Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 233/2015-T
Data da decisão: 2015-12-16  IRC  
Valor do pedido: € 61.943,28
Tema: IRC – Documentação de Despesas, NIF válido – Decisão interlocutória (em anexo à decisão).
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Álvaro José da Silva e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 02 de Abril de 2015, A… – …, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Av.ª …, nº. …, … Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC e de IVA, referentes ao exercício de 2010 (período entre 1 de Março de 2010 e 28 de Fevereiro de 2011), no montante total de €61.943,28.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que, “Ao entender, como o fez, que os encargos evidenciados nos documentos emitidos em 2010 pela Sociedade B… S.A. (ZFM) configurariam encargos, não dedutíveis para efeitos fiscais a AT aplicou sem fundamentação o estipulado no número 1 alínea b) do artº. 45º do CIRC assim como violou o nº.5 do mesmo preceito, ambos na redacção vigente até Dezembro de 2013” e que, relativamente às liquidações de IVA: “não se verificando os dois pressupostos mencionados no disposto no nº. 4 do artº. 19 do CIVA, não poderia ser posta em crise a dedutibilidade do imposto em causa.”.

 

  1. No dia 06-04-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 02-06-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 18-06-2015.

 

  1. No dia 04-09-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. Cumprido, previamente, o contraditório, no dia 29-09-2009 foi proferida decisão parcial, a considerar que os pedidos formulados relativamente às liquidações de IRC e de IVA não dependem da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, pelo que a cumulação dos correspondentes pedidos anulatórios se teve por violadora do disposto no artigo 3.º/1 do RJAT, não podendo ser, por isso, admitida, e a julgar, consequentemente, procedente a excepção de cumulação ilegal de pedidos, invocada pela AT.

 

  1. Mais se decidiu, no mesmo despacho, ao abrigo dos princípios da cooperação e do aproveitamento dos actos, corporizado no artigo 47.º/5 do CPTA, e tendo em conta a opção verbalizada pela Requerente no seu requerimento de 16-09-2015, que prosseguiriam os presentes autos para apreciação do pedido relativo à liquidação de IRC.

 

  1. No dia 30-10-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas. 

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades. 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-    A Requerente exercia, à data dos factos tributários, a actividade de comércio a retalho em estabelecimentos não especificados, sem predominância de produtos alimentares, bebidas e tabacos.

2-    Em sede de IRC estava, à data dos factos tributários, enquadrada no regime geral de tributação, sendo que o seu exercício económico se inicia a 01 de Março e termina a 28 ou 29 de Fevereiro do ano seguinte.

3-    A 24/03/2009 foi extinta a sociedade B…, …, S.A. (ZFM), (B…), com o NIPC …, mediante registo do encerramento da sua liquidação levada a efeito no âmbito do procedimento administrativo de dissolução instaurado oficiosamente pela Conservatória do Registo Comercial da Zona Franca da Madeira, com base na al. d) do artigo 5º do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março, conforme apresentação a registo da inscrição 3-AP. 7/20090324, publicada on line pelo Ministério da Justiça e consultável através do respectivo sítio na internet.

4-    A 24/03/2009 foi declarada a dissolução e o encerramento da liquidação da B…, com sede na Rua …, nº …, … – Funchal, decorrente do facto de a mesma não ter procedido ao aumento do seu capital para o mínimo legal, tudo no âmbito do processo administrativo iniciado a 09/12/2008.

5-    Na sequência comunicação pela CRC daquela extinção, a AT procedeu à cessação oficiosa da actividade da B…, para efeitos de IRC e de IVA, ao abrigo, respectivamente, da alínea a) do nº 5 do artigo 8º do CIRC e alínea b) do nº 1 e nº 2 do art. 34º do CIVA, com efeitos reportados àquela data, mediante recolha para o Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes a 18/08/2010.

6-    Ao abrigo da OI 2014…, de 01/08/2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Requerente foi objecto de uma acção inspectiva para análise interna ao exercício de 2010 (01/03/2010 a 28/02/2011), tendo em vista as facturas contabilizadas emitidas pela B… com data posterior à data da sua cessação, respeitantes à aquisição de mercadorias.

7-    Conforme projecto de correcções notificado em 08/10/2014, à Requerente por ofício nº …, 10/07/2014, concluiu-se, no procedimento de inspecção, o seguinte:

                                               i.         A sociedade B… extinguiu-se com o registo do encerramento da liquidação, o que ocorreu a 24/03/2009, nos termos do artigo 160º do CRC;

                                             ii.         Em sede de IRC a Requerente contabilizou encargos no montante global de €139.475,62, respeitantes a facturas emitidas pela B… após 24/03/2009, os quais foram considerados não dedutíveis por força do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 2º, al. a) do nº 5 e nº 6 do artigo 8º, e da al. b) do nº 1 do artigo 45º, todos do CIRC, pois com o encerramento da liquidação deixou de existir o sujeito passivo para efeitos daquele imposto;

                                           iii.         A colaboração da Requerente foi prestada mediante resposta ao ofício nº …, de 04/08/2014, sendo que os esclarecimentos prestados foram considerados não susceptíveis de afastar as conclusões alcançadas em sede de projecto de correcções.

8-    A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, ao abrigo do artigo 60º da LGT, o qual foi objecto de apreciação no relatório final notificado à Requerente a 06/11/2014.

9-    Na sequência, a 14/11/2014, foi a Requerente notificada da liquidação de IRC, ora controvertida.

10- Com data de 25/11/2014 a Requerente recebeu da AT as guias para liquidação adicional de IRC, e juros compensatórios, as quais pagou em 12/01/2015.

11- O …, …, SA iniciou as relações comerciais com a Entidade B…, …, SA no exercício de 2001, data em que validou o seu enquadramento fiscal, mediante meios disponibilizados pela Autoridade Tributária para esse efeito (nomeadamente identificação NIFS Portal Finanças).

12- Sendo que ao longo dos seguintes 10 anos, incluindo no seu exercício de 2010, levou a cabo uma grande quantidade de transacções com a B….

13- A Direcção Geral dos Impostos não disponibilizou a informação, reportada à data dos factos, relativa à situação cadastral da B…, no sentido de que esta se encontrasse nas condições do disposto na alínea b) do nº. 1 do art.º 45.º do CIRC, isto é, oficiosamente extintos, no ano em referência, nem a tempo de permitir que no exercício em questão pudessem ser corrigidos (“expurgados”) fiscalmente os referidos gastos no quadro 07 do MOD22.

14- Pelo que a Requerente desconhecia, aquando do seu exercício fiscal de 2010, e aquando da apresentação das respectivas declarações fiscais, os factos supra descritos nos pontos 3 a 5.

15- A ora Requerente, aquando da entrega da IES - Declaração Anual relativa ao exercício em referência – 2010 - mencionou no respectivo anexo P – recapitulativo de fornecedores, o montante de transacções efectuadas com esta entidade – NIF … no valor de €180.436,00 tendo sido “submetida com sucesso” – por conseguinte validada previamente como “declaração sem erros” - por parte da Autoridade Tributária. 

16- O Sistema Electrónico de Declarações valida o formato do NIPC/NIF, ou seja, testa o número e a ordem dos caracteres que o constituem.

17- A Requerente tem largos milhares de fornecedores com quem trabalha sendo de todo impraticável fazer a validação contributiva de cada um com uma periodicidade sucessiva razoável, ocorrendo tal validação aquando da “abertura” do fornecedor nos sistemas informáticos da Requerente, não lhe sendo possível aperceber-se da invalidade superveniente do NIF de qualquer fornecedor no momento do cumprimento das obrigações acessórias, excepto através do sistema disponibilizado pela AT.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, os factos dados como provados nos pontos 11 a 17 foram confirmados pelas testemunhas apresentadas que, não obstante serem funcionários da Requerente, ou com ela terem relações profissionais, depuseram de forma clara, precisa e isenta, de modo a não facultarem a formação de qualquer dúvida razoável, acerca da ocorrência do factos em questão.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Tendo sido, em sede de decisão parcial relativa à matéria de excepção, expurgada do presente processo arbitral a questão suscitada pela Requerente relativa a IVA, queda unicamente por dirimir a questão relativa a IRC.

            Relativamente a esta matéria, alega a Requerente, em suma, que a AT aplicou sem fundamentação o estipulado no número 1 alínea b) do artigo 45.º do CIRC, na redacção aplicável, assim como violou o nº. 5 do mesmo preceito.

            No âmbito do procedimento inspectivo realizado à Requerente, que redundou nas correcções em causa, a AT apurou que:

a.     A sociedade B… extinguiu-se com o registo do encerramento da liquidação, o que ocorreu a 24/03/2009, nos termos do artigo 160º do CRC;

b.     Em sede de IRC a Requerente contabilizou encargos no montante global de €139.475,62, respeitantes a facturas emitidas pela B… após 24/03/2009.

Face a tais factos, a AT considerou  o referido montante como não dedutível, com base no disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º, al. a) do n.º 5 e n.º 6 do artigo 8.º, e da al. b) do n.º 1 do artigo 45.º, todos do CIRC, entendendo que, com o encerramento da liquidação, deixou de existir sujeito passivo para efeitos daquele imposto.

            Vejamos, então.

 

*

            Dispõe o artigo 2.º/1/a) do CIRC aplicável:

“1 - São sujeitos passivos do IRC:

a) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português;”.

            Mais dispõe o artigo 8.º, n.ºs 5, al. a) e 6:

“5 - Para efeitos deste Código, a cessação da atividade ocorre:

a) Relativamente às entidades com sede ou direção efetiva em território português, na data do encerramento da liquidação, ou na data da fusão ou cisão, quanto às sociedades extintas em consequência destas, ou na data em que a sede e a direção efetiva deixem de se situar em território português, ou na data em que se verificar a aceitação da herança jacente ou em que tiver lugar a declaração de que esta se encontra vaga a favor do Estado, ou ainda na data em que deixarem de verificar-se as condições de sujeição a imposto; (...)

6 - Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de atividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma atividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial em condições de a exercer.”

            Por fim, dispõem os n.ºs 1/b, e 5 do artigo 45.º do mesmo Código:

“1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (...)

b) Os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º; (...)

5 - A Direção-Geral dos Impostos deve disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos relevante para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.”

 

*

            Conforme decorre da leitura do RIT, bem como da Resposta e Alegações apresentadas em sede arbitral, o entendimento sustentado pela AT nos autos assenta, essencialmente, no facto de a 24/03/2009 ter ocorrido o registo do encerramento da liquidação da B…, nos termos do artigo 160º do CRC, aplicando a tal circunstância o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, que afasta a dedutibilidade dos encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos:

a)    com número de identificação fiscal inexistente ou inválido; ou

b)    cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º.

Compulsada a fundamentação do acto tributário em crise, verifica-se que a AT não elucida se, em concreto, subsume a situação de facto à primeira ou segunda das hipóteses normativas contidas na al. b) do n.º 1 do artigo 45.º, acima discriminadas, fazendo, unicamente, uma remissão global para a alínea em questão.

Devidamente apreciados os factos trazidos a juízo, todavia, entende-se que não se demonstra nem uma, nem outra, das situações.

Com efeito, como se escreveu, por exemplo, no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07141/13[1], nestas situações, compete “à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação”, ou seja, os pressupostos da norma de que se pretende prevalecer, que, no caso, é a al. b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, aplicável.

Ora, não se demonstra nos autos que, à data do facto tributário (ou seja, durante o exercício de 2010 da Requerente) a B…:

a)    tivesse um número de identificação fiscal inexistente ou inválido; nem que

b)    tivesse sido declarada oficiosamente a cessação da respectiva actividade nos termos do n.º 6 do artigo 8.º.

Assim, e relativamente à primeira das referidas hipóteses, prova-se que:

a.     A IES da Requerente, incluindo as transacções efectuadas com a entidade  NIF …, foi sido “submetida com sucesso” no Sistema Electrónico de Declarações da AT;

b.      O Sistema Electrónico de Declarações testa o número e a ordem dos caracteres que o constituem.

Ou seja: não só não demonstra a AT que, no exercício da Requerente em questão (2010), o NIF da B… fosse inexistente ou inválido, como se demonstra, antes, que tal não acontecia, já que tendo tal NIF sido testado pelo Sistema Electrónico de Declarações da própria AT, foi o mesmo validado.

Por outro lado, não se demonstra também que no mesmo exercício em questão, tivesse sido declarada oficiosamente a cessação da respectiva actividade nos termos do n.º 6 do artigo 8.º. Com efeito, não consta do processo, quer administrativo quer arbitral, a declaração de cessão oficiosa da actividade da B…, e nem sequer foi alegado ou invocado que a mesma se deu até ao final do exercício de 2010 da Requerente.

Não obsta ao que se conclui, o disposto no artigo 8.º/5 do CIRC aplicável, invocado pela AT, do qual resulta, para além o mais e no que para o caso interessa, que a cessação da atividade ocorre (relativamente às entidades com sede ou direção efectiva em território português) na data do encerramento da liquidação, que, comprovadamente, se deu em 24/03/2009, na medida em que, na previsão normativa do artigo 45.º/1/b) do CIRC aplicável, não se reporta à cessação da actividade, mas à declaração oficiosa de cessação de actividade.

Deste modo, não se demonstrando, conforme era ónus que impendia sobre a AT, nenhum dos pressupostos alternativos da al. b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC aplicável, no qual se fundamenta o acto tributário sub iudice, deverá tal acto ser anulado, procedendo o pedido arbitral.

Em todo o caso, e mesmo que se entendesse de outra forma, sempre se haveria de, por outra via, concluir da mesma forma.

Com efeito, o referido artigo 45.º/1/b) do CIRC aplicável, como se viu, afasta a dedutibilidade dos encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos nas circunstâncias nele discriminadas.

A delimitação do âmbito de aplicação da norma, evidencia com clareza suficiente, crê-se, que a mesma se reporta, directamente, à exigência de documentação das despesas, nos mesmos termos que a alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, que consagra o princípio da não aceitabilidade dos “encargos não devidamente documentados”.

            Este princípio, como se sabe, tem sido compreendido pela jurisprudência de forma não absoluta, acolhendo-se antes o seu lado funcional ou instrumental em relação à exigência da comprovada indispensabilidade dos gastos.

             Nesta linha, tem-se entendido que a insuficiente documentação de um gasto, de per si, não acarreta a sua inaceitabilidade para efeitos da determinação do lucro tributável sujeito a IRC.

            Antes, tem entendido a jurisprudência que “Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”[2], bem como que “VIII) -Mas na eventualidade de se provar que a recorrente efectuou o pagamento de serviços efectivamente realizados e indispensáveis para a obtenção de proveitos, tem de aceitar-se que os respectivos custos não estão documentados por aquelas facturas, mas sim provados por outro meio admissível, nomeadamente através da prova testemunhal.

IX) -Assim, a ineficácia probatória da escrituração não impede o seu suprimento por outros meios de prova admitidos em direito e adequados a fundamentar a justeza do lançamento pela comprovação da operação comercial subjacente ao deficiente registo ou suporte documental desse registo contabilístico.”[3].

            Coerentemente, aceita-se que “Nas despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o art. 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a A.Fiscal tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.”[4].

            Isto porquanto “É no conceito de indispensabilidade ínsito no art.º 23º do CIRC que radica a questão essencial  da  consideração  fiscal  dos  custos  empresariais  e  que  assenta  o  a  distinção  fundamental  entre  o  custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do  interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso,  ser considerado custo.”[5].

            Tem-se entendido, assim, que, não obstante a ausência ou insuficiência da documentação formalmente exigida, não fica o contribuinte vedado de, por qualquer meio probatório admissível[6], demonstrar a existência e imprescindibilidade do gasto – esta sim, conditio sine qua non da sua relevância para a determinação do respectivo lucro tributável – inclusive em fase de recurso[7].

Com efeito, contrariamente ao que se passa no IVA (art. 36.º, n.º 5), no domínio do IRC as exigências relativas à documentação são menos apertadas, atento o distinto mecanismo de funcionamento do imposto, não só bastando, por isso, que o documento comprovativo explicite de forma clara, as principais características da operação, isto é, os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção, como admitindo-se mesmo que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito.

Não deixa de ser relevante, aliás, observar que na recente reforma do IRC o legislador tenha vindo a fixar exigências acrescidas nos documentos comprovativos, muito semelhantes às do IVA (cfr. artigo 23.º, n.º 4) o que permite inferir, por um lado, que estas exigências antes não existiam e, por outro, que tais exigências não eram – como não são – tão apertadas no IRC como no IVA.

            Ou seja, e em suma, da não documentação do custo, não decorre, ipso facto, a não dedutibilidade de tal custo, mas a necessidade de prova, “por outro meio admissível, nomeadamente através da prova testemunhal”, “de que as operações se realizaram efectivamente”[8]. Ora, salvo o respeito devido a outras opiniões, a al. b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC aplicável, deverá ser lida da mesma maneira que a al. g) do mesmo artigo, nos termos que se acabam de expor.

            Desse modo, senão por maioria, pelo menos por identidade de razão, os encargos evidenciados em documentosemitidos por sujeitos passivos nas circunstâncias nele discriminadas, apenas deverão, sempre ressalvada melhor opinião, ver a sua dedutibilidade afastada nos mesmos termos em que tal ocorre com as despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas, ou seja, apenas quando o contribuinte não lograr demonstrar, por qualquer outro meio de prova admissível, que as operações em causa se realizaram efectivamente.

            Ora, no caso, tal prova está feita, tendo resultado da prova testemunhal apresentada, e constando do ponto 15 da matéria de facto, que o montante de transacções efectuadas com a B… foi no valor de €180.436,00, constituindo tal, de resto, matéria que não é colocada em causa pela própria AT.

            Deste modo, e mesmo que se entendesse – o que não é o caso – que a previsão do artigo 45.º/1/b) do CIRC aplicável não se reporta a situações em que numa operação é utilizado um número de identificação fiscal, à data, inexistente ou inválido ou em que, também à data, tenha sido declarada oficiosamente a cessação da actividade do fornecedor, nos termos do n.º 6 do artigo 8.º do CIRC, sempre se haveria que considerar que, no caso, a irrelevância fiscal da documentação de encargos decorrente daquela alínea, estaria ultrapassada pela prova da realidade das transacções que foi efectuada.

            Deste modo, e por todo o exposto, enfermando o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro de direito, por errónea aplicação do artigo 45.º/1/b) do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário, deverá ser julgado procedente o pedido arbitral subsistente.

 

*

 

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência: 

a)    Anular a liquidação de IRC, e correspondente juros, referentes ao exercício de 2010 da Requerente (período entre 1 de Março de 2010 e 28 de Fevereiro de 2011), objecto do presente processo arbitral;

b)    Condenar a AT a restituir à Requerente os valores indevidamente pagos, por força de tal liquidação;

c)    Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em €636,00, o montante cargo da Requerente, e em €1.812,00, o montante cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 61.943,28, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, uma vez que, tendo em conta a pronúncia parcial relativamente à matéria de excepção, o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

16 de Dezembro de 2015

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Álvaro José da Silva)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 233/2015-T

Tema: Cumulação de pedidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Acordam os árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Álvaro José da Silva e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Encontra-se os presentes autos na fase subsequente à apresentação dos articulados pelas partes.

De uma forma geral, tem sido prática normal na tramitação dos processos arbitrais tributários relegar a apreciação das exceções que cumpra ao Tribunal conhecer, para a fase de prolação de decisão final.

Contudo, nos presentes autos, tendo em conta as especificidades da situação concreta, ao abrigo do princípio da livre condução do processo, afigura-se conveniente a este Tribunal emitir desde já pronúncia parcial limitada à questão de excepção suscitada nos autos pela AT.

 

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Para efeitos da presente decisão, consideram-se desde já assentes os seguintes factos:

1-    Em causa nos autos está a legalidade de liquidações de IVA e IRC relativas ao exercício de 2010 da Requerente.

       2-  Do Requerimento Inicial da Requerente consta, para além do mais, o seguinte:

i.   “Relativamente a liquidação de IRC: ”Ao entender, como o fez, que os encargos evidenciados nos documentos emitidos em 2010 pela B... S.A. (ZFM) configurariam encargos, não dedutíveis para efeitos fiscais a AT aplicou sem fundamentação o estipulado no número 1 alínea b) do art.º 45º do CIRC assim como violou o n.º 5 do mesmo preceito, ambos na redacção vigente até Dezembro de 2013” (artigo 37º); e

ii. Relativamente às liquidações de IVA: “Pelo que não se verificando os dois pressupostos mencionados no disposto no n.º 4 do art.º 19º do CIVA, não poderia ser posta em crise a dedutibilidade do imposto em causa.”.

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Os factos referidos decorrem da prova documental integrada nos autos.

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Argui a AT nos autos a excepção da cumulação ilegal de pedidos, “por não estarem reunidos os pressupostos do n.º 1 do art. 3.º do RJAT.” 

Já, ouvida para o efeito, por escrito, a Requerente sustenta, em suma, que:

“os pedidos de anulação das liquidações adicionais de IRC e IVA formulados nos autos assentam indubitavelmente na apreciação das mesmas circunstâncias de facto”,

- quer a apreciação em sede de IRC, quer de IVA, assentam no entendimento principal de que “as facturas emitidas em nome daquela sociedade, em data posterior à data em que ocorreu a extinção, não consubstanciam facturas emitidas por uma pessoa colectiva, nem tão pouco por uma pessoa singular, não se verificando assim a qualidade de sujeito passivo (.,.).”’; e que

- “a apreciação jurídica reconduz-se à análise da personalidade (tributária, “jurídica e judiciária”) da sociedade B... e da consequente (in)justificação das correções adicionais em sede de IRC e IVA”.

Ressalvado o respeito devido a opiniões contrárias, entende-se que no caso a razão pende para o lado da AT.

De facto, dispõe o art.° 3.º/1 do RJAT:

A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”.

Do preceito em causa resulta que são pressupostos da admissão da cumulação de pedidos, em sede do processo arbitral tributário, que a procedência dos pedidos dependa essencialmente:

a) da apreciação das mesmas circunstâncias de facto; e

b) da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Ora, ressalvada melhor opinião, não se pode considerar reunidos os referidos pressupostos.

Efectivamente, se se considera inquestionável que as circunstâncias de facto a apreciar são essencialmente as mesmas, não se poderá, contudo, concordar com a Requerente quando afirma que o mesmo acontece relativamente aos princípios ou regras de direito a aplicar.

Com efeito, e como resulta do próprio Requerimento inicial:

- o fundamento legal invocado para a anulação da liquidação de IRC é a violação dos números 1, alínea b), e 5, do artigo 45º do CIRC, na redacção vigente até Dezembro de 2013;

- o fundamento legal invocado para a anulação das liquidações de IVA é a violação do n.º 4 do artigo 19.º do CIVA.

Trata-se, assim, de fundamentos de Direito essencialmente distintos e, como tal, obstativos, nos termos em que o RJAT está redigido, à acumulação dos pedidos em questão.

Evidentemente que da identidade da situação de facto subjacente decorre uma identidade de fundamentos muito grande aos pedidos cumulados, mas o certo é que, nos termos da norma do artigo 3.º/1 do RJAT, tal não é bastante para que se admita a cumulação.

Assim sendo, não poderá deixar de se considerar que os pedidos formulados relativamente às liquidações de IRC e de IVA não dependem da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, pelo que a cumulação dos correspondentes pedidos anulatórios se tem por violadora do disposto no artigo 3.º/1 do RJAT, não podendo ser, por isso, admitida.

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Face ao exposto, e ao abrigo dos princípios da cooperação e do aproveitamento dos actos, corporizado no artigo 47.º/5 do CPTA, tendo em conta a opção verbalizada pela Requerente no seu requerimento de 16-09, prosseguirão os presentes autos para apreciação do pedido relativo à liquidação de IRC.

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Assim, pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Julgar procedente a excepção da cumulação ilegal de pedidos, e absolver a requerida da instância relativa aos pedidos anulatórios das liquidações de IVA identificadas no requerimento inicial;

b) Determinar o prosseguimento dos autos para apreciação da legalidade do pedido anulatório da liquidação de IRC identificada no requerimento inicial.

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No final da sua resposta, a AT afirma que “Deverá o valor da causa ser reduzido à respectiva utilidade económica, correspondente à importância de imposto e juros compensatórios controvertidos nos autos”.

Não lhe assiste, ressalvado também aqui o respeito devido, qualquer razão. Com efeito, como decorre do artigo 299.º/1 do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 29.º/1/e) do RJAT) “Na determinação do valor da causa, deve atender-se  ao momento em que a ação é proposta”.

Daí que a absolvição da instância declarada, tal como qualquer outra resultante da procedência de uma excepção dilatória, não tem qualquer repercussão no valor da causa.

Terá, isso sim, repercussão na repartição das custas do processo, que será fixada na decisão que venha a pôr termo àquele.

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Designa-se o dia 30-10-2015, pelas 14.00 horas, para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual terá lugar, além do mais, a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, que deverá assegurar a respectiva comparência.

 

Notifique-se.

Lisboa

25 de Setembro de 2015

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho – Relator)

 

O Árbitro Vogal

(Álvaro José da Silva)

 

O Árbitro Vogal

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como todos a restante jurisprudência doravante citada sem indicação de proveniência. 

[2] Ac. do STA de 05-07-2012, proferido no processo 0658/11. 

[3] Ac. do TCA-Sul, de 20-04-2010, proferido no processo 03632/09.

[4] Ac. do TCA-Sul, de 16-03-2005, proferido no processo 00340/03.

[5] Entre outros, Ac. do TCA-Sul de 30-01-2007, proferido no processo 01486/06.

[6] Cfr. neste sentido o Ac. do TCA-Sul de 01-06-2004, proferido no processo 06615/02.

[7] Neste sentido, cfr. Acs. do TCA-Sul de 27/01/2009 (processo 02576/08) e de 24/03/2009 (processo 02794/08).

[8] No mesmo sentido, no Ac. do TCA-Sul, de 20-04-2010, proferido no processo 03632/09, pode ler-se: “Assim, a ineficácia probatória da escrituração não impede o seu suprimento por outros meios de prova admitidos em direito e adequados a fundamentar a justeza do lançamento pela comprovação da operação comercial subjacente ao deficiente registo ou suporte documental desse registo contabilístico.”.