Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 583/2022-T
Data da decisão: 2023-08-12  IRS  
Valor do pedido: € 2.054.447,44
Tema: IRS – Mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo ativo seja constituído, em mais de 50%, por bens imóveis situados em território português. Artigo 10.º, n.º 12, do Código de IRS, na redação dada pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho.
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SUMÁRIO 

     I.         À data dos factos (2008), o artigo 10.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS previa uma exclusão de tributação para as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas há mais de um ano. 

   II.         Com a entrada em vigor da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, esta exclusão de tributação deixou de ser aplicar às“mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português” (cf. n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, posteriormente revogado pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho). Este preceito constitui uma norma anti-abuso específica contra a utilização/interposição de sociedades anónimas para ilidir a tributação de mais-valias provenientes da alienação de imóveis situados em território português, mais-valias estas tributadas em sede a IRS.

 III.         Embora o fim visado pela norma anti-abuso contida no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS seja claro, o texto da norma não esclarece qual a metodologia ou a fórmula aritmética a adotar, ou os elementos a considerar, para o cômputo do rácio em que a norma assenta, nomeadamente, quando é necessário atender a imóveis indiretamente detidos pela sociedade cujas ações são alienadas.

 IV.         À luz da proibição da fundamentação dos atos tributários a posteriori, o Tribunal Arbitral encontra-se adstrito a apreciar a legalidade das liquidações de imposto contestadas face à fundamentação contida nos relatórios de inspeção tributária com base nos quais as liquidações de imposto contestadas foram emitidas.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Professora Doutora Cristina Aragão Seia e Dr. António Cipriano da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

I.   RELATÓRIO

1.      A..., com o NIF..., residente em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (“Primeira Requerente”), e B..., com o NIF..., viúvo, residente em Rua ..., n.º ... –..., ...-... Lisboa (“Segundo Requerente”) (conjuntamente designados como “Requerentes”), vieram, em 03-10-2022, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação: 

(A)   Das liquidações de IRS n.ºs 2012..., no valor de € 1.323.832,33 (Primeira Requerente), e 2012..., no valor de € 681.372,05 (Segundo Requerente), referentes ao ano de 2008 (“Liquidações Contestadas”);

(B)   Dos atos de indeferimento expresso das reclamações graciosas autuadas com os n.ºs ...2013... (Primeira Requerente), e ...2013... (Segundo Requerente), no âmbito das quais os Requerentes contestaram a legalidade das Liquidações Contestadas;

(C)   Dos atos de indeferimento expresso dos recursos hierárquicos autuados com os n.ºs ...2013... (Primeira Requerente), e ...2013... (Segundo Requerente), apresentados contra os atos de indeferimento identificados na alínea anterior. 

2.      Peticionam ainda os Requerentes que lhes sejam reembolsadas as quantias indevidamente pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios a que têm direito, em conformidade com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, calculados à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

3.      É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

4.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 06-10-2022 e seguidamente notificado à Requerida.

5.      Em conformidade com o disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

6.      As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

7.      O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14-12-2022.

8.      Em 31-01-2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, tendo remetido o processo administrativo posteriormente em 07-02-2023.

9.      Em 23-02-2023, pelas 10h30, teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, na qual foram inquiridas duas testemunhas arroladas pelos Requerentes. Ainda na mesma reunião foram as Partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações finais escritas.

10.   Os Requerentes e a Requerida apresentaram alegações em 03-03-2023 e 06-03-2023, respetivamente.

11.   Em 14-06-2023, o Tribunal prorrogou o prazo para prolação da Decisão Arbitral, por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

 

II.     POSIÇÃO DAS PARTES 

§1. Posição dos Requerentes

12.   Os Requerentes pretendem a anulação das Liquidações Contestadas e dos atos de indeferimento que sobre elas recaíram, com fundamento na sua ilegalidade, por errónea quantificação dos factos tributários, nos termos do artigo 99.º, alínea a), do CPPT.

13.    A AT entendeu que a exclusão tributária contida no artigo 10.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS não era aplicável à alienação das ações da sociedade C... pelos Requerentes à sociedade D..., que ocorreu em 05-12-2008, invocando o n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, então vigente, e alegando que o ativo da sociedade C... era constituído, direta e indiretamente, em mais de 50% por bens imóveis.

14.   Para fundamentar que o ativo da C... era constituído em 53,10% por bens imóveis, nos Relatórios de Inspeção Tributária que deram origem às Liquidações Contestadas, a AT baseou-se nas declarações IES de 2008 da sociedade C... (sociedade-mãe) e de uma (apenas) das suas 8 participadas – a sociedade E... .

15.   Os Requerentes não se conformam com o método utilizado nos Relatórios de Inspeção Tributária em causa, nem com a fórmula neles adotada, porquanto: (a) a AT considerou a percentagem do custo da participação, a que correspondem imóveis, de apenas uma das 8 subsidiárias da C...; (b) a AT cometeu diversos erros quanto aos valores considerados no numerador e no denominador da fração utilizada para o cálculo; e (c) a AT não teve em conta que a sociedade C..., cujas ações foram alienadas, era, à data, a detentora de uma participação de 47,96% num grupo societário constituído por mais 8 empresas. Para os Requerentes, não existe qualquer base legal ou contabilística que sustente a fiabilidade e a credibilidade dos cálculos contidos nos Relatórios de Inspeção Tributária.

16.   No entendimento dos Requerentes, no caso de a sociedade cujas ações são alienadas deter participações sociais em outras sociedades (como é o caso), um dos critérios que deve ser observado para se apurar se o ativo de uma sociedade é, ou não, constituído, maioritariamente, por bens imóveis é a ponderação obrigatória de todos os ativos de todas as sociedades subsidiárias que integram o grupo societário.

17.   No caso sub judice, sendo a sociedade C... (a sociedade mãe) detentora de 47,96% de um grupo composto por 8 sociedades, AT deveria ter considerado os valores do ativo da sociedade alienada (C...) e dos ativos de todas as sociedades por si participadas, quer estas sejam, ou não, detentoras, directamente, de bens imóveis. E é com referência a estes valores que deve ser confrontado o valor total dos imóveis detidos, direta e indiretamente, pela sociedade C... . 

18.   Apenas através do método da consolidação proporcional é possível obter um resultado tecnicamente credível, consistente, e que seja coerente com a real composição do ativo detido, direta ou indiretamente, pela sociedade cujas ações tenham sido transmitidas (C...). O grupo empresarial em apreço representava, em 2008, um ativo líquido total no montante de € 47.575.196,40 e um património imobiliário no valor total de € 19.387.803,25 (o que corresponde a 40,75% dos ativos totais). Em consequência, as mais-valias declaradas pelos Requerentes não são tributáveis.

19.   Acresce que, tendo os Requerentes comprado as ações da C... em 2000 e vendido as mesmas em 2008 (i.e., passados 8 anos), é evidente que a sua intenção nunca foi especulativa e que a transmissão das ações em 2008 não revela qualquer recurso abusivo de formas jurídicas nem visou qualquer finalidade de evasão fiscal.

20.   Cabe também referir que o valor de venda da C... em dezembro de 2008 foi fortemente influenciado pelo valor do direito de crédito sobre o Estado Português, que não constava das contas da sociedade C... (e ainda desconhecido), mas ao qual se atribuiu o valor mínimo de 12 milhões de euros no momento da venda, nos termos clausulados no contrato. Se considerarmos este direito de crédito para efeitos de apuramento do rácio de bens imóveis, a percentagem do património imobiliário detido pela C..., face ao seu ativo total corrigido, é de 18,29%.

21.   Por último, entendem os Requerentes que é contrário à finalidade prosseguida pelo n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS que a AT se permita impor aos contribuintes, discricionariamente, em cada caso, o seu próprio método, como sendo o único. Do princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP decorre o corolário da tipicidade fechada, o que pressupõe que as normas que definem os factos tributários possuam a densificação suficiente para permitir aos destinatários a sua previsível aplicação. 

22.   Os elementos integrantes da norma tributária devem ser precisos e determinados na sua formulação legal, de tal modo, que nem a AT nem, sequer, o julgador possam introduzir critérios subjetivos de apreciação da sua aplicação concreta. A ideia de que a AT, aplicando o n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, pode, livremente, adotar um critério subjetivo de concretização do comando normativo e impô-lo aos contribuintes, revela uma interpretação da norma, abusivamente discricionária, arbitrária e contrária aos princípios da legalidade, igualdade e da justiça material, consagrados nos artigos 5.º, 8.º e 55.º da LGT e no artigo 103.º, n.º 2, da CRP. Até porque situações idênticas tanto podem vir a ser tributadas nuns casos, e excluídas de tributação noutros, apenas em função da metodologia que, em cada caso, venha a ser utilizada pela AT, o que não é de aceitar.

23.   Concluindo, qualquer interpretação dada pela AT ao n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS no sentido de que esta atribui à AT o poder discricionário de escolher qual o critério que deve ser utilizado pelos contribuintes, como sendo o único admissível, para se calcular o rácio de 50% em bens imóveis, estatuído naquela lei como limite à não tributação, enferma do vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

 

§2. Posição da Requerida

24.   Na informação realizada em sede de cada recurso hierárquico e que suporta a respetiva decisão, a AT entendeu que a interpretação apresentada pelos Requerentes de se ter em consideração a totalidade do património detido indiretamente pela sociedade em causa levaria à desconsideração do património detido diretamente pela sociedade, o que seria contrário à finalidade prosseguida pelo preceito em causa.

25.   Em parte alguma da referida informação foram alteradas as conclusões constantes do Relatórios da Inspeção Tributária e, muito menos, a metodologia seguida na ação de inspeção que levou à conclusão de que “aquando da alienação das ações, o valor dos imóveis detidos direta e indiretamente pela C... totaliza € 2.081.260,91, representando 53,10% do total do ativo da C...”.

26.   Face aos diferentes argumentos apresentados pelos Requerentes, importa, desde logo, notar que a letra da lei é clara: o que importa é o valor do ativo da sociedade vendida (neste caso, o ativo da sociedade C...). Não há na lei qualquer referência a “ativo consolidado”, nem resulta de qualquer elemento aí constante possível interpretação que conduza a essa conclusão, até porque tal nem fará qualquer sentido.

27.   Nos Relatórios de Inspeção Tributária que precederam a emissão das Liquidações Contestadas, a AT considerou, como relevante para o conceito de “ativo” para efeitos de aplicação do disposto n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, o valor do ativo individual da sociedade cujas participações foram vendidas – o valor do ativo da sociedade C... – € 3.919.267,85. Quanto ao apuramento do valor dos imóveis detidos diretamente e indiretamente pela sociedade C... (estes últimos detidos diretamente pela sociedade E...), a AT considerou o peso direto do valor dos imóveis detidos diretamente no total do ativo da sociedade C... e considerou parte do valor da participação na E... reconhecida no Balanço da C..., correspondente ao valor dos imóveis detidos diretamente pela  E... apurando uma percentagem de 53,10% do peso dos imóveis no total do ativo da sociedade C... .

28.   Não foi necessário à AT considerar os imóveis detidos pelas participadas da sociedade E... por considerar que o peso dos imóveis detidos diretamente pela sociedade C... e indiretamente, por via da sua participada E..., no valor do Balanço da sociedade C... já ultrapassava os 50% previstos no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS.

29.   O método da consolidação integral / proporcional defendido pelos Requerentes não era permitido a empresas associadas (como a C... e E...) segundo as regras contabilísticas em vigor em 2008 (Capítulo 13 – Normas de Consolidação de Contas do Plano Oficial de Contabilidade), não cabendo aos Requerentes apresentar o mesmo como alternativa ao método da equivalência patrimonial (MEP), esse sim permitido pelas regras contabilísticas em vigor à data dos factos.

30.   Não obstante a discordância em considerar o “ativo consolidado” da sociedade C... para efeitos de aplicação no disposto n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, a realidade é que o único método a aplicar seria o MEP e o resultado da aplicação deste método seria que o ativo da sociedade C... seria composto em mais de 50% por imóveis.

31.   Aliás, a posição dos Requerentes tem vindo a ser alterada sucessivamente, o que demonstra, que estes não formularam, desde a data dos factos, qualquer tomada de posição sólida. Parece que os Requerentes procuram incessantemente, quer pela aplicação do MEP, quer pela aplicação do método da consolidação proporcional, encontrar um rácio que lhes permita afastar a tributação das mais valias obtidas com a alienação das participações da sociedade C..., por afastamento da aplicação da norma anti-abuso prevista no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS.

32.   Cabe ainda salientar que o momento para aferir o afastamento da aplicação da norma anti-abuso prevista no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS é o momento da alienação das participações (no caso, em 05-12-2008), e que cabia aos Requerentes providenciarem no sentido de reunirem essas demonstrações Financeiras. Mas não o fizeram. A AT andou bem quando, diante da ausência daquela informação financeira, socorreu-se da informação imediatamente anterior à data daquela alienação: no caso da sociedade C..., o balanço datado de 30-11-2008; no caso da sociedade E..., o balanço datado de 30-12-2007.

33.   Concluindo, deve ser mantida a tributação das mais valias obtidas com a alienação das participações da sociedade C..., porquanto os Requerentes não conseguiram demonstrar que estavam reunidas as condições para afastamento da aplicação da norma anti-abuso prevista no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, de forma a poder aplicar-se a exclusão de tributação que resultava da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo.

 

III.   SANEAMENTO

34.   O PPA apresentado em 03-10-2022 é tempestivo porquanto apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar da data da notificação dos atos de indeferimento dos recursos hierárquicos autuados com os n.ºs ...2013... (Primeira Requerente), e ...2013... (Segundo Requerente), ou seja, a contar de 04-07-2022 (cf. artigo 102.º, n.º 1, alínea b), do CPPT).

35.   O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

36.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas (cf. artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

37.   É admitida a cumulação de pedidos e a coligação de autores, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, sempre que, como é o caso, “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

38.   O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa. 

IV.   MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

39.   Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

(a)  Em 19-12-2000, os Requerentes adquiriram a totalidade do capital social da sociedade C..., S.A. (“C...”), tendo a Primeira Requerente adquirido 6.694 ações (representativas de 66,77% do capital social) por € 1.391.507,71, e o Segundo Requerente adquirido 3.331 ações (representativas de 33,23% do capital social) por € 692.428,37 (cf. Contrato junto ao PPA como Documento 4, e Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA como Documento 3).

(b)  Nesta data, a sociedade C... detinha 2/3 do imóvel rústico, designado por “...”, sito no ..., e inscrito na matriz predial rústica da freguesia do ... sob o número ... da seção ..., e era promitente-compradora do restante 1/3 do referido imóvel (cf. Contrato junto ao PPA como Documento 4).

(c)  Em 30-11-2008, a sociedade C... detinha um ativo de € 3.919.267,85, incluindo imóveis (imobilizações corpóreas) no valor de € 1.615.812,69 e uma participação de 47,96% na sociedade E..., S.A. (“E...”) (investimentos financeiros) no valor de € 2.301.920,00 (cf. balanço da sociedade C... de 30-11-2008, assinado pela Primeira Requerente, na qualidade de administradora e de Técnico Oficial de Contas, junto ao processo administrativo).

(d)  Em 30-11-2008, a sociedade E... detinha participações em outras sociedades, conforme demonstrado  no gráfico seguinte:

            (cf. Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA como Documento 3).

(e)  Em 30-11-2008, apenas as sociedades E..., S.A., F...; S.A., G..., S.A., e H..., S.A., detinham imóveis (cf. Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA como Documento 3).

(f)   Em 05-12-2008, a Primeira Requerente vendeu a totalidade das suas (6.694) ações na sociedade C..., por € 13.050.300,00, à sociedade D...– SGPS, S.A., uma holding da família dos Requerentes, com o capital social de € 50.000,00, detido em 20% pela Primeira Requerente (200 ações) e em 20% pelo Segundo Requerente (200 ações) (cf. Contrato junto ao PPA como Documento 5, e Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA como Documento 3).

(g)  Em 05-12-2008, o Segundo Requerente vendeu a totalidade das suas (3.331) ações na sociedade C..., por € 6.495.450,00, à sociedade D... (cf. Contrato junto ao PPA como Documento 5, e Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA como Documento 3).

(h)  Na sequência desta transação, os Requerentes ficaram com suprimentos na sociedade D..., no montante do preço de venda das respetivas ações, com vencimento nunca inferior a um ano, que nunca venceriam juros (cf. Contrato junto ao PPA como Documento 5, e Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA como Documento 3).

(i)   Em 05-12-2008, os Requerentes integravam os órgãos sociais das sociedades C... e D... (cf. Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA como Documento 3).

(j)   Em 18-12-2008, a sociedade C... foi objeto de transformação de sociedade anónima em sociedade por quotas (cf. Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA como Documento 3).

(k)  Em 25-05-2009, a Primeira Requerente submeteu a Declaração Modelo 3 do IRS, relativa ao ano de 2008, indicando no Anexo G1 a venda de ações da sociedade C... como beneficiando da exclusão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS (ações detidas há mais de 12 meses) (cf. Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 3).

(l)   Em 26-05-2009, o Segundo Requerente submeteu a Declaração Modelo 3 do IRS, relativa ao ano de 2008, indicando no Anexo G1 a venda de ações da sociedade C... como beneficiando da exclusão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS (ações detidas há mais de 12 meses) (cf. Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 3).

(m)Pelo Ofício n.º..., de 06-11-2012, a Primeira Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária assente na conclusão de que, em 2008, a Primeira Requerente obteve uma mais-valia derivada da alienação de ações que não beneficiava da exclusão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS (ações detidas há mais de 12 meses), por mais de 50% do ativo da C... ser constituído por bens imóveis em território nacional, nos termos do n.º 12 do mesmo artigo, estando a referida mais-valia sujeita a imposto à taxa de 10% (cf. artigo 72.º, n.º 4, do Código do IRS) (cf. Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 3).

(n)   Relativamente à composição do ativo da sociedade C... para efeitos do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, pode ler-se no Relatório de Inspeção Tributária notificado à Primeira Requerente:

 

(cf. Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 3).

(o)  Desta análise resultou uma correção aritmética ao rendimento da Categoria G da Primeira Requerente no valor de € 11.658.791,29, e o apuramento de IRS em falta no valor de € 1.165.879,13 (cf. Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 3).

(p)  Pelo Ofício n.º ..., de 19-11-2012, o Segundo Requerente foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária assente na conclusão de que, em 2008, o Segundo Requerente obteve uma mais-valia derivada da alienação de ações que não beneficiava da exclusão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS (ações detidas há mais de 12 meses), por mais de 50% do ativo da C... ser constituído por bens imóveis em território nacional, nos termos do n.º 12 do mesmo artigo, estando a referida mais-valia sujeita a imposto à taxa de 10% (cf. artigo 72.º, n.º 4, do Código do IRS) (cf. Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 3).

(q)  Neste Relatório de Inspeção Tributária é reiterada a fundamentação contida no Relatório de Inspeção Tributária notificado à Primeira Requerente, sendo a consequência da análise para o Segundo Requerente uma correção aritmética ao rendimento da Categoria G do Segundo Requerente no valor de € 5.803.021,71, e o apuramento de IRS em falta no valor de € 580.302,17 (cf. Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 3).

(r)   A Primeira Requerente foi notificada da liquidação de IRS n.º 2012..., de 20-11-2012, no valor de € 1.323.832,33, referente ao ano de 2008 (cf. Documento 1 junto ao PPA).

(s)   O Segundo Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2012..., de 26-11-2012, no valor de € 681.372,05, referente ao ano de 2008 (cf. Documento 2 junto ao PPA).

(t)    Em 01-03-2013, a Primeira Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRS n.º 2012..., que correu termos sob o número ...2013..., argumentando o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

(cf. reclamação graciosa junta ao processo administrativo). 

(u)  Em 04-03-2013, o Segundo Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRS n.º 2012..., que correu termos sob o número ...2013..., em tudo idêntica à reclamação graciosa apresentada pela Primeira Requerente (cf. reclamação graciosa junta ao processo administrativo).

(v)  Em 28-06-2013, a Primeira Requerente procedeu ao pagamento de € 1.371.077,93, correspondendo € 1.165.329,58 a imposto em falta, € 159.248,11 a juros compensatórios e € 46.500,24 a juros de mora (cf. Documento 6 junto ao PPA).

(w) Em 28-06-2013, o Segundo Requerente procedeu ao pagamento de € 683.369,51, correspondendo € 580.302,18 a imposto em falta, € 80.320,17 a juros compensatórios e € 22.747,16 a juros de mora (cf. Documento 6 junto ao PPA).

(x)  A reclamação graciosa apresentada pela Primeira Requerente foi indeferida e notificada através do Ofício n.º..., de 22-08-2013, no qual se pode ler:

 

 

 

 

(cf. documento junto ao processo administrativo).

(y)  A reclamação graciosa apresentada pelo Segundo Requerente foi indeferida por Despacho do Diretor de Finanças Adjunto em 20-08-2013, com os mesmos fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Primeira Requerente (cf. despacho junto ao processo administrativo).

(z)   Em 27-09-2013, a Primeira Requerente apresentou recurso hierárquico do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2013..., que correu termos sob o n.º ...2013..., com os seguintes fundamentos:

 

 

 

 

 

 

 

 

(cf. recurso hierárquico junto ao processo administrativo).

(aa)  No documento 15 em anexo ao recurso hierárquico apresentado pela Primeira Requerente pode ler-se o seguinte:

(cf. documento junto ao processo administrativo)

(bb) Em 15-10-2013, o Segundo Requerente apresentou recurso hierárquico do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2013... (com os fundamentos contidos no recurso hierárquico apresentado pela Primeira Requerente), que correu termos sob o n.º ...2013... .

(cc)  Pelo Ofício n.º ..., notificado em 04-07-2022, foi a Primeira Requerente informada de que o recurso hierárquico que correu termos sob o n.º ...2013... foi indeferido, com base na seguinte análise:

(cf. ofício junto ao processo administrativo).

(dd) Pelo Ofício n.º..., notificado em 04-07-2022, foi o Segundo Requerente informado de que o recurso hierárquico que correu termos sob o n.º ...2013... foi indeferido, com os mesmos fundamentos que sustentaram o indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela Primeira Requerente (cf. ofício junto ao processo administrativo).

(ee) Em 03-10-2022, os Requerentes apresentaram o PPA que deu origem ao presente processo arbitral.

 

 

§2. Factos não provados 

40.   Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

§3. Fundamentação da matéria de facto

41.   Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

42.   Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

43.   Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

44.   Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, da prova testemunhal produzida, e dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados, e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

45.   Na reunião do artigo 18.º do RJAT que teve lugar no dia 23-02-2023, o Tribunal Arbitral ouviu o testemunho do Dr. I..., Revisor Oficial de Contas, que, em 2008, atuava nessa qualidade junto do Grupo J..., e do Dr. K..., contabilista certificado, que acompanhou a inspeção tributária que deu origem às Liquidações Contestadas.

46.   Ambas as testemunhas deram a sua opinião técnica quanto ao método de cálculo da percentagem do valor dos imóveis vis-à-vis o ativo da sociedade para efeitos do artigo 10.º, n.º 12, do Código do IRS, embora não tenham participado no processo arbitral como peritos (a prova pericial é regulada nos artigos 467.º e ss. do Código do Processo Civil). O Dr. I... afirmou que o método mais adequado é o da consolidação, que tem em conta o património global da empresa. O Dr. K... salientou que a transferência das ações da sociedade C... dos Requerentes para asociedade D... consistiu numa transação intra-grupo no contexto de uma reorganização empresarial. Estes testemunhos não influenciaram o Tribunal Arbitral relativamente à matéria de facto relevante porquanto não se debruçaram sobre ela.

47.   Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

V.     MATÉRIA DE DIREITO

§1. Da isenção de mais-valias, em sede de IRS, provenientes da alienação de ações de sociedades cujo ativo seja constituído, em mais de 50%, por bens imóveis situados em território português (artigo 10.º, n.º 12, do Código de IRS, na redação vigente em 2008)

48.   Em 2008, o artigo 10.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS previa uma exclusão de tributação para as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas há mais de um ano. Com a entrada em vigor da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, esta exclusão de tributação deixou de se aplicar às “mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português” (cf. n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, posteriormente revogado pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho). Este preceito constitui uma norma anti-abuso específica contra a utilização/interposição de sociedades anónimas para ilidir a tributação de mais-valias provenientes da alienação de imóveis situados em território português, mais-valias estas tributadas em sede a IRS.

49.   No caso sub judice, não há dúvida que, quando transmitiram as ações da sociedade C..., os Requerentes detinham as mesmas há mais de 12 meses. Também não é controverso que o ativo da sociedade C... era constituído direta e indiretamente por imóveis situados em território português. As partes contendem sobre o método a utilizar para efeitos do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, mais especificamente, para determinar a percentagem do ativo da sociedade C... que corresponde a imóveis detidos indiretamente. 

50.   Embora o fim visado por esta norma seja claro, o n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS não esclarece qual a metodologia ou a fórmula aritmética a adotar, ou os elementos a considerar, para o cômputo deste rácio, nomeadamente, quando se tem de considerar o ativo indiretamente detido pela sociedade cujas ações são alienadas. É neste contexto que surge o diferendo entre as Partes.

51.   Ao longo do processo administrativo e arbitral, a AT adotou diferentes métodos para defender que, à data da transmissão das ações, o ativo da C... era constituído em mais de 50% por bens imóveis situados em território português: nos Relatórios de Inspeção Tributária, a AT considerou os imóveis detidos pelas sociedades C... e a E... para concluir que o ativo da sociedade C...era, direta e indiretamente, constituído em 53,10% por imóveis; nas decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pelos Requerentes, a AT considerou os imóveis detidos pelas sociedades C..., E..., F..., G... e  H... para concluir que o ativo da sociedade C... era, direta e indiretamente, constituído em 58,79% por imóveis; sem qualquer referência ao método utilizado, os recursos hierárquicos foram indeferidos com o fundamento de que o ativo da C... are constituído, diretamente, em mais de 50% por bens imóveis.

52.   A este propósito, interessa sublinhar que o Tribunal Arbitral tem de apreciar a legalidade das Liquidações Contestadas à luz dos fundamentos contidos nos Relatórios de Inspeção Tributária que serviram de base à emissão das mesmas. 

53.   Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade (como é o caso do processo arbitral), “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT).

54.   O mesmo princípio havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente:

“A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2018, processo n.º 0208/17).

“A decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2016, processo n.º 01436/15).

55.   O mesmo entendimento encontra-se refletido na jurisprudência arbitral, conforme resulta das Decisões Arbitrais de 02-02-2015, processo n.º 628/2014-T; de 11-01-2021, processo n.º 411/2020-T; de 21-01-2021, processo n.º 865/2019-T; de 25-01-2021, processo n.º 851/2019-T; de 07-09-2021, processo n.º 646/2020-T; de 21-02-2022, processo n.º 440/2021-T; de 26-07-2022, processo n.º 587/2021-T; de 09-02-2023, processo n.º 610/2022-T; de 29-05-2023, processo n.º 762/2022-T.

56.   In casu, o princípio da proibição da fundamentação a posteriori impede o Tribunal Arbitral de apreciar a legalidade das Liquidações Contestadas com referência à fundamentação que consta dos atos de indeferimento das reclamações graciosas autuadas com os n.ºs ...2013... (Primeira Requerente), e ...2013... (Segundo Requerente), ou dos atos de indeferimento dos recursos hierárquicos autuados com os n.ºs ...2013... (Primeira Requerente), e ...2013... (Segundo Requerente), ou da Resposta da AT ao PPA apresentado pelos Requerentes, que não conste também da fundamentação dos Relatórios de Inspeção Tributário que estiveram na origem das Liquidações Contestadas.

57.   Ora, tal como acima referido, nos Relatórios de Inspeção Tributária em causa, a AT concluiu que, para efeitos do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, o total do ativo da sociedade C... era, à data da alienação das respetivas ações pelos Requerente, composto em 53,10% por imóveis localizados em território português.

58.   Quanto aos elementos considerados para calcular este rácio, andou bem a AT quando considerou a informação (disponível) imediatamente anterior à data da alienação das ações em apreço (05-12-2008): no caso da sociedade C..., o balanço de 30-11-2008 (assinado pela Primeira Requerente, na qualidade de administradora e Técnico Oficial de Contas); no caso da sociedade E..., o balanço de 30-12-2007.

59.   Para apurar o rácio relevante para efeitos do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, a AT considerou:

(1)     O valor total do ativo da C...: € 3.919.267,85 (cf. Balanço da C... a 30-11-2008, assinado pela Primeira Requerente, na qualidade de administradora e Técnico Oficial de Contas);

(2)     O valor dos imóveis detidos diretamente pela C...: € 1.615.812,69 (cf. Balanço da C... a 30-11-2008, assinado pela Primeira Requerente, na qualidade de administradora e Técnico Oficial de Contas), correspondente a 41,22% do valor total do ativo da C...;

(3)     O valor dos imóveis detidos indiretamente pela C...: € 465.448,22, correspondente a 11,88% do valor total do ativo da C... .

60.   Somando a percentagem correspondente ao valor dos imóveis detidos diretamente pela C... sobre o valor total do ativo da C... (41,22%) à percentagem correspondente ao valor dos imóveis detidos indiretamente pela C... sobre o valor total do ativo da C... (11,88%), a AT concluiu que a percentagem correspondente ao valor dos imóveis detidos direta e diretamente pela C... sobre o valor total do ativo da C... era de 53,10%.

61.   Por outras palavras: a AT concluiu que o total do ativo da sociedade C... era, à data da alienação das respetivas ações pelos Requerente, composto em 53,10% por imóveis localizados em território português, e que norma contida no n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS era aplicável aos Requerentes.

62.   Para o cômputo do valor dos imóveis detidos indiretamente pela C..., a AT considerou:

(1)     A proporção do valor dos imóveis detidos diretamente pela E... (€ 1.533.284,80) em função do total do ativo da E... no balanço de 2007 (€ 7.582.409,80), concluindo que 20,22% do total do ativo da E... era composto por bens imóveis;

(2)     O valor da participação na E... detido pela C..., evidenciado no balanco da C... a 30-11-2008: € 2.301.920,00;  

(3)     O valor da participação na E... detido pela C... a 30-11-2008 (€ 2.301.920,00) a que correspondem imóveis (20,22% x € 2.301.920,00), ou seja, € 465.448,22.

63.   Para aferir da correção do cômputo efetuado pela AT para apurar o rácio relevante para efeitos do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, importa relembrar a ratio legis desta norma anto-abuso: prevenir a utilização/interposição de sociedades anónimas para ilidir a tributação de mais-valias provenientes da alienação de imóveis situados em território português. O legislador identificou este uso abusivo de sociedades anónimas através do ratio entre o valor contabilístico dos imóveis e o total do ativo das sociedades cujas participações são transmitidas.

64.   Se a AT pretendia somar o valor contabilístico dos imóveis detidos indiretamente pela C...ao valor contabilístico dos imóveis detidos diretamente pela C..., deveria ter também somando o total do ativo de todas as sociedades detidas pela C... (com e sem imóveis) ao total do ativo da C... . Só assim se poderia concluir que o ativo da C... é, em mais de 50%, composto por imóveis, e assumir que os Requerentes recorreram à forma jurídica da sociedade anónima (materializada na sociedade C...) para elidir a tributação, em sede de IRS, de mais-valias provenientes da alienação de imóveis.

65.   Conclui-se, assim, que a AT incorreu em erro quanto à metodologia de cálculo utilizada nos Relatórios de Inspeção Tributária e quanto à conclusão de que, para efeitos do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS, o ativo da C... era, a 30-11-2008, composto em 53,10% por imóveis situados em território português.

66.   Note-se ainda que a participação da C... nas (quatro) sociedades detentoras de imóveis (E..., S.A.;F...; S.A.; G..., S.A.; H..., S.A.) é inferior a 50% (na maior parte dos casos, bastante inferior), conforme se demonstra no quadro infra:

 

E..., S.A.

47,9%

F..., S.A.

4,84% (47,96% x 10,17)

G..., S.A.

19,83% (47,96% x 41,35)

H..., S.A.

15,20% (47,96% x 31,70)

 

67.   Relativamente à E... (47% detida diretamente pela C...), em 30-11-2008, os imóveis detidos por esta sociedade tinham o valor contabilístico de € 1.533.284,80, num total do ativo de € 7.582,409,80. Isto significa que os imóveis detidos por esta sociedade representavam muito menos do que 50% do respetivo ativo total. Será razoável defender que os Requerentes recorreram à forma jurídica da sociedade anónima (materializada nas sociedades C... e E...) para elidir a tributação de mais-valias provenientes da alienação dos imóveis detidos pela E...?

68.   Relativamente às sociedades F... detida 4,84% indiretamente pela C...), G... (detida 19,83% indiretamente pela C...), e H... (detida 15,20% indiretamente pela C...), fará sentido concluir que os Requerentes recorreram à forma jurídica da sociedade anónima (materializada nas sociedades C..., F..., G... e H...) para elidir a tributação de mais-valias provenientes da alienação dos imóveis detidos por estas sociedades?

69.   Estas considerações suplementares tornam clara a conclusão de que o n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS não visava transações como a alienação das ações na sociedade C... pelos Requerentes.

70.   Por último, cabe referir que, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, os documentos contabilísticos da C... gozavam de uma presunção de verdade e de boa-fé. Se a AT teve dívidas sobre a composição do ativo da C..., deveria ter conduzido as diligências necessárias ao esclarecimento da mesma no decorrer no procedimento inspetivo, conforme o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material (contidos no artigo 58.º da LGT).

71.   Pelo exposto, o Tribunal Arbitral declara ilegais e anula integralmente:

(1)     As liquidações de IRS n.ºs 2012 ... (Primeira Requerente) e ... (Segundo Requerente), referentes ao ano de 2008;

(2)     Os atos de indeferimento expresso da reclamação graciosa que correu termos sob o n.º ...2013... (Primeira Requerente), e da reclamação graciosa que correu termos sob o n.º ...2013... (Segundo Requerente), no âmbito das quais foi contestada a legalidade das Liquidações Contestadas;

(3)     Os atos de indeferimento expresso do recurso hierárquico que correu termos sob o n.º ...2013... (Primeira Requerente), e do recurso hierárquico que correu termos sob o n.º ...2013... (Segundo Requerente), apresentados contra os atos de indeferimento identificados no número anterior. 

72.   Em consequência, o Tribunal Arbitral condena a AT a reembolsar:

(1)     a Primeira Requerente, do montante de € 1.371.077,93;

(2)     o Segundo Requerente, do montante de € 683.369,51.

73.   Do exposto supra resulta a inutilidade do conhecimento e apreciação da questão constitucional suscitada pelos Requerentes.

§2. Dos juros indemnizatórios

74.   O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante

75.   Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

76.   Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

77.   Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido. No caso sub judice, os erros que afetam as Liquidação Contestadas são imputáveis à AT e deles resultou o pagamento indevido do montante de € 1.371.077,93, por parte da Primeira Requerente, e de € 683.369,51, por parte do Segundo Requerente.

78.   Em consequência, o Tribunal Arbitral condena a AT:

(1)     no pagamento de juros à Primeira Requerente sobre o montante de € 1.371.077,93, calculados desde 28-06-2013 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT);

(2)     no pagamento de juros ao Segundo Requerente sobre o montante de € 683.369,51, calculados desde 28-06-2013até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

§3. Do valor da causa

79.   No PPA, os Requerentes indicaram € 2.005.204,38 como valor da causa. Este valor corresponde à soma dos valores das Liquidações Contestadas, ou seja, € 1.323.832,33 (Liquidação n.º 2012...) e € 681.372,05 (Liquidação n.º 2012 ...). No decorrer do processo arbitral, os Requerentes procederam ao pagamento de € 26.316,00,

80.   Na Resposta ao PPA, a AT alegou que o valor das custas arbitrais relativamente a cada uma das Liquidações Contestadas não ascende ao valor indicado nas mesmas (€ 1.323.832,33 e € 681.372,05), no total de € 2.005.204,38, mas ao valor indicado nas respetivas demonstrações de acerto de contas (€ 1.324.577,69 e € 660.622,35), no total de € 1.985.200,04.

81.   Assim, defende a AT que o valor da causa nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, corresponde a € 1.985.200,04, ou seja, à soma dos valores identificados como devidos na respetiva demonstração de acerto de contas.

82.   Os Requerentes não se pronunciaram sobre o valor da causa nas suas alegações.

83.   Cumpre ao Tribunal Arbitral fixar o valor da causa nos termos da lei (questão de conhecimento oficioso), tal como reconhecido pelo Douto Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 14-10-2020, proferido no processo n.º 062/18.4BCLSB, no qual se pode ler:

“A fixação do valor de uma acção visa assegurar finalidades de ordem pública, e que, por conseguinte, tal questão é do conhecimento oficioso do tribunal, que deve sindicar a correcção de um eventual acordo, expresso ou tácito, das partes, e o legislador de 2008, cremos, fez uma clara distinção entre o poder das partes e o poder do juiz: aquelas têm o poder, e o dever, de indicar o valor da causa; este tem o poder-dever de o fixar, nunca ficando dispensado de examinar se a indicação feita pelas partes, por acordo expresso ou tácito, está conforme à realidade, segundo os critérios legais.”

84.   Entende o Tribunal Arbitral que não assiste razão à AT quanto ao valor da causa, sendo, contudo, de alterar o mesmo à luz do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, do CPPT (aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT):

“Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;

d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício;

e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.

85.   No caso sub judice, estando em causa a impugnação de duas liquidações de IRS, interessa apurar o montante cuja anulação se pretende, nos termos da alínea a) do n.º 1 deste artigo.

86.   Ora, o montante cuja anulação os Requerentes pretendem é o montante efetivamente pago com referência às Liquidações Contestadas, ou seja, o montante de € 2.054.447,44 (correspondente à soma de € 1.371.077,93 e € 683.369,51), pago em 28-06-2013 (cf. Documento 6 junto ao PPA). 

87.   De facto, é com referência a este montante que devem ser calculados não só os juros indemnizatórios, mas também fixado o valor da causa e calculada a taxa arbitral devida.

88.   Pelas considerações expostas supra, fixa-se ao processo o valor de € 2.054.447,44, ao qual corresponde uma taxa arbitral de € 26.928,00. 

89.   Tendo os Requerentes procedido ao pagamento de € 26.316,00, encontra-se em falta o valor de € 612.

 

 

VI.   DECISÃO

Termos em que se decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)    Declarar ilegais e anular integralmente:

(1)     As liquidações de IRS n.ºs 2012 ... (Primeira Requerente) e ... (Segundo Requerente), referentes ao ano de 2008;

(2)     Os atos de indeferimento expresso da reclamação graciosa que correu termos sob o n.º ...2013... (Primeira Requerente), e da reclamação graciosa que correu termos sob o n.º ...2013... (Segundo Requerente), no âmbito das quais foi contestada a legalidade das Liquidações Contestadas;

(3)     Os atos de indeferimento expresso do recurso hierárquico que correu termos sob o n.º ...2013... (Primeira Requerente), e do recurso hierárquico que correu termos sob o n.º ...2013... (Segundo Requerente), apresentados contra os atos de indeferimento identificados no número anterior. 

b)    Condenar a AT a reembolsar a Primeira Requerente do montante de € 1.371.077,93.

c)    Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios à Primeira Requerente sobre o montante de € 1.371.077,93, calculados desde 28-06-2013 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).

d)    Condenar a AT a reembolsar o Segundo Requerente do montante de € 683.369,51.

e)    Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios ao Segundo Requerente sobre o montante de € 683.369,51, calculados desde 28-06-2013 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VII.  VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.054.447,44

 

VIII.  CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 26.928,00, a cargo da Requerida em razão do decaimento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de agosto de 2023

Os Árbitros,

Rita Correia da Cunha

 

Cristina Aragão Seia 

 

António Cipriano da Silva