Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 308/2015-T
Data da decisão: 2017-03-13  IRC  
Valor do pedido: € 94.538,39
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos em IRC; indispensabilidade de custos
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Despacho Arbitral:

Na sequência do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 12 de Janeiro de 2017, já transitado em julgado, que declarou a anulação da decisão proferida nos presentes autos, impõe-se a prolação de nova decisão arbitral.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Fernando Araújo e Luísa Anacoreta, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

1.      No dia 14 de Maio de 2015, a contribuinte A…, S.A., com o NIPC … (doravante "Requerente"), com sede social na …, …-… …, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT", que actualmente vigora com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").

2.      Em tal requerimento, a Requerente solicita a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, relativas aos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, nos correspondentes montantes de €42.365,40, €22.807,86, €514,88, €28.285,31, e €564,94 (valores calculados por compensações n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, e 2014…, respectivamente).

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28 de Maio de 2015.

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação de tal encargo no prazo aplicável

5.      Em 3 de Agosto de 2015, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.

6.      O Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 18 de Agosto de 2015, em conformidade com o previsto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1 do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

7.      No pedido de pronúncia arbitral, por si oferecido, a Requerente invoca, em síntese:

 

a)      o procedimento inspectivo, desenvolvido em 2013 e relativo aos exercícios de 2005 a 2011, está ferido de ilicitude, por ter extravasado o seu objecto (abrangendo outros impostos que não apenas o IRC), e por violação dos arts. 15º e 36º, 2 e 3 do RCPITA, na medida em que não   foi comunicado à Requerente o teor do despacho de 19 de Agosto de 2013, que prorrogou o prazo da inspecção;

b)       o direito à liquidação relativo ao exercício de 2007 caducou, em virtude de, aquando da liquidação do imposto adicional, ter transcorrido já o prazo do direito à liquidação;.

c)      Dado que foi vedado, à Requerente, utilizar o prejuízo fiscal averbado, no exercício de 2008, para apuramento do lucro tributável nesse mesmo período, estará vedado igualmente proceder-se a uma liquidação de imposto adicional, sob pena de esta ficar inevitavelmente empolada, em consequência da desconsideração dos referidos prejuízos fiscais;

d)      Verificaram-se alguns lapsos na contabilização das despesas de transporte (o que levou a que a inspecção tributária classificasse os gastos como insuficientemente documentados); contudo, os lapsos identificados foram imediatamente corrigidos (tendo, por exemplo, uma deficiente contabilização de gastos em 2010 sido anulada em 2011), pelo que a insistência na tributação de realidades entretanto modificadas redundará numa dupla tributação dos mesmos factos em exercícios diferentes (naquele em que se encontravam originariamente e naquele para que transitaram) ou até no seio de um mesmo e único exercício (tributando-se uma realidade que havia sido entretanto anulada, por estar inscrita na rubrica errada, e a realidade que veio substituir aquela que foi anulada, já inserida na rubrica certa);

e)      também da indevida alegação, pela AT, de que inexiste documentação comprovativa da anulação, em 2012, de despesas de transporte indevidamente previstas em 2011, resulta uma dupla tributação, relativa aos mesmos factos, em dois exercícios distintos;

f)       até 18 de Outubro de 2007, o capital da sociedade Requerente era detido (de forma indirecta) por uma sociedade, com sede em Espanha - a Grupo B…-; na referida data, ocorreu uma alteração da estrutura societária, em consequência da aquisição da totalidade da A… pela sociedade Grupo B…, passando a existir, desde então, uma detenção total e directa da sociedade ora Requerente pela segunda sociedade. Não tendo ocorrido qualquer transmissão de domínio da Requerente para a esfera de outra entidade ou grupo económico, não se aplica a limitação estabelecida no art. 52 º, 8 (anterior art. 47º, 8) do CIRC, pelo que carece de fundamento a invocação de que uma modificação daquela titularidade inviabiliza o reporte, aos exercícios de 2007 e seguintes, de prejuízos fiscais acumulados que ascendiam a € 1.079.207,17;

g)      no que diz respeito à dedutibilidade dos pagamentos de serviços intra-grupo ("management fees") efectuados pela Requerente à Grupo B…, é de entender que o facto de as correcções devidas nos montantes indicados em 2009 e 2010 terem tido lugar apenas em 2010 e 2011, respectivamente, não interfere na correspondente dedutibilidade. Por outro lado, a regularidade e a indispensabilidade daquelas despesas resultam inequivocamente das próprias relações de grupo e das práticas de preços de transferência, e, conforme explicitado em direito de audição, encontram-se devidamente documentadas e correspondem ao acordado entre a Requerente e a Grupo B…, a sua "empresa-mãe" – não havendo, em suma, lugar à aplicação, seja do art. 23.º, seja do art. 45.º, ambos do CIRC, nem havendo razão para suspeitas de que as operações consistam numa mera descapitalização da Requerente a favor da sua "holding";

h)      por outro lado, a aplicação do art. 23.º do CIRC não é defensável, já que a questão dos "management fees" se enquadra exclusivamente no tema dos "preços de transferência", pautado normativamente pela matriz das "Orientações da OCDE", plasmada também na Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro;

i)       não se justifica a aplicação do art. 63º do CIRC, na medida em que não ocorreu qualquer violação de regras relativas a preços de transferência, como resulta do conteúdo dos Dossiers Fiscais de Preços de Transferência de 2009, 2010 e 2011 e da informação fornecida no exercício do direito de audição (informação injustificadamente desconsiderado pela AT na análise das relações de grupo entre a Requerente a sua "empresa-mãe");

j)       no que diz respeito às despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C…(uma cliente da Requerente), a AT deveria ter atendido ao preceituado no art. 77º, 3 da LGT e não, como fez, ao disposto no art. 23º do CIRC, atendendo a que a excepcionalidade da conjuntura económica afecta a comparabilidade objectiva em que assenta a aferição dos preços de transferência, pelo que foi incorrecto o critério adoptado pela AT quando não aceitou tais despesas para efeitos fiscais;

8.      A Requerente conclui, formulando pedidos no sentido:

a)      da anulação das liquidações adicionais de IRC respeitante aos exercícios de 2007 a 2011, identificadas na petição inicial;

b)      da anulação das correcções explanadas na petição inicial;

c)      da anulação dos juros compensatórios referentes às liquidações adicionais de IRC respeitante ao exercício de 2007 a 2011, identificadas na petição inicial;

d)      do reembolso das quantias retidas a título de crédito de IVA e devolução do montante pago - €3.587,11-, em virtude da prestação de garantia de forma a suspender os processos de execução fiscal instaurados contra a A…, por referência aos exercícios de 2007 a 2011;

e)      da atribuição à Requerente de juros moratórios em virtude do pagamento indevido das importâncias supra referidas.

9.      Em requerimento de 19 de Maio de 2015, a Requerente solicitou a junção de documentos ao processo, invocando que, por lapso, aqueles não tinham acompanhado adequadamente o pedido inicial.

10.  Usando da prerrogativa constante do art. 13.º do RJAT, a Requerida deferiu, parcialmente, a pretensão da Requerente, mediante revogação, em 9 de Julho de 2015, de parte dos actos tributários impugnados. No âmbito de tal decisão administrativa, a AT reconheceu razão ao SP: i) quanto às liquidações n.ºs 2014 … e 2014 …(correspondentes aos exercícios de 2007 e de 2008), por vício de forma, dado terem sido notificadas para além do prazo de caducidade; ii) quanto às despesas de transporte não devidamente documentadas, relativas aos anos de 2010 e de 2011, na medida em que considerou demonstrado - que das contas de gastos … e … não resultou qualquer distorção na tributação, tendo igualmente considerado não demonstrado - que do empolamento de gastos em 2010 e da sua minoração em 2011 não resultou qualquer vantagem fiscal (não sendo de efectuar o ajustamento correlativo no ano de 2011), bem como – que das contas de gastos … e … não resultou qualquer distorção na tributação e – que do empolamento de gastos em 2011 e da sua minoração em 2012 não resultou qualquer vantagem fiscal para o SP (não sendo de efectuar o ajustamento correlativo em 2012) e iii) quanto ao reporte de prejuízos apurados em exercícios anteriores a 2007, declarando que, tendo-se provado que, à data da aquisição da totalidade do capital social da reclamante, a adquirente era já detentora (por via indirecta – através da participação em 60% do capital social da sociedade D…, S.A.) em mais de 50% do seu capital), não há obstáculo para, em conformidade com o previsto no art. 52.º, n.º 8 do Código do IRC vigente à data dos factos, se proceder à dedução dos prejuízos gerados anteriormente à transmissão.

11.  Em requerimento de 12 de Agosto de 2015, a Requerente aceitou o referido acto de revogação, na medida em que dele decorre o reconhecimento da caducidade do direito de liquidação quanto às liquidações de 2007 e 2008, bem como a ilegalidade motivada pela não consideração de despesas de transporte e pela não consideração do reporte de prejuízos fiscais apurados nos exercícios anteriores a 2007. No mesmo requerimento, o SP declarou expressamente o seu interesse na continuação da lide, manifestando interesse em que o tribunal se pronuncie quanto à ilegalidade das liquidações correspondentes aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, decorrente das correcções efectuadas no que diz respeito aos management fees e às despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… . O SP conclui tal articulado formulando pedido no sentido do requerimento bem como no que respeita à parte não-revogada, que se reduz ao seguinte:

a)   A anulação das correcções não-revogadas;                       

b)   A anulação das liquidações adicionais delas resultantes, relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011;

c)   A anulação dos correspondentes juros compensatórios já calculados quantos ao período de 2007 a 2011;

d)  O reembolso das quantias retidas e das quantias pagas em prestação da garantia nos processos de execução fiscal conexos com os exercícios de 2007 a 2011;

e)   A atribuição à Requerente de juros moratórios emergentes das retenções e pagamentos indevidos.

12.  Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, foi a AT notificada, em 18 de Agosto de 2015, para apresentar resposta.

13.  A AT apresentou a sua resposta em 1 de Outubro de 2015, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, no sentido da total improcedência do pedido da Requerente no que respeita à parte não abrangida pela decisão de 9 de Julho de 2015, em síntese, o seguinte:

a)      Em conformidade com o teor do acto de revogação emitido em 9 de Julho de 2015, por uso da prerrogativa constante do art. 13.º do RJAT, reconhece-se que a Requerente tem razão em três pontos:

i)                   caducidade do direito à liquidação no que se refere aos exercícios de 2007 e 2008;

ii)                 dedutibilidade das despesas de transporte, reconhecendo-se a relevância e adequação da documentação apresentada;

iii)               possibilidade de reporte de prejuízos apurados em exercícios anteriores a 2007, por força da circunstância de ter ocorrido a comprovação de que a adquirente da totalidade do capital social da Requerente era já, à data da aquisição, detentora de mais de 50% desse capital, ainda que por via indirecta;

b)      não se reconhece razão à Requerente nos dois pontos restantes (quanto aos quais subsiste o litígio), correspondentes:

i)                   à dedutibilidade dos pagamentos das prestações de serviços intra-grupo ("management fees");

ii)                 à dedutibilidade das despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… .

c)      as alegações da Requerente convocam soluções que extravasam do âmbito da presente jurisdição arbitral, como por exemplo o pedido de reembolso / devolução de garantias prestadas no âmbito de processos de contra-ordenação e de execução fiscal, por se situarem muito para além da competência fixada pelo art. 2.º, 1 do RJAT (e pela Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi art. 4.º do RJAT;

d)      excede a competência do presente Tribunal apreciar directamente e, mais ainda, condenar, em matéria de processo de execução, ou de prestação de garantias, de compensações ou de penhoras no âmbito de tal processo;

e)      essa circunstância representa uma excepção dilatória, conducente à absolvição da instância quanto a tais pretensões, nos termos dos arts. 576.º, 2 e 577.º, a) do CPC, aplicável por força do art. 29º, 1 do RJAT;

f)       alguns documentos não foram juntos ao pedido inicial da Requerente, o que representa violação do disposto no art. 423.º do CPC;

g)       o procedimento inspectivo não enferma de qualquer ilegalidade, seja porque as suas conclusões não extravasaram das ordens de serviço que o originaram, seja porque quaisquer irregularidades de notificação foram sanadas por falta de reacção tempestiva da Requerente;

h)      quanto às correcções controvertidas, assinala-se (retomando o essencial dos argumentos constantes do Relatório da Inspecção Tributária) a impossibilidade de controlo dos movimentos financeiros registados nas rubricas de custos da contabilidade da Requerente (seja na sua materialidade, seja na sua correspondência com o regime contratual que liga a Requerente à sua "empresa mãe");

i)       o que se consegue apurar quanto a gastos efectivos é que muitos deles foram praticados no interesse da "empresa-mãe", e não da Requerente, não se preenchendo o requisito da indispensabilidade de tais gastos para a obtenção do lucro tributável;

j)       o mesmo se passa quanto às correcções relativas às despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias a clientes da C…, sendo que, no próprio processo inspectivo, a Requerente não respondeu às solicitações de prova quanto a essas despesas, de modo que permitisse um esclarecimento seguro e cabal;

k)      é de enfatizar a circunstância de que todas as deficiências informativas apontadas são de imputar à Requerente, pois é sobre esta que recaem os deveres acessórios de comprovação, de documentação e de contabilização, bem como o ónus da prova da indispensabilidade dos custos em causa, para efeitos da aplicação do art. 23.º do CIRC;

l)       carece de fundamento o entendimento da Requerente no sentido da aplicação do art. 63º do CIRC, em detrimento do art. 23º do CIRC; pelo contrário, o art. 23º é de aplicação genérica, abarcando as situações de "relações especiais" entre empresas, sendo que, quando muito, o art. 63º do CIRC só poderá restringir a dedutibilidade de custos (pois de outro modo perderia a sua vocação de norma anti-abuso), mas sempre numa posição de dependência lógica face à aplicabilidade do art. 23.º;

m)   quanto ao pedido da Requerente, relativo a juros, é de estranhar que tenham sido referidos juros moratórios, já que não houve incumprimento de qualquer decisão definitiva (art. 102º da LGT); não tendo sido pedidos juros indemnizatórios (arts. 43º e 100º da LGT), não podem estes ser concedidos, nem poderiam sê-lo, por não se descortinar erro imputável aos serviços, nem estarem preenchidos os pressupostos de aplicação do art. 43º, 1 da LGT.

14.  Mediante despacho arbitral de 4 de Outubro de 2015, concedeu-se à Requerente a oportunidade de se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida, o que a Requerente fez no requerimento apresentado em 7 de Outubro de 2015.

15.  Em requerimento apresentado em 7 de Outubro de 2015, a Requerente pronunciou-se sobre a arguição de omissão de documentos e sobre a matéria de excepção suscitada, na resposta, pela Requerida, sustentando, essencialmente:

15.1 que não ocorreu omissão de documentos, na medida em que todos foram devidamente juntos ao pedido inicial, sendo, além disso, já conhecidos da Requerida no âmbito do processo administrativo;

15.2 que a alegada ultrapassagem dos limites da jurisdição arbitral não ocorreu, visto que o que se pede é a anulação das liquidações, sendo que tudo o resto será mera decorrência de uma tal anulação. Trata-se de problemas conexos, mas não os centrais ou determinantes no litígio. Estes são os da legalidade das liquidações, na medida em que é deles que todos os outros dependem, pelo que os efeitos acabarão por produzir-se neles, sem necessidade de intervenção directa do Tribunal Arbitral, sem necessidade de ultrapassagem dos limites da sua competência.

 

16.  Por Despacho Arbitral de 15 de Outubro de 2015, foram as partes notificadas para comunicarem a sua opção quanto à natureza (escrita ou oral) das alegações, bem como da fixação da data de 17 de Fevereiro de 2016, como prazo limite para a prolação da Decisão Arbitral.

17.  Em requerimento de 16 de Outubro de 2015, a Requerente requereu a junção de nova documentação (referente a reclamação graciosa, entretanto apresentada, relativamente à liquidação de IRC para o exercício de 2013 e referente aos documentos de liquidação e acerto de contas enviados pela AT, com os valores rectificados em função da decisão de deferimento parcial da pretensão da Requerente, de 9 de Julho de 2015).

18.  A Requerida pronunciou-se quanto à referida apresentação de documentos, invocando a sua irrelevância para a decisão do objecto da causa. Salvaguardou de tal qualificação, porém, os docs. n.ºs 35 a 39 (relativos aos "management fees", em apreço no processo), não obstante quanto aos mesmos alegar a inidoneidade dos referidos documentos para infirmar a bondade das correcções efectuadas pela AT.

19.   Mediante Despacho Arbitral de 18 de Outubro de 2015, o Tribunal aceitou a junção desses documentos e afastou a existência de qualquer fundamento de intempestividade ou de sanção por atraso na apresentação de documentos, remetendo para o regime geral do art. 423º, 2 do CPC e solicitando da Requerente a junção da documentação não disponível na plataforma electrónica.

20.  Em requerimento de 22 de Outubro de 2015 a Requerente declarou optar por alegações escritas e requereu a junção de documentos alegadamente em falta, relativos ao alegado na petição inicial.

21.  Em Requerimento de 26 de Outubro de 2015, a Requerida manifestou interesse em produzir contra-alegações por escrito. Mais invocou a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral face àquilo que alega ser a pretensão de ampliação do pedido que, no seu entender, se conteria nos Requerimentos apresentados em 7 de Outubro e em 22 de Outubro de 2015.

22.  Em Despacho Arbitral de 29 de Outubro de 2015, o Tribunal pronunciou-se no sentido de não se ter descortinado qualquer pretensão de ampliação do pedido nos requerimentos da Requerente, bem como de que se cingiria, na sua decisão, à apreciação do âmbito objectivo do processo resultante do pedido inicial.

23.  Requerente e Requerida apresentaram, respectivamente, alegações e contra-alegações escritas, no prazo legal, mantendo, no essencial, as posições por si inicialmente defendidas.

 

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II- SANEAMENTO

 

24.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

25.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

26.  No que diz respeito ao pressuposto da competência, suscita, a Requerida, a incompetência do Tribunal em razão da matéria, por não se inserir no âmbito das suas competências “a apreciação de matéria relativa ao processo executivo, onde se enquadra a garantia prestada, ou a penhora, ou actos de compensação.”

Segundo a AT “(…) inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação”.

A Requerente pugna, em sentido oposto, pela competência do Tribunal para a apreciação dos seguintes pedidos:

a)       Reembolso das quantias retidas a título de crédito de IVA e devolução do montante pago - €3.587,11-, em virtude da prestação de garantia de forma a suspender os processos de execução fiscal instaurados contra a A…, por referência aos exercícios de 2007 a 2011;

b)       Direito a ser indemnizada[1] pelos “prejuízos resultantes da respectiva prestação indevida, nos termos dos artigos 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 171.º do CPPT” (cfr. artigos 51.º e 52.º da Pedido), em virtude do pagamento indevido das importâncias supra referidas.

Ante o exposto e em termos sintéticos, a questão que se coloca é a de saber se cabe na competência dos tribunais arbitrais a emissão de sentenças condenatórias em matéria de juros indemnizatórios e reembolso de quantias indevidamente pagas.

Cumpre decidir.

De acordo com o estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da RJAT (na esteira do preceituado no artigo 100.º do CPPT), deve a administração tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Este preceito está em sintonia com o estatuído no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT], que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deve entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se conforma com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, onde se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

Como ficou consignado, entre outros, no Acórdão Arbitral, de 16 de Outubro de 2013, emitido no processo n.º 28/2013-T, “O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (…)”.  

Por sua vez, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, “deve ser entendido”, conclui-se no referido acórdão, “como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral”.

Por tudo o que vai exposto, se a liquidação adicional controvertida for anulada com fundamento em ilegalidade, terá a Requerente direito ao reembolso das quantias retidas a título de crédito de IVA e devolução do montante pago (€3.587,11), em virtude da prestação de garantia, bem como direito ao pagamento de juros indemnizatórios, pois só assim pode ser restabelecida “(…) a situação que existiria se o acto tributário objecto de decisão arbitral não tivesse sido praticado” (neste sentido, cfr. o Acórdão arbitral de 24/11/2014, processo n.º 367/14-T).

      Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência material do tribunal.

27.  O processo não enferma de nulidades.

28.  Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que impeçam a apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

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III. MÉRITO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito (considerando-se, para o efeito, a sua delimitação tal como resultou configurada após a decisão revogatória de 9 de Julho de 2015), dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)      a ora Requerente (ou A…) foi constituída pelo Grupo E…, em 1999, resultado de uma parceria entre o Grupo E… e o Grupo F…, operando no sector dos tecidos para revestimento de componentes automóveis;

b)      desde 2007, a totalidade do capital social da A… é detida pelo Grupo B…, S.A.;

c)      no âmbito da política de diversificação do Grupo, em 2003, a A… introduziu uma nova linha de produção de tecido foamizado para tectos de automóveis;

d)      em 2008, verifica-se a separação da empresa do Grupo F…, tendo a A… assumido o negócio de produção de tecidos foamizados para a linha de tectos de automóveis;

e)      em 2010, a B…, em parceria com a G…, constituiu a C…, Lda., entidade participada em 50% por cada uma das referidas entidades. Esta entidade destinava-se ao desenvolvimento e centralização da actividade comercial das duas empresas accionistas;

f)       neste âmbito, a A… passou a vender os seus produtos por intermédio da C…, a qual os revendia para terceiros;

g)      em Abril de 2011, os sócios aprovaram a dissolução da C…, tendo a A… ficado, novamente, responsável pelas vendas directamente ao cliente final;

h)      durante o exercício de 2010 foi constituída uma sucursal da A… (a H…), localizada em Praga (República Checa), com objecto social idêntico ao da A…, mas abrangendo a produção da totalidade dos tecidos foamizados utilizados nos interiores dos veículos automóveis;

i)       durante o exercício de 2011, a A… decidiu descontinuar a actividade da sucursal, transferindo toda a actividade produtiva da mesma para a unidade de …;

j)       nos exercícios de 2005 a 2011, a ora Requerente registou gastos (nas rubricas “622991500 – ACESSORIA TÉCNICA GRUPO” e “622501500 – COMIS. GRUPO”), relativos a serviços prestados pela “empresa mãe” no valor global de 1.576.349,10€;

k)      os referidos gastos encontram-se suportados em documentos internos, registados a débito das respectivas rubricas de gastos e com a frequência média de um por mês, em contrapartida do crédito numa conta de terceiros “…– GRUPO E…”;

l)       os valores registados mensalmente eram considerados previsionais, porquanto seriam objecto de acerto em final de exercício por meio de “factura rectificativa” emitida pela “empresa mãe” e prestadora dos referidos serviços;

m)   neste documento eram feitas referências a facturas parciais emitidas ao longo do exercício, servindo este documento rectificativo para acerto no montante dos serviços prestados a debitar anualmente;

n)      durante o exercício de 2009, a A… efectuou, mensalmente, um registo contabilístico referente à sua provisão para gastos associados aos serviços prestados pelo Grupo, na rubrica 622991500 – Acessoria Técnica Grupo, por contrapartida da rubrica 228281500. Nos exercícios de 2010 e 2011, esses registos foram efectuados na rubrica 622501500 – Comissão Grupo, por contrapartida da rubrica 225601500;

o)      mediante a recepção das facturas mensais do Grupo, a A… registou nas rubricas 228281500, em 2009 e 225601500 – GRUPO E…, em 2010 e 2011, por contrapartida da 221411500 – GRUPO I…o valor constante da factura;

p)      no final de cada exercício, mediante o apuramento, pelo Grupo, do valor efectivamente incorrido na prestação dos serviços (custos da prestação dos serviços acrescidos de uma margem de 7%), foi enviada uma factura de acerto aos montantes já facturados. Mediante recepção desta, a A… procedeu ao respectivo lançamento nas respectivas rubricas de resultados;

q)      a “factura rectificativa”, para cada ano em causa, refere os serviços prestados como “según contrato de prestación de servicios entre las partes”, correspondendo o valor anual da prestação de serviços a 1% ou 2% do valor anual das vendas, consoante se trate do período 2005-2008 ou 2009-2011;

r)       relativamente aos contratos vigentes no período 2009 a 2011, de acordo com o estipulado na cláusula “E”, no seu ponto “i”, a “factura final/definitiva emitida no final de cada exercício”, deveria discriminar os serviços (prestados), bem como e, relativamente à forma de quantificação e valorização dos serviços em causa, de acordo com o estipulado nos anexos 1, 2 e 3, por remissão do contratualizado na cláusula “E”, no ponto “v” dos referidos contratos, “a base de cobrança” seria calculada com base nos “custos incorridos pela B… por cada serviço prestado, incluindo viagens e despesas correntes relacionadas com terceiros, recobrados segundo a taxa de custo adequada, acrescida de 7%.”;

s)      as correcções aos gastos totais por serviços (factura resultante do apuramento do final do exercício) referentes aos exercícios de 2009 e 2010, foram efectuados pela Requerente apenas nos exercícios de 2010 e 2011, respectivamente;

t)       a Requerente solicitou, junto da AT, o reembolso de pagamentos especiais por conta efectuados nos anos de 2005, 2006 e 2007 (no valor respectivamente de €20.847,92, €22.563,04, e €26.084,24) e não deduzidos nos 4 exercícios seguintes (2008, 2009, 2010 e 2011);

u)      na sequência de tal pedido, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspectivo relativo aos exercícios de 2005 a 2011, que durou de 14 de Março de 2013 a 25 de Novembro de 2013, dele resultando o projecto de relatório notificado à Requerente, por ofício de 27 de Novembro de 2013;

v)      a Requerente exerceu o direito de audição prévia em 16 de Dezembro de 2013, tendo aí manifestado discordância relativamente às correcções propostas quanto a gastos não devidamente documentados (seja despesas de transporte no montante de €319.259,24, seja "management fees" no montante de €1.576.349,10), a reporte de prejuízos fiscais apurados em exercícios anteriores a 2007 no montante de €1.079.207,17 e a gastos não aceites (despesas de transporte no montante de €769.585,00) –correcção ao valor tributável em sede de IRC, relativo aos exercícios de 2005 a 2011, que perfazia um montante global de €3.841.486,51;

w)    o contribuinte foi notificado para “caraterizar a natureza dos referidos gastos suportados, juntar eventuais documentos contratuais, identificar os meios de pagamento envolvidos, bem como demonstrar a respectiva indispensabilidade para a realização dos proveitos da empresa, nos termos do disposto no art. 23º do Código do IRC”;

x)      relativamente às características e natureza dos serviços adquiridos pela A… à “empresa mãe”, registados nas rubricas de gastos “622991500 – ACESSORIA TÉCNICA GRUPO” e “622501500 – COMIS. GRUPO”,  o SP  argumentou que se trata de serviços associados a actividades de suporte à actividade principal da A…, considerados indispensáveis à prossecução dos objectivos da empresa, tendo apresentado três contratos de prestação de serviços celebrados em 20 de Outubro de 1999, 1 de Agosto de 2009 e 1 de Janeiro de 2010, entre a B… e a A…(cfr. ponto II.3.7.2. do RIT) e referindo que a A… teria adquirido ao prestador e empresa mãe, C…, serviços de assistência e apoio ao nível da gestão financeira, administrativa e empresarial da empresa;

y)      para além dos acordos celebrados entre as partes, o contribuinte juntou cópia das facturas mensais relativas ao período analisado (2005 a 2011) que suportam os registos contabilísticos entre as contas do grupo (débito de “225601500 – GRUPO E…” por contrapartida de “221411500 – GRUPO I…”), emitidas pela B…, bem como cópias de emails trocados entre a “empresa mãe” e a A…, bem como de cópias de apontamentos de suporte das reuniões de trabalho relacionadas com funções de gestão e direcção havidas entre as partes;

z)      relativamente aos meios de pagamento envolvidos, apresentou um extracto de conta corrente “225601500 – GRUPO E…” que se apresenta com saldo nulo por contrapartida de “221411500 – GRUPO I…”;

aa)  na sequência dos contratos celebrados, o grupo B… obrigou-se a prestar o seguinte tipo de serviços à A…:

 

1.        Serviços de direcção geral

·         Captação de projectos junto dos construtores mundiais e negociação de todas as especificidades do projecto (i.e. volumes, valores, características técnicas e componentes do produto, requisitos de qualidade, condições logísticas e condições financeiras, entre outras). Alocação das diversas componentes de cada projecto às entidades produtoras do Grupo;

·         Gestão e definição de medidas de controlo de risco das empresas;

·         Prospecção e negociação das matérias-primas estratégicas (químicos e fios) utilizadas nos processos produtivos das fábricas. e

·         Apoio na área de recursos humanos, intervindo na definição de políticas salariais e de avaliação como meio para garantir que as unidades locais se encontram dotadas e retêm os meios humanos ideais à prossecução da sua actividade da forma mais eficiente e eficaz possível.

2.        Serviços financeiros, jurídicos, fiscais e serviços de tesouraria          

·         Prospecção e negociação das condições relativas às operações financeiras a serem contratualizadas pelas entidades do Grupo com as instituições financeiras;

·         Garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas pelas entidades do Grupo perante as instituições financeiras mediante a disponibilização de cartas de conforto/garantias;

·         Prospecção, negociação e subscrição de seguros (nomeadamente, multirriscos e de responsabilidade civil) para as entidades do Grupo, de entre elas a A…; e

·         Prestação de serviços legais.

3.        Serviços de apoio à Informática

Nestes serviços inclui-se a disponibilização de servidores, a manutenção destes e, bem assim, de todas as aplicações informáticas utilizadas pela A…, necessárias à sua actividade, nomeadamente, no que respeita, ao Business Planning and Control System (“BPCS”);

 

bb)  os gastos associados, pela Requerente, aos management fees, correspondem aos constantes do quadro seguinte:

 

ANO

CONTA

VALOR

2005

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

107.572,02 €

2006

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

124.911,71 €

2007

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

102.975,62 €

2008

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

164.593,64 €

2009

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

192.343,87 €

2010

622501500 - Comiss. Grupo

402.864,24 €

2011

622501500 - Comiss. Grupo

481.088,00 €

Total

1.576.349,10 €

 

 

cc)  tais gastos não foram aceites do ponto de vista fiscal, pelo que foram acrescidos ao resultado tributável dos respectivos exercícios;

dd)  a Requerente manifestou entender que tais gastos são indispensáveis ao exercício da sua actividade;

ee)  a Requerente contabilizou como gastos dos respectivos exercícios, na conta “625300003 – TRANSP. RODOVIAR. RI”, despesas suportadas com aquisição de serviços de transporte de mercadorias relativos à expedição de mercadorias desde as instalações do sujeito passivo com destino à morada dos clientes da C…;

ff)    entre Maio de 2010 e Abril de 2011, a A… relevou contabilisticamente os gastos de transporte no valor global de 769.585,00€, o que decorre de, nos exercícios de 2010 e 2011, os gastos associados à despesas de transporte com destino aos clientes da C…, terem ascendido a 310.230,00€ e 459.355,00, respectivamente;

gg)  notificado, o sujeito passivo, no âmbito do processo de inspecção, para, relativamente aos gastos com transporte de mercadorias desde as instalações do cliente C… até às instalações dos seus clientes, demonstrar a respectiva indispensabilidade para a realização dos proveitos da empresa, aquele argumentou que “de acordo com o que foi estabelecido na estrutura de custos, o custo de transporte para clientes já deve ser parte do preço de venda das unidades operacionais à C…”;

hh)  quando solicitado para demonstrar que os referidos gastos de transporte eram repercutidos nos preços de venda praticados nas transmissões com destino àquele cliente ou, na sua falta, o respectivo débito à C…, LDA, este alegou falta de “recursos internos suficientes” para dar resposta ao pedido efectuado;

ii)     na resposta, o SP arguiu que “de acordo com o que foi estabelecido na estrutura de custos, o custo de transporte para clientes já deve ser parte do preço de venda das unidades operacionais à C…”;

jj)     face à pronúncia da Requerente, as correcções relativas a "gastos não devidamente documentados – despesas de transporte" foram emendadas para um valor inferior (€182.924,38), comunicado à Requerente em 6 de Janeiro de 2014 no Relatório Final de Inspecção Tributária, em que o montante tributável passava para um total de €3.705.151,65;

kk)   a 18, 21, 22 e 25 de Janeiro de 2014, a Requerente foi notificada das demonstrações de acerto de contas e correspondentes liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios n.os 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, relativas aos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, nos montantes, respectivamente, de €42.365,40, €22.807,86, €514,88, €28.285,31 e €564,94 (montantes calculados por compensações n.os 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, e 2014…, respectivamente), tudo num total de €94.538,39;

ll)     em 15 de Julho de 2014 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra essas correcções e liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2007 a 2011 (pedindo a anulação dos correspondentes juros compensatórios e o reembolso das quantias utilizadas nas compensações de créditos, além de juros compensatórios por suspensão de reembolso de créditos de IVA);

mm)         a Requerente interpôs recurso hierárquico em 15 de Dezembro de 2014;

nn)  a Requerente foi ainda notificada da instauração de processos de execução fiscal, no seio dos quais, para apresentação de garantia idónea, propôs, e foi aceite, a compensação com créditos de reembolso de IVA, no montante total de €94.204,16, além da penhora de um bem móvel no valor de €20.000,00;

oo)  da compensação com créditos de reembolso de IVA resultou a extinção dos processos de execução relativos aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, remanescendo uma dívida de €3.587,11 (dos quais €2.999,03 relativos ao exercício de 2010 e €588,08 referentes ao exercício de 2011), cujo pagamento voluntário para extinção dos processo de execução fiscal foi requerido pela A…, tendo sido emitida pela Autoridade Tributária o modelo 50.

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa, designadamente os seguintes:
  2. que as despesas de transporte suportadas e registadas como gastos pela Requerente tenham sido reflectidas no preço dos produtos vendidos pela A… à C…;
  3. que a A… tenha procedido ao pagamento voluntário referido no facto provado na alínea oo), acima referenciada, apesar de terem sido emitidas as respectivas guias de pagamento.

*

§3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

  1. A factualidade provada teve por base a análise crítica do processo administrativo e dos demais documentos juntos aos autos, cujas autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, bem como as posições consensuais destas.

                                                                        *

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

  1. Considerando a acima referida revogação parcial de actos administrativos, realizada pela AT, em 9 de Julho de 2015, subsistem, como objecto de apreciação, no presente processo, apenas os pedidos de:

a) anulação dos actos tributários referentes às liquidações adicionais de IRC relativo aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, e respectivos juros compensatórios, por ilegalidade em virtude de:

a.1) se terem considerado não dedutíveis os pagamentos das prestações de serviços intra-grupo ("management fees") no valor de 1 576 349,10 € e de

a.2) se terem considerado não dedutíveis as despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… no valor de 769 585,00 €;

b) reembolso das quantias retidas a título de crédito de IVA e devolução do montante pago - €3.587,11-, em virtude da prestação de garantia de forma a suspender os processos de execução fiscal instaurados contra a A…, por referência aos exercícios de 2007 a 2011;

c) atribuição à Requerente de juros indemnizatórios em virtude do pagamento indevido das importâncias supra referidas.

            Considerar-se-á, com carácter sucessivo, cada um dos enunciados aspectos.

Cumpre apreciar.

 

a)                    Anulação dos actos tributários referentes às liquidações adicionais de IRC relativo aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, e respectivos juros compensatórios, por ilegalidade

 

a.1) ilegalidade com base em vícios de procedimento

 

A este propósito começa a Requerente por invocar que o procedimento inspectivo é ilegal, porque inicialmente foi-lhe comunicado que o procedimento de inspecção externa seria de âmbito parcial, sendo que, posteriormente, sem qualquer comunicação, o procedimento passou a abranger outros impostos, tendo sido efectuadas correcções em sede de imposto de selo. 

Em primeiro lugar, quanto ao âmbito, o procedimento de inspecção diz-se “parcial” quando “abranja apenas algum, ou alguns, tributos ou algum, ou algum, ou alguns, deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários” [alínea b) do n.º 1, do artigo 14.º do RCIT].

Assim sendo, nada impede que, sendo embora parcial, o procedimento inspectivo possa abranger mais do que um imposto, ponto é que não sejam violadas as garantias dos contribuintes.

Segundo a Requerida “as únicas correcções em discussão no presente processo são somente atinentes ao IRC, portanto perfeitamente dentro do âmbito previsto nas ordens de serviço que credenciaram a actuação da Administração Tributária aqui em análise”.

Adiante-se desde já que se afigura estar a razão do lado da AT.

Na verdade, qualquer alegada ilegalidade ou irregularidade, necessariamente de natureza procedimental, apenas se pode reflectir no acto final do respectivo procedimento inspectivo.

No caso dos autos, demonstrada a correspondência entre a ordem de serviço que serviu de base às correcções efectuadas no procedimento inspectivo relativo ao IRC, único imposto objecto de apreciação aqui em causa, não padece o procedimento inspectivo em análise do vício que lhe vem imputado. A verificar-se a alegada ilegalidade procedimental, esta apenas se poderá repercutir, quando muito, no acto final do procedimento inspectivo relativo ao Imposto de Selo.

 

            Alega também a Requerente falta ou insuficiência de fundamentação, porque notificada de um despacho de prorrogação do prazo da inspecção, não lhe foi dado conhecimento quanto ao conteúdo do mesmo, bem como dos concretos fundamentos que sustentaram a referida prorrogação.  

            Também aqui se afigura não assistir razão à Requerente, na medida em que confunde falta de fundamentação dos actos administrativos e comunicação aos interessados dos fundamentos que presidiram à emissão dos mesmos. Como bem argumenta a Requerida, segundo a jurisprudência do STA[2], não constitui requisito de validade dos actos administrativos a omissão da notificação dos respectivos fundamentos aos interessados, uma vez que a ordem jurídica oferece-lhes meios de que podem lançar mão quando a notificação dos actos não seja acompanhada da respectiva fundamentação.

No caso especial dos actos tributários, se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, pode o interessado lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º, n.º1, do CPPT e requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha.

Não o tendo a Requerente utilizado, em tempo oportuno, este mecanismo, terá de considerar-se sanada qualquer irregularidade que pudesse ter existido[3] .   

           

a.2) ilegalidade com base no facto de não se terem considerado dedutíveis os pagamentos das prestações de serviços intra-grupo ("management fees")

 

Relativamente aos “management fees” suportados pela Requerente e por ela reconhecidos como gastos, a Requerida coloca em causa duas questões essenciais à sua aceitação como custo fiscal. Por um lado, para serem fiscalmente dedutíveis, tais gastos deveriam cumprir o requisito de indispensabilidade. Por outro, uma vez ultrapassado o requisito da indispensabilidade,  deveriam estar comprovados com documentos emitidos nos termos legais.

Com efeito, de acordo com o estipulado no artigo 23º do Código do IRC (na versão em vigor à data de ocorrência dos factos), “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Tem sido amplamente debatida, quer pela doutrina, quer em vários acórdãos do CAAD, e bem assim de acórdãos de tribunais superiores, a questão da indispensabilidade dos gastos subjacente a esta norma, sendo já amplamente aceite (crf. processos 91/2012-T e 39/2013-T do CAAD, Acórdãos 049/11 e 0779/12 do STA, Acórdão 03369/09 do TCA Sul, entre outros) que tal questão deve ser entendida num quadro de nexo causal entre o gasto incorrido e o fim gestionário e económico da empresa que o suporta.

Expõe, em concreto, Acórdão 03369/09 do TCA Sul referindo-se a “os serviços técnicos e de gestão” adquiridos por um sujeito passivo a um empresa relacionada: “um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer, como se salienta no aresto cuja fundamentação vimos seguindo, que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.”

Acrescenta, ainda, o mesmo acórdão que é “no conceito de indispensabilidade ínsito no art.º 23.º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo. Este é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa - cfr. J. L. Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, pág. 214.”

Ainda sobre a mesma questão esclarece o Acórdão 049/11 do STA “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”

No caso sob judice, os gastos cuja indispensabilidade foi posta em causa pela Autoridade Tributária referem-se a serviços devidamente elencados de direcção geral, financeiros, jurídicos, fiscais e de tesouraria e, bem assim, de apoio à informática, conforme contratualmente estabelecido e materialmente exemplificado em inúmeros documentos como cópias de e-mails, apontamentos de suporte de reuniões de trabalho e resumos de despesas efectuadas. Atenta a relação de grupo estabelecida, considera-se comum e justificada a natureza dos serviços prestados e a sua concentração ao nível superior da relação de participações do Grupo. Com efeito, de acordo com as regras de experiência, a gestão de empresas exige actualmente, e por força de conjunturas agravadas, além de permanente acompanhamento e controlo, um conjunto diverso, amplo e, de certa forma, globalizado de serviços complementares. Não é razoável que numa relação de grupo, os últimos responsáveis pela gestão, que não coincidem necessariamente com os responsáveis de uma só entidade jurídica, não definam, não delimitem, não normalizem, não controlem, não centralizem um conjunto de serviços que em última análise mas de primeira importância estão no núcleo do sucesso económico da actividade da sociedade participada. O valor suportado pela Requerente correspondeu ao custo da prestação dos serviços apurado pelo Grupo acrescido de uma margem de 7%, prática que o Grupo aplica relativamente a outras associadas.

Existindo efectivamente os serviços, põe-se a questão de saber se os mesmos foram prestados no interesse do sócio da Requerente ou no interesse da própria Requerente.

Ora, como referido, os serviços em análise visam o acompanhamento e controlo da actividade da A…, a optimização da sua gestão, o seu sucesso económico, logo, em última análise, a maximização dos seus resultados. Se não fossem por ela adquiridos à empresa-mãe, teriam de o ser a entidades externas, subcontratando consultoria de gestão, ou internalizados, via contratação de colaboradores qualificados para o efeito. Entendeu a administração da empresa, exercendo o seu direito de autonomia e liberdade de gestão, que tais serviços seriam prestados pelo Grupo E…, celebrando, assim, contrato para o efeito. A opção pela contratualização dos serviços necessários à boa gestão com a empresa-mãe não significa que se pretenda descapitalizar a empresa portuguesa. Significa, sim, que a empresa, e também o Grupo que, igualmente, pretende a maximização do lucro das empresas que o constituem, optou por um modelo de controlo de gestão centralizado, hoje denominado vulgarmente por “serviços partilhados”. Assim, os custos suportados com a manutenção desse modelo, por serem indispensáveis à realização de rendimentos, pois são custos inerentes e necessários à gestão, principalmente nas condições de conjuntura económica actuais, devem ser considerados fiscalmente dedutíveis.

 

Passando agora para a questão da suporte documental dos gastos, refere a alínea h) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC (redacção à data) que “não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável (...)” “os encargos não devidamente documentados”.

Também sobre esta questão se encontra jurisprudência. Com efeito, o Acórdão do STA n.º 658/2011, por exemplo, explicita que o documento comprovativo e justificativo dos gastos para efeitos das normas do CIRC se limita a um “documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação”.

O suporte às operações intra-grupo suportadas pela Requerente consubstanciam-se nas facturas do Grupo B… bem como nos já referidos contratos celebrados entre as duas entidades que enumeram o conjunto de serviços de direcção geral, financeiros, jurídicos, fiscais, de tesouraria e de apoio informático prestados pelo Grupo à Requerente. Não obstante, as facturas (em concreto as facturas rectificativas) não cumprem um dos requisitos exigidos pelos contratos que é a discriminação os serviços prestados, limitando-se a uma remissão para o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes. Mas, a não observância deste requisito não induz que os serviços não ocorreram, induzindo apenas um menor rigor na aplicação dos procedimentos administrativos que regem os contratos. Nem induz, por outro lado, que não seja possível identificar os serviços prestados, pois os mesmos vêm elencados no contrato para o qual se remete.

As exigências formais em sede de comprovação de gastos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas, facto devidamente esclarecido em acórdãos superiores, como o acima citado. Não obstante, tais exigências não podem servir de presunção à não ocorrência de operações quando demais factos são suficientes para concluir pela sua observância. Assim, consideram-se cumpridos os requisitos de legalidade dos documentos de suporte aos serviços prestados.

 

 

a.3) ilegalidade com base no facto de se terem considerado não dedutíveis as despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… .

 

Chamando mais uma vez à análise o artigo 23.º do Código do IRC, refere a alínea b) do seu n.º 1, que se consideram gastos dedutíveis os “relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos” (sublinhado nosso).

Os gastos de transporte aqui referidos são os que possam resultar do transporte de matérias e mercadorias de fornecedores até às instalações do sujeito passivo, como aqueles que possam resultar do envio de mercadorias e produtos para os seus clientes, conforme condições entre as partes negociadas. É pressuposto racional a esta dedução de custos de transporte que o sujeito passivo conhece tempestivamente os custos envolvidos, o que pressupõe conhecer as partes e a localização de onde ou até onde se compromete a recolher ou enviar os bens.

É também racional assumir que o custo de transporte de produtos para clientes, ou por conta destes, é repercutido no preço de venda a esses clientes, o que fará oscilar o preço de venda em função da distância a percorrer, pelo menos quando a diversidade de distâncias assim o justifica. Não será desadequado assumir que o preço de venda inclui sempre o custo de transporte, quando não é relevante a diferentes distâncias a percorrer. Bastaria calcular o valor médio do transporte a acrescer aos custos que estão na base da formação do preço. O que parece difícil de crer é que uma empresa aceite suportar os custos de transporte para uma qualquer localização, quando ela não é parte da negociação entre comprador e vendedor dos produtos a transportar.

A Requerente reconheceu como gastos do exercício custos com transporte de produtos para as localizações do cliente do seu cliente (localizações dos clientes da C…). A Requerente não é parte do contrato de compra e venda entre a C… e os clientes desta. A Requerente desconhece, como tem que desconhecer, os termos de negociação entre a C… e os clientes desta. Dependendo da localização dos clientes da C…, a margem da requerente fica deteriorada, podendo-se até supor que o negócio não seria do seu interesse face aos custos que acarreta. Acresce que a Requerente não conseguiu demonstrar, sem apresentar justificação plausível, que no preço de venda dos produtos à C… está repercutido o custo de transporte para os clientes desta, apesar de ser esta a prática que invocou.  Não subsiste assim racionalidade económica na assunção de custos de transporte para clientes de um cliente. Racional seria que a Requerente suportasse custos de transporte até uma determinada localização (custos esses devidamente repercutidos no preço de venda) e que a partir desse local, os custos adicionais fossem assumidos pelo seu cliente, a C… . E que tal fosse negociado devidamente entre cada parte afectada. Tal não sucedeu e a Requerente não esclareceu suficientemente porque não, limitando-se a remeter a questão para análise em sede de preços de transferência, quando inicialmente tinha invocado e repercussão do custo de transporte no preço de venda.

Afigura-se que também não é possível afastar a irracionalidade económica dos gastos suportados em sede de preços de transferência.

Com efeito, conforme dispõe o artigo 63º do CIRC (à data), o regime fiscal dos preços de transferência limita-se a garantir que nas operações comerciais efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. Ora, pelo acima exposto, o que foi praticado indicia exactamente o contrário ao que seria celebrado entre partes independentes, no exercício normal das condições associadas à compra e venda.

Termos em que, por assistir razão à AT, neste aspecto, improcede, quanto ao mesmo, o pedido da Requerente. 

 

b)                   Dos pedidos de reembolso (das quantias retidas e do montante de imposto pago) e de juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona, ainda, a restituição das quantias retidas a título de crédito de IVA e o reembolso do montante pago (€3.587,11), e, ainda, juros indemnizatórios pelo pagamento indevido das referidas quantias.

Na sequência da ilegalidade do acto de liquidação há lugar a reembolso do imposto pago pelos Sujeitos Passivos, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, uma vez que tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

Decorre, por outro lado, do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". 

No caso dos autos, no que concerne aos juros indemnizatórios resulta claro que a ilegalidade parcial do acto de liquidação impugnado é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de errada interpretação da lei.

Consequentemente a Requerente teria igualmente direito a juros indemnizatórios, a ser pagos desde a data em que efectuou o respectivo pagamento do imposto em causa até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.

Note-se, porém, que, no caso em apreço, considerou-se apenas provado, na alínea nn) da matéria de facto fixada, que a Requerente propôs e “foi aceite a compensação com créditos de reembolso de IVA (…)”.

No que se refere ao montante do pagamento voluntário do imposto em falta, foi dado como não provado que a Requerente tenha efectivamente procedido ao pagamento voluntário da quantia indicada.

Com efeito, a este propósito, ficou somente provado, na alínea oo), da matéria de facto fixada, que aquele pagamento foi requerido “tendo sido emitida pela Autoridade Tributária o modelo 50".

Tal circunstância determina a improcedência do pedido de reembolso e de juros indemnizatórios.

O acabado de expor não prejudica, porém, os direitos que assistem à Requerente, em sede de execução de julgados (artigos 609.º, n.º 2, do CPC e 565.º do CCiv), desde que faça essa prova.

 

*

 

IV. Decisão

Nestes termos, o Tribunal decide:

a)      julgar improcedente a invocada excepção de incompetência material do Tribunal;

 

b)      absolver a ré da instância relativamente aos pedidos de anulação dos actos de liquidação adicional de imposto (IRC), correspondentes aos exercícios de 2007 e de 2008, bem como ao pedido de anulação do acto de liquidação dos juros compensatórios associados às mencionadas liquidações adicionais, por inutilidade superveniente da lide, na sequência da revogação oficiosa de tais actos;

 

c)      julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de imposto (IRC) e respectivos juros compensatórios, correspondentes aos exercícios de 2009 a 2011, salvo na parte correspondente à alegação do vício relativo à correcção de despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C…, no valor de €769 585,00, com a consequente anulação parcial;

 

d)      julgar improcedentes os pedidos relativos ao reembolso e juros indemnizatórios, sem prejuízo dos direitos que assistem à Requerente em sede de execução de julgados.

 

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 94.538,39, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) e no art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

*

 

VI. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em €2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar na proporção de decaimento em 69% a cargo da Requerente (€1.900,00, mil e novecentos euros) e 31% a cargo da AT (€854,00, oitocentos e cinquenta e quatro euros).

 

 

Lisboa, 13 de Março de 2017.

 

Os Árbitros

 

 

 

 Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

Luísa Anacoreta

 

Fernando Araújo

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral substituída pela decisão de 03 de março de 2017.

 

 

           

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Fernando Araújo e Luísa Anacoreta, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

1.      No dia 14 de Maio de 2015, a contribuinte A…, S.A., com o NIPC …(doravante "Requerente"), com sede social na …, …-… …, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT", que actualmente vigora com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").

2.      Em tal requerimento, a Requerente solicita a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, relativas aos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, nos correspondentes montantes de €42.365,40, €22.807,86, €514,88, €28.285,31, e €564,94 (valores calculados por compensações n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, e 2014…, respectivamente).

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28 de Maio de 2015.

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação de tal encargo no prazo aplicável

5.      Em 3 de Agosto de 2015, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.

6.      O Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 18 de Agosto de 2015, em conformidade com o previsto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1 do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

7.      No pedido de pronúncia arbitral, por si oferecido, a Requerente invoca, em síntese:

 

a)      o   procedimento inspectivo, desenvolvido em 2013 e relativo aos exercícios de 2005 a 2011, está ferido de ilicitude, por ter extravasado o seu objecto (abrangendo outros impostos que não apenas o IRC), e por violação dos arts. 15º e 36º, 2 e 3 do RCPITA, na medida em que não   foi comunicado à Requerente o teor do despacho de 19 de Agosto de 2013, que prorrogou o prazo da inspecção;

b)      o direito à liquidação relativo ao exercício de 2007 caducou, em virtude de, aquando da liquidação do imposto adicional, ter transcorrido já o prazo do direito à liquidação;.

c)      Dado que foi vedado, à Requerente, utilizar o prejuízo fiscal averbado, no exercício de 2008, para apuramento do lucro tributável nesse mesmo período, estará vedado igualmente proceder-se a uma liquidação de imposto adicional, sob pena de esta ficar inevitavelmente empolada, em consequência da desconsideração dos referidos prejuízos fiscais;

d)     Verificaram-se alguns lapsos na contabilização das despesas de transporte (o que levou a que a inspecção tributária classificasse os gastos como insuficientemente documentados); contudo, os lapsos identificados foram imediatamente corrigidos (tendo, por exemplo, uma deficiente contabilização de gastos em 2010 sido anulada em 2011), pelo que que a insistência na tributação de realidades entretanto modificadas redundará numa dupla tributação dos mesmos factos em exercícios diferentes (naquele em que se encontravam originariamente e naquele para que transitaram) ou até no seio de um mesmo e único exercício (tributando-se uma realidade que havia sido entretanto anulada, por estar inscrita na rubrica errada, e a realidade que veio substituir aquela que foi anulada, já inserida na rubrica certa);

e)      também da indevida alegação, pela AT, de que inexiste documentação comprovativa da anulação, em 2012, de despesas de transporte indevidamente previstas em 2011, resulta uma dupla tributação, relativa aos mesmos factos, em dois exercícios distintos;

f)       até 18 de Outubro de 2007, o capital da sociedade Requerente era detido (de forma indirecta) por uma sociedade, com sede em Espanha - a Grupo B…-; na referida data, ocorreu uma alteração da estrutura societária, em consequência da aquisição da totalidade da A… pela sociedade Grupo B…, passando a existir, desde então, uma detenção total e directa da sociedade ora Requerente pela segunda sociedade. Não tendo ocorrido qualquer transmissão de domínio da Requerente para a esfera de outra entidade ou grupo económico, não se aplica a limitação estabelecida no art. 52 º, 8 (anterior art. 47º, 8) do CIRC, pelo que carece de fundamento a invocação de que uma modificação daquela titularidade inviabiliza o reporte, aos exercícios de 2007 e seguintes, de prejuízos fiscais acumulados que ascendiam a € 1.079.207,17;

g)      no que diz respeito à dedutibilidade dos pagamentos de serviços intra-grupo ("management fees") efectuados pela Requerente à Grupo B…, é de entender que o facto de as correcções devidas nos montantes indicados em 2009 e 2010 terem tido lugar apenas em 2010 e 2011, respectivamente, não interfere na correspondente dedutibilidade. Por outro lado, a regularidade e a indispensabilidade daquelas despesas resultam inequivocamente das próprias relações de grupo e das práticas de preços de transferência, e, conforme explicitado em direito de audição, encontram-se devidamente documentadas e correspondem ao acordado entre a Requerente e a Grupo B…, a sua "empresa-mãe" – não havendo, em suma, lugar à aplicação, seja do art. 23.º, seja do art. 45.º, ambos do CIRC, nem havendo razão para suspeitas de que as operações consistam numa mera descapitalização da Requerente a favor da sua "holding";

h)     por outro lado, a aplicação do art. 23.º do CIRC não é defensável, já que a questão dos "management fees" se enquadra exclusivamente no tema dos "preços de transferência", pautado normativamente pela matriz das "Orientações da OCDE", plasmada também na Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro;

i)       não se justifica a aplicação do art. 63º do CIRC, na medida em que não ocorreu qualquer violação de regras relativas a preços de transferência, como resulta do conteúdo dos Dossiers Fiscais de Preços de Transferência de 2009, 2010 e 2011 e da informação fornecida no exercício do direito de audição (informação  injustificadamente desconsiderado pela AT na análise das relações de grupo entre a Requerente a sua "empresa-mãe");

j)       no que diz respeito às despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… (uma cliente da Requerente), a AT deveria ter atendido ao preceituado no art. 77º, 3 da LGT e não, como fez, ao disposto no art. 23º do CIRC, atendendo a que a excepcionalidade da conjuntura económica afecta a comparabilidade objectiva em que assenta a aferição dos preços de transferência, pelo que foi incorrecto o critério adoptado pela AT quando não aceitou tais despesas para efeitos fiscais;

8.      A Requerente conclui, formulando pedidos no sentido:

a)      da  anulação das liquidações adicionais de IRC respeitante aos exercícios de 2007 a 2011, identificadas na petição inicial;

b)      da anulação das correcções explanadas na petição inicial;

c)      da  anulação dos juros compensatórios referentes às liquidações adicionais de IRC respeitante ao exercício de 2007 a 2011, identificadas na petição inicial;

d)      do reembolso das quantias retidas a título de crédito de IVA e devolução do montante pago - €3.587,11-, em virtude da prestação de garantia de forma a suspender os processos de execução fiscal instaurados contra a A…, por referência aos exercícios de 2007 a 2011;

e)      da atribuição à Requerente de juros moratórios em virtude do pagamento indevido das importâncias supra referidas.

9.      Em requerimento de 19 de Maio de 2015, a Requerente solicitou a junção de documentos ao processo, invocando que, por lapso, aqueles não tinham acompanhado adequadamente o pedido inicial.

10.  Usando da prerrogativa constante do art. 13.º do RJAT, a Requerida deferiu, parcialmente, a pretensão da Requerente, mediante revogação, em 9 de Julho de 2015, de parte dos actos tributários impugnados. No âmbito de tal decisão administrativa, a AT reconheceu razão ao SP: i) quanto às liquidações n.ºs 2014 … e 2014 … (correspondentes aos exercícios de 2007 e de 2008), por vício de forma, dado terem sido notificadas para além do prazo de caducidade; ii) quanto às despesas de transporte não devidamente documentadas, relativas aos anos de 2010 e de 2011, na medida em que considerou demonstrado - que das contas de gastos 625300003 e 612100000 não resultou qualquer distorção na tributação, tendo igualmente considerado não demonstrado - que do empolamento de gastos em 2010 e da sua minoração em 2011 não resultou qualquer vantagem fiscal (não sendo de efectuar o ajustamento correlativo no ano de 2011), bem como – que das contas de gastos 625300003 e 625300000 não resultou qualquer distorção na tributação e – que do empolamento de gastos em 2011 e da sua minoração em 2012 não resultou qualquer vantagem fiscal para o SP (não sendo de efectuar o ajustamento correlativo em 2012) e iii) quanto ao reporte de prejuízos apurados em exercícios anteriores a 2007, declarando que, tendo-se provado que, à data da aquisição da totalidade do capital social da reclamante, a adquirente era já detentora (por via indirecta – através da participação em 60% do capital social da sociedade D…, S.A.) em mais de 50% do seu capital), não há obstáculo para, em conformidade com o previsto no art. 52.º, n.º 8 do Código do IRC vigente à data dos factos, se proceder à dedução dos prejuízos gerados anteriormente à transmissão.

11.  Em requerimento de 12 de Agosto de 2015, a Requerente aceitou o referido acto de revogação, na medida em que dele decorre o reconhecimento da caducidade do direito de liquidação quanto às liquidações de 2007 e 2008, bem como a ilegalidade motivada pela não consideração de despesas de transporte e pela não consideração do reporte de prejuízos fiscais apurados nos exercícios anteriores a 2007. No mesmo requerimento, o SP declarou expressamente o seu interesse na continuação da lide, manifestando interesse em que o tribunal se pronuncie quanto à ilegalidade das liquidações correspondentes aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, decorrente das correcções efectuadas no que diz respeito aos management fees e às despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… . O SP conclui tal articulado formulando pedido no sentido do requerimento bem como no que respeita à parte não-revogada, que se reduz ao seguinte:

a)   A anulação das correcções não-revogadas;                       

b)   A anulação das liquidações adicionais delas resultantes, relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011;

c)   A anulação dos correspondentes juros compensatórios já calculados quantos ao período de 2007 a 2011;

d)  O reembolso das quantias retidas e das quantias pagas em prestação da garantia nos processos de execução fiscal conexos com os exercícios de 2007 a 2011;

e)   A atribuição à Requerente de juros moratórios emergentes das retenções e pagamentos indevidos.

12.  Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, foi a AT notificada, em 18 de Agosto de 2015, para apresentar resposta.

13.  A AT apresentou a sua resposta em 1 de Outubro de 2015, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, no sentido da total improcedência do pedido da Requerente no que respeita à parte não abrangida pela decisão de 9 de Julho de 2015, em síntese, o seguinte:

a)      Em conformidade com o teor do acto de revogação emitido em 9 de Julho de 2015, por uso da prerrogativa constante do art. 13.º do RJAT, reconhece-se que a Requerente tem razão em três pontos:

i)                   caducidade do direito à liquidação no que se refere aos exercícios de 2007 e 2008;

ii)                 dedutibilidade das despesas de transporte, reconhecendo-se a relevância e adequação da documentação apresentada;

iii)               possibilidade de reporte de prejuízos apurados em exercícios anteriores a 2007, por força da circunstância de ter ocorrido a comprovação de que a adquirente da totalidade do capital social da Requerente era já, à data da aquisição, detentora de mais de 50% desse capital, ainda que por via indirecta;

b)      não se reconhece razão à Requerente nos dois pontos restantes (quanto aos quais subsiste o litígio), correspondentes:

i)                   à dedutibilidade dos pagamentos das prestações de serviços intra-grupo ("management fees");

ii)                 à dedutibilidade das despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… .

c)      as alegações da Requerente convocam soluções que extravasam do âmbito da presente jurisdição arbitral, como por exemplo o pedido de reembolso / devolução de garantias prestadas no âmbito de processos de contra-ordenação e de execução fiscal, por se situarem muito para além da competência fixada pelo art. 2.º, 1 do RJAT (e pela Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi art. 4.º do RJAT;

d)      excede a competência do presente Tribunal apreciar directamente e, mais ainda, condenar, em matéria de processo de execução, ou de prestação de garantias, de compensações ou de penhoras no âmbito de tal processo;

e)      essa circunstância representa uma excepção dilatória, conducente à absolvição da instância quanto a tais pretensões, nos termos dos arts. 576.º, 2 e 577.º, a ) do CPC, aplicável por força do art. 29º, 1 do RJAT;

f)       alguns documentos não foram juntos ao pedido inicial da Requerente, o que representa violação do disposto no art. 423.º do CPC;

g)       o procedimento inspectivo não enferma de qualquer ilegalidade, seja porque as suas conclusões não extravasaram das ordens de serviço que o originaram, seja porque quaisquer irregularidades de notificação foram sanadas por falta de reacção tempestiva da Requerente;

h)      quanto às correcções controvertidas, assinala-se (retomando o essencial dos argumentos constantes do Relatório da Inspecção Tributária) a impossibilidade de controlo dos movimentos financeiros registados nas rubricas de custos da contabilidade da Requerente (seja na sua materialidade, seja na sua correspondência com o regime contratual que liga a Requerente à sua "empresa mãe");

i)       o que se consegue apurar quanto a gastos efectivos é que muitos deles foram praticados no interesse da "empresa-mãe", e não da Requerente, não se preenchendo o requisito da indispensabilidade de tais gastos para a obtenção do lucro tributável;

j)       o mesmo se passa quanto às correcções relativas às despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias a clientes da C…, sendo que, no próprio processo inspectivo, a Requerente não respondeu às solicitações de prova quanto a essas despesas, de modo que permitisse um esclarecimento seguro e cabal;

k)      é de enfatizar a circunstância de que todas as deficiências informativas apontadas são de imputar à Requerente, pois é sobre esta que recaem os deveres acessórios de comprovação, de documentação e de contabilização, bem como o ónus da prova da indispensabilidade dos custos em causa, para efeitos da aplicação do art. 23.º do CIRC;

l)       carece de fundamento o entendimento da Requerente no sentido da aplicação do art. 63º do CIRC, em detrimento do art. 23º do CIRC; pelo contrário, o art. 23º é de aplicação genérica, abarcando as situações de "relações especiais" entre empresas, sendo que, quando muito, o art. 63º do CIRC só poderá restringir a dedutibilidade de custos (pois de outro modo perderia a sua vocação de norma anti-abuso), mas sempre numa posição de dependência lógica face à aplicabilidade do art. 23.º;

m)   quanto ao pedido da Requerente, relativo a juros, é de estranhar que tenham sido referidos juros moratórios, já que não houve incumprimento de qualquer decisão definitiva (art. 102º da LGT); não tendo sido pedidos juros indemnizatórios (arts. 43º e 100º da LGT), não podem estes ser concedidos, nem poderiam sê-lo, por não se descortinar erro imputável aos serviços, nem estarem preenchidos os pressupostos de aplicação do art. 43º, 1 da LGT.

14.  Mediante despacho arbitral de 4 de Outubro de 2015, concedeu-se à Requerente a oportunidade de se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida, o que a Requerente fez no requerimento apresentado em 7 de Outubro de 2015.

15.  Em requerimento apresentado em 7 de Outubro de 2015, a Requerente pronunciou-se sobre a arguição de omissão de documentos e sobre a matéria de excepção suscitada, na resposta, pela Requerida, sustentando, essencialmente:

15.1 que não ocorreu omissão de documentos, na medida em que todos foram devidamente juntos ao pedido inicial, sendo, além disso, já conhecidos da Requerida no âmbito do processo administrativo;

15.2 que a alegada ultrapassagem dos limites da jurisdição arbitral não ocorreu, visto que o que se pede é a anulação das liquidações, sendo que tudo o resto será mera decorrência de uma tal anulação. Trata-se de problemas conexos, mas não os centrais ou determinantes no litígio. Estes são os da legalidade das liquidações, na medida em que é deles que todos os outros dependem, pelo que os efeitos acabarão por produzir-se neles, sem necessidade de intervenção directa do Tribunal Arbitral, sem necessidade de ultrapassagem dos limites da sua competência.

 

16.  Por Despacho Arbitral de 15 de Outubro de 2015, foram as partes notificadas para comunicarem a sua opção quanto à natureza (escrita ou oral) das alegações, bem como da fixação da data de 17 de Fevereiro de 2016, como prazo limite para a prolação da Decisão Arbitral.

17.  Em requerimento de 16 de Outubro de 2015, a Requerente requereu a junção de nova documentação (referente a reclamação graciosa, entretanto apresentada, relativamente à liquidação de IRC para o exercício de 2013 e referente aos documentos de liquidação e acerto de contas enviados pela AT, com os valores rectificados em função da decisão de deferimento parcial da pretensão da Requerente, de 9 de Julho de 2015).

18.  A Requerida pronunciou-se quanto à referida apresentação de documentos, invocando a sua irrelevância para a decisão do objecto da causa. Salvaguardou de tal qualificação, porém, os docs. n.ºs 35 a 39 (relativos aos "management fees", em apreço no processo), não obstante quanto aos mesmos alegar a inidoneidade dos referidos documentos para infirmar a bondade das correcções efectuadas pela AT.

19.   Mediante Despacho Arbitral de 18 de Outubro de 2015, o Tribunal aceitou a junção desses documentos e afastou a existência de qualquer fundamento de intempestividade ou de sanção por atraso na apresentação de documentos, remetendo para o regime geral do art. 423º, 2 do CPC e solicitando da Requerente a junção da documentação não disponível na plataforma electrónica.

20.  Em requerimento de 22 de Outubro de 2015 a Requerente declarou optar por alegações escritas e requereu a junção de documentos alegadamente em falta, relativos ao alegado na petição inicial.

21.  Em Requerimento de 26 de Outubro de 2015, a Requerida manifestou interesse em produzir contra-alegações por escrito. Mais invocou a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral face àquilo que alega ser a pretensão de ampliação do pedido que, no seu entender, se conteria nos Requerimentos apresentados em 7 de Outubro e em 22 de Outubro de 2015.

22.  Em Despacho Arbitral de 29 de Outubro de 2015, o Tribunal pronunciou-se no sentido de não se ter descortinado qualquer pretensão de ampliação do pedido nos requerimentos da Requerente, bem como de que se cingiria, na sua decisão, à apreciação do âmbito objectivo do processo resultante do pedido inicial.

23.  Requerente e Requerida apresentaram, respectivamente, alegações e contra-alegações escritas, no prazo legal, mantendo, no essencial, as posições por si inicialmente defendidas.

 

***

 

II- SANEAMENTO

 

24.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

25.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

26.  No que diz respeito ao pressuposto da competência, suscita, a Requerida, a incompetência do Tribunal em razão da matéria, por não se inserir no âmbito das suas competências “a apreciação de matéria relativa ao processo executivo, onde se enquadra a garantia prestada, ou a penhora, ou actos de compensação.”

Segundo a AT “(…) inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação”.

A Requerente pugna, em sentido oposto, pela competência do Tribunal para a apreciação dos seguintes pedidos:

a)      Reembolso das quantias retidas a título de crédito de IVA e devolução do montante pago - €3.587,11-, em virtude da prestação de garantia de forma a suspender os processos de execução fiscal instaurados contra a A…, por referência aos exercícios de 2007 a 2011;

b)      Direito a ser indemnizada[4] pelos “prejuízos resultantes da respectiva prestação indevida, nos termos dos artigos 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 171.º do CPPT” (cfr. artigos 51.º e 52.º da Pedido), em virtude do pagamento indevido das importâncias supra referidas.

Ante o exposto e em termos sintéticos, a questão que se coloca é a de saber se cabe na competência dos tribunais arbitrais a emissão de sentenças condenatórias em matéria de juros indemnizatórios e reembolso de quantias indevidamente pagas.

Cumpre decidir.

De acordo com o estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da RJAT (na esteira do preceituado no artigo 100.º do CPPT), deve a administração tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Este preceito está em sintonia com o estatuído no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT], que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deve entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se conforma com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, onde se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

Como ficou consignado, entre outros, no Acórdão Arbitral, de 16 de Outubro de 2013, emitido no processo n.º 28/2013-T, “O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (…)”.  

Por sua vez, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, “deve ser entendido”, conclui-se no referido acórdão, “como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral”.

Por tudo o que vai exposto, se a liquidação adicional controvertida for anulada com fundamento em ilegalidade, terá a Requerente direito ao reembolso das quantias retidas a título de crédito de IVA e devolução do montante pago (€3.587,11), em virtude da prestação de garantia, bem como direito ao pagamento de juros indemnizatórios, pois só assim pode ser restabelecida “(…) a situação que existiria se o acto tributário objecto de decisão arbitral não tivesse sido praticado” (neste sentido, cfr. o Acórdão arbitral de 24/11/2014, processo n.º 367/14-T).

      Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência material do tribunal.

27.  O processo não enferma de nulidades.

28.  Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que impeçam a apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

***

 

III. MÉRITO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito (considerando-se, para o efeito, a sua delimitação tal como resultou configurada após a decisão revogatória de 9 de Julho de 2015), dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)      a ora Requerente (ou A…) foi constituída pelo Grupo E…, em 1999, resultado de uma parceria entre o Grupo E… e o Grupo F…, operando no sector dos tecidos para revestimento de componentes automóveis;

b)      desde 2007, a totalidade do capital social da A… é detida pelo B…, S.A.;

c)      no âmbito da política de diversificação do Grupo, em 2003, a A… introduziu uma nova linha de produção de tecido foamizado para tectos de automóveis;

d)      em 2008, verifica-se a separação da empresa do Grupo F…, tendo a A… assumido o negócio de produção de tecidos foamizados para a linha de tectos de automóveis;

e)      em 2010, a B…, em parceria com a G..., constituiu a C…, Lda., entidade participada em 50% por cada uma das referidas entidades. Esta entidade destinava-se ao desenvolvimento e centralização da actividade comercial das duas empresas accionistas;

f)       neste âmbito, a A… passou a vender os seus produtos por intermédio da C…, a qual os revendia para terceiros;

g)      em Abril de 2011, os sócios aprovaram a dissolução da C…, tendo a A… ficado, novamente, responsável pelas vendas directamente ao cliente final;

h)      durante o exercício de 2010 foi constituída uma sucursal da A… (a H…), localizada em Praga (República Checa), com objecto social idêntico ao da A…, mas abrangendo a produção da totalidade dos tecidos foamizados utilizados nos interiores dos veículos automóveis;

i)       durante o exercício de 2011, a A… decidiu descontinuar a actividade da sucursal, transferindo toda a actividade produtiva da mesma para a unidade de …;

j)       nos exercícios de 2005 a 2011, a ora Requerente registou gastos (nas rubricas “622991500 – ACESSORIA TÉCNICA GRUPO” e “622501500 – COMIS. GRUPO”), relativos a serviços prestados pela “empresa mãe” no valor global de 1.576.349,10€;

k)      os referidos gastos encontram-se suportados em documentos internos, registados a débito das respectivas rubricas de gastos e com a frequência média de um por mês, em contrapartida do crédito numa conta de terceiros “225601500 – GRUPO E…”;

l)       os valores registados mensalmente eram considerados previsionais, porquanto seriam objecto de acerto em final de exercício por meio de “factura rectificativa” emitida pela “empresa mãe” e prestadora dos referidos serviços;

m)   neste documento eram feitas referências a facturas parciais emitidas ao longo do exercício, servindo este documento rectificativo para acerto no montante dos serviços prestados a debitar anualmente;

n)      durante o exercício de 2009, a A… efectuou, mensalmente, um registo contabilístico referente à sua provisão para gastos associados aos serviços prestados pelo Grupo, na rubrica 622991500 – Acessoria Técnica Grupo, por contrapartida da rubrica 228281500. Nos exercícios de 2010 e 2011, esses registos foram efectuados na rubrica 622501500 – Comissão Grupo, por contrapartida da rubrica 225601500;

o)      mediante a recepção das facturas mensais do Grupo, a A… registou nas rubricas 228281500, em 2009 e 225601500 – GRUPO COPO, em 2010 e 2011, por contrapartida da 221411500 – GRUPO I… o valor constante da factura;

p)      no final de cada exercício, mediante o apuramento, pelo Grupo, do valor efectivamente incorrido na prestação dos serviços (custos da prestação dos serviços acrescidos de uma margem de 7%), foi enviada uma factura de acerto aos montantes já facturados. Mediante recepção desta, a A… procedeu ao respectivo lançamento nas respectivas rubricas de resultados;

q)      a “factura rectificativa”, para cada ano em causa, refere os serviços prestados como “según contrato de prestación de servicios entre las partes”, correspondendo o valor anual da prestação de serviços a 1% ou 2% do valor anual das vendas, consoante se trate do período 2005-2008 ou 2009-2011;

r)       relativamente aos contratos vigentes no período 2009 a 2011, de acordo com o estipulado na cláusula “E”, no seu ponto “i”, a “factura final/definitiva emitida no final de cada exercício”, deveria discriminar os serviços (prestados), bem como e, relativamente à forma de quantificação e valorização dos serviços em causa, de acordo com o estipulado nos anexos 1, 2 e 3, por remissão do contratualizado na cláusula “E”, no ponto “v” dos referidos contratos, “a base de cobrança” seria calculada com base nos “custos incorridos pela B… por cada serviço prestado, incluindo viagens e despesas correntes relacionadas com terceiros, recobrados segundo a taxa de custo adequada, acrescida de 7%.”;

s)      as correcções aos gastos totais por serviços (factura resultante do apuramento do final do exercício) referentes aos exercícios de 2009 e 2010, foram efectuados pela Requerente apenas nos exercícios de 2010 e 2011, respectivamente;

t)       a Requerente solicitou, junto da AT, o reembolso de pagamentos especiais por conta efectuados nos anos de 2005, 2006 e 2007 (no valor respectivamente de €20.847,92, €22.563,04, e €26.084,24) e não deduzidos nos 4 exercícios seguintes (2008, 2009, 2010 e 2011);

u)      na sequência de tal pedido, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspectivo relativo aos exercícios de 2005 a 2011, que durou de 14 de Março de 2013 a 25 de Novembro de 2013, dele resultando o projecto de relatório notificado à Requerente, por ofício de 27 de Novembro de 2013;

v)      a Requerente exerceu o direito de audição prévia em 16 de Dezembro de 2013, tendo aí manifestado discordância relativamente às correcções propostas quanto a gastos não devidamente documentados (seja despesas de transporte no montante de €319.259,24, seja "management fees" no montante de €1.576.349,10), a reporte de prejuízos fiscais apurados em exercícios anteriores a 2007 no montante de €1.079.207,17 e a gastos não aceites (despesas de transporte no montante de €769.585,00) –correcção ao valor tributável em sede de IRC, relativo aos exercícios de 2005 a 2011, que perfazia um montante global de €3.841.486,51;

w)    o contribuinte foi notificado para “caraterizar a natureza dos referidos gastos suportados, juntar eventuais documentos contratuais, identificar os meios de pagamento envolvidos, bem como demonstrar a respectiva indispensabilidade para a realização dos proveitos da empresa, nos termos do disposto no art. 23º do Código do IRC”;

x)      relativamente às características e natureza dos serviços adquiridos pela A… à “empresa mãe”, registados nas rubricas de gastos “622991500 – ACESSORIA TÉCNICA GRUPO” e “622501500 – COMIS. GRUPO”,  o SP  argumentou que se trata de serviços associados a actividades de suporte à actividade principal da A…, considerados indispensáveis à prossecução dos objectivos da empresa, tendo apresentado três contratos de prestação de serviços celebrados em 20 de Outubro de 1999, 1 de Agosto de 2009 e 1 de Janeiro de 2010, entre a B… e a A…(cfr. ponto II.3.7.2. do RIT) e referindo que a A… teria adquirido ao prestador e empresa mãe, B…, serviços de assistência e apoio ao nível da gestão financeira, administrativa e empresarial da empresa;

y)      para além dos acordos celebrados entre as partes, o contribuinte juntou cópia das facturas mensais relativas ao período analisado (2005 a 2011) que suportam os registos contabilísticos entre as contas do grupo (débito de “225601500 – GRUPO E…” por contrapartida de “221411500 – GRUPO I…”), emitidas pela B…, bem como cópias de emails trocados entre a “empresa mãe” e a A…, bem como de cópias de apontamentos de suporte das reuniões de trabalho relacionadas com funções de gestão e direcção havidas entre as partes;

z)      relativamente aos meios de pagamento envolvidos, apresentou um extracto de conta corrente “225601500 – GRUPO E…” que se apresenta com saldo nulo por contrapartida de “221411500 – GRUPO I…”;

aa)  na sequência dos contratos celebrados, o B… obrigou-se a prestar o seguinte tipo de serviços à A…:

 

1.        Serviços de direcção geral

·         Captação de projectos junto dos construtores mundiais e negociação de todas as especificidades do projecto (i.e. volumes, valores, características técnicas e componentes do produto, requisitos de qualidade, condições logísticas e condições financeiras, entre outras). Alocação das diversas componentes de cada projecto às entidades produtoras do Grupo;

·         Gestão e definição de medidas de controlo de risco das empresas;

·         Prospecção e negociação das matérias-primas estratégicas (químicos e fios) utilizadas nos processos produtivos das fábricas. e

·         Apoio na área de recursos humanos, intervindo na definição de políticas salariais e de avaliação como meio para garantir que as unidades locais se encontram dotadas e retêm os meios humanos ideais à prossecução da sua actividade da forma mais eficiente e eficaz possível.

2.        Serviços financeiros, jurídicos, fiscais e serviços de tesouraria          

·         Prospecção e negociação das condições relativas às operações financeiras a serem contratualizadas pelas entidades do Grupo com as instituições financeiras;

·         Garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas pelas entidades do Grupo perante as instituições financeiras mediante a disponibilização de cartas de conforto/garantias;

·         Prospecção, negociação e subscrição de seguros (nomeadamente, multirriscos e de responsabilidade civil) para as entidades do Grupo, de entre elas a A…; e

·         Prestação de serviços legais.

3.        Serviços de apoio à Informática

Nestes serviços inclui-se a disponibilização de servidores, a manutenção destes e, bem assim, de todas as aplicações informáticas utilizadas pela A…, necessárias à sua actividade, nomeadamente, no que respeita, ao Business Planning and Control System (“BPCS”);

 

bb)  os gastos associados, pela Requerente, aos management fees, correspondem aos constantes do quadro seguinte:

 

ANO

CONTA

VALOR

2005

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

107.572,02 €

2006

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

124.911,71 €

2007

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

102.975,62 €

2008

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

164.593,64 €

2009

622991500 - Acessoria Técnica Grupo

192.343,87 €

2010

622501500 - Comiss. Grupo

402.864,24 €

2011

622501500 - Comiss. Grupo

481.088,00 €

Total

1.576.349,10 €

 

 

cc)  tais gastos não foram aceites do ponto de vista fiscal, pelo que foram acrescidos ao resultado tributável dos respectivos exercícios;

dd)  a Requerente manifestou entender que tais gastos são indispensáveis ao exercício da sua actividade;

ee)  a Requerente contabilizou como gastos dos respectivos exercícios, na conta “625300003 – TRANSP. RODOVIAR. RI”, despesas suportadas com aquisição de serviços de transporte de mercadorias relativos à expedição de mercadorias desde as instalações do sujeito passivo com destino à morada dos clientes da C…;

ff)    entre Maio de 2010 e Abril de 2011, a A… relevou contabilisticamente os gastos de transporte no valor global de 769.585,00€, o que decorre de, nos exercícios de 2010 e 2011, os gastos associados à despesas de transporte com destino aos clientes da C…, terem ascendido a 310.230,00€ e 459.355,00, respectivamente;

gg)  notificado, o sujeito passivo, no âmbito do processo de inspecção, para, relativamente aos gastos com transporte de mercadorias desde as instalações do cliente C… até às instalações dos seus clientes, demonstrar a respectiva indispensabilidade para a realização dos proveitos da empresa, aquele argumentou que “de acordo com o que foi estabelecido na estrutura de custos, o custo de transporte para clientes já deve ser parte do preço de venda das unidades operacionais à C…”;

hh)  quando solicitado para demonstrar que os referidos gastos de transporte eram repercutidos nos preços de venda praticados nas transmissões com destino àquele cliente ou, na sua falta, o respectivo débito à C…, LDA, este alegou falta de “recursos internos suficientes” para dar resposta ao pedido efectuado;

ii)     na resposta, o SP arguiu que “de acordo com o que foi estabelecido na estrutura de custos, o custo de transporte para clientes já deve ser parte do preço de venda das unidades operacionais à C…”;

jj)     face à pronúncia da Requerente, as correcções relativas a "gastos não devidamente documentados – despesas de transporte" foram emendadas para um valor inferior (€182.924,38), comunicado à Requerente em 6 de Janeiro de 2014 no Relatório Final de Inspecção Tributária, em que o montante tributável passava para um total de €3.705.151,65;

kk)   a 18, 21, 22 e 25 de Janeiro de 2014, a Requerente foi notificada das demonstrações de acerto de contas e correspondentes liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios n.os 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, relativas aos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, nos montantes, respectivamente, de €42.365,40, €22.807,86, €514,88, €28.285,31 e €564,94 (montantes calculados por compensações n.os 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, e 2014…, respectivamente), tudo num total de €94.538,39;

ll)     em 15 de Julho de 2014 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra essas correcções e liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2007 a 2011 (pedindo a anulação dos correspondentes juros compensatórios e o reembolso das quantias utilizadas nas compensações de créditos, além de juros compensatórios por suspensão de reembolso de créditos de IVA);

mm)    a Requerente interpôs recurso hierárquico em 15 de Dezembro de 2014;

nn)  a Requerente foi ainda notificada da instauração de processos de execução fiscal, no seio dos quais, para apresentação de garantia idónea, propôs, e foi aceite, a compensação com créditos de reembolso de IVA, no montante total de €94.204,16, além da penhora de um bem móvel no valor de €20.000,00;

oo)  da compensação com créditos de reembolso de IVA resultou a extinção dos processos de execução relativos aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, remanescendo uma dívida de €3.587,11 (dos quais €2.999,03 relativos ao exercício de 2010 e €588,08 referentes ao exercício de 2011), cujo pagamento voluntário para extinção dos processo de execução fiscal foi requerido pela A…, tendo sido emitida pela Autoridade Tributária o modelo 50.

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa, designadamente os seguintes:
  2. que as despesas de transporte suportadas e registadas como gastos pela Requerente tenham sido reflectidas no preço dos produtos vendidos pela A… à C…;
  3. que a A… tenha procedido ao pagamento voluntário referido no facto provado na alínea oo), acima referenciada, apesar de terem sido emitidas as respectivas guias de pagamento.

*

§3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

  1. A factualidade provada teve por base a análise crítica do processo administrativo e dos demais documentos juntos aos autos, cujas autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, bem como as posições consensuais destas.

                                                                        *

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

  1. Considerando a acima referida revogação parcial de actos administrativos, realizada pela AT, em 9 de Julho de 2015, subsistem, como objecto de apreciação, no presente processo, apenas os pedidos de:

a) anulação dos actos tributários referentes às liquidações adicionais de IRC relativo aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, e respectivos juros compensatórios, por ilegalidade em virtude de:

a.1) se terem considerado não dedutíveis os pagamentos das prestações de serviços intra-grupo ("management fees") no valor de 1 576 349,10 € e de

a.2) se terem considerado não dedutíveis as despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… no valor de 769 585,00 €;

b) reembolso das quantias retidas a título de crédito de IVA e devolução do montante pago - €3.587,11-, em virtude da prestação de garantia de forma a suspender os processos de execução fiscal instaurados contra a A…, por referência aos exercícios de 2007 a 2011;

c) atribuição à Requerente de juros indemnizatórios em virtude do pagamento indevido das importâncias supra referidas.

            Considerar-se-á, com carácter sucessivo, cada um dos enunciados aspectos.

Cumpre apreciar.

 

a)                    Anulação dos actos tributários referentes às liquidações adicionais de IRC relativo aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, e respectivos juros compensatórios, por ilegalidade

 

a.1) ilegalidade com base em vícios de procedimento

 

A este propósito começa a Requerente por invocar que o procedimento inspectivo é ilegal, porque inicialmente foi-lhe comunicado que o procedimento de inspecção externa seria de âmbito parcial, sendo que, posteriormente, sem qualquer comunicação, o procedimento passou a abranger outros impostos, tendo sido efectuadas correcções em sede de imposto de selo. 

Em primeiro lugar, quanto ao âmbito, o procedimento de inspecção diz-se “parcial” quando “abranja apenas algum, ou alguns, tributos ou algum, ou algum, ou alguns, deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários” [alínea b) do n.º 1, do artigo 14.º do RCIT].

Assim sendo, nada impede que, sendo embora parcial, o procedimento inspectivo possa abranger mais do que um imposto, ponto é que não sejam violadas as garantias dos contribuintes.

Segundo a Requerida “as únicas correcções em discussão no presente processo são somente atinentes ao IRC, portanto perfeitamente dentro do âmbito previsto nas ordens de serviço que credenciaram a actuação da Administração Tributária aqui em análise”.

Adiante-se desde já que se afigura estar a razão do lado da AT.

Na verdade, qualquer alegada ilegalidade ou irregularidade, necessariamente de natureza procedimental, apenas se pode reflectir no acto final do respectivo procedimento inspectivo.

No caso dos autos, demonstrada a correspondência entre a ordem de serviço que serviu de base às correcções efectuadas no procedimento inspectivo relativo ao IRC, único imposto objecto de apreciação aqui em causa, não padece o procedimento inspectivo em análise do vício que lhe vem imputado. A verificar-se a alegada ilegalidade procedimental, esta apenas se poderá repercutir, quando muito, no acto final do procedimento inspectivo relativo ao Imposto de Selo.

 

            Alega também a Requerente falta ou insuficiência de fundamentação, porque notificada de um despacho de prorrogação do prazo da inspecção, não lhe foi dado conhecimento quanto ao conteúdo do mesmo, bem como dos concretos fundamentos que sustentaram a referida prorrogação.  

            Também aqui se afigura não assistir razão à Requerente, na medida em que confunde falta de fundamentação dos actos administrativos e comunicação aos interessados dos fundamentos que presidiram à emissão dos mesmos. Como bem argumenta a Requerida, segundo a jurisprudência do STA[5], não constitui requisito de validade dos actos administrativos a omissão da notificação dos respectivos fundamentos aos interessados, uma vez que a ordem jurídica oferece-lhes meios de que podem lançar mão quando a notificação dos actos não seja acompanhada da respectiva fundamentação.

No caso especial dos actos tributários, se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, pode o interessado lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º, n.º1, do CPPT e requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha.

Não o tendo a Requerente utilizado, em tempo oportuno, este mecanismo, terá de considerar-se sanada qualquer irregularidade que pudesse ter existido[6] .   

           

a.2) ilegalidade com base no facto de não se terem considerado dedutíveis os pagamentos das prestações de serviços intra-grupo ("management fees")

 

Relativamente aos “management fees” suportados pela Requerente e por ela reconhecidos como gastos, a Requerida coloca em causa duas questões essenciais à sua aceitação como custo fiscal. Por um lado, para serem fiscalmente dedutíveis, tais gastos deveriam cumprir o requisito de indispensabilidade. Por outro, uma vez ultrapassado o requisito da indispensabilidade, deveriam estar comprovados com documentos emitidos nos termos legais.

Com efeito, de acordo com o estipulado no artigo 23º do Código do IRC (na versão em vigor à data de ocorrência dos factos), “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Tem sido amplamente debatida, quer pela doutrina, quer em vários acórdãos do CAAD, e bem assim de acórdãos de tribunais superiores, a questão da indispensabilidade dos gastos subjacente a esta norma, sendo já amplamente aceite (crf. processos 91/2012-T e 39/2013-T do CAAD, Acórdãos 049/11 e 0779/12 do STA, Acórdão 03369/09 do TCA Sul, entre outros) que tal questão deve ser entendida num quadro de nexo causal entre o gasto incorrido e o fim gestionário e económico da empresa que o suporta.

Expõe, em concreto, Acórdão 03369/09 do TCA Sul referindo-se a “os serviços técnicos e de gestão” adquiridos por um sujeito passivo a um empresa relacionada: “um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer, como se salienta no aresto cuja fundamentação vimos seguindo, que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.”

Acrescenta, ainda, o mesmo acórdão que é “no conceito de indispensabilidade ínsito no art.º 23.º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo. Este é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa - cfr. J. L. Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, pág. 214.”

Ainda sobre a mesma questão esclarece o Acórdão 049/11 do STA “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”

No caso sob judice, os gastos cuja indispensabilidade foi posta em causa pela Autoridade Tributária referem-se a serviços devidamente elencados de direcção geral, financeiros, jurídicos, fiscais e de tesouraria e, bem assim, de apoio à informática, conforme contratualmente estabelecido e materialmente exemplificado em inúmeros documentos como cópias de e-mails, apontamentos de suporte de reuniões de trabalho e resumos de despesas efectuadas. Atenta a relação de grupo estabelecida, considera-se comum e justificada a natureza dos serviços prestados e a sua concentração ao nível superior da relação de participações do Grupo. Com efeito, de acordo com as regras de experiência, a gestão de empresas exige actualmente, e por força de conjunturas agravadas, além de permanente acompanhamento e controlo, um conjunto diverso, amplo e, de certa forma, globalizado de serviços complementares. Não é razoável que numa relação de grupo, os últimos responsáveis pela gestão, que não coincidem necessariamente com os responsáveis de uma só entidade jurídica, não definam, não delimitem, não normalizem, não controlem, não centralizem um conjunto de serviços que em última análise mas de primeira importância estão no núcleo do sucesso económico da actividade da sociedade participada. O valor suportado pela Requerente correspondeu ao custo da prestação dos serviços apurado pelo Grupo acrescido de uma margem de 7%, prática que o Grupo aplica relativamente a outras associadas.

Existindo efectivamente os serviços, põe-se a questão de saber se os mesmos foram prestados no interesse do sócio da Requerente ou no interesse da própria Requerente.

Ora, como referido, os serviços em análise visam o acompanhamento e controlo da actividade da A…, a optimização da sua gestão, o seu sucesso económico, logo, em última análise, a maximização dos seus resultados. Se não fossem por ela adquiridos à empresa-mãe, teriam de o ser a entidades externas, subcontratando consultoria de gestão, ou internalizados, via contratação de colaboradores qualificados para o efeito. Entendeu a administração da empresa, exercendo o seu direito de autonomia e liberdade de gestão, que tais serviços seriam prestados pelo Grupo E…, celebrando, assim, contrato para o efeito. A opção pela contratualização dos serviços necessários à boa gestão com a empresa-mãe não significa que se pretenda descapitalizar a empresa portuguesa. Significa, sim, que a empresa, e também o Grupo que, igualmente, pretende a maximização do lucro das empresas que o constituem, optou por um modelo de controlo de gestão centralizado, hoje denominado vulgarmente por “serviços partilhados”. Assim, os custos suportados com a manutenção desse modelo, por serem indispensáveis à realização de rendimentos, pois são custos inerentes e necessários à gestão, principalmente nas condições de conjuntura económica actuais, devem ser considerados fiscalmente dedutíveis.

 

Passando agora para a questão de suporte documental dos gastos, refere a alínea h) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC (redacção à data) que “não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável (...)” “os encargos não devidamente documentados”.

Também sobre esta questão se encontra jurisprudência. Com efeito, o Acórdão do STA n.º 658/2011, por exemplo, explicita que o documento comprovativo e justificativo dos gastos para efeitos das normas do CIRC se limita a um “documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação”.

O suporte às operações intra-grupo suportadas pela Requerente consubstanciam-se nas facturas do B… bem como nos já referidos contratos celebrados entre as duas entidades que enumeram o conjunto de serviços de direcção geral, financeiros, jurídicos, fiscais, de tesouraria e de apoio informático prestados pelo Grupo à Requerente. Não obstante, as facturas (em concreto as facturas rectificativas) não cumprem um dos requisitos exigidos pelos contratos que é a discriminação os serviços prestados, limitando-se a uma remissão para o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes. Mas, a não observância deste requisito não induz que os serviços não ocorreram, induzindo apenas um menor rigor na aplicação dos procedimentos administrativos que regem os contratos. Nem induz, por outro lado, que não seja possível identificar os serviços prestados, pois os mesmos vêm elencados no contrato para o qual se remete.

As exigências formais em sede de comprovação de gastos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas, facto devidamente esclarecido em acórdãos superiores, como o acima citado. Não obstante, tais exigências não podem servir de presunção à não ocorrência de operações quando demais factos são suficientes para concluir pela sua observância. Assim, consideram-se cumpridos os requisitos de legalidade dos documentos de suporte aos serviços prestados.

 

 

a.3) ilegalidade com base no facto de se terem considerado não dedutíveis as despesas de transporte associadas à expedição de mercadorias com destino a clientes da C… .

 

Chamando mais uma vez à análise o artigo 23.º do Código do IRC, refere a alínea b) do seu n.º 1, que se consideram gastos dedutíveis os “relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos” (sublinhado nosso).

Os gastos de transporte aqui referidos são os que possam resultar do transporte de matérias e mercadorias de fornecedores até às instalações do sujeito passivo, como aqueles que possam resultar do envio de mercadorias e produtos para os seus clientes, conforme condições entre as partes negociadas. É pressuposto racional a esta dedução de custos de transporte que o sujeito passivo conhece tempestivamente os custos envolvidos, o que pressupõe conhecer as partes e a localização de onde ou até onde se compromete a recolher ou enviar os bens.

É também racional assumir que o custo de transporte de produtos para clientes, ou por conta destes, é repercutido no preço de venda a esses clientes, o que fará oscilar o preço de venda em função da distância a percorrer, pelo menos quando a diversidade de distâncias assim o justifica. Não será desadequado assumir que o preço de venda inclui sempre o custo de transporte, quando não é relevante a diferentes distâncias a percorrer. Bastaria calcular o valor médio do transporte a acrescer aos custos que estão na base da formação do preço. O que parece difícil de crer é que uma empresa aceite suportar os custos de transporte para uma qualquer localização, quando ela não é parte da negociação entre comprador e vendedor dos produtos a transportar.

A Requerente reconheceu como gastos do exercício custos com transporte de produtos para as localizações do cliente do seu cliente (localizações dos clientes da C…). A Requerente não é parte do contrato de compra e venda entre a C… e os clientes desta. A Requerente desconhece, como tem que desconhecer, os termos de negociação entre a C… e os clientes desta. Dependendo da localização dos clientes da C…, a margem da requerente fica deteriorada, podendo-se até supor que o negócio não seria do seu interesse face aos custos que acarreta. Acresce que a Requerente não conseguiu demonstrar, sem apresentar justificação plausível, que no preço de venda dos produtos à C… está repercutido o custo de transporte para os clientes desta, apesar de ser esta a prática que invocou.  Não subsiste assim racionalidade económica na assunção de custos de transporte para clientes de um cliente. Racional seria que a Requerente suportasse custos de transporte até uma determinada localização (custos esses devidamente repercutidos no preço de venda) e que a partir desse local, os custos adicionais fossem assumidos pelo seu cliente, a C…  . E que tal fosse negociado devidamente entre cada parte afectada. Tal não sucedeu e a Requerente não esclareceu suficientemente porque não, limitando-se a remeter a questão para análise em sede de preços de transferência, quando inicialmente tinha invocado e repercussão do custo de transporte no preço de venda.

Afigura-se que também não é possível afastar a irracionalidade económica dos gastos suportados em sede de preços de transferência.

Com efeito, conforme dispõe o artigo 63º do CIRC (à data), o regime fiscal dos preços de transferência limita-se a garantir que nas operações comerciais efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. Ora, pelo acima exposto, o que foi praticado indicia exactamente o contrário ao que seria celebrado entre partes independentes, no exercício normal das condições associadas à compra e venda.

 

 

b)                   Dos pedidos de reembolso (das quantias retidas e do montante de imposto pago) e de juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona, ainda, a restituição das quantias retidas a título de crédito de IVA e o reembolso do montante pago (€3.587,11), e, ainda, juros indemnizatórios pelo pagamento indevido das referidas quantias.

Na sequência da ilegalidade do acto de liquidação há lugar a reembolso do imposto pago pelos Sujeitos Passivos, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, uma vez que tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

Decorre, por outro lado, do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". 

No caso dos autos, no que concerne aos juros indemnizatórios resulta claro que a ilegalidade parcial do acto de liquidação impugnado é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de errada interpretação da lei.

Consequentemente a Requerente teria igualmente direito a juros indemnizatórios, a ser pagos desde a data em que efectuou o respectivo pagamento do imposto em causa até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.

Note-se, porém, que, no caso em apreço, considerou-se apenas provado, na alínea nn) da matéria de facto fixada, que a Requerente propôs e “foi aceite a compensação com créditos de reembolso de IVA (…)”.

No que se refere ao montante do pagamento voluntário do imposto em falta, foi dado como não provado que a Requerente tenha efectivamente procedido ao pagamento voluntário da quantia indicada.

Com efeito, a este propósito, ficou somente provado, na alínea oo), da matéria de facto fixada, que aquele pagamento foi requerido “tendo sido emitida pela Autoridade Tributária o modelo 50".

Tal circunstância determina a improcedência do pedido de reembolso e de juros indemnizatórios.

O acabado de expor não prejudica, porém, os direitos que assistem à Requerente, em sede de execução de julgados (artigos 609.º, n.º 2, do CPC e 565.º do CCiv), desde que faça essa prova.

 

*

 

IV. Decisão

Nestes termos, o Tribunal decide:

a)      julgar improcedente a invocada excepção de incompetência material do Tribunal;

 

b)      absolver a ré da instância relativamente aos pedidos de anulação dos actos de liquidação adicional de imposto (IRC), correspondentes aos exercícios de 2007 e de 2008, bem como ao pedido de anulação do acto de liquidação dos juros compensatórios associados às mencionadas liquidações adicionais, por inutilidade superveniente da lide, na sequência da revogação oficiosa de tais actos;

 

c)      julgar procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação adicional de imposto (IRC) e respectivos juros compensatórios, correspondentes aos exercícios de 2009 a 2011;

 

d)      julgar improcedentes os pedidos relativos ao reembolso e juros indemnizatórios, sem prejuízo dos direitos que assistem à Requerente em sede de execução de julgados.

 

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 94.538,39, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) e no art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

*

 

VI. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em €2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar na proporção de decaimento em 69% a cargo da Requerente (€1.900,00, mil e novecentos euros) e 31% a cargo da AT (€854,00, oitocentos e cinquenta e quatro euros).

 

 

Lisboa, 28 de Janeiro 2016.

 

Os Árbitros

 

 

 

 Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

 

Fernando Araújo

 

 

Luísa Anacoreta

 

 



[1] No pedido final, a Requerente refere-se a “juros moratórios”, mas da leitura global da Petição (em especial os artigos 51.º e 52.º) retira-se que se trata de um lapso, devendo ler-se  “juros indemnizatórios”. Acresce que “o direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo-se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do (…) artigo 53.º da LGT” (cfr. o Acórdão do STA de 30 de Março de 2011, proc n.º 13/2011).

[2] Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e OUTRO, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 356.

[3] Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, pp.349 ss.

[4]                     No pedido final, a Requerente refere-se a “juros moratórios”, mas da leitura global da Petição (em especial os artigos 51.º e 52.º) retira-se que se trata de um lapso, devendo ler-se “juros indemnizatórios”. Acresce que “o direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo-se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do (…) artigo 53.º da LGT” (cfr. o Acórdão do STA de 30 de Março de 2011, proc n.º 13/2011).

[5]                     Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e OUTRO, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 356.

[6]                     Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, pp.349 ss.