internacional, não tinham o dever de disponibilizar à Administração Tributária um qualquer documento no qual estivessem reunidos todos os requisitos que esta fez questão de plasmar no supra mencionado Ofício-Circulado n.º 20022, de 19.05.2000”.

 

  1. Mais realçam que não estavam obrigados a tal prova nem em condições de a satisfazer, como é demonstrado pela resposta dada pela Administração Fiscal Francesa a carta que lhe foi endereçada com vista à certificação dos rendimentos obtidos e da retenção efetuada, dada a imposição da AT.

 

  1. Ao que foi respondido[3] por estas que as “autoridades fiscais francesas não podem emitir um certificado de pagamento de impostos. No resgate de seguro de vida, o Banque Populaire enviou uma carta detalhando o resumo do montante do reembolso e das diversas imposições realizadas. É necessário fornecer às autoridades fiscais portuguesas uma cópia dessa carta para justificar os montantes cobrados em França pelo organismo bancário que geria o seu contrato”.

 

  1. E citam, de seguida, um excerto do Ac. do STA de 20.04.2005 (processo n.º 1254/04), donde se extrai que “…se o sujeito passivo estiver impossibilitado de apresentar documento emitido pela AT alemã comprovativo desse pagamento, é bastante para a dedução a apresentação de declaração da entidade patronal, onde constem as retenções efectuadas, bem como das guias de pagamento”. 

 

  1. Donde, não tendo a AT logrado demonstrar quais os pressupostos legais que legitimaram a sua atuação, ao considerar inválidos os documentos apresentados pelos Requerentes e nada tendo feito, oficialmente, para os comprovar, a exigência de “documentos impossíveis de obter” para beneficiar do crédito de imposto viola a CDT vigente entre Portugal/França e inconstitucional, por violação do artigo 8.º da CRP.

 

  1. Da natureza dos rendimentos obtidos pelos Peticionantes

 

  1.  Não compreendem os Requerentes que apesar de toda a documentação carreada para o procedimento tributário e para os presentes autos e dos rendimentos e valor da retenção que inscreveram no Anexo J à declaração mod. 3, a Requerida alegue não reconhecer a natureza dos rendimentos em causa, por impossibilidade totalmente imputável ao Requerente (cfr. art.º 91.º da Resposta).

 

  1. E, por isso, estranham que apesar da documentação junta, designadamente a emitida pelo “Banque Populaire” a Requerida duvidasse de que se tratava de rendimentos respeitantes a um seguro de “Vida”, tal como sublinharam nos dois requerimentos apresentados.

 

  1. E para melhor esclarecimento os Requerentes requerem, nesta sede de Alegações, a junção, ao abrigo do princípio da livre condução do processo (art.º 19.º do RJAT) e do princípio do inquisitório (art.º 114.º do CPPT e artigo 99.º da LGT, aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT), cópia do seguinte documento:

 

- “ Contrat dàssurance de Groupe sur la Vie (Contrato de seguro de vida), que celebraram com o “Banque Populaire Val de France” (conf. doc. n.º 2);

- “Respetivo Extrato” - que evidencia a evolução anual do mesmo, desde a subscrição até ao momento do reembolso (cfr. doc. n.º 3).  

 

  1.  Considerando, assim, provado que em 2010 auferiram o montante de € 85.837,79, respeitante a rendimentos provenientes do capital inicial investido de € 213.427,50 (cfr. doc. 11) no referido seguro do ramo “Vida”, e sobre os quais (rendimentos) incidiu a retenção na fonte de € 6.437,79, (cfr. doc. n.º 2).

 

  1. Daí que, com base no disposto no n.º 3 do artigo 5.º do CIRS e da alínea b) do mesmo n.º 3, (que transcrevem) tenham declarado 2/5 do respetivo valor do rendimento auferido quando do reembolso, ou seja, € 34.335,92.

 

  1. E concluem afirmando que qualquer tratamento diverso será arbitrário e discriminatório relativamente aos seguros de “Vida”, e violador do direito da União Europeia e o art.º 8.º da CRP.

 

  1. Do desrespeito pelo princípio da participação expresso no artigo 60.º da LGT

 

  1. A este respeito, os Requerentes lembram o que dispõe o art.º 60.º da LGT, citando também o Ac. do STA de 15.10.2008, processo n.º 0542/08, bem como, a propósito de factos novos, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª Edição, 2012, pág. 427.

 

  1. E isto porque, conforme alegam, a AT limitou-se a “fazer de conta” que concedeu o direito de audição prévia aos Peticionantes, face ao comportamento que teve nas várias fases do procedimento.

 

  1.  A AT notificou os Requerentes para referir que foram declaradas retenções sobre rendimentos obtidos no estrangeiro pelo Sujeito Passivo A não comprovados, mas depois das explicações que lhe foram prestadas, a AT, sem qualquer justificação ignorou-os e propôs a desconsideração da retenção na fonte, aproveitando ainda para propor uma nova correção ao rendimento declarado.

 

  1. Alegam ainda que no uso do direito de audição pela segunda vez para esclarecimento da situação, a AT optou, de novo, por ignorar totalmente a documentação apresentada pelos Requerentes, limitando-se a notifica-los da decisão de manutenção das correções propostas.

 

  1. Mais realçam que somente na terceira notificação a AT refere pela primeira vez que a correção em causa se fica a dever ao facto de não ser possível “o enquadramento do rendimento em causa numa das normas previstas na Convenção celebrada por Portugal e França, para efeitos de atribuição de crédito de imposto, e, nos termos do art.º 23.º da Convenção, que os elementos do rendimento de um residente de um dos Estados, não expressamente declarados nos artigos anteriores, só podem ser tributados nesse Estado (em Portugal), desde que nele estejam sujeitos a imposto” (cfr. doc. n.º 6).

 

  1. E esclarecem que sobre este novo fundamento não foi dada a possibilidade aos Requerentes de sobre eles se manifestarem, conforme reconhece a AT nos seus artigos 65.º e 66.º da Resposta.

 

  1. O que determinou que não se pudessem pronunciar antes da decisão final de realização de correções aos rendimentos e retenções por si declarados.

 

  1. E porque os factos invocados pela Requerida são novos, argumentam que o disposto no n.º 3 do art.º 60.º da LGT exigia terem sido notificados para efeitos de audição prévia, em consonância também com a Jurisprudência do Ac. do TCAS de 13/11/2014, processo n.º 07564/14, de que cita um excerto.

 

  1. Donde, concluem, esta falta de notificação para efeitos de audição prévia, constitui um vício de procedimento suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada.

 

  1. Da existência ou não de vício de falta de pronúncia por parte da Administração Tributária

 

  1.  Sobre a invocada falta de pronúncia por parte da AT sobre os factos e provas que lhe foram apresentados, a Requerida responde que “A AT informou o Requerente porque razão iria levar a cabo as correções nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS” (cfr. art.º 76.º da R.) e ainda que “A AT na posse da documentação remetida pelo Requerente, entendeu que a mesma não era suficiente para clarificar a natureza dos rendimentos numa das normas da CDT” (cfr. art.º 77.º da R.).

 

  1. Não entendem assim os Requerentes, sustentados na Jurisprudência dos Ac. do TCAS proferido em 17.10.2013, no processo n.º 05354/12 e no Ac. do STA de 24/10/2014, no processo n.º 0548/12, no mesmo sentido da exigência de análise pela AT dos documentos que lhe forem apresentados, sob pena de o direito de audição se tornar um ritual inócuo.

 

  1. E daí a conclusão dos Requerentes no sentido de que o referido parágrafo que consta do documento n.º 6 junto à PI, “corresponde efetivamente à fundamentação do ato de liquidação (e, como tal, deveriam os Peticionantes ter tido a oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo), ou este parágrafo nada fundamenta (e a liquidação é ilegal por falta de fundamentação e por falta de pronúncia da AT sobre elementos novos)”.

 

  1. Da omissão (ou não) de fundamentação das correções e liquidações contestadas

 

  1. Sobre esta problemática do vício da falta da fundamentação, a AT entende que não houve qualquer violação, atendendo a que resulta do procedimento em questão “quais as razões de facto e de direito que motivaram as correções efetuadas e a consequente liquidação adicional de imposto”.

 

  1. Os Requerentes não concordam, face ao disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, que transcrevem, e face ao artigo 268.º da CRP, reforçando com excertos da doutrina de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J PACHECO DE AMORIM, in CPA Comentado, 2.ª Edição, 2006, pág. 589, bem como de MARCELO CAETANO, in Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 477 e ainda de FREITAS DO AMARAL, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª Edição, 2011, pág. 387, em que todos confirmam a indispensabilidade da fundamentação, como sustentáculo da legalidade administrativa, e, por isso, com indispensabilidade da explicitação dos motivos que levaram à prática do ato daquela forma e não de outra, com aquele conteúdo.

 

  1. Citam ainda sobre esta matéria VIEIRA DE ANDRADE, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, já antes citados, segundo os quais, sumária e respetivamente, a fundamentação “exige uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto…”, e “deve consistir numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão (…), sob pena de haver obscuridade (…) e ate “insuficiente fundamentação (…)”.

 

  1. E porque, no entender dos Requerentes não foi isso que sucedeu, concluem que a liquidação adicional de IRS não se encontra devidamente fundamentada, por o já referido doc. 6 da AT junto aos autos não reunir estes requisitos, já que “não explica minimamente qual a base legal seguida pela Administração Tributária para alcançar a decisão a que chegou”.

 

  1. E porque também não se apresenta de modo claro, suficiente e congruente, como seria necessário, conforme Ac. do RCAS de 28/02/2012, no processo n.º 04893/11, que cita, a fundamentação efetuada tem de ser considerada insuficiente e ferida de vício de falta de fundamentação.

 

  1. Por outro lado, relativamente à invocada sanação deste vício por parte da Requerida, por força do tempo previsto no artigo 37.º do CPPT, contrapõem os Requerentes com a Jurisprudência do STA, no Ac. de 06.06.2007, processo n.º 155/07, citado por JORGE LOPES DE SOUSA, in CPPT ANOTADO E COMENTADO, Áreas Editora, 6.ª Edição, Volume I, pág. 367, segundo o qual “O regime previsto no art.º 37.º do CPPT reporta-se a deficiências de notificações dos actos tributários e não a deficiências dos próprios actos notificados”.

 

  1. E porque o vício não ocorreu por notificação deficiente, não há aqui lugar a sanação, pelo que entendem que o ato de liquidação deverá ser anulado.

 

  1. Da aplicabilidade de crédito fiscal por dupla tributação internacional

 

  1. Os Requerentes, face à posição da AT nesta matéria, em que alegam “não haveria lugar à concessão de crédito de imposto, cabendo ao Estado da fonte a eliminação da dupla tributação” (cfr. artigo 110.º da Resposta), desenvolvem, a partir das várias normas em confronto, do CIRS e da CDT celebrada entre Portugal e França, a sua teoria de interpretação das normas em causa e da hierarquias das mesmas, chegando a uma conclusão em contrário.

 

  1. De facto, invocam, por um lado, a prevalência da hierarquia das normas Convencionais aplicáveis, como normas de Direito Internacional, designadamente os artigos 24.º, n.º 2 e n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º, em contraposição com a norma de direito interno do n.º 2 do artigo 81.º do CIRS, que cede perante as normas da CDT citadas.

 

  1.  Realçam que à luz dos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º da CDT, “(…) os juros provenientes de um Estado Contratante (neste caso a França) e pagos a um residente do outro Estado Contratante (neste caso Portugal), podem ser tributados nesse outro Estado (Portugal), sem prejuízo do Estado primeiramente mencionado (neste caso a França) poder igualmente tributar aquele rendimento (ainda que dentro de certos limites)”.

 

  1. Donde realçam que a competência para tributar é cumulativa e que, assim sendo e face ao disposto no n.º 3 do art.º 12.º da CDT, o termo “juros” designa “os rendimentos da dívida pública, de obrigações com ou sem garantia hipotecária e com direito ou não a participar nos lucros e de créditos de qualquer natureza, bem como quaisquer outros rendimentos assimilados aos rendimentos de importâncias emprestadas pela legislação fiscal do Estado de que provêm os rendimentos.[4]

 

  1.  E o Estado da fonte considera como “juros” os rendimentos decorrentes de seguros do ramo “Vida”, tendo aplicado retenção na fonte sobre os mesmos, no âmbito das competências tributárias que lhe são conferidas, nos termos do citado n.º 1 do art.º 12.º da CDT.

 

  1. E que à luz dos art.ºs 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo OCDE, entendem também que Portugal, mesmo que não qualifique desta forma os juros em causa, estes não poderão deixar de ser tributados como tal pelo Estado da fonte e que Portugal não poderá deixar de conceder um desagravamento da dupla tributação, nos termos do n.º 2 do art.º 24.º da CDT.

 

  1. Do recurso ao mecanismo de troca de informações por parte da Administração Tributária

 

  1. Relativamente à recusa da AT de utilizar o mecanismo da troca de informação, os Requerentes remetem para o disposto no art.º 58.º da LGT, segundo o qual “Administração Tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

 

  1. E citando doutrina neste mesmo sentido, entendem que a AT deveria ter acionado o mecanismo da troca de informação junto das autoridades fiscais francesas, em conformidade com o artigo 27.º da CDT celebrada entre Portugal e França.

 

  1. Citam também os Ac. do TCAN de 14/04/2005, (processos n.ºs 107/03 e 285/02), de 28/4/2005, (processo n.º 190/02), de 14/07/2005 (processo n.º 89/03), no qual é expresso que “à Administração Fiscal Portuguesa compete, no caso de lhe subsistirem dúvidas quanto à coincidência entre o valor retido na fonte e o imposto liquidado, proceder à troca de informações com as autoridades fiscais (…), por forma a evitar a dupla tributação (…)”.

 

  1.  O mesmo entende RUI DUARTE MORAIS, bem como DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA (in obra cit., pág. 488), donde se retira que o facto de a Administração Tributária não ter desenvolvido, ao longo do procedimento tributário, todas as diligências que estavam ao seu alcance para cumprir com o princípio do inquisitório, se traduz num vício que é suscetível de “implicar a anulação da decisão tomada”.

 

  1. Por todo o exposto e na demais doutrina e Jurisprudência citada, no mesmo sentido, entendem os Requerentes que é evidente que não assiste qualquer razão à AT para dispensar a troca de informações e que, portanto, ao desrespeitar a norma do artigo 27.º da CDT, a liquidação de IRS ora impugnada padece do vício da ilegalidade, que determina a sua anulação plena.

 

AA – DA EXCEÇÃO POR INCOMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA

 

  1.  Esclarecem os Requerentes que ao pedido de pagamento de indemnização por garantia indevidamente prestada (conf. doc. n.º 4), nos termos do n.º 2 do artigo 171.º do CPPT e do artigo 53.º da LGT, invoca a Requerida a existência de uma exceção dilatória por incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria, afirmando que o tribunal arbitral não tem competência para a “apreciação da matéria relativa ao processo executivo, onde se enquadra a garantia prestada” (conf. art.º 8.º da Resposta).

 

  1. Os Requerentes entendem, quanto a esta questão, que “há um claro equívoco cometido pela Administração Tributária, na medida em que, conforme expressa o artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, que não seja recorrível, vincula a Administração Tributária a, nomeadamente, rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto de decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente”.

 

  1. Mais argumentam o seguinte: “Ora, se este Tribunal vier a determinar que a liquidação impugnada é ilegal, um dos efeitos de tal decisão passará pela determinação de um dever da Administração Tributação em indemnizar, em conformidade com o CPPT e a LGT, os Peticionantes pelo facto de este ter sido forçado a prestar, de forma indevida, uma garantia tendente à suspensão do processo de execução”.

 

  1. E para clarificar dúvidas que pudessem existir, remetem para “os ensinamentos expressos, de forma clara, pelo Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Coord. NUNO VILLA-LOBOS e MÓNICA BRITO VIEIRA, Almedina, 2013”.

 

  1.  E por este Autor é também referido que “o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária, fora dos casos em que possa estar subjacente à declaração de legalidade de actos ou apreciação das questões indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, está fora da competência dos tribunais arbitrais” (obra citada, pág. 105, com negrito dos Requerentes).

 

  1. E mais é realçado pelo mesmo autor que a AT está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22.03, no que toca à “à apreciação de todas as pretensões dos contribuintes conexas com atos de liquidação, autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento de conta que tenham por objeto impostos que administre” (obra citada, pág. 115, com 115, com negrito dos Requerentes).

 

  1. E citam ainda JORGE LOPES DE SOUSA, obra citada, pág.s 112 e 113, que refere que “se compreendem nas suas competências dos tribunais arbitrais os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos autos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências”.  

 

  1. E, finalmente, em reforço do anteriormente referido, citam a jurisprudência arbitral constante das decisões arbitrais de 15/09/2014 (processo n.º 197/2014-T) e de 08/01/2015 (processo n.º 409/2014-T).

 

  1. Razão pela qual a exceção dilatória invocada pela Requerida tem necessariamente de improceder.

 

AB – DAS CONCLUSÕES

 

Os Requerentes apresentam nas suas alegações, em revisão, Conclusões sobre todas as matérias versadas, terminando por afirmar que:

 

  1. Deve a Administração Tributária ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios e também no pagamento de indemnização por garantia indevida;

 

  1. Não podem ser julgadas procedentes as defesas por exceção e por impugnação invocadas pela Administração Tributária na sua Resposta.

 

III.2 – DA REQUERIDA

           

Das alegações apresentadas, o Tribunal realça os seguintes aspetos considerados relevantes, referindo que a Requerida mantém integralmente o teor da sua Resposta, que se sintetiza:

 

  1. Contesta de todo as alegações dos Requerentes, que em seu entender distorcem propositadamente a realidade, com reflexo no quadro legal estabelecido para a apreciação dos factos.

 

  1. Reafirma que a questão que se coloca é a de qualificar a natureza dos rendimentos pagos em França, para efeitos de aplicação da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e França.

 

  1. Outra questão é a do vício de violação do direito de audição, do dever de fundamentação e vício de violação de lei por erro na interpretação da lei e sua aplicação aos factos.

 

  1. Quanto à matéria de exceção dilatória, reitera a mesma, reafirmando que o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida não se insere no âmbito das competências dos tribunais arbitrais.

 

  1. Quanto à matéria de facto que considera de interesse para a causa, mantém como válidos para efeitos do probatório todos os documentos juntos.

 

  1. E lembra a declaração de IRS dos Requerentes, nela tendo declarado no Anexo J, no campo 423, o rendimento € 34.334,92 e o imposto pago de € 6.437,79.

 

  1. Mais alega que o Requerente A… foi notificado por ofício de 23-11-116 de que tinha declarado retenções sobre rendimentos obtidos do estrangeiro não comprovados por documentos emitidos pela respetiva autoridade fiscal do país, pelo que lhe iria ser retirado o valor das retenções declaradas de € 6.437,79 no Anexo J à declaração de rendimentos.

 

Do Direito de audição

 

  1. Alega que nessa notificação de 16-11-2013, lhe foi concedido o direito de audição e que em resposta não apresentou os documentos emitidos por entidade fiscal do país em causa, para comprovar o imposto pago.

 

  1. Alega a Requerida que, em resposta, foi apresentada pelo Requerente uma fotocópia simples de um documento emitido por uma entidade denominada “Banque Populaire Val de France”, que a AT enviou à Direção de Serviços de IRS (DSIRS) para avaliação da sua qualidade e validade.

 

  1. Ao que a DSIRS respondeu que a documentação apresentada “se mostrava inexplícita quanto à natureza do rendimento pago pelo Banque Populaire Val de France, de onde resultava a impossibilidade do seu enquadramento, e em consequência a qualificação da sua natureza fiscal, sendo assim de aplicar residualmente o determinado no artigo 23.º da Convenção entre Portugal e França para evitar a dupla tributação (CDT), citando”:

 

determina aquela norma que os elementos do rendimento de um residente de um dos Estados, não expressamente mencionados nos artigos anteriores, só podem ser tributados nesse Estado (em Portugal), desde que nele estejam sujeitos a imposto em conformidade com a respetiva legislação fiscal. Quando uma convenção determina que a tributação é exclusiva do Estado de residência (Portugal), não há lugar à atribuição de crédito de imposto pelo Estado de residência”.

 

  1. Foi face a esta resposta da DSIRS que a AT procedeu à correção do valor do rendimento e da retenção declarados, alterando aquele de € 34.334,92 para € 85.837,29 e desconsiderando na totalidade o valor da retenção efetuada em França de € 6.437,79.

 

  1. Realça a Requerida que, por lapso, os Serviços procederam a nova notificação em 22-10-2014, para efeitos do direito de audição do projeto de correção, repetindo a AT os mesmos fundamentos da correção pretendida.

 

  1. A esta notificação respondeu de novo o Requerente, nos mesmos termos que fez anteriormente.

 

  1. Realça a Requerida, como prova do alegado, que, conforme documentos apresentados pelos Requerentes com as suas alegações, apenas em Outubro de 2015 fizeram diligências junto das autoridades fiscais francesas, no sentido de atender ao solicitado pela AT, ou seja, no sentido de comprovar rendimentos e retenções com documentos das autoridades fiscais francesas – o que não conseguiram.

 

  1. Mais alega que pelo Ofício n.º …, foi o Requerente de novo notificado de que, ao abrigo do n.º 4 do art.º 65.º do CIRS, a AT iria proceder à correção dos valores declarados no Anexo J da modelo 3 do IRS do ano de 2010, com informação dos meios de defesa.

 

  1. A Requerida cita, a propósito do princípio da verdade declarativa, o teor do Ac. do STA, proc. 037/09, de 228/1/2009, em cujo extrato e a propósito do afastamento do princípio da verdade declarativa, se pode concluir tratar-se de não comprovação dos rendimentos declarados para efeitos de aplicação de métodos indiretos.

 

  1. No caso dos autos, alega a Requerida que o que está em causa é a impossibilidade de reconhecimento da natureza dos rendimentos, por falta de probatório material, com vista ao seu reconhecimento fiscal qualitativo, numa primeira fase.

 

  1. E assim sendo a Requerida remete para a qualificação residual dos rendimentos no âmbito do artigo 23.º da CDT, por o ónus da prova não pertencer à AT, mas a quem invoca o direito, de acordo com a disciplina do artigo 74.º da LGT.

 

  1. E a Requerida remete também para o Ac. do TCA Norte, no âmbito do processo 00434/09.5BEMDL, de onde extrai que:

 

Do ponto de vista da Recorrente, o Impugnante, ora Recorrido, jamais provou, como lhe competia, que os montantes que lhe foram retidos pela entidade patronal em Espanha, foram efectivamente entregues à administração tributária espanhola, pressuposto sine qua nom para o reconhecimento do exercício do direito à dedução [à colecta] daqueles montantes. Para tanto, cabia ao contribuinte o ónus de apresentar um documento emitido (ou autenticado) pelas autoridades espanholas, do qual constasse a natureza do rendimento, o respectivo valor e, bem assim, o montante do imposto efectivamente pago no Estado em causa”.

 

 

Alegada violação do direito de participação

 

  1. O Requerente notificado para juntar documentos comprovativos dos elementos declarados, emitidos pela respetiva autoridade fiscal do país em causa, limitou-se, segundo a Requerida, a responder ao direito de audição com a entrega de uma exposição com o enquadramento dos rendimentos e nova cópia de um documento do Banque Populaire.

 

  1. Daí que não possa a Requerida invocar violação do princípio de participação.

 

Da alegada violação do princípio da decisão

 

  1. A Requerida contesta de todo este pretenso vício, visto que a AT decidiu, face à ausência dos elementos oficiais solicitados, pela requalificação dos rendimentos e pela desconsideração das retenções declaradas.

 

  1. E quanto à não pronúncia sobre os Requerimentos apresentados pelo Requerente e à não notificação do direito de audição, a Requerida alega que a AT informou o interessado quanto às razões que conduziram às correções nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, tal como consta da notificação que lhe foi efetuada em 2014.10.13.

 

Da não utilização do mecanismo da troca de informações entre a AT e a AF Francesa

 

  1. A este respeito, a Requerida entende que não lhe impendia o ónus da prova, que recaía sobre o contribuinte, remetendo, para tanto, para o Ac. do TCA Norte n.º 00434/09, de 22-02-2012, donde se extrai a seguinte passagem:

 

“ (…) Ora, recaindo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito sobre quem o invoque (artigo 74.º da LGT e 342.º do C.C.) era sobre o contribuinte que recaía o ónus de demonstrar o direito a deduzir à colecta o montante relativo à dupla tributação internacional, ou seja, o imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro (artigo 81.º do CIRS)”.

 

E ainda que:

 

“ (…) a possibilidade de troca de informações estre as autoridades competentes dos Estados Contratantes não pode implicar uma inversão do ónus da prova (…)”.

 

E ainda, conf. Ac. do TCAN, de 10/03/05 e de 10/04/05, proferidos nos recursos n.ºs 00382/04 e 00285/02 Braga:

 

Note-se que, para prova do pagamento do imposto no Estado da fonte não era de exigir um documento específico, pois a lei não exige um documento em concreto. Porém, tal prova teria que passar por um documento cujo conteúdo (quanto ao quantum do imposto pago) fosse validado pelas autoridades tributárias espanholas”.

 

Sobre o crédito de imposto para eliminação da dupla tributação económica

 

  1. A Requerida volta a tecer considerações sobre as diversas formas de eliminação da dupla tributação económica, remetendo para as disposições do art.º 13.º da LGT, sobre a tributação universal dos residentes e para o artigo 81.º do CIRS sobre a disciplina a ter em consideração nesta matéria.

 

  1. E reconhecendo embora existir CDT celebrada entre Portugal e França, lembra as disposições do art.º 23.º e 24.º para concluir, em resumo, que no caso de a competência tributária dos rendimentos auferidos no estrangeiro, depois da sua qualificação, ser exclusiva de Portugal, não há lugar à concessão de crédito de imposto, cabendo ao Estado da fonte eliminar a dupla tributação.

 

  1. Daí que tendo a AT aplicado o artigo 23.º da Convenção, desconsiderando, por falta de prova, os montantes declarados, a competência para a tributação é exclusiva de Portugal e, portanto, não há lugar à concessão do crédito de imposto por dupla tributação económica.  

             

IV – DOS FACTOS

IV.1 - Factos provados

 

Todos os factos alegados se encontram provados, embora a Requerida entenda que os documentos apresentados pelo Banque Populaire deveriam ser apresentados pelas Autoridades Fiscais de França.

 

IV.2 - Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV.3 - Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Porque em matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º nº 2 do CPPT e artigos 607º do CPC. Aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea a) e ) do RJAT)], o Tribunal seleciona os seguintes que considera juridicamente relevantes.

 

  1. A prestação de garantia bancária para suspender o processo executivo subjacente à liquidação aqui impugnada (cfr. doc. n.º 4 junto às Alegações e que o Tribunal aceita como provado, no âmbito da sua margem de livre condução do processo e da apreciação da prova omitida na fase inicial, ao abrigo do disposto no artigo 19.º do RJAT);

 

  1. A natureza dos rendimentos constantes da declaração mod. 3 de IRS do ano de 2010, conf. doc. n.ºs 2 e 10 anexos à P.I., emitidos pelo “Banque Populaire Val de France” e n.º 1 junto às Alegações dos Requerentes, dos Serviços Fiscais de França, que remetem para os documentos emitidos pelo organismo bancário gestionário do contrato, em razão de a Administração Fiscal Francesa informar não os poder emitir, em reforço dos anteriormente juntos com a PI, conf. doc. 3, que provam tratar-se de contrato de seguro do ramo Vida, celebrado com o Banque Populaire;

 

  1. O valor declarado de rendimentos, auferido em 2010 face ao reembolso, no valor do Seguro contratualizado, correspondente a 2/5, no montante de € 34.335,92 (2/5 X 85.837,79), (cfr. doc. n.º 2 anexo à PI);

 

  1. O valor declarado do imposto pago à Administração Fiscal Francesa, por retenção na fonte do Banque Populaire, no montante de € 6.437,79 (cfr. doc. n.º 4 anexo à PI).      

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental juntas aos autos e o PA anexo, consideram-se provados todos os factos, e o imposto pago, pese embora não terem sido emitidos nem certificados pelas Autoridades Fiscais de França, por declarada impossibilidade, conf. doc. n.º 1 junto às Alegações, que o Tribunal aceita como documento de prova.

Quanto, finalmente, à qualificação dos rendimentos em causa como juros, porque já não se trata de matéria de facto, tratar-se-á desta questão na parte do direito aplicável.

 

V – SANEAMENTO

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-04-2015.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente previsto.

Em 03-06-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26-02-2015.

O Tribunal é competente e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, tendo a Requerida suscitado a incompetência Material Absoluta do Tribunal Arbitral para reconhecer o direito dos Requerentes ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.

 

VI – DO DIREITO

 

V.1. - DA QUESTÃO DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL ABSOLUTA DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA RECONHECER O DIREITO DOS REQUERENTES AO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA

 

Os Requerentes formularam um pedido de indemnização por prestação de garantia bancária indevida, caso viesse a ser considerada a existência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo ora impugnado.

A Requerida vem invocar, em sede de Resposta, a Incompetência Material Absoluta do Tribunal Arbitral, como questão prejudicial, que se aprecia desde já.

A Requerida justificou a sua posição invocando as disposições do art.º 4.º do RJAT sobre as matérias de competência dos Tribunais Arbitrais, bem como o disposto nas diversas alíneas da Portaria de vinculação da AT n.º 112.º-A/2011, de 22.03.

Mais referiu que a incompetência do Tribunal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância nos termos do art.º 576.º e alínea a) do art.º 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Os Requerentes não concordam com esta posição, remetendo para os ensinamentos do Mer.mo Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Coord. NUNO VILLA-LOBOS e MÓNICA BRITO VIEIRA, Almedina, 2013, em que referem que:

o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária, fora dos casos em que possa estar subjacente à declaração de legalidade de actos ou apreciação das questões indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, está fora da competência dos tribunais arbitrais” (obra citada, pág. 105).  

Referem que o mesmo autor acrescenta que a AT está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22/3, no que toca à “apreciação de todas as pretensões dos contribuintes conexas com atos de liquidação, autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que tenham por objeto impostos que administre” (obra citada, pág. 115).

E que “não se compreendem nas competências dos tribunais arbitrais os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos autos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências” (JORGE LOPES DE SOUSA, obra citada, págs. 112 e 113.

Mais referem a Jurisprudência do Tribunal Arbitral constante das decisões de 15/09/2014 (processo n.º 197/2014-T) e de 08/01/2015 (processo n.º 409/2014-T).

Donde concluem ser de improceder a exceção dilatória.

De facto, a Jurisprudência invocada, entre outra existente, remete para o disposto no artigo 171.º do CPPT, que estabelece o seguinte:

“171.º - Indemnização em caso de garantia bancária

1 – A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2 – A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Daí que, tal como é referido nos Acórdão Arbitrais referidos, “o pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida”.

E mais se refere que “a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art.º 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil”.

 

Por todo o exposto, mostra-se suficiente e legalmente fundamentado que a exceção dilatória apresentada pela Requerida não tem fundamento legal, face ao disposto no artigo 3.º do RJAT e 171.º do CPPT, para além da Jurisprudência e doutrina citadas.

E que, portanto, improcede a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de indemnização por prestação indevida de garantia idónea, nada obstando, portanto, à apreciação dos objetos da causa de pedir, quais sejam o da anulação da liquidação adicional de IRS e, por consequência, da indemnização requerida.  

 

V.2 – DO DIREITO APLICÁVEL À CAUSA DE PEDIR

 

A questão controvertida objeto do presente recurso arbitral consiste na não aceitação integral, por parte da AT, do valor e natureza dos rendimentos declarados pelos Requerentes no Anexo J à declaração mod. 3 de IRS do ano de 2010, provenientes do Banque Populaire Val de France, no valor total de € 85.837,29 e declarados de € 34.334,92 e na não consideração do valor da retenção sobre aquele rendimento, efetuada pela mesma entidade pagadora, invocada no referido anexo, no valor de € 6.437,79.

 

Conforme demonstraram os Requerentes, pela prova efetuada, este rendimento é proveniente do reembolso de um contrato de seguro do ramo “Vida” contratualizado por intermédio do referido Banque Populaire, quando ainda residiam em França, onde investiu, por contrato de 20/11/2001, a importância de € 213.427,50, de que resultou um reembolso, em 2010, à data em que já eram residentes em território português, do montante bruto de € 300.337,29, do qual a importância de € 85.837,29 respeita ao rendimento obtido, objeto de retenção na fonte, a título liberatório, pelo citado banco, na importância de € 6.437,79.

 

Os Requerentes procederam à entrega de uma declaração mod. 3 de substituição em 2013-1-14, com dois Anexos J, declarando no Campo 423 do Quadro 4, respeitante ao Sujeito Passivo A, os seguintes rendimentos auferidos no estrangeiro:

 

  • Campo 408 (Juros referidos no n.º 5 do art.º 72.º do CIRS)[5] - €121,00, sem menção de qualquer retenção;

 

  • Campo 423 (Outros rendimentos referidos no n.º 5 do art.º 72.º do CIRS) - € 34.334,92 de rendimentos e € 6.437,70 de imposto pago no estrangeiro;[6]

 

  • Campo 414 (Mais-Valias ou ganhos da alienação de valores mobiliários – alíneas b, e), f) e g) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS)

 

Ora, como se constata, o Campo 423, onde foram declarados € 34.334,92 de rendimentos auferidos no estrangeiro e € 6.437,79 de imposto pago no estrangeiro, respeita a outros rendimentos referido no n.º 5 do art.º 72.º do CIRS, que, à data, tinha a seguinte redação:

 

“ Art.º 72.º - Taxas especiais

(…)

5 – Os rendimentos de capitais, tal como definidos no artigo 5.º, mencionados no n.º 1 do artigo 71.º, devidos por entidades não residentes, quando não sujeitos a retenção na fonte nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, são tributados à taxa de 20%.”

 

E o n.º 1 do art.º 71.º do CIRS, também com a redação à data de 2010, tinha a seguinte redação:

 

Art.º 71.º - Taxas liberatórias

1 – (…)

  1. Juros de depósitos à ordem ou a prazo, incluindo os certificados de depósitos;
  2. Os rendimentos de títulos de dívida, nominativos ou ao portador, bem como os rendimentos de operações de reporte, cessões de crédito, contas de títulos com garantia de preço ou de outras operações similares ou afins;
  3. Os rendimentos a que se referem as alíneas h), i), l) e q) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 5.º.”

 

E para o que ao caso interessa, passamos a referir o disposto no n.º 3 do art.º 5.º do Código do IRS:

 

“Art.º 5.º - Rendimentos da categoria E

3 – Consideram-se ainda rendimentos de capitais a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo “Vida” e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas, bem como a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade por fundos de pensões ou no âmbito de outros regimes complementares de segurança social, incluindo os disponibilizados por associações mutualistas, e as respetivas contribuições pagas, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes, quando o montante dos prémios, importâncias ou contribuições pagas na primeira metade da vigência dos contratos representar pelo menos 35% da totalidade daqueles:

 

  1. ….
  2. São excluídos da tributação três quintos do rendimento, se o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade, bem como o vencimento, ocorrerem depois dos primeiros oito anos de vigência do contrato.”

 

Daqui se conclui que os rendimentos auferidos e declarados pelo Sujeito Passivo A no Anexo J não têm a qualificação de juros, mas de rendimentos de capitais, enquadrados no n.º 5 do art.º 72.º, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do art.º 71.º e alínea b) do n.º 3 do art.º 5.º, todos do CIRS e, daí, terem os Requerentes procedido à sua inclusão no referido Anexo J à decl. mod. 3 de IRS de 2010, com o valor de apenas 2/5 do respetivo rendimento auferido (o mesmo é dizer com exclusão de 3/5), ou seja, € 85.837,29 X 2/5 = € 34.335,92.

 

Os serviços da AT face à análise da declaração de rendimentos, verificaram a necessidade de comprovar documentalmente, numa primeira fase, o valor das retenções declaradas respeitantes ao rendimento em causa do sujeito passivo A, através de documento emitido pela respetiva autoridade fiscal francesa.

 

Note-se, que dos documentos apresentados conclui-se que se mostra cumprido o disposto na parte final do n.º 3 do artigo 5.º do CIRS, quanto ao valor e período do pagamento dos prémios.

 

Já quanto ao se enquadramento no âmbito da CDT celebrada entre Portugal e a França, facilmente se conclui que não cabe no âmbito do artigo 12.º da Convenção, este tipo de rendimentos resultantes de um Contrato de Seguros do ramo “VIDA”, face ao disposto no n.º 3 do referido art.º 12.º da mesma Convenção.

 

Antes de mais conclusões, vejamos se os vícios do procedimento que os Requerentes imputam à AT, merecem censura.

 

1.ª notificação para audição prévia

 

Para o efeito, foi enviada notificação ao contribuinte em 2013/11/16, para responder em direito de audição, nos termos e para efeitos do artigo 60.º da LGT, informando que se não forem apresentados quaisquer documentos de suporte, haverá lugar a correções ao declarado imposto pago em França. 

 

Os Requerentes, em sede de resposta ao direito de audição, com data de 2013/12/10, fizeram prova do recebimento destes rendimentos com documentos emitido pelo Banque Populaire Val de France, que serviram de suporte aos elementos declarados, conf. doc. n.º 3.

 

Face à Resposta dos Requerentes, os serviços de finanças remeteram os documentos em causa para a DSIRS, para análise, que concluíram, face à informação prestada e enviada pelos serviços locais de finanças em 14/10/2014, o seguinte:

 

  1. Que “Através dos documentos enviados para comprovação dos rendimentos obtidos em França, verifica-se estar em causa o resgate de um fundo[7], sem contudo ser referida expressamente a natureza do rendimento pago pela entidade ‘Banque Populaire’ ”.

 

  1. Que “Por esse motivo não é possível ser efectuado o enquadramento do rendimento em causa numa das normas expressamente previstas na Convenção celebrada entre Portugal e França, para efeitos de atribuição de crédito de imposto”.

 

  1. E que “Por outro lado, não sendo possível através do documento enviado, ser qualificada a natureza do rendimento declarado no campo 423 do anexo J, há que ter em conta o determinado no artigo 23.º da Convenção celebrada entre Portugal e França”.

 

  1. (…)

 

  1. (…)

 

  1. Que “Em face do exposto, solicita-se que sejam efectuadas as diligências necessárias, com a máxima URGÊNCIA por estar em causa o ano de 2010, no sentido de ser corrigido o campo 423 do anexo J do SP A NIF …, da seguinte forma:

 

Campo 423: rendimento - € 85.837,29

Imposto pago no estrangeiro – 0,00 (…)”.

 

  1. E ainda que: “Posteriormente, caso o sujeito passivo pretenda clarificar a natureza do rendimento em causa, de forma a que os mesmos possam ser enquadrados numa das normas especificamente previstos na Convenção celebrada entre Portugal e França para efeitos de atribuição de crédito de imposto, deve o mesmo ser informado que essa comprovação deve ser efectuada mediante a apresentação de documento emitido pela autoridade fiscal francesa, do qual conste a norma convencional a aplicar pelo Estado de residência”.

 

2.ª notificação para audição prévia

 

A AT por Ofício de 2014/10/22, notificou os Requerentes, para efeitos de audição prévia, da intenção de efetuarem a seguinte correção aos valores inscritos na declaração modelo 3:

 

Anexo

Quadro

Campo

Valor declarado

Valor a corrigir

Valor final

J – S.P. A

4

423 Rend.

€ 34.334,92

€ 51.502,37

€ 85.837,92

J – S.P. A

4

423 Retenç.

€ 6.437,79  

€ 6.437,79

€ 0,00

 

 

 

 

 

 

 

Os Requerentes, por carta de 2014/11/12 responderam em direito de audição, manifestando a sua não concordância, remetendo para o já entregue doc. n.º 3, que constitui uma declaração emitida pelo Banque Populaire, legalmente obrigada à sua emissão e reiterando que as retenções foram efetuadas à luz das disposições da lei fiscal francesa.

 

Descrevem todo o evoluir dos factos e citam as disposições legais em que sustentam a sua defesa, razão porque solicitam a anulação do procedimento de divergência.

 

Nova notificação aos Requerentes

 

A AT procedeu de novo à notificação dos Requerentes, informando-os de que “ao abrigo do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS se procedeu à alteração dos valores na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2010 – anexo J” e de que “decorrente da alteração aos valores declarados será oportunamente notificado da liquidação do correspondente imposto do qual poderá reclamar/impugnar nos termos do art.º 140.º do Código do IRS, conjugado com os art.ºs 68.º/99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário” e finalmente de que “Fica igualmente notificado do teor do despacho proferido pela Sr.ª Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-… no processo de divergência em causa”.

 

O despacho antes referido sanciona o entendimento da DSIRS que é resumido em informação do Serviço de Finanças de Lisboa-… e que vai no mesmo sentido da correção dos rendimentos declarados no Anexo J e na desconsideração das retenções, por enquadramento dos rendimentos auferidos em França no artigo 23.º da CDT, caso em que a tributação exclusiva é da competência do Estado da residência e, portanto, a eliminação da dupla tributação só pode ser feita pelo Estado da fonte.             

     

Nova notificação aos Requerentes

 

A liquidação corretiva de IRS com o n.º 2014 …, no valor de € 27.203,58, com data de 2014/11/12, foi notificada aos Requerentes, juntamente a Demonstração da liquidação e Demonstração de acerto de contas, sendo-lhes exigível o valor de € 26.464,70, com data limite de pagamento de 2015/01/19, face ao valor de reembolso da 1.ª liquidação de IRS n.º 2013 …, no valor de € 811,34.

 

__

 

Voltemos então ao direito aplicável quanto aos aspetos inerentes aos procedimentos da Administração Tributária:

 

  1. Das alegadas ilegalidades procedimentais cometidas pela Administração Tributária:

 

a.1 Violação do direito de audição prévia – os fundamentos novos e sobre os quais não houve participação

 

Defendem os Requerentes que os Serviços da AT nunca teceram qualquer consideração sobre os esclarecimentos prestados em direito de audição e que procederam às correções ao rendimento e às retenções sem apresentarem qualquer razão justificativa, violando, assim, o princípio da participação previsto no artigo 60.º da LGT, o que constitui um vício de procedimento suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada.

 

Ora, como desde início do presente ponto da decisão, sobre a matéria de direito, se demonstrou, a AT foi procedendo à notificação dos Requerentes sobre os seus fundamentos da intenção de procederem à correção dos elementos declarados, quer para efeitos de audição prévia (quer na 1.ª quer na 2.ª notificação), dando-lhe também conhecimento dos fundamentos em que a AT se alicerçava.

 

Nestes termos, sob este aspeto formal, o Tribunal entende não reconhecer a existência do alegado vício de falta de participação na decisão. Outrossim, não acolheu a AT os argumentos invocados pelos Requerentes, tendo-lhe concedido o direito de audição sobre a intenção e seus fundamentos, notificação das correções efetuadas, bem como da liquidação corretiva que lhe foi emitida, o que este Tribunal confirma e, por isso, não encontra qualquer violação do artigo 60.º e em especial do n.º 3 da LGT.

 

A.2 Violação do direito de audição prévia – falta de pronúncia da administração tributária

 

Pelo anteriormente exposto, também este alegado vício o Tribunal entende que não ocorreu, porquanto a AT explicitou, na notificação feita ao contribuinte para o exercício do direito de audição e dos fundamentos das correções, que têm a ver com a falta de um documento emitido pela Administração Fiscal Francesa, único válido, segundo a AT, para comprovar natureza dos rendimentos e valor das retenções, independentemente da validade dos seus argumentos.

Pelo que este Tribunal entende também que não se mostra violado o disposto no já referido artigo 60.º, em especial o n.º 7, muito embora reconheça que a AT poderia ter questionado desde início os Requerentes sobre ambas as questões em causa – a qualificação dos rendimentos à luz da CDT e do CIRS e a questão do imposto pago em França, mas que isso são meras questões metodológicas, que não colocaram em causa os direitos de defesa dos Requerentes.     

 

A.3 Violação do dever de fundamentação

 

Defendem os Requerentes que a liquidação adicional de IRS em causa, objeto do presente Recurso Arbitral, não se encontra devidamente fundamentada.

 

A notificação da liquidação, em si mesmo, apresenta a sua fundamentação fornecendo todos os valores que levaram ao valor do IRS final a pagar.

 

É uma fundamentação sucinta ou sumária, mas clara e entendível, obedecendo, portanto, ao disposto no artigo 77.º da LGT. 

 

A fundamentação relativa aos valores constantes da liquidação adicional ou corretiva encontra-se a montante, conforme respetivas notificações, em direito de audição e outras, como anteriormente se refere, pelo que também aqui entende o Tribunal que não houve violação do dever de fundamentação exigível quer pelo art.º 268.º, n.º e da CRP, quer pelos artigos 124.º e 125.º do CPA, quer também do artigo 77.º da LGT.

 

 

  1. DOS VÍCIOS SUBSTANTIVOS QUE INQUINAM A LIQUIDAÇÃO

 

B.1 Da declaração do rendimento sob escrutínio

 

  1. DO CRÉDITO DE IMPOSTO POR DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

 

Fundamentam os Requerentes, com base no n.º 3 do art.º 5.º do CIRS, o valor declarado e tributável em Portugal de apenas € 34.335,92, do rendimento total com fonte de França, em 2010, de € 85.837,79 e relativo ao reembolso de um Seguro do Ramo “Vida”, subscrito em 2001 no Banque Populaire Val de France.

 

Esclarecem e provam com documentos do referido Banco que o rendimento obtido com o reembolso do referido seguro, com a alegada natureza de juros, foi do referido valor de € 85.837,79, que foi objeto de retenção na fonte pelo referido Banque Populaire, em França, no valor de € 6.437,79.

 

Mais referem que o valor declarado na respetivo anexo J à declaração mod. 3 de IRS do ano de 2010, foi apena de 2/5 daquele valor, ou seja, de € 34.335,92, por força do referido n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS, por ser este o enquadramento do rendimento no CIRS em vigor à data em território português.

 

Mais precisam que o capital investido em 2001 neste Seguro do ramo “Vida” foi de € 213.427,50, sendo o valor do reembolso de € 300.337,29, em que se inclui o referido valor do rendimento, com a alegada natureza de “juros”, no valor de € 85.837,39.

 

Todos estes valores se mostram comprovados com os documentos n.ºs 2, 10 e 11, anexos à PI, somente que a AT entendeu que os referidos documentos não faziam prova suficiente para a qualificação dos rendimentos e para a concessão do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, exigindo, para tanto, um documento emitido pela Administração Fiscal Francesa que comprovasse rendimentos e retenção efetuada.

 

A AT invocou também Jurisprudência no sentido de que o ónus da prova do direito invocado é dos Requerentes, não sendo válido o argumento, no seu entender, de que a AT deveria utilizar o mecanismo da troca de informação previsto na CDT celebrada entre Portugal e a França e de que era indispensável um documento da Administração Fiscal Francesa a apresentar pelos Requerentes.

 

Citam, a este respeito, os Requerentes os Acórdãos do TCAN, de 14/04/2005 (processo 107/03 e 285/02), de 28/4/2005 (processo n.º 190/02), de 14/07/2005 (processo n.º 89/03), no qual é expresso que “à Administração Fiscal Portuguesa compete, no caso de lhe subsistirem dúvidas quanto à coincidência entre o valor retido na fonte e o imposto liquidado, proceder à troca de informações com as autoridades fiscais (…), por forma a evitar a dupla tributação (…)”.  

 

É certo que a Requerida também citou o Ac. do TCA Norte, no âmbito do processo 00434/09.5BEMDL, em que se refere: “Do ponto de vista da Recorrente, o Impugnante, ora Recorrido, jamais provou, como lhe competia, os montantes que lhe foram retidos pela entidade patronal em Espanha, foram efectivamente entregues à administração tributária espanhola, pressuposto sine qua non para o reconhecimento do exercício do direito à dedução [à colecta] daqueles montantes. Para tanto, cabia ao contribuinte o ónus de apresentar um documento emitido (ou autenticado) pelas autoridades espanholas, do qual constasse a natureza do rendimento, o respetivo valor e, bem assim, o montante do imposto efectivamente pago no Estado em causa”.

 

Os Requerentes alegaram, por sua vez, em razão da vária Jurisprudência citada nas Alegações apresentadas, no sentido de que competia à AT proceder à troca de informação, que é o sentido também da doutrina citada, designadamente de RUI DUARTE MORAIS, entre outros.

 

Daí que os Requerentes entendem que não assiste razão à Requerida, para além de que a prova feita era por demais evidente quanto à natureza do rendimento e ao valor da retenção efetuada e que a exigência da AT não encontrava apoio legal, por falta de qualquer disposição legal, quer na CDT quer no CIRS, que exigisse tal documento da Administração Fiscal Francesa, mas apenas numa orientação interna vertida no Ofício Circulado n.º 20010, de 21/05/1999, que não vincula os contribuintes.

 

Aliás, o referido Ofício Circulado da AT n.º …, de 21/05/1999, foi publicado face a dúvidas na aplicação da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha, em especial quanto a trabalhadores residentes de nacionalidade portuguesa, segundo o qual se exigia o seguinte:

4. “Para efeitos da liquidação de imposto a efectivar em Portugal, a consideração do imposto que já tenha sido pago no estrangeiro, só poderá ter lugar quando:

  1. Tenha sido apresentado documento original, autenticado pelas autoridades fiscais alemãs, no qual se discriminem o total (ou as várias partes) de rendimentos auferidos nesse país, para o ano civil com início em 1 de Janeiro e fim em 31 de Dezembro;
  2. Bem como se deverá indicar, no mesmo documento, o montante ou montantes de imposto pago e a que título;
  3. Devendo ainda, para os rendimentos dos anos de 1997 (inclusive) e seguintes, o s.p. apresentar o Anexo J à declaração de rendimentos.

…”                                                                                                                          

 

De relevar também a carta da Administração Fiscal Francesa dirigida aos Requerentes, conf. doc. 1 junto às suas Alegações e que o Tribunal, no âmbito da livre condução do processo arbitral, aceita como válido, onde consta que a Administração Fiscal Francesa não tem possibilidade de certificar os elementos pretendidos, devendo apresentar à Administração Fiscal Portuguesa os elementos emitidos pelo Banque Populaire, entidade com quem contratou o seguro do ramo “Vida”.

 

O presente documento demonstra, segundo os Requerentes, que a prova exigida pela Administração Fiscal Portuguesa era “uma prova impossível”.

 

Os Requerentes, em reforço dos documentos inicialmente apresentados com a PI, juntaram também às suas Alegações todo o contrato de Seguro do ramo Vida celebrado com o Banque Populaire, designado por “Fructi-Sélection Vie”, que constitui os documentos n.ºs 2 e 3.

 

Da leitura destes documentos, pode constatar-se que o Requerente subscreveu um “Contrato de Assurance de Groupe sur la Vie” e que a aplicação do investimento pode ser feita no “C… SA a 100%”. E que também foi junto um “Contrat Collectif d’Assurance-Vie” efectuado na “D… S.A.”, onde consta, relativamente à “Repartition des versements d´un contrat PEP”, para o que podem ser feitas aplicações a 100% em “C… S.A.”, tudo através do “Banque Populaire Val de France”  

 

Donde será de concluir que se trata de um seguro do ramo “Vida” cujo investimento poderia ser aplicado num fundo, ou seja, trata-se não de um simples seguro do ramo vida, mas de um produto estruturado ou de um produto financeiro complexo, cujos rendimentos daí resultantes, quando do reembolso/resgate, são tributados pela diferença positiva entre os montantes recebidos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo “Vida” e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas, como foi o caso em análise.

 

O rendimento assim obtido é considerado como rendimento de capital para efeitos de tributação do titular em IRS, havendo lugar, em território português, face ao artigo 5.º, n.º 3 do CIRS, a uma exclusão de 1/5, nas condições referidas na alínea a) ou de 3/5, nas estabelecidas na alínea b), neste caso quando o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade, bem como o vencimento, ocorrerem depois dos primeiros oito anos de vigência do contrato, como foi o caso (subscrito em 2001 e resgatado em 2010), segundo a redação em vigor em 2010.

 

Porque se trata de residentes em Portugal a sua tributação é universal, pessoal e ilimitada, face ao disposto no artigo 13.º do Código do IRS, se norma de hierarquia superior, neste caso a CDT em causa, o permitir.

 

Importa agora analisar a natureza do rendimento à luz da CDT celebrada entre Portugal e França, que como Direito Internacional que é, se sobrepõe ao direito interno na qualificação do rendimento em causa, para efeitos da competência da sua tributação e do direito ou não à aplicação do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional.

 

Só existem duas possibilidades de enquadramento deste tipo de rendimentos à luz da CDT celebrada entre Portugal e França: – ou no âmbito do art.º 12.º ou no do art.º 23.º.

 

No artigo 12.º incluem-se os “juros”, que quando provenientes de um Estado Contratante (no caso a França) podem ser tributados nesse outro Estado (no caso Portugal). Estamos a falar da tributação cumulativa, que determina a eliminação da dupla tributação jurídica internacional a efetuar pelo Estado da residência, no caso Portugal, conforme decorre do n.º 2 do art.º 24.º da mesma CDT.

 

Conforme se dispõe no n.º 3 do referido artigo 12.º, “o termos “juros” usado neste artigo, significa os rendimentos da dívida pública, de obrigações com ou sem garantia hipotecária e com direito ou não a participar nos lucros e de créditos de qualquer natureza, bem como quaisquer outros rendimentos assimilados aos rendimentos de importâncias emprestadas pela legislação fiscal do outro Estado de que provêm os rendimentos” – o que não de modo algum o caso em apreço.           

 

Por outro lado, o art.º 23.º da CDT é uma norma residual, nele se incluindo “os elementos dos rendimentos não expressamente mencionados nos artigos anteriores” com a especificidade de que “só podem ser tributados nesse Estado[8], desde que estejam nele sujeitos a imposto em conformidade com a respetiva legislação fiscal”.

 

Ora, como antes se refere, porque os Requerentes beneficiários do rendimento são residentes em Portugal, a sua tributação é universal, pessoal e ilimitada, face ao disposto no artigo 13.º do Código do IRS.

 

Assim, importa qualificar os rendimentos auferidos pelos Requerentes, à luz da CDT, dada a relevância que tem na eliminação ou não da dupla tributação jurídica internacional, cuja obrigação legal é diferente consoante se trate de rendimentos que tenham enquadramento no art.º 12.º ou no art.º 23.º da CDT.

 

Assim, se se tratar de “juros” a que se refere o artigo 12.º, porque a tributação é cumulativa de ambos os Estados, da fonte (França) e da residência (Portugal), então será o país da residência a eliminar a dupla tributação jurídica internacional, por força da alínea a) do n.º 2 do artigo 24.º da CDT e alínea a) do n.º 3 do artigo 81.º do Código do IRS.

 

Porém, não sendo qualificados os rendimentos em causa como “juros”, e, portanto, caindo no âmbito do art.º 23.º da CDT, porque a tributação, neste caso, é exclusiva do Estado da residência, compete ao Estado da fonte (a França) eliminar a dupla tributação, sendo o Requerente a solicitar o reembolso do imposto pago em França, à Administração Fiscal Francesa.

 

Ora, porque se trata de um Seguro do Ramo “Vida”, independentemente do facto de a Seguradora ter eventualmente procedido à aplicação em fundos de investimentos ou de pensões, por uma questão de melhor rendibilidade, os rendimentos auferidos, dada a sua substância possuir caraterísticas híbridas, não poderá, quer se trate de resgate de simples seguro do ramo “Vida”, quer de produto complexo ou híbrido, ter a natureza de “juros”, à luz da CDT, conforme esclarece o n.º 3 do art.º 12.º da CDT, pelo que, residualmente, o seu enquadramento será feito no art.º 23.º, conforme decorre desta mesma norma convencional.

 

E, assim sendo, Portugal poderá tributar os rendimentos auferidos, com base na alínea b) do n.º 3 do artigo 5.º do CIRS, com a redação então em vigor, ou seja, deverá excluir da tributação 3/5 dos rendimentos em causa, com a natureza de outros rendimentos de capitais, que não com a natureza de “juros” devendo, portanto, proceder à tributação do valor de € 34.335,92 (€ 85.837,79 x 2/5), mas não poderá proceder à eliminação da dupla tributação jurídica internacional, ou seja, a tributação efetuada em França, Estado da fonte, no valor de € 6.437,79, competindo a este Estado a sua eliminação, a quem deve ser solicitado o reembolso pelos Requerentes. 

 

Do que acaba de se concluir, decorre não ser relevante sequer a exigência de documento da Administração Fiscal Francesa, nem para a qualificação do rendimento, nem para a concessão do pretendido crédito fiscal para eliminação da dupla tributação jurídica internacional.

 

E se dúvidas houvesse, deveria a AT utilizar o mecanismo da troca de informações para clarificar as suas dúvidas.

 

 

VII - DECISÃO

 

Por todo o exposto, devidamente fundamentado em termos do direito invocado, este Tribunal Singular decide:

 

  1. Conceder provimento parcial ao presente Recurso relativo à liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2010, n.º 2014 …, de 10/12/2014, no valor de € 27.203,50 com Demonstração de Acerto de Contas de que resultou a notificação do IRS a pagar de € 26.462,70, nos seguintes termos:

 

  1. Provimento na parte em que é de tributar apenas 2/5 do rendimento auferido em França e constante do Anexo J à declaração mod.3 do ano de 2010, como procederem os Requerentes, no valor de € 34.335,92 e não a totalidade do rendimento auferido de € 85.837,79, decaindo, nesta parte a Requerida em 60%;

 

  1. Com negação do provimento na parte em que não é de conceder o crédito de imposto de € 6.437,79 para eliminação da dupla tributação jurídica internacional, como bem entendeu a Requerida, decaindo nesta parte os Requerentes em 100%.

 

  1. Que face à Simulação aproximada do IRS final exigível, tendo em consideração o sentido da decisão referida nas anteriores alíneas, a Requerida decai em 65% e os Requerentes em 35%.

 

  1. Serem devidos juros indemnizatórios requeridos nas alegações finais, na medida em que não foram contestados pela Requerida, e, portanto, aceite pelo Tribunal, relativamente ao valor do IRS que indevidamente foi exigido aos Requerentes, face à liquidação final de IRS que vier a ser notificada aos Requerentes, e

 

  1. Ser devida indemnização a favor dos Requerentes, por prestação de garantia indevida, pelos fundamentos já expressos, na parte em que, em consequência do erro dos servições na correção ao rendimento constante do Anexo J à declaração de rendimentos mod.3 de IRS do ano de 2010, alterando-o indevidamente de € 34.335,92 para € 85.837,79, foi exigido IRS em excesso, face à liquidação de que vier a ser notificado, em cumprimento da presente decisão arbitral.

 

 

VI – DO VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor da ação em € 26.464,70, conforme resulta dos autos e dos documentos anexos, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A, n,º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

VII – DAS CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT e artigo 4.º da Tabela I do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, custas no valor de € 1.530,00 a pagar pelos Requerentes e Requerida, na parte em decaíram e na proporção calculada pelo Tribunal, conforme referido na alínea c) do n.º 1 da Decisão, ou seja, 65% a pagar pela Requerida e 35% pelos Requerentes.

 

Notifique-se as Partes.

 

Lisboa, 2 de dezembro de 2015.

                                                                       O Árbitro,

 

                       

                                                            (José Rodrigo de Castro)                 

 

 



[1] Juntos ao Processo Administrativo e aos autos.

[2] Sublinhado dos Requerentes

[3] Tradução livre da carta das autoridades fiscais francesas, junta às alegações.

[4] Sublinhado e negrito dos Requerentes.

[5] Consta deste mesmo Campo 408 que se excluem rendimentos dos campos 418 (Rendimentos da Diretiva da Poupança – Período Transitório), 422 (Rendimentos da Diretiva da Poupança), 423 (Outros rendimentos referidos no n.º 5 do art.º 72.º) e 424 (Rendimentos de capitais referidos no n.º 13 do art.º 71.º e n.º 11 do art.º 72.º do CIRS).

[6] Constando também deste mesmo Campo 423, que se excetuam deste campo os rendimentos dos campos 408 (juros), 418 (Rendimentos da Diretiva da Poupança, 420 (Dividendos ou lucros) e 422 (Rendimentos da Diretiva da Poupança

[7] Itálico do Tribunal

[8] No caso Portugal, por ser o Estado da residência do beneficiário)