Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 400/2015-T
Data da decisão: 2015-12-10  IRC  
Valor do pedido: € 55.998,00
Tema: IRC – Competência do Tribunal Arbitral; fundamentação a posteriori; RFAI; SIFIDE; dedução de benefícios fiscais à coleta de IRC
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Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e Prof.ª Doutora Leonor Fernandes Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-09-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., (anteriormente designada de..., S.A), pessoa colectiva n.º..., com sede em..., Apartado..., ..., à data dos factos (2011) sociedade dominante de Grupo de Empresas sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, doravante designada por “A.” ou “Requerente”, veio apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende que seja declarada ilegal e anulada a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º ... 2014 ...e declarada parcialmente ilegal e parcialmente anulada a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2011, n.º 2014..., e da liquidação dos correspondentes juros compensatórios, no que respeita ao montante total de € 4.439.649,45.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 14-07-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-08-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 10-09-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou uma excepção relativa à incompetência parcial deste Tribunal Arbitral em razão da matéria e defendeu a improcedência do pedido.

Por despacho de 15-10-2015, foi decidido que o processo prosseguisse com as alegações por escrito.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções.

 

2. Excepção da incompetência

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que o Tribunal Arbitral apenas tem competência para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação e de actos de segundo ou terceiro grau que apreciem a legalidade de actos de liquidação, pelo que a sua competência não se estende à «apreciação do pedido de reconhecimento de direitos, como o implícito na quantificação de imposto e juros a anular».

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

No que concerne aos tribunais arbitrais, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

E, obviamente, para proferir uma condenação em juros indemnizatórios, é necessário determinar a quantia que lhes serve de base de cálculo.

Assim, apesar de, no caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, a determinação da quantia a reembolsar e o eventual direito a juros indemnizatórios possam ser efectuados em execução de julgado, nada obsta a que sejam definidos no processo arbitral, caso se disponha dos elementos necessários.

Improcede, assim, a excepção suscitada.

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é a sociedade dominante do grupo de empresas denominado “Grupo A... SA”, grupo que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);

b)      Nos termos da certidão permanente que constitui o documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, no ano de 2010 o objecto social da Requerente estava definido neste termos:

1 -Produção e comercialização de pastas ... e de ...e seus derivados e afins. 2 -Acessoriamente, explorar os serviços e efectuar as operações civis e comerciais, industriais e financeiras relacionadas, directa ou indirectamente, no todo ou em parte, com o seu objecto ou que sejam susceptíveis de facilitar ou favorecer a sua realização. 3 -A sociedade poderá participar no capital de outras sociedades constituídas ou a constituir, seja qual for o seu objecto e mesmo que regidas por leis especiais, bem como associar-se, sob qualquer outra forma, com quaisquer entidades singulares ou colectivas, nomeadamente para formar agrupamentos complementares de empresas, consórcios e associações em participação ou outro tipo de exercício de actividade económica».

c)      Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2013... de 26-11-2013, foi realizado pela AT procedimento de inspecção tributária interno, de âmbito parcial ao IRC, relativo ao período de 2011;

d)     A mencionada acção inspectiva foi efectuada com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do RETGS pelo Grupo A..., relativo ao exercício de 2011, e, bem assim, de fazer reflectir no lucro tributável do grupo, as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, em resultado de procedimentos de inspecção já concluídos, na Declaração Modelo 22 de IRC de cada uma das sociedades que o integram;

e)      Em momento anterior ao da acção inspectiva que deu origem ao presente processo, e em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2013..., de 25-06-2013, realizou-se o procedimento de inspecção interna relativo ao período de 2011, à sociedade A..., S.A., enquanto sociedade individual;

f)       No Relatório da Inspecção Tributária efectuada ao Grupo que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, além do mais, o seguinte:

1.4.2. IMPOSTO EM FALTA- AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC

1.4.2.1. Correções ao cálculo do imposto decorrente de correções efetuadas à Sociedade dominante A..., SA

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2013... de 2013-06-25, realizou-se o procedimento de inspecção externa, relativo ao período de 2011, à sociedade A..., SA, do qual resultaram correcções ao cálculo do imposto declarado em termos individuais no valor de 668.780,36 Euro. Tendo em conta o disposto no n.º 6 do art.º 90.º do CIRC, as deduções a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo. Assim, a correção efetuada ao nível do cálculo do imposto da sociedade dominante é refletida no imposto a pagar pelo grupo (ver ponto III-2.1).

1.4.2.2 Dedução indevida de benefícios fiscais à coleta de IRC

Na determinação do imposto a pagar, o Grupo A... deduziu indevidamente o montante de 4.480.834,92 Euro a título de benefícios fiscais dedutíveis à coleta nos termos do n.º 6 do art.º 90.º do CIRC (ver ponto III.2.2).

O ajustamento agora considerado decorre das correções aos benefícios fiscais de IRC em sede de RFAI promovidos pela inspeção às sociedades em que o mesmo foi calculado.

A correção à dedução de benefícios fiscais à colecta, inicialmente proposta, foi reduzida na sequência do exercício do direito de audição, para o montante de 3.350.706,65 Euro conforme ponto IX - Direito de Audição - Fundamentação.

(...)

III- 2.1 CORREÇÕES AO CÁLCULO DO IMPOSTO DECORRENTES DE CORREÇÕES EFETUADAS À SOCIEDADE DOMINANTE A... ,SA: 668.780,36 EURO

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2013... de 2013-06-25 realizou-se o procedimento de inspeção interna, relativo ao período de 2011, à sociedade A..., SA, NIF:... . As conclusões da ação inspetiva foram comunicadas à sociedade conforme fundamentações nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e constam do relatório de inspeção tributária elaborado por esta Unidade Orgânica, comunicado ao sujeito passivo conforme nosso ofício n.º ... de 2013-11-27, do qual se junta cópia e que constitui o Anexo II.

Na sequência da referida acção inspetiva, foram identificadas correções ao cálculo de Benefícios Fiscais dedutíveis à coleta de IRC em termos individuais à sociedade acima mencionada que se fixaram no montante total de 668.780,36 Euro, referente a:

Regime fiscal de Apoio ao Investimento

A A... considerou indevidamente dedutível à coleta de IRC, o montante de 668.780,36 Euro, a título do benefício fiscal previsto no "Regime Fiscal de Apoio Realizado em 2009" (RFAI) aprovado pelo art.º 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março e que consiste "num sistema específico de incentivos fiscais ao investimento em 2009 em determinados setores de atividade" e foi prorrogado, com os mesmos termos e condições, ao investimento realizado em 2011 pelo art.º 134.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado de 2011), por no cálculo do benefício fiscal não ter considerado a exclusão do investimento realizado na atividade de produção de energia em conformidade com a informação vinculativa que lhe foi prestada e como determina o n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009.

Assim, corrige-se o benefício fiscal dedutível nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC na declaração do grupo com os fundamentos constantes do ponto III.1.1 do Relatório de Inspeção que se anexa e é parte integrante do presente Relatório (folhas 5 a 9 do relatório individual - Anexo II).

III 2.2 Dedução indevida de benefícios fiscais à coleta de IRC: 3.350.706,65 Euro

O grupo A... considerou na última declaração de IRC reportado ao período de 2011 e referente ao RETGS, dedução à coleta de Benefícios Fiscais no total de 24.921.867,16 Euro (Q 10 C 355) repartido por:

• Benefícios fiscais contratuais ......................11.799.720,18 Euro

• SIFIDE ...........................................................4.847.076,19 Euro

• RFAI .............................................................8.275.070,78 Euro

Nos termos do n.º 6 do art.º 90.º do CIRC, as deduções a que se referem o n.º 2 do art.º 90.º são efetuados no montante apurado relativamente ao grupo.

Relativamente à dedução do benefício fiscal decorrente do RFAI aprovado pela Lei n.º 10/2009 e cuja aplicação foi estendida aos períodos de 2010 e 2011 pelas respetivas leis do OE importa referir que:

O Grupo considerou como benefício gerado em anos anteriores e ainda não utilizado, Anexo 22 - D, Quadro 05 o montante de 43.622.071,42 Euro.

Contudo este valor deve ser de 34.101.085,87 Euro, sendo a diferença apurada resultante da redução de 9.520.985,41 Euro do RFAI apurado no período de 2010 na sociedade A... SA (cfr Relatório de Inspeção notificado ao grupo em 2013-05-30).

O Grupo considerou que o benefício gerado com o investimento realizado em 2011 ascende a 3.203.012,48 Euro contudo este valor deve ser reduzido em 668.780,36 Euro correspondente à correção ao investimento relevante da sociedade A... SA referido no ponto III.2.1 deste relatório.

Assim, o benefício fiscal referente a RFAI dedutível pelo Grupo, nas condições mencionadas no artº 3.º do RFAI/2009, à coleta do período de 2011 ascende a 3.794,235,87 Euro.

Reporte de 2010 considerado pelo Grupo............10.780.989,16 Euro

Correção a RFAI do período de 2009/2010...........(9.520.985,41) Euro

RFAI gerado em 2011...............................................3.203.012,48 Euro

Correção ao RFAI 2011.......................................... ( 668.780,36) Euro

RFAI dedutível 2011................................................ 3.794.235,87 Euro

Considerando que a coleta do IRC apurado pelo Grupo ascende a 39,441.105,51 Euro, o Grupo poderia deduzir à coleta 3.794.235,87 Euro (inferior a 25% da coleta) como já antes referido em vez de 8.275.070,79 euro que declarou.

Atendendo a que:

• Pela especificidade do regime de utilização dos benefícios fiscais contratuais atribuídos à sociedade participada B... SA, os benefícios fiscais ainda não utilizados não podem ser utilizados para além da coleta apurada naquela empresa.

• O Grupo consumiu a totalidade dos benefícios fiscais resultantes de SIFIDE e SIFIDE II.

A dedução indevida de benefícios fiscais do RFAI não pode ser compensado por outros benefícios fiscais que operam por dedução à coleta de IRC.

Face ao antes exposto, conclui-se que a dedução à coleta de IRC de benefícios fiscais nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC que se apura relativamente ao Grupo, por aplicação do disposto no n.º 6 do mesmo artigo é reduzida em 4.480.834,92 Euro.

A correção à dedução de benefícios fiscais à colecta, inicialmente proposta, foi reduzida na sequência do exercício do direito de audição, para o montante de 3.350.706,65 Euro conforme ponto IX - Direito de Audição - Fundamentação.

(...)

IX. 2 Dedução de benefícios fiscais à coleta de IRC

Relativamente à correção proposta no ponto III.2.2. do presente relatório, no montante de 4.480.834,92 Euro, refere o Grupo A...(pontos 25.º a 27.º do Direito de Audição) que é pacificamente aceite e reconhecido pela AT que os Benefícios Fiscais são igualmente dedutíveis à coleta originado pela sobretaxa "Derrama Estadual", facto não considerado relativamente à Derrama Estadual produzida pela B..., SA, no montante 1.130.128,27 Euro.

De acordo com o Despacho do Substituto Legal do Diretor Geral de 2013-06.05, (... a derrama estadual reveste um carácter acessório ao IRC e deve ser tratado como tal. II) Nestes termos, a derrama estadual cabe no conceito de IRC, sendo um imposto deste acessório e não diferenciado, salvo naquilo que se encontre especificamente regulado.)

Nestes termos de acordo com o Despacho supra referido corrige-se a dedução à coleta de IRC de benefícios fiscais nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, aumentando-se a dedução de benefícios fiscais contratuais no montante de 1.130.128,27 Euro, que se apura relativamente ao Grupo, por aplicação do disposto no n.º 6 do mesmo artigo.

Assim, o valor da correção à dedução de benefícios fiscais é reduzida para 3.350.706,65 Euro conforme quadro registado na página 13 do presente relatório.

(...)

g)      No ponto III.1.1. do Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção à Requerente enquanto sociedade individual, para que se remete no ponto III -1.1 do RIT transcrito, refere-se o seguinte, na parte que aqui interessa:

III.1. IMPOSTO EM FALTA - AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC

III- 1.1 REGIME FISCAL DE APOIO INVESTIMENTO: 668.780,37 Euro

Da Situação identificada

Na declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC (declaração de substituição) referente ao período de 2011 submetida em 2013-10-23 a empresa inscreveu no campo 715, a título de dotação no período de benefício fiscal de RFAI o montante de 1.071.743,65 Euro.

Resulta assim que a empresa considera ter o direito à dedução de benefício fiscal regulado pelo Regime de Apoio Fiscal ao Investimento realizado em 2011, aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009 de 10 de março e que, nos termos do artigo 134.º da Lei n.º 55 - A/2010 de 31 de dezembro, se manteve em vigor até 31 de dezembro de 2011.

Do Enquadramento legal

Instituído pelo artigo 13.º da Lei nº 10/2009, de 10 de março, o regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009 (RFAI) consiste "num sistema específico de incentivos fiscais ao investimento em 2009 em determinados setores de atividade" e foi prorrogado, com os mesmos termos e condições, ao investimento realizado em 2011 pelo artigo 134.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado 2011).

O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exercem a atividade principal, entre outras expressamente indicadas, no setor da indústria transformadora (alínea a) n.º 1 do artigo 2.º do RFAI) definindo os investimentos relevantes no n.º 2 do mesmo artigo, desde que afetos à exploração da empresa, materializados em investimento em ativo imobilizado corpóreo adquirido em estado de novo (alínea a)) e em investimento em ativo incorpóreo constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, "saber-fazer" ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente (alínea b)).

Para os investimentos realizados em 2011, considera-se o que "corresponde às adições, verificadas nesse exercício, de imobilizações corpóreas e bem assim o que tendo a natureza de ativo corpóreo e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições às imobilizações em curso" (nº 5 do artigo 2.º).

Por aplicação do artigo 6.º do RFAI, é excluído do investimento relevante definido nos termos do artigo 2.º o investimento objeto de outros incentivos fiscais ao investimento.

Os requisitos cumulativos para os sujeitos passivos poderem beneficiar dos incentivos fiscais são elencados no nº 3 do artigo 2º do RFAI destacando-se a permanência na empresa dos bens objeto de investimento por um período mínimo de cinco anos, não serem devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento devidamente assegurado e que o investimento relevante proporcione a criação de postos de trabalho.

A materialização do incentivo fiscal sobre os investimentos considerados relevantes é estabelecida no artigo 3.º que se traduz na dedução à coleta de IRC, e até à concorrência de 25% da mesma (alínea a)). Esta dedução é efetuada na liquidação respeitante ao período de tributação em 2011 e corresponde a: "i) 20% do investimento relevante, relativamente até ao montante de 5.000.000 Euro" e "ii) 10% do investimento relevante, relativamente de valor superior a 5.000.000 Euro" cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do RFAI.

A exclusividade dos incentivos fiscais é imposta no artigo 6.º do RFAI ao determinar que "os incentivos fiscais previstos na presente lei não são cumuláveis, relativamente ao mesmo investimento, com quaisquer outros benefícios fiscais da mesma natureza previsto noutros diplomas legais".

Em conformidade com o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional para o período de 1 de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2013, o incentivo calculado nos termos do artigo 3.º pode ser limitado pela aplicação do artigo 7.º do RFAI/2009.

Da análise desenvolvida

(...)

2. Ao Investimento relevante em 2011: inclusão indevida de investimentos na atividade acessória

 O investimento que a A... SA considerou elegível para efeitos do RFAI no período de 2011 ascendeu a 5.717.436,53 Euro, repartindo-se entre os estabelecimentos de ...e de ...conforme atrás apresentado.

Tendo por base a decomposição dos investimentos por segmento de negócio (Anexo II), a A...efetuou investimentos que considerou elegíveis para efeitos do RFAI na fábrica de pasta  ...e na central termoelétrica a biomassa repartindo-se em:

 

A A...requereu à Direção de Serviços do IRC (DSIRC), um pedido de informação vinculativa n.º ... relativamente às eventuais contingências em sede de aplicação RFAI ao investimento relacionado com a central de biomassa relacionada com a produção de energia no âmbito de uma situação de reestruturação do grupo económico e do destaque dessa atividade para outra empresa.

A resposta ao pedido de informação vinculativa requerido pela A...sancionado por Despacho de 2011-12-27 do Diretor Geral foi remetida à empresa através do ofício n.º ... da DSIRC.

Das conclusões apuradas naquela Informação Vinculativa, destaca-se que:

"a) Dado que a primeira condição para que um sujeito passivo de IRC possa aproveitar do incentivo em causa é, desde logo, o exercício, a título principal, de uma atividade que se integre num dos setores elencados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do diploma que criou o RFAI 2009, forçoso se torna concluir que a requerente, não exercendo qualquer atividade que se integre no setor energético, não pode aproveitar do incentivo relativamente ao investimento afeto à central termoelétrica a biomassa."

Neste sentido, e atendendo a que nos termos do n.º 14 do art.º 68.º da Lei Geral Tributária (LGT) a "administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial", somos a considerar que o investimento relacionado com a atividade de produção de energia não constitui investimento relevante nos termos artigo 2º do Regime Fiscal de Apoio ao investimento (RFAI) por corresponder a investimento concretizado em atividade diferente da sua atividade principal pelo que não é elegível nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 2.º.

Assim, conclui-se que para efeitos de cálculo do benefício fiscal em causa o investimento qualificado como relevante é o que se apresenta relacionado com a atividade de produção de pasta…, no montante total de 2.313.321,36 Euro, conforme decorre do mapa anterior.

RECÁLCULO DO RFAI DEDUTÍVEL

Considerando o valor do investimento relevante fixado no ponto anterior e a fórmula de cálculo da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do RFAI conjugada com os limites estabelecidos no artigo 7.º do mesmo diploma temos que o montante do benefício atribuível é de 402.963,29 Euro relativamente ao período de 2011, conforme cálculos do Quadro 2 da folha 3 do Anexo l e que abaixo se resumem:

Relativamente ao investimento elegível de 2011

 

Na determinação do benefício fiscal calculado nos termos da al. a) do art. 3.º do RFAI por cada região em que se concretizou o investimento elegível, relativo à atividade de produção de pasta …, considerou-se a proporção do benefício fiscal calculado naqueles termos face ao peso do investimento nessa região no investimento elegível total de cada ano.

Em conclusão,

a) Tendo por base o investimento relevante declarado pela empresa, o incentivo fiscal em IRC ao investimento realizado em 2011 não pode exceder o valor de 983.637,59 Euro. A diferença apurada de 88.106,06 Euro para o valor considerado pela empresa decorre desta não ter considerado o limite regional de 15% aplicável aos incentivos ao investimento realizado em..., nos termos do art.º 7.º do RFAI/2009, conforme descrito em 1.

b) Acresce ainda que considerou indevidamente como investimento relevante as adições de Ativos Fixos Tangíveis relacionados com a atividade acessória de produção de energia quando nos termos do RFAI/2009 apenas é objeto de incentivo o investimento afeto à atividade principal conforme descrito em 2. Calculado o incentivo fiscal para o investimento elegível, tendo em consideração o limite regional aplicável aos incentivos do investimento realizado em..., é fixado em 402.963,29 Euro, o incentivo fiscal em sede de IRC relativamente ao período de 2011 por aplicação do RFAI.

c) O incentivo fiscal ao investimento realizado em 2011 por aplicação do RFAI/2009 no montante de 1.071.743,65 Euro corrige-se em 668.780,36 Euro, decompondo-se em:

i) 88.106,06 Euro, pela não consideração do limite de 15% para o investimento em ...pela A... SA;

ii) 580.674,30 Euro, pelo impacto da redução do investimento elegível;

Considerando a opção pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades previsto nos art.ºs 69.º a 71.º do CIRC, a utilização do benefício fiscal apenas se concretiza nos termos do n.º 6 do art.º 90.º do CIRC no apuramento do imposto do grupo.

 

h)      Na sequência da inspecção foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação n.º 2014..., datada de 28-05-2014 e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014 ... e 2014 ... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)        Em 04-11-2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação;

j)         Por despacho do Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 31-03-2015, foi parcialmente deferida a reclamação graciosa, manifestando-se concordância com uma informação em que se refere, além do mais, o seguinte:

III-Da "Apreciação"

1.

O Art.º 69.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário determina as "regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa", especificando que este deve cingir-se, nomeadamente, à "simplicidade de termos e brevidade das resoluções" [Cfr. alínea a)] e que "os meios probatórios limitam-se à forma documental e aos elementos oficiais que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material" [Cfr. alínea e)], pelo que, desde logo, a requerida "prova testemunhal" fica prejudicada, na medida em que o R, no uso do direito (garantia) consignado no Art.º 68.º da Lei Geral Tributária, requereu uma "informação vinculativa" incidente a matéria controvertida e ora sob contestação.

2.

Por sua vez, o n.º 14 daquele Art.º 68.º ao dispor que "a administração tributária, em relação ao objecto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento judicial", determina que, independentemente da apreciação que pudesse vir a ser formulado nesta sede, e por esta Unidade dos Grandes Contribuintes, o sentido desta teria que ser o mesmo ao que foi expresso pelos Serviços de Inspecção Tributária no RIT, a quando da correcção do Benefício Fiscal RFAI, decorrente do investimento efectuado no "segmento" da produção de energia, ora sob contestação.

3.

Assim, face ao todo exposto, porque existe a informação vinculativa (N.º de pedido... ( [1] ), cujo teor é do conhecimento do R, e desconhecendo-se qualquer decisão judicial que a anule, somos de parecer, salvo outro e melhor entendimento, que a decisão a projectar nos presentes autos de reclamação graciosa, será de indeferir na totalidade ao pedido, mantendo-se a correcção dos SIT, nos termos e fundamentos ínsitos no RIT, notificado à A..., aqui R, pelo ofício n.º..., de 22.04.2014, desta Unidade dos Grandes Contribuintes, igualmente, referidos no ponto "I. Dos fundamentos dos Serviços de Inspecção Tributária" da presente informação.

k)       A Informação vinculativa n.º..., que se refere na fundamentação da decisão da reclamação graciosa, foi pedida pela Requerente em 08-09-2011 e emitida em 27-12-2011, referindo.se nela o seguinte, no que aqui interessa:

A requerente desenvolve as seguintes actividades enquadráveis na secção C, divisão..., da CAE-Rev 3: • Actividade principal: Fabricação de pasta - CAE ... • Actividade secundária: Fabricação de ...e de ...(excepto canelado) - CAE ...Ora, se a primeira condição para que um sujeito passivo de IRC possa aproveitar do incentivo em causa é, desde logo o exercício, a título principal, de uma actividade que se integre num dos sectores elencados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do diploma que criou o RFAI 2009, forçoso se torna concluir que a requerente, não exercendo qualquer actividade que se integre no sector energético, não pode aproveitar do incentivo relativamente ao investimento afecto à central termoeléctrica a biomassa. Aliás, segundo consta da informação adicional anexa ao pedido de informação vinculativa, «a colocação de energia eléctrica na Rede Eléctrica Nacional encontra-se limitada a empresas especificamente licenciadas para o efeito como tal, as unidades geradoras de energia detidas pela A..., SA, encontram-se a ser operadas pela empresa do grupo C..., SA (a operadora), empresa a quem foi atribuída a licença de exploração de unidades geradoras. Logo, se a operadora das unidades geradoras de energia é a C..., não podemos, sequer, dizer que a requerente desenvolve uma actividade no âmbito do sector energético (neste caso, a produção e distribuição de energia). 18. Portanto, só pode beneficiar do RFAI o investimento que o sujeito passivo realizou no âmbito da actividade que exerce a título principal, ou seja, no seu segmento de negócio de produção de pasta ... (...), que se integra na CAE-Rev 3 ... (secção C - Indústrias transformadoras). 19. E esse investimento foi realizado nas fábricas de pasta ... existentes no complexo industrial de ... e no de.... 20. Repare-se que não foi efectuado qualquer investimento na fábrica de produção de... sita em ..., uma vez que os respectivos activos são, desde Dezembro de 2009, propriedade da sua participada D... S A. De facto, no âmbito do plano de reestruturação do grupo, a requerente alienou, em Dezembro de 2009, à sua participada, os equipamentos afectos à produção de... em.... Porém, por razões relacionadas com o processo de licenciamento industrial, a requerente continuou a utilizá-los, mediante aluguer, exercendo essa actividade até finais de Junho de 2011.

l)        Na utilização da principal matéria-prima utilizada na fabricação de pasta ... e ..., ou seja, a madeira, geram-se desperdícios com valor energético para a produção da necessária energia (a chamada biomassa) (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

m)     Em 2009, 2010 e 2011, para o que aqui interessa, a Requerente concretizou investimentos em unidades de produção de energia situadas nos seus complexos industriais;

n)      A produção de energia com utilização dos desperdícios resultantes da actividade da Requerente de produção de pasta...... é efectuada pela empresa do grupo C..., SA;

o)      Em 02-01-2003, a Requerente celebrou com a C..., SA (doravante “C”) o contrato de cessão temporária de exploração que consta do processo administrativo, parte 11, páginas 17 a 19, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

CONTRATO DE CESSÃO TEMPORÁRIA DE EXPLORAÇÃO

Entre:

1. A..., S.A., pessoa colectiva nº..., com sede na ...- Apartado ...-..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., sob o nº ..., com o capital social de 767.500.000 euros, adiante designada por A.,

e

2.C..., S.A., pessoa colectiva nº ..., com sede na Rua ..., nº..., ...-... Lisboa, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o nº..., com o capital social de 50.000 euros, adiante designada por C..., S.A.

É celebrado o contrato constante das seguintes cláusulas:

 

 Cláusula 1ª

A A... é dona e legítima possuidora de uma instalação destinada à produção de energia eléctrica e térmica, a qual é composta por um espaço delimitado situado no interior do Complexo de..., que se encontra devidamente assinalado na planta anexa e por equipamento necessário para o funcionamento da Fábrica de Pasta de..., que se encontra descrito na relação também anexa (Docs. nºs 1 e 2 em anexo. os quais fazem parte integrante deste contrato e estão rubricados pelas partes)

 

Cláusula 2ª

1. Pelo presente contrato, a A... cede à C... o gozo e exploração temporária da instalação referida na cláusula 1ª.

2. A cessão temporária referida no nº 1 destina-se a possibilitar à C..., de harmonia com o seu objecto social, a produção e comercialização de energia eléctrica e térmica.

 

Cláusula 3ª

1. A operação com o equipamento referido na cláusula antecedente será realizada pela C..., em regra mediante utilização dos trabalhadores da A...actualmente afectos à instalação.

2. Os trabalhadores referidos no número antecedente mantêm os seus contratos de trabalho com a A...e continuarão a ser por ela remunerados, mantendo a mesma sobre eles o poder disciplinar, e ficando os mesmos apenas funcionalmente sujeitos às ordens e orientações da C... .

 

Cláusula 4ª

Serão da conta da C..., para além do encargo referido na cláusula 6.ª todos os de mais que sejam necessários para a produção e comercialização da energia eléctrica e térmica.

 

Cláusula 5ª

Toda a energia eléctrica e térmica produzida na instalação será destinada prioritariamente, a satisfação das necessidades do Complexo de ... da A... e acessoriamente à venda a terceiros, tudo de harmonia com contratos que vierem a ser celebrados com os referidos adquirentes.

 

Cláusula 6.ª

1. Como contrapartida da cessão referida na cláusula 2ª e da prestação de serviços referida na cláusula 3ª, a C... pagará a A...:

a) Uma prestação variável mensal correspondente aos custos de mão-de-obra, encargos gerais administrativos, manutenção e seguros da central, acrescidos de 1.º/oo.

b) Uma prestação variável, a pagar mensalmente, correspondente ao custo e encargos verificados com a aquisição de lixívia negra, biomassas, água de alimentação às caldeiras e consumíveis.

 

Cláusula 7ª

A C... manterá em bom estado de conservação a instalação e os equipamentos que lhe são cedidos nos termos deste contrato, avisando de imediato a A... sempre que detecte quaisquer anomalias ou deficiências de funcionamento e acordando com este a forma de as reparar.

 

Cláusula 8ª

O presente contrato vigorará por um ano, tácita e sucessivamente prorrogável por períodos de igual duração, contando-se desde a data em que forem obtidas as autorizações necessárias ou de outra data que for estabelecida por mútuo acordo.

 

p)       Em 28-06-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente não sendo objecto de controvérsia.

 

4. Matéria de direito

 

A Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, criou, no seu artigo 13.º, o regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009 (RFAI 2009), que foi mantido em vigor pelos artigos 116.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, 134.º da Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, 162.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e 232.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária e na decisão da reclamação graciosa, com remissão para a fundamentação da Informação Vinculativa n.º..., pedida pela Requerente, que aquele regime não pode ser aplicado a investimentos que a Requerente fez no sector energético (central termoeléctrica a biomassa), por esta não exercer a título principal, uma actividade que se integre num dos sectores elencados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do diploma que criou o RFAI 2009, sendo aquela actividade exercida por uma empresa do grupo.

           

4.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– na utilização da principal matéria-prima utilizada na fabricação de pasta...... e ..., ou seja, a madeira, geram-se desperdícios com valor energético para a produção da necessária energia (a chamada biomassa);

– é uma incontornável exigência do processo de fabrico da pasta... dispor de abundante energia térmica produzida no próprio local;

 – é artificioso tentar separar investimentos (como fez a AT) na unidade que directamente fabrica a pasta do ... ou o ... da unidade que fornece on site energia, designadamente térmica, ou que simplesmente prolonga o aproveitamento da matéria-prima valorizando energeticamente os enormes desperdícios gerados na extracção da ... para o fabrico da pasta......(e, em última análise, fabrico de...);

– uma das características das indústrias de base florestal é funcionarem com energia renovável usando biomassa residual da sua matéria prima;

– do texto legal não se retira o requisito utilizado pela AT para negar o enquadramento do investimento realizado pela requerente em sede de RFAI, antes ele se encontra na referência à indústria transformadora que consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RFAI;

– a Requerente exerce actividade principal na área da fabricação de pasta, pelo que é um “sujeito passivo de IRC que exerce, a título principal, uma actividade (…) nos sectores (…) da indústria (…) transformadora”;

– o propósito do RFAI foi e é assumidamente o de uma medida nuclear no propósito de mais do que um governo e representação parlamentar, em estimular o investimento produtivo e, com ele, a criação de riqueza no país, num tempo em que o seu principal problema é justamente o crescimento económico negativo ou, na melhor das hipóteses, anémico;

– nos anos de investimento aqui em causa – 2009, 2010 e 2011 – a área da energia é ela própria uma das áreas abrangidas pelo RFAI e a imprescindibilidade da produção fisicamente contígua à produção da pasta..., de energia térmica sob a forma de vapor, para integração no próprio processo produtivo da pasta...... (imprescindibilidade para a actividade principal da requerente), a que acresce a inevitabilidade económica e ambiental de a indústria da pasta ... e ... fazer da produção de energia com base na biomassa sobrante um prolongamento da sua actividade;

– acrescento pela AT ao requisito legal, não se encontra na formulação legal;

– o critério delimitador do âmbito de aplicação pessoal do RFAI dirige-se à entidade (exige-se que exerça a título principal actividade num dos sectores nomeados) e não à actividade de entre as prosseguidas;

– dada a artificialidade, no caso concreto da indústria da pasta..., da separação da geração de energia da produção da pasta, o mais correcto será até dizer-se que verificado o requisito subjectivo supra analisado é indiferente a exacta função dos equipamentos que foram adquiridos/em que se investiu (no caso, equipamentos de energia);

– a interpretação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira conduz a resultados arbitrários, discriminando investimentos semelhantes, ofende os princípios constitucionais da propriedade privada, da iniciativa privada e da liberdade de gestão de empresas consagrados nos artigos 62.º. n.ºs 1 e 2 (propriedade privada), 80.º, alínea c) (liberdade de iniciativa e de organização empresarial), 81.º, n.º 1, alínea f), da CRP (a liberdade de gestão tem por contraponto a obrigação por parte do Estado de promoção da neutralidade fiscal), 82.º, nºs 1 e 3 (garantia de existência do sector privado) e 86.º, n.º 2 (proibição de intervenção por parte do Estado na gestão das empresas privadas), e do princípio da proporcionalidade que encontra expressão qualificada nos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e é uma emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP);

– a interpretação feita pela Requerente não ofende o princípio de que «a formulação genérica dos benefícios fiscais deve obedecer ao princípio da igualdade, de modo a não falsear ou ameaçar falsear a concorrência»;

– quem de facto exerce a actividade de produção de energia nas instalações (investimento) de que é proprietária, é a A... sendo a sua subsidiária detida a 100%, a C..., é um agente utilizado pela A... nas relações com o exterior do Grupo, designadamente para a comercialização de energia, agente este que a qualquer momento a A... pode descontinuar sem restrições de facto ou jurídicas, designadamente contratuais, de espécie alguma;

– em bom rigor a actividade energética da A... nem chega a ter autonomia no cômputo daquilo que é a actividade por si exercida de produção de pasta ... e...: o aproveitamento energético da madeira sobrante após a extracção da ... que, para além de uma inevitabilidade no âmbito do processo de produção da pasta (necessidade de vapor) é ainda uma inevitabilidade económica e ambiental na indústria da ...;

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente processo, defende a posição assumida na referida informação vinculativa, acentuando, designadamente, o seguinte:

– os n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do RFAI apontam no sentido de o regime ser aplicável a sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade dos tipos aí indicados, e a investimentos afectos à exploração da empresa;

– em 2011, a produção de energia não era actividade principal da Requerente e só em 2012 o seu objecto social foi alterado;

– a colocação de energia na Rede Eléctrica Nacional encontra-se limitada a empresas especificamente licenciadas para o efeito, pelo que, à data dos factos, as unidades geradoras de energia detidas pela A... encontravam-se a ser operadas pela C..., empresa que detinha a licença de exploração de unidades geradoras;

– o Decreto-Lei n.º 583/99, de 13 de Dezembro, diploma que estabeleceu as disposições relativas à actividade de cogeração, exige autorização e licença de exploração para o seu exercício;

– a licença de exploração ter sido atribuída à C..., entidade que operava as unidades geradoras de energia, enquanto a Requerente, à data dos factos, não só não previa no seu objecto social, a actividade de produção de energia, como também não reunia os pressupostos;

– de acordo com o contrato de cessão de exploração, à C... foi cedido pela Requerente o gozo e exploração temporária da instalação destinada à produção de energia eléctrica e térmica de que a Requerente é proprietária, sendo que, nos termos do n.º 2 da cláusula 2.ª, a cessão atrás referida destinava-se a possibilitar à C..., de harmonia com o seu objecto social, a produção e comercialização de energia eléctrica e térmica, pelo que os bens terão sido afectos à exploração da empresa C..., não à da Requerente;

– não foi objectivo do legislador opção do legislador permitir a aplicação do RFAI a entidades legalmente impossibilitadas do exercício de determinada actividade;

– se o benefício é concedido em ordem a incentivar a realização de investimentos, e se se estabelece expressamente que os bens de investimentos devem ser afectos à actividade da empresa, naturalmente pretende-se que sejam afectos à actividade da empresa que vem invocar o direito ao benefício;

– não obstante o benefício fiscal ser deduzido à matéria colectável do grupo, a verificação dos pressupostos do benefício fiscal e o cumprimento das obrigações impostas ao titular do direito a esse benefício deve ser efectuada relativamente à empresa que faz o investimento e não ao grupo, sob pena de se desvirtuar a intenção do legislador ao estabelecer os requisitos a observar na concessão do benefício;

– as regras da interpretação, designadamente o elemento literal, apontam no sentido da tese adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e tem de se presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;

– trata in casu da interpretação de normas concernentes à atribuição de benefícios fiscais, sendo que o conceito de benefícios fiscais foi definido pelo legislador no artigo 2.º do Estatuto dos Beneficios Fiscais como “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”;

– a tese defendida pela Requerente ofende os princípios da legalidade tributária e da igualdade tributária;

– carece de qualquer fundamento axiologicamente aceitável, a pretensão da Requerente de cumprir o pressuposto subjectivo com base no exercício a título principal de uma actividade que não é a actividade beneficiária dos investimentos que pretende ver relevados para efeitos de atribuição de crédito fiscal, ademais, não exercendo ela própria a actividade beneficiária dos investimentos, mormente por lhe estar legalmente vedado tal exercício.

 

4.2. Fundamentação do acto que é objecto do processo

 

Nas alegações, a Requerente suscita a questão de a Autoridade Tributária e Aduaneira estar a invocar um fundamento não invocado no acto impugnado, designadamente o de o investimento “não ter sido afecto à exploração da empresa”.

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, sendo o objecto de apreciação do Tribunal Arbitral o acto praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada em face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [2] )

Assim, é irrelevante a fundamentação a posteriori.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não tem fundamento a alegação Requerente de que invocou fundamentação a posteriori, tendo sintetizado «que a correcção controvertida assenta, no essencial, nos factos de i) ter o investimento sido efectuado em actividade secundária da Requerente, (não constante sequer do respectivo objecto social e sendo mesmo vedada por lei à Requerente), e ii) não ter sido afecto à exploração da empresa, não sendo, por isso, elegível para efeitos do benefício previsto no Regime» e afirma que carece «absolutamente de crédito a imputação de fundamentação a posteriori quando os termos utilizados pela Requerente na sua petição inicial permitem concluir com toda a segurança que os fundamentos da correcção controvertida foram perfeitamente compreendidos pelo destinatário». (artigos 23.º e 26.º das alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira).

Obviamente, a questão da fundamentação a posteriori nada tem a ver com a compreensão dos fundamentos do acto pelo seu destinatário, mas sim com a circunstância de ela ter sido ou na invocada no acto, pelo que é pertinente determinar com precisão quais os fundamentos que relevam para efeitos de apurar a legalidade do acto de liquidação.

A Autoridade Tributária e Aduaneira conclui nos artigos 40.º a 42.º da sua alegação que, no presente processo, o Tribunal Arbitral deve

– determinar se terá aplicabilidade o benefício no caso de investimentos realizados no âmbito de uma actividade assumidamente não exercida a título principal;

 – decidir se a Requerente pode beneficiar dos créditos fiscais, mesmo havendo contratado a cessão da exploração dos investimentos a uma outra sociedade, ainda que, como invoca, por si dominada;

– e ainda, saber se, mesmo estando-lhe legalmente vedado o exercício de tal actividade, para a qual não estava licenciada, ainda assim, poderá configurar-se legítima e legal a usufruição do referido benefício fiscal.

 

 

Examinando a fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária efectuada ao grupo de sociedades constata-se que justifica-se a correcção «por no cálculo do benefício fiscal não ter considerado a exclusão do investimento realizado na atividade de produção de energia em conformidade com a informação vinculativa que lhe foi prestada e como determina o n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009» e remete-se para a fundamentação do ponto III.1.1 do Relatório de Inspeção que se anexa, que o relativo à Requerente, enquanto sociedade individual [alínea e) da matéria de facto fixada e ponto III- 2.1 do RIT relativo ao grupo].

No ponto III.1.1. do Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção à Requerente enquanto sociedade individual, remete-se para os fundamentos da Informação vinculativa n.º..., pedida pela Requerente, de que se destaca:

a) Dado que a primeira condição para que um sujeito passivo de IRC possa aproveitar do incentivo em causa é, desde logo, o exercício, a título principal, de uma atividade que se integre num dos setores elencados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do diploma que criou o RFAI 2009, forçoso se torna concluir que a requerente, não exercendo qualquer atividade que se integre no setor energético, não pode aproveitar do incentivo relativamente ao investimento afeto à central termoelétrica a biomassa."

 

            Em seguida, refere-se no Relatório da Inspecção Tributária que, «atendendo a que nos termos do n.º 14 do art.º 68.º da Lei Geral Tributária (LGT) a "administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial", somos a considerar que o investimento relacionado com a atividade de produção de energia não constitui investimento relevante nos termos artigo 2º do Regime Fiscal de Apoio ao investimento (RFAI) por corresponder a investimento concretizado em atividade diferente da sua atividade principal pelo que não é elegível nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 2.º» (realce a negrito nosso).

            Constata-se, assim, que, no Relatório da Inspecção Tributária, não há qualquer referência ao n.º 2 do artigo 2.º do RFAI, sendo a correcção justificada apenas com base no n.º 1 do mesmo artigo e no facto de o investimento relacionado com a produção de energia ter sido concretizado em actividade diferente da principal, o que entendeu suficiente para o considerar não elegível.

Não há aqui qualquer referência a falta de afectação do investimento à exploração da empresa, a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, mas apenas ao facto de o investimento ter sido concretizado em actividade que não é a principal da empresa.

No entanto, resulta do texto do Relatório da Inspecção Tributária que não é por falta de enquadramento da Requerente no n.º 1 do artigo 2.º do RFAI que se entende que não pode usufruir do benefício fiscal, mas sim por «deficiência» do investimento, consubstanciada em não ter sido concretizado na actividade principal da Requerente.

Sendo assim, há que notar aqui uma fundamentação de direito incompleta (pelo menos), pois na estrutura do artigo 2.º do RFAI, os n.ºs 1 e 3 definem quem são os sujeitos passivos que podem beneficiar do RFAI e o n.º 2 é que indica quais os investimentos elegíveis.

E, no caso em análise, não se explica como do n.º 1, que não faz qualquer referência a investimentos, se extrai uma conclusão sobre a ligação do investimento à actividade principal da empresa. No entanto, a referência genérica que se faz ao artigo 2.º («... o investimento relacionado com a atividade de produção de energia não constitui investimento relevante nos termos do artigo 2º do Regime Fiscal de Apoio ao investimento (RFAI)...»), antes da referência final ao seu n.º 1 (...«não é elegível nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 2.º»), se é certo que não afasta o erro desta referência ao n.º 1, também não permite concluir que no âmbito da referência genérica ao artigo 2.º não se tenha considerado o seu n.º 2, que define os investimentos elegíveis, como fundamento da conclusão a que se chegou.

Na decisão da reclamação graciosa, não há uma remissão para a fundamentação da informação vinculativa, sendo invocada a sua existência como razão para indeferimento da reclamação graciosa, dizendo-se que «será de indeferir na totalidade ao pedido, mantendo-se a correcção dos SIT, nos termos e fundamentos ínsitos no RIT».

Assim, tem de se concluir que o único fundamento invocado foi o de ser o «investimento concretizado em atividade diferente da sua atividade principal».

Por isso, tem de se concluir que:

– não foi por o investimento não estar afecto à exploração da Requerente que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que deveria efectuar a correcção que efectuou;

– também não foi por não enquadramento da Requerente na previsão do n.º 1 do artigo 2.º do RFAI que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não podia usufruir do benefício fiscal.

 

Foi apenas a não coincidência entre a actividade principal da Requerente e a actividade a que se destina o investimento que levou a que Autoridade Tributária e Aduaneira entendesse que não há direito daquela ao benefício fiscal.

É, aliás, essencialmente, a posição assumida na Informação vinculativa, em que se considerou que a Requerente não pode usufruir do benefício fiscal por «corresponder a investimento concretizado em atividade diferente da sua atividade principal pelo que não é elegível nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 2.º».

Por isso, dos pontos que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere nos artigos 40.º a 42.º da sua alegação como estando em causa no presente processo, só o primeiro («determinar se terá aplicabilidade o benefício no caso de investimentos realizados no âmbito de uma actividade assumidamente não exercida a título principal») não corresponde a uma fundamentação a posteriori.

Na verdade, quanto a «decidir se a Requerente pode beneficiar dos créditos fiscais, mesmo havendo contratado a cessão da exploração dos investimentos a uma outra sociedade, ainda que, como invoca, por si dominada», não há qualquer sinal na fundamentação de se ter entendido que a cessão da exploração dos investimentos, a que não se faz qualquer referência, seja um obstáculo ao benefício fiscal.

Por outro lado, quanto a «saber se, mesmo estando-lhe legalmente vedado o exercício de tal actividade, para a qual não estava licenciada, ainda assim, poderá configurar-se legítima e legal a usufruição do referido benefício fiscal», também não se encontra no Relatório da Inspecção Tributária qualquer referência a que a proibição de exercício de uma actividade ou a falta de licenciamento fossem obstáculos à usufruição do benefício fiscal.

Por isso, à face da fundamentação contemporânea do acto, apenas está em causa no presente processo decidir se tem apoio legal a tese subjacente à liquidação impugnada de só poderem usufruir do benefício em relação a determinado investimento empresas que tenham como actividade principal aquela a que ele se destina.

 

4.3. Questão da interpretação do artigo 2.º, n.º 1, do RFAI

 

O artigo 2.º do RFAI estabelece o seguinte:

 

Artigo 2.º

 

Âmbito de aplicação e definições

 

 

1 - O RFAI 2009 é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade:

a) Nos sectores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico e ainda da indústria extractiva ou transformadora, com excepção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto;

b) No âmbito das redes de banda larga de nova geração.

2 - Para efeitos do presente regime, consideram-se como relevantes os seguintes investimentos desde que afectos à exploração da empresa:

a) Investimento em activo imobilizado corpóreo, adquirido em estado de novo, com excepção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projectos de indústria extractiva;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afectos a actividades administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afecto a exploração turística;

v) Equipamentos sociais, com excepção daqueles que a empresa seja obrigada a ter por determinação legal;

vi) Outros bens de investimento que não estejam directa e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa;

b) Investimento em activo imobilizado incorpóreo, constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, 'saber-fazer' ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

3 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de cinco anos os bens objecto do investimento;

d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 244, de 1 de Outubro de 2004;

f) Efectuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º

4 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definida no anexo i do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto, as despesas de investimento a que se refere a alínea b) do n.º 2 não podem exceder 50 % dos investimentos relevantes.

5 - Considera-se investimento realizado em 2009 o correspondente às adições, verificadas nesse exercício, de imobilizações corpóreas e bem assim o que, tendo a natureza de activo corpóreo e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições às imobilizações em curso.

6 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de imobilizações corpóreas que resultem de transferências de imobilizado em curso transitado de exercícios anteriores, excepto se forem adiantamentos.

 

Em primeiro lugar, há que notar que a Requerente se integra claramente na previsão textual do n.º 1 deste artigo 2.º, pois é um sujeito passivo de IRC que exerce, a título principal, uma actividade na indústria transformadora.

Por outro lado, no n.º 2, que define os investimentos elegíveis, não se faz qualquer restrição aos que estejam conexionados com a actividade principal das empresas elegíveis, pelo que, por esta via, também não se pode encontrar suporte textual para concluir que apenas investimentos conexionados com a actividade principal das empresas indicadas no n.º 1 sejam elegíveis.

As normas que criam benefícios fiscais têm natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que devem ser interpretadas nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições, de forma a abrangerem todos os casos nelas literalmente previstos e apenas esses, como é jurisprudência pacífica. ( [3] )

A necessidade de suporte textual consistente para a interpretação de normas excepcionais é acentuada no caso de normas incluídas na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, como é o caso das que prevêem benefícios fiscais [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP]. O que se reconduz a que seria incompaginável com a Constituição, por ofensa dos princípios da reserva de lei e da reserva de lei a adição pela Administração de requisitos para a concessão de benefícios fiscais não explicitamente exigidos pelas normas que os prevêem e que não se apura com a segurança reclamada pelo princípio da confiança que aí estejam implícitos.

No caso em apreço, para além de não haver qualquer suporte textual para o afastamento do benefício fiscal nos casos em que uma empresa é enquadrável na previsão do n.º 1 do artigo 2.º do RFAI, não há qualquer razão para detectar um requisito adicional implícito, pelo menos nos casos em que o sector económico em que é feito o investimento numa actividade secundária, pois a aplicação do benefício fiscal nesta área sintoniza-se com a intenção legislativa de «potenciar o investimento produtivo empresarial» e, no caso, de promover a independência e eficiência energéticas, bem como da sustentabilidade ambiental, revelada no Relatório da Proposta de Lei n.º 247/X que deu origem à Lei n.º 10/2009. ( [4]

Assim, é de concluir que podem usufruir do benefício fiscal empresas enquadráveis na previsão do n.º 1 do artigo 2.º do RFAI que façam investimentos em actividades que não sejam a sua actividade principal, pelo menos quando eles são efectuados numa actividade secundária que está também prevista nesta norma.

O que leva a concluir que não tem suporte legal e enferma de vício de violação de lei a conclusão, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira assentou a liquidação impugnada, de que o investimento não é elegível por ter sido concretizado em actividade diferente da actividade principal da Requerente.

É certo, porém, que está ínsito no regime do artigo 2.º do RFAI que os investimentos sejam utilizados numa actividade da própria empresa elegível, mesmo que não seja a principal.

No caso em apreço, não se pode duvidar de que a produção da biomassa florestal e a sua utilização para produção de energia eléctrica está directamente conexionada com a indústria da madeira e da pasta..., pois essa ligação é expressamente assumida na Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, de 24 de Outubro, ao enunciar, entre as medidas a adoptar para «a produção de energia eléctrica e a expansão de outros usos directos sob a forma de calor ou de luz a partir de fontes renováveis de energia», «a valorização da biomassa florestal, em regime a compatibilizar com as indústrias da madeira e da pasta......».

Para além disso, a produção de energia eléctrica, nos termos do contrato celebrado com a C..., SA, não pode ser considerada uma actividade alheia à Requerente, pois:

– a Requerente manteve a propriedade da instalação destinada à produção de energia;

– a instalação está situada no interior do Complexo de ... de que Requerente é proprietária (cláusula 1.ª do Contrato);

– a operação do equipamento de produção de energia é efectuada, em regra, por trabalhadores da Requerente, que já estavam afectos à instalação no momento em que foi celebrado o contrato (cláusula 3.ª, n.º 1, do Contrato);

– os trabalhadores da Requerente afectos à produção de energia continuaram a ser por ela remunerados, mantendo aquela sobre eles o poder disciplinar, e ficando os mesmos apenas funcionalmente sujeitos às ordens e orientações da C... (cláusula 3.ª, n.º 2, do Contrato);

– «toda a energia eléctrica e térmica produzida na instalação será destinada prioritariamente, a satisfação das necessidades do Complexo de ... da A... e acessoriamente à venda a terceiros, tudo de harmonia com contratos que vierem a ser celebrados com os referidos adquirentes» (cláusula 5.ª do Contrato);

– como contrapartida da cessão e da prestação de serviços, a C... efectua pagamentos à Requerente;

– era a Requerente quem fornecia a lixívia negra, as biomassas, a água de alimentação às caldeiras e os consumíveis , como se depreende da Cláusula 6.ª, n.º 1, alínea b);

– a entidade que nominalmente efectua a exploração dos investimentos é detida a 100% pela Requerente.

 

Neste contexto, é inequívoco que há uma actividade de produção de energia com utilização de biomassa produzida pela Requerente, que é levada a cabo por trabalhadores da Requerente, nas suas instalações, com utilização dos equipamentos adquiridos com os investimentos em causa, obtendo a Requerente proveito económico de tal actividade, através dos pagamentos previstos no contrato, que são contrapartida não só da cessão como da prestação de serviços.

Assim, está-se perante uma actividade que, pelo menos, no que concerne à prestação de serviços remunerada, é exercida directamente pela Requerente, com base nos investimentos efectuados, realidade esta que não é prejudicada pelo facto de a C... desenvolver a sua própria actividade económica, explorando os mesmos investimentos, através da prestação de serviços que adquire à Requerente e, eventualmente, também com outros meios próprios.

Por outro lado, prestação de serviços conexionada com a produção de energia através de biomassa constitui uma actividade acessória enquadrável no objecto social da Requerente, que abrangia, em 2010, «acessoriamente explorar os serviços e efectuar as operações civis e comerciais, industriais e financeiras relacionadas, directa ou indirectamente, no todo ou em parte, com o seu objecto ou que sejam susceptíveis de facilitar ou favorecer a sua realização» [alínea b) da matéria de facto fixada]. No caso, é evidente que a prestação de serviços tendentes à produção de energia eléctrica com uso de biomassa não pode deixar de considerar-se como estando relacionada «directa ou indirectamente, no todo ou em parte» com o objecto principal da Requerente, como é genericamente reconhecido na referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005 e resulta dos documentos n.ºs 9 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

Sendo assim, não se vê como se possa concluir, em termos económicos, que a Requerente não explora os investimentos, ao utilizá-los por trabalhadores seus, nas suas instalações, para produzir energia eléctrica prioritariamente para si própria, obtendo proveitos económicos pelo exercício de tal actividade.

Para além de esta realidade ser a «substância económica» a que se deve atender nos casos de dúvida sobre a interpretação de norma de incidência (artigo 11.º, n.º 3, da LGT) ( [5] ), no caso em apreço a entidade que juridicamente assume a responsabilidade pela exploração é detida a 100% pela Requerente e está em causa um benefício fiscal que se aplica à colecta, no âmbito de tributação efectuada pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, pelo que nem se afigura que a realidade jurídica resultante da exploração nominal pela C... possa merecer tratamento distinto do que se justifica em face da substância económica.

Por outro lado, independentemente de a actividade de prestação de serviços à C... efectuada pela Requerente carecer ou não de alguma licença ou autorização que não tenha sido obtida (o que não se apurou), é certo que a hipotética ilicitude de tal prestação de serviços não constituiu fundamento da posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao praticar o acto impugnado, pelo que não pode ser dado relevo a esse hipotético fundamento invocado a posteriori.

Para além disso, também não se vislumbra porque é que o legislador, visivelmente preocupado em incentivar a produção de energia através de fontes renováveis e incentivar o investimento, pretenderia obstar a que uma empresa realizasse investimentos em equipamentos e instalações com o fim de os explorar através da prestação de serviços a outras empresas comercializadoras de energia.

Por isso, para além de a situação da Requerente se enquadrar literalmente na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RFAI, única norma que a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou como estabelecendo obstáculo jurídico à pretensão da Requerente, não se vêem razões que justifiquem uma interpretação restritiva, designadamente a inclusão de um requisito adicional com o alcance de o benefício fiscal não poder ser usufruído por empresas que, tendo uma actividade principal do tipo das aí previstas, realizaram investimentos nos sectores aí previstos no âmbito de uma actividade secundária compatível com o seu objecto.

Por outro lado, não se vislumbra que a interpretação que resulta do teor literal daquele artigo 2.º, n.º 1, do RFAI seja incompaginável com os princípios constitucionais da igualdade ou da legalidade.

Na verdade, desde logo, quanto ao princípio da legalidade, o que o ofenderia seria a adição, por via administrativa, de um requisito não previsto explicitamente nem detectável como implícito.

Quanto ao princípio da igualdade, a interpretação que resulta do teor literal é aplicável à generalidade das empresas que se encontre na situação descrita naquela norma, e os benefícios fiscais, favorecendo quem deles usufrui, têm justificação na prossecução dos fins extrafiscais que com eles se prossegue, que, no caso em apreço, são evidentes e pormenorizadamente explicados no relatório da Proposta de Lei n.º 247/X, que veio a dar origem ao RFAI.

Termos em que se conclui que o acto de liquidação impugnado, na parte que é impugnada no presente processo, enferma de vício de violação de lei, designadamente o artigo 2.º, n.º 1, do RFAI, o que justifica a sua anulação (artigo 135.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991).   

A decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, na parte em que manteve o acto de liquidação, na parte impugnada enferma do mesmo vício.

As liquidações de juros compensatórios têm por base a liquidação impugnada, pelo que enfermam também do mesmo vício de violação de lei, na parte em que assentam na parte aqui anulada.

 

 

5. Decisão

 

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)                  Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2014..., e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014 ... e 2014 ..., relativas ao exercício de 2011, nas partes correspondentes à correcção relativa ao RFAI;

b)                 Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º ... 2014..., na parte em que manteve as referidas liquidações de IRC e juros compensatórios;

c)                  Anular as liquidações e decisão referidas.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.439.649,45.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 55.998,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 10-12-2015

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Leonor Fernandes Ferreira)

 

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

(vencido conforme declaração junta)

 

 

                    Declaração de voto do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro

 

Não acompanho a decisão tomada por maioria e, em consequência, voto vencido, pelas razões que passo a enunciar.

 

1. A norma de decisão aplicável ao caso, no que respeita aos requisitos necessários para que o sujeito passivo possa ter direito ao beneficio fiscal em causa, consta dos vários números   do artigo 2º do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), só estando em causa no presente processo, de acordo com as posições das partes, o preenchimento das condições previstas nos números 1 e 2.

 

2. O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos que exerçam, a titulo principal, uma das atividade previstas nas alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 2º, que procedam a um investimento em ativo imobilizado corpóreo (não excecionado pelo nº 2 deste artigo) ou em algum ativo imobilizado incorpóreo dos referidos na al. b), do referido nº 2 e que tal investimento seja afeto à exploração da empresa.[6]

O sentido normativo que resulta da conjugação dos números 1º e 2º do mencionado artigo, aponta no sentido dos investimentos elegíveis serem efetuados numa das atividades mencionadas no nº 1 do artigo 2º, desde que exercida pelo sujeito passivo.

 Todavia, a meu ver, a norma não exige expressamente, nem a ratio legis o impõe, que a atividade principal do sujeito passivo e a atividade em que se concretiza o investimento sejam a mesma. Basta que o sujeito passivo exerça ambas as atividades e que ambas estejam mencionadas no nº 1 do art. 2º do RFAI.

 

3. No caso dos autos, o sujeito passivo exerce, a título principal, uma das atividade previstas no art. 2º, nº 1 e o investimento foi efetuado numa outra atividade aí prevista.

Torna-se, assim, necessário saber se o sujeito passivo exerce a atividade[7] na qual foi concretizado o investimento e se afetou o investimento à exploração, questões estritamente interligadas.

 

4. Começando pela segunda questão, resulta da matéria de facto assente que o investimento em causa foi afeto à exploração da empresa C..., SA e não à exploração da Requerente.

Tal resulta dos seguintes factos provados:

 

m) Em 2009, 2010 e 2011, para o que aqui interessa, a Requerente concretizou investimentos em unidades de produção de energia situadas nos seus complexos industriais;

n) A produção de energia com utilização dos desperdícios resultantes da actividade da Requerente de produção de pasta ... é efectuada pela empresa do grupo C..., SA;

o) A Requerente celebrou com a C..., SA (doravante “C”) o contrato de cessão temporária de exploração que consta do processo administrativo, parte 11, páginas 17 a 19, cujo teor se dá como reproduzido (…).

 

5. É certo que a empresa a C..., SA  é detida em 100 % pela Requerente mas, como nos diz Pedro Pais de Vasconcelos, escrevendo sobre a desconsideração da personalidade coletiva das sociedade comerciais “As pessoas colectivas são juridicamente autónomas em relação às pessoas dos seus instituidores ou membros. São sujeitos de direito diferentes. Assim, os actos e situações jurídicas imputadas às pessoas colectivas não podem ser imputadas aos seus instituidores ou membros e, vice-versa, os actos e situações jurídicas imputadas aos seus instituidores e membros das pessoas colectivas não podem a estas ser imputados. Trata-se do princípio da separação (Trennungsprinzip) sempre coenvolvido pela personalidade colectiva.”[8]

A desconsideração da personalidade coletiva das sociedades comerciais é um problema que se tem levantado, fundamentalmente, em situações em que se verifica uma atuação abusiva por parte dos sócios e não para conferir aos mesmos vantagens que pudessem decorrer da ausência da personalidade jurídica.

Como nos diz o mesmo autor “A autonomia pessoal e patrimonial das pessoas colectivas é suscetível de ser abusada. O mau uso da personalidade colectiva, para fins ilícitos, tem suscitado um movimento jurisprudencial e doutrinário, com reflexo já na própria letra da lei, no sentido da desconsideração da personalidade colectiva[9] e “A “desconsideração da personalidade colectiva” ocorre quando, não obstante a separação entre as esferas jurídicas da pessoa colectiva e dos respectivos sócios, inerentes à personalidade colectiva, o Direito imputa ao sócio a autoria ou a responsabilidade de actos da pessoa colectiva, ou vice-versa, como se, no caso concreto,  personalidade colectiva não houvesse, sem que por isso, a existência e a personalidade da pessoa colectiva em causa sejam denegadas”.[10] [11]

 

No caso em apreço, a meu ver, não há fundamento legal para a desconsideração da personalidade coletiva da C..., S.A. e  não se pode considerar que a Requerente afetou à sua exploração os investimento em causa, mas sim que os mesmos foram afetos à exploração da C... S.A.

 

6. Do mesmo modo, não é sustentável que se considere que a Requerente exercia a título secundário a atividade de produção e comercialização de energia, pois não tinha afetos à sua exploração os meios necessários para o efeito, (contratualmente cedidos à C... S.A.), nem lhe era permitido, licitamente, exercer tal atividade, por falta da respetiva licença de exploração. [12]

Aliás, consta da clausula 2ª do contrato de cessão temporária de exploração, constante da al. o) do probatório que ”Pelo presente contrato, a A... cede à C...o gozo e exploração temporária da instalação referida na cláusula 1ª” e do nº 1, da clausula 6ª que:

 “1. Como contrapartida da cessão referida na cláusula 2ª e da prestação de serviços referida na cláusula 3ª, a C...pagará a A...:

a) Uma prestação variável mensal correspondente aos custos de mão-de-obra, encargos gerais administrativos, manutenção e seguros da central, acrescidos de 1.º/oo.

b) Uma prestação variável, a pagar mensalmente, correspondente ao custo e encargos verificados com a aquisição de lixívia negra, biomassas, água de alimentação às caldeiras e consumíveis.

A atividade era, pois, exercida C..., S.A.  e não pela Requerente.

 

Concluo, assim, que a Requerente não reunia os requisitos substantivos de que a lei fazia depender o direito ao benefício fiscal em causa.

 

7. Resta agora saber se as considerações em causa podem, ou não, fundamentar uma decisão do Tribunal arbitral no sentido da improcedência da impugnação arbitral deduzida pela Requerente, tendo em consideração a fundamentação dos atos administrativos impugnados pois, como se decidiu no acórdão do STA de 01-06-2011, proferida no processo  058/11, em linha com jurisprudência pacífica “Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária.

 

8. A este respeito, afigura-se-me que faz parte da fundamentação dos atos administrativos impugnados, por expressa remissão, quer do relatório de inspeção, quer da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa, o seguinte:

 

“A requerente desenvolve as seguintes actividades enquadráveis na secção C, divisão..., da CAE-Rev 3: • Actividade principal: Fabricação de pasta - CAE ... • Actividade secundária: Fabricação de ... e de cartão (excepto canelado) - CAE ... .Ora, se a primeira condição para que um sujeito passivo de IRC possa aproveitar do incentivo em causa é, desde logo o exercício, a título principal, de uma actividade que se integre num dos sectores elencados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do diploma que criou o RFAI 2009, forçoso se torna concluir que a requerente, não exercendo qualquer actividade que se integre no sector energético, não pode aproveitar do incentivo relativamente ao investimento afecto à central termoeléctrica a biomassa. Aliás, segundo consta da informação adicional anexa ao pedido de informação vinculativa, «a colocação de energia eléctrica na Rede Eléctrica Nacional encontra-se limitada a empresas especificamente licenciadas para o efeito como tal, as unidades geradoras de energia detidas pela A..., SA, encontram-se a ser operadas pela empresa do grupo C..., SA (a operadora), empresa a quem foi atribuída a licença de exploração de unidades geradoras. Logo, se a operadora das unidades geradoras de energia é a C..., não podemos, sequer, dizer que a requerente desenvolve uma actividade no âmbito do sector energético.

 

 

No Relatório da Inspeção Tributária relativo à inspeção à Requerente enquanto sociedade individual, remete-se para os fundamentos da Informação vinculativa n.º..., pedida pela Requerente.

Do mesmo modo, tal remissão ocorre, a meu ver, na decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa conforme resulta da al. K) da matéria de facto.

Em consequência, a referida informação vinculativa faz parte da fundamentação dos atos tributários sub judice.

 

 

9. Resulta deste discurso fundamentador que, na perspetiva da AT, o beneficio fiscal é impedido pelas seguintes circunstâncias:

- A Requerente não exerce atividade que se integre no setor energético.

-A operadora das unidades geradoras de energia é a C..., S.A..

- A empresa do grupo a que pertence a Requerente, que detém a licença de exploração de unidades geradoras é a C... e não a Requerente.

 

É certo que no Relatório da Inspeção Tributária relativo à inspeção à Requerente se escreve que:

 

“somos a considerar que o investimento relacionado com a atividade de produção de energia não constitui investimento relevante nos termos artigo 2º do Regime Fiscal de Apoio ao investimento (RFAI) por corresponder a investimento concretizado em atividade diferente da sua atividade principal pelo que não é elegível nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 2.º”

 

Mas também é certo que no Relatório da Inspeção Tributária se remete para os fundamentos da Informação vinculativa n.º..., pedida pela Requerente.

 

Assim, na perspetiva dum declaratário normal, resulta claro que a Requerida não acolheu a pretensão da Requerente ao benefício fiscal por entender que, além de não ter concretizado o investimento na sua atividade principal, não ter concretizado o investimento para efeitos de atividade que ela própria Requerente exercesse, mas sim para o exercício de atividade de outra empresa do grupo, concretamente a C..., S.A. e que tal sociedade é que é a operadora das unidades geradoras de energia e detentora da licença de exploração das unidades geradoras.

 

Reconhecendo-se que a explicitação das razões da AT poderia ter sido mais feliz, ela não deixa de expressar os requisitos da norma de decisão, que considera não preenchidos.

Na realidade, da fundamentação consta claramente o apontar da ausência de atividade energética por parte da Requerente e a afetação do investimento à exploração de outra sociedade do que decorre, consequentemente, a não afetação à Requerente.

 

10. Assim sendo, a meu ver, o Tribunal arbitral ao julgar a ação improcedente pela não verificação destes requisitos, não transporia a fronteira da fundamentação da AT e, em consequência, não violaria o princípio da separação de poderes.

Em conformidade com o exposto, na minha opinião, seria de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2015

 

 

                                               O árbitro

 

 

                                   (Marcolino Pisão Pedreiro)



[1]               O número da Informação vinculativa é ... e não …, como se vê pelo processo administrativo, parte 6.

[2] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

-              de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.

-              de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

-              de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

-              de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

 

Em sentido idêntico, podem ver-se:

-     MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".

 -    MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

 [3]             Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em

http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[4]              Disponível em

http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334277624449304e793159587a45756347526d&fich=ppl247-X_1.pdf&Inline=true

[5]              São normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação».

                Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais (SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126, e NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56).

[6] E ainda, obviamente, que reúnam os requisitos previstos nos números 3) e 4).

 

[7] Mais do que a questão de saber se a atividade em causa estaria ou não abrangida pelo objeto social da Requerente, a meu ver, a questão relevante é a de saber se a Requerente exercia ou não a atividade em que se concretizou o investimento.

2 TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, Almedina, 2012, 6ª Edição, pag. 182.

3 Ob. cit. pag. 183.

[10] Ob. cit. pag, 184.

[11] Sobre este problema no domínio especifico dos grupos de sociedades na perspetiva do direito civil e comercial  cfr. António Menezes Cordeiro, O LEVANTAMENTO DA PERSONALIDADE COLECTIVA NO DIREITO CIVIL E COMERCIAL, Almedina, 2000, pags. 131 e seguintes.

6 Esta circunstância é referida na informação vinculativa e não foi posta em causa pela Requerente.

Acresce que, no art. 25º da petição inicial a Requerente expressamente alega que “Os factos relevantes são pacíficos pelo que não merecem praticamente menção.”