Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 740/2022-T
Data da decisão: 2023-10-10  IRS  
Valor do pedido: € 4.292,30
Tema: IRS. Artigo 12.º- A do CIRS. Exceções dilatórias de litispendência, caso julgado e ininpugnabilidade do ato tributário.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

  1. A obrigatoriedade de impugnação administrativa prévia tem como objetivo desonerar os serviços da justiça, otimizando o acesso ao direito, com a apreciação de ações em que não há um verdadeiro litígio entre a Administração Tributária e o contribuinte, por aquela ainda não ter assumido qualquer posição sobre a sua pretensão. Porém, quando aquilo que verdadeiramente se discute são erros de facto e de direito imputáveis à atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, que não se reconduzem simplesmente a um mero erro na declaração de rendimentos, não tem campo de aplicação o artigo 140.º, n.º 2, do CIRS.
  2. A litispendência pressupõe a repetição da mesma ação em dois processos, dependendo da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior.
  3. Haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter e que a identidade da causa de pedir pressupõe que o ato ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico. Há identidade de pedidos quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjetivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada.
  4. O artigo 12.º-A do Código do IRS estabelece uma medida excecional de caráter automático, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT.
  5. O sujeito passivo para beneficiar deste benefício fiscal estabelecido no artigo 12.º-A, além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015, ter a sua situação tributária regularizada, também terá de não ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.
  6. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objetiva e racional.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD para formar Tribunal Arbitral Singular, constituído em 10 de fevereiro de 2023, acordam no seguinte:

 

I.    RELATÓRIO

 

  1. A..., doravante designado “Requerente”, NIF..., com residência na Rua..., n.º ..., em Lisboa, ...-... Lisboa, na sequência da notificação da demonstração da liquidação da liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2021, no montante de € 4.292,30 (quatro mil duzentos e noventa e dois euros e trinta cêntimos), que juntou como Documento n.º 1, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos nos 1 e 2 do artigo 10.º, ambos, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”), com vista à declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS  supra referenciado.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 5 de dezembro de 2022.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o Senhor Prof. Doutor Rui Miguel Zeferino Ferreira, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 23 de janeiro de 2023 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 10 de fevereiro de 2023.

 

  1. Em suporte das suas pretensões alega o Requerente, em síntese:

 

  1. Que, o Requerente tem personalidade e capacidade judiciárias, bem como legitimidade para impugnar a liquidação de IRS em causa nos presentes autos, bem como o CAAD tem competência para dirimir o litígio, face à tempestividade do presente pedido, pelo que sustenta a verificação de todos os pressupostos processuais.

 

  1. Que, são de improceder as exceções de caso julgado e litispendência, bem como sustentando a inexistência de causa prejudicial que justifique a suspensão dos presentes Autos.

 

  1. Que, da resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, resulta que esta sem divergir quanto a qualquer dos factos alegados pelo Requerente, se limita largamente a reproduzir generalidades interpretativas quase por dever de ofício, que desconsideram as regras interpretativas genericamente aplicáveis e todas as alterações legislativas introduzidas ao Código do IRS, especificamente com o intuído de flexibilizar a forma de contagem dos períodos de residência fiscal, deixando cair o ‘ano fiscal’ como unidade de conta para esse efeitos.

 

  1. Que, no dia 1 de junho de 2021, o Requerente aquando da submissão da sua declaração de IRS optou pela tributação no âmbito do ‘Programa Regressar’ e, mais concretamente, pelo regime fiscal aplicável a ex-residentes, contemplado no artigo 12.º-A do Código do IRS.

 

  1. Que, o Requerente foi residente fiscal em Portugal até ao final de maio de 2017, e que, nos primeiros meses do ano de 2017, recebeu uma proposta de trabalho, para exercer a sua profissão na empresa “B..., S.A.U.”, sita em Zaragoza, Espanha, que terá aceitado.

 

  1. Que o Requerente foi contratado para trabalhar presencialmente, nas instalações da sua nova entidade empregadora, a tempo inteiro, a partir do dia 19 de junho de 2017, pelo que emigrou para Espanha, juntamente com a sua mulher e filhos, tendo saído de Portugal, em definitivo, em 26 de maio de 2017.

 

  1. Que o Requerente e sua família passaram os primeiros dias da sua permanência em Espanha no Hotel “...”, a expensas da sua nova entidade patronal, e que posteriormente passou a residir com a sua família, a partir de 1 de junho de 2017, no ... Zaragoza, Espanha.

 

  1. Que neste contexto, o Requerente solicitou a emissão de Número de Identificação de Estrangeiros espanhol e, bem assim, a sua inscrição no sistema de Segurança Social espanhol, pelo que foi tributado em Espanha pelos rendimentos auferidos durante todo o tempo em que foi residente.

 

  1. Que durante a crise pandémica do Coronavírus, o Requerente tomou a decisão de retornar a Portugal com a sua família, o que efetivamente veio a fazer em 15 de agosto de 2020, pelo que procedeu à alteração da sua residência fiscal para Portugal em 12 de setembro de 2020, tendo submetido, quanto a esse ano, a sua declaração de IRS a 1 de junho de 2021, com referência à opção pela tributação no âmbito do ‘Programa Regressar’.

 

  1. Que, uma vez que não residiu em Portugal parte do ano de 2020, o Requerente submeteu duas declarações de IRS: uma referente ao período em que não foi considerado residente e uma segunda declaração relativa ao período em que foi efetivamente residente em Portugal, assinalando em ambas, no Anexo A, o campo 4-E «Regime Fiscal Aplicável a Ex-residentes (Artigo 12.º-A do CIRS), para oficializar o seu pedido para ser tributado no âmbito do respetivo regime fiscal.

 

  1. Que, no âmbito do ‘Programa Regressar’, uma vez que o Requerente auferiu rendimentos de trabalho dependente no valor de € 191.753,60 (cento e noventa e um mil setecentos e cinquenta e três euros e sessenta cêntimos), e apenas metade deste valor estaria sujeito a tributação em sede de IRS, às taxas progressivas, o mesmo entendia que apenas o montante de € 95.876,80 (noventa a cinco mil oitocentos e setenta e seis euros e oitenta cêntimos) seria considerado para efeitos de IRS.

 

  • Que, em 4 de junho de 2021, o Requerente tendo recebido uma carta, seguida de um email, ambos da Autoridade Tributária, relatando erros de validação central das declarações submetidas com a designação «Z10 – regime fiscal ex-residente não permitido – reside em PT últimos 3A», visto não ter sido residente em Portugal nos três anos anteriores, o mesmo procedeu à ‘correção’ da declaração Modelo 3 nos moldes aí solicitados, não assinalando no Anexo A, o campo 4-E «Regime Fiscal Aplicável a Ex-residentes (Artigo 12.º-A do CIRS)».

 

  1. Que, quanto à tributação dos rendimentos de 2020, recebeu as duas notas de liquidação, pelo que não se conformando com a injustiça resultante da errada interpretação e subsunção das disposições legais aplicáveis ao caso sub judice, o Requerente pediu a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de IRS, que após convolação da mesma em reclamação graciosa, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Serviço de Finanças, segundo o qual «não assiste razão ao reclamante» uma vez que este foi residente parcial em Portugal no ano de 2017, «não se verificando por isso a condição de não ter sido “Não Residente” nos últimos 3 anos».

 

  • Que, tal como em  2020, também, em 2021, o Requerente reunia todos os pressupostos mencionados no artigo 12.º-A, do CIRS, visto que a interpretação se deve apoiar na conceção de residência fiscal oferecida pela Reforma do IRS de 2014, é simples e inequívoco: onde se lê «não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores» deve subentender-se a referência literal ao período de três anos anterior ao dia em que se readquire a qualidade de residente e não aos três anos fiscais completos que antecederam aquele em que o sujeito passivo readquiriu a qualidade de residente.

 

  • Que ao rejeitar a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do CIRS ao Requerente e, ao liquidar o IRS sem ter por base a exclusão de tributação a que o mesmo tem direito, a AT desconsiderou por completo o desenho legal atual do conceito de residência fiscal para o regime do ‘Programa Regressar’, e que não pode deixar de remeter, fazendo, ademais, tábua rasa do espírito legal que presidiu quer à alteração desse mesmo conceito, quer à aprovação do regime aplicável a ex-residentes.

 

  1. Que, por se ter baseado numa interpretação da Lei que não pode ser acolhida, a liquidação de IRS sub judice é, a todos os títulos, ilegal, e deve ser anulada, devendo ademais ser substituída por outra liquidação que reconheça a aplicabilidade ao Requerente do regime fiscal previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS para ex-residentes, em virtude do claro cumprimento de todos os requisitos aí exigidos para o efeito.

 

  1. Que, os atos tributários em crise devem ainda ser considerados ilegais por violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

 

  1. Que a interpretação que a Requerida faz do artigo 12.º-A do CIRS mostra-se passível de criar situações violadoras do princípio da igualdade, ao implicar o tratamento diferente e com carácter discriminatório de situações substancialmente idênticas entre os indivíduos que, apesar de não terem sido considerados residentes em Portugal nos 3 anos anteriores ao seu regresso (i.e., 2020), foram em determinado ano considerados residentes parciais, e os indivíduos que não foram considerados residentes, nem residentes parciais, em Portugal na totalidade dos 3 anos.

 

  1. Que se verifica a violação do princípio da igualdade, por tratar de uma forma diferente, indivíduos em situação igual.

 

  1. Em 15 de março de 2023, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou-a, e juntou o processo administrativo, invocando em síntese:

 

  1. Que, em 01.07.2017, o Requerente alterou a sua residência para o estrangeiro (Espanha), situação que se manteve até 2020-09-12, data em que alterou a sua residência para Portugal.

 

  1. Que o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, impugnando a liquidação de IRS referente ao período de 2020, com a mesma causa de pedir do presente processo, i.e. que, apesar de ter sido residente fiscal em Portugal em 2017, não o foi nos 36 meses anteriores a ter adquirido novamente a residência fiscal em Portugal em 2020, reunindo, por isso, os pressupostos para beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS.

 

  1. Que, a impugnação contenciosa de liquidações de IRS com fundamento em erros na declaração de rendimentos depende de prévia reclamação graciosa, ou seja, que as liquidações de IRS não são diretamente impugnáveis com fundamento em erro na declaração de rendimentos.

 

  1. Que se verifica a existência de exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato tributário, por falta da prévia reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração, o que no seu entendimento constitui uma exceção dilatória insuprível e tem como consequência a absolvição da Requerida da instância.

 

  1. Que se verifica, no seu entendimento, a exceção dilatória de caso julgado porquanto, no processo arbitral n.º 202/2022, foi proferida decisão, transitada em julgado, que determinou que o Requerente não poderá beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS a partir de 2020 – ano em que voltou a adquirir residência fiscal em Portugal – por considerar que o Requerente foi residente fiscal num “dos três anos anteriores” (2017), não preenchendo assim o requisito constante do n.º 1, alínea a) daquele artigo.

 

  1. Que, verificando-se a exceção dilatória de caso julgado, deverá a Requerida ser totalmente absolvida da instância [a Requerida refere-se a exceção perentória, mas na realidade trata-se de uma exceção dilatória], nos termos do artigo 576.º do CPC, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

  1. Que está pendente processo judicial cuja decisão a proferir no presente processo poderá colidir com o sentido da decisão do Tribunal Tributário, fazendo coexistir na ordem jurídica duas decisões jurisdicionais que produzem efeitos, sobre a mesma situação jurídica, irreconciliáveis e com sentidos opostos, o que resulta numa situação de litispendência.

 

  1. Que a litispendência constitui uma exceção dilatória cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, pelo que sustenta que se verifica exceção dilatória por litispendência, a qual impede o conhecimento do mérito da causa, se deverá determinar a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto no artigo 89.º, n.º 4, alínea l) do CPTA e nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea i) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Que tendo sido o Requerente residente parcial em Portugal, em 2017, entende que não poderia aproveitar o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS, pois o termo “ano”, quando é antecedido de preposição “de” ou “em”, como é o caso, refere-se a um concreto ano, que corresponde a um ano civil do calendário gregoriano, e não a uma medida de tempo.

 

  1. Que, quando a condição para aplicação do regime diz que o sujeito passivo não pode ter sido residente “em qualquer dos três anos anteriores”, não se poderá deixar de interpretar como “não pode ter sido residente num dos três anos civis anteriores”, pelo que regressando em 2020, não poderia o Requerente ter tido o estatuto de residente fiscal nos anos de 2017, 2018 e/ou 2019, se quisesse aproveitar o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS.

 

  1. Que, na situação sub judice, a determinação da residência fiscal do Requerente em 2017 não acarreta qualquer conflito com pretensões tributárias de Espanha, desde logo porque o período de imposto aqui em discussão é o de 2021, ano em que já não existiu qualquer elemento de conexão com Espanha.

 

  • Que releva, portanto, é que o Requerente tenha concretamente sido considerado residente fiscal em Portugal em 2017, tendo assim sido enquadrado à luz das normas internas portuguesas e como tal tendo sido tributado - que o foi.

 

  1. Por despacho de 24 de março de 2023, ao abrigo do princípio do contraditório, foi concedido ao Requerente o direito de pronuncia sobre a matéria de exceção, que o Requerente veio a exercê-lo em 13 de abril de 2023.

 

  1. Por despacho de 9 de agosto de 2023, designou-se para o dia 4 de setembro de 2023 para realização da audiência para produção de prova testemunhal, bem como dada a necessidade de proceder à inquirição de testemunhas e, por se estar em período de férias judiciais, não ser possível emitir decisão arbitral na data prevista de 10.08.2023, foi prorrogado, nos termos do n.º 2, do artigo 21.º, do RJAT, o prazo para a decisão por 2 meses, para 10.10.2023.

 

  1. Por despacho de 4 de setembro de 2023, deu-se sem efeito a diligência para a inquirição de testemunhas, dando-se sem efeito a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, e foi concedido o prazo simultâneo de 10 dias para as Partes apresentarem, querendo, as suas alegações.

 

  1. Em 14 de setembro de 2023, o Requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça subsequente.

 

  1. As Partes apresentaram alegações, o Requerente, em 14 de setembro de 2023, e a Requerida, em 18 de setembro de 2023, limitando-se a AT a reafirmar e remeter para o que disse na resposta.

 

 

  1. SANEAMENTO

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março).

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. QUESTÕES DECIDENDAS

 

Nos presentes autos há que decidir as seguintes questões:

 

  1. Saber se, se verifica a existência de exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato tributário, por falta da prévia reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração;

 

  1. Saber se, se verifica a exceção dilatória de litispendência.

 

  1. Saber se, se verifica exceção dilatória de caso julgado porquanto, no processo arbitral n.º 202/2022, foi proferida decisão, transitada em julgado, que determinou que o Requerente não poderia beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS;

 

  1. Saber se, o Requerente tinha em face das circunstâncias do caso sub judice direito a beneficiar do benefício fiscal estabelecido no 12.º-A, do CIRS, nomeadamente, se estavam verificadas as condições para a sua aplicação.

 

  1. Saber se, se verifica a violação do princípio da igualdade.

 

 

  1. DA MATÉRIA DE FACTO

 

  1. FACTOS PROVADOS

 

  1. O Requerente, em 1 de junho de 2021, submeteu declaração Modelo 3, com a opção de tributação pelo ‘Programa Regressar’;

 

  1. O Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., de 29.07.2022, no montante de € 4.292,30 (quatro mil duzentos e noventa e dois euros e trinta cêntimos);

 

  1. O Requerente foi residente fiscal em Portugal até ao final de maio de 2017;

 

  1.  O Requerente nos primeiros meses do ano de 2017 recebeu uma proposta de trabalho, para exercer a sua profissão na empresa ‘B..., S.A.U.’, sita em Zaragoza, Espanha, a qual aceitou;

 

  1. O Requerente foi contratado para trabalhar presencialmente, nas instalações da sua entidade empregadora, a tempo inteiro, a partir do dia 19 de junho de 2017;

 

  1. O Requerente emigrou para Espanha, juntamente com a sua mulher; e

 

  1. O Requerente deixou Portugal juntamente com a sua família, em 26 de maio de 2017;

 

  1. O Requerente e sua família passaram os primeiros dias da sua permanência em Espanha no Hotel ..., a expensas da sua nova entidade patronal;

 

  1. O Requerente passou a residir com a sua família, a partir de 1 de junho de 2017 no endereço ... Zaragoza, Espanha;

 

  1. O Requerente solicitou a emissão de Número de Identificação de Estrangeiros espanhol e, bem assim, a sua inscrição no sistema de Segurança Social espanhol;

 

  1. O Requerente foi tributado em Espanha pelos rendimentos nos anos de 2017, 2018 e 2019;

 

  1. O Requerente procedeu à alteração da sua residência fiscal para Portugal em 12 de setembro de 2020;

 

  1. O Requerente, em 7 de setembro de 2020, submeteu junto da Direção de Serviços do IRS pedido de informação vinculativa para saber se a sua situação, respeitante ao ano de 2020, era enquadrável no regime constante do artigo 12.º-A do CIRS, de que resultou como resposta, entre o demais que:

 

«face à situação constante da base de dados dos serviços da AT, ao caso em apreço, por o Requerente ter sido residente, ainda que parcialmente, não reúne os pressupostos do regime fiscal dos ex-residentes, porque não verifica a condição de não ter sido ‘Não Residente’ nos três anos anteriores a 2020, pelo que este regime de benefício não lhe é aplicável.»

 

  1. O Requerente impugnou a informação vinculativa, estando a correr termos no Tribunal Tributário de Lisboa (UO 3) ação administrativa com o n.º 863/21.6BELRS, na qual o Requerente solicita a anulação da informação vinculativa e sua substituição «por outra que reconheça o direito do Autor a beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, constante do artigo 12.º- A do Código do IRS»;

 

  1. O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral no âmbito do processo arbitral n.º 202/2022-T, impugnando a liquidação de IRS referente ao período de 2020;

 

  1. Em 30 de janeiro de 2023, foi proferida decisão no processo arbitral n.º 202/2022-T no sentido da improcedência total do pedido, designadamente por considerar que o período de 3 anos referido no artigo 12.º-A, n.º 1 al a) do CIRS se reporta a anos civis;

 

  1. O Requerente, por não concordar com a liquidação, nomeadamente, por considerar que preenche os requisitos previstos na lei para beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS, apresentou em 2 de dezembro de 2022 pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Factos Não Provados

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental, bem como o processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. DA EXCEÇÃO INIMPUGNABILIDADE

 

A Requerida começa por invocar a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato tributário, por falta da prévia reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração. Pois, o artigo 140.º, n.º 2, do CIRS, estabelece que “em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração”, pelo que no seu entendimento a impugnação contenciosa da liquidação de IRS, com fundamento em erros na declaração de rendimentos, dependia de prévia reclamação graciosa.

 

Logo, defende que as liquidações de IRS não são diretamente impugnáveis com fundamento em erro na declaração de rendimentos, sendo que entende que no caso sub judice o Requerente imputa à liquidação erro que, a verificar-se, decorreria diretamente da declaração mod. 3, de onde resultaria a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado.

 

Por seu lado, na resposta à matéria de exceção, o Requerente entendeu não responder a esta questão, ao contrário ao que fez quanto às exceções do caso julgado e da litispendência, pelo que cumpre decidir.

 

Com efeito, dispõe o artigo 140.º, n.º 2, do CIRS, que “Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração”.

 

O direito fiscal faz parte do direito público, constituindo um ramo seu com os seus princípios fundamentais definidos em sede constitucional. No entanto, não pode deixar de “importar” conceitos que fazem parte do direito privado, como são exemplos, a relação jurídica e a obrigação da prestação, neste caso de natureza tributária.

 

Os deveres de ação dos sujeitos passivos das relações jurídico-tributárias, constituíam-se nas relações jurídicas tradicionais, como meros deveres de prestação pecuniária, com algumas subsidiárias obrigações de conduta. A situação alterou-se quando as necessidades de quantificação da obrigação tributária reclamaram uma gestão muito mais complexa para poder ser uma atividade primordialmente efetuada pela Administração. Atualmente, o que sucede é a existência de um complexo feixe de atuações exigidas por lei aos particulares (atos devidos) e a cuja violação correspondem mesmo sanções autónomas, de natureza contraordenacional e de natureza criminal, mesmo que não estejamos perante uma dívida de imposto. É o que podemos designar como obrigações acessórias.

 

O n.º 2 do artigo 31.º da LGT apenas refere as obrigações acessórias relativas ao sujeito passivo, entendido como a pessoa que deve cumprir a prestação tributária, visando possibilitar o apuramento do imposto a pagar. Mas as obrigações acessórias do sujeito passivo visam mais do que o apuramento do imposto. Visam também o seu controlo, como se alcança da enumeração exemplificativa que o preceito faz, ao mencionar a apresentação de declarações, onde se inclui a declaração de informação contabilística e fiscal, e ao referir a exibição de documentos, as obrigações contabilísticas, ou de escrituração e a prestação de informações. Daí que entende que a norma acabe por ter de ser interpretada através de um conceito amplo do apuramento da obrigação de imposto.

 

Estamos então perante deveres de liquidar e cobrar o imposto, como deveres de calcular o imposto em dívida e de o entregar no prazo que a lei prevê (IRC), ou de declarar todos os rendimentos tributáveis (IRS) e permitir assim à Administração que proceda aos cálculos do imposto que são devidos por qualquer pessoa singular. Esta distinção é importante em termos de densificação do conceito de autoliquidação.

 

No IRS, apesar de se intitular na sua origem como um imposto único, por reação à estrutura cedular de impostos existentes antes de 1989, caracteriza-se por uma estrutura cedular-categorizada, onde em função da natureza de cada rendimento, este se enquadra em categorias diferentes, possuindo regras próprias de cálculo. Após o apuramento por categoria, procede-se ao englobamento de todos os rendimentos, surgindo assim o rendimento coletável.

 

A categoria A de IRS é uma das categorias mencionadas, a qual visa tributar “grosso modo”, rendimentos de trabalho dependente, que o art.º 2.º enumera de forma exaustiva, talvez permitindo preenchimentos do seu “Tatbestand” por via jurisprudencial e não por via positiva como “obriga” o princípio da legalidade.

 

Como resulta da jurisprudência:

O pressuposto maior consagrado na lei é que aquele pedido tem de ser fundamentado em “erro imputável aos serviços”, tendo a sentença sustentando a esse propósito que «“O conceito de erro imputável aos serviços a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer vício (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só erros, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. (…)” - acórdão do TCA Sul de 23/03/2017, proc. 1349/10.0BELRS.

 

Assim, estamos hipoteticamente perante um alegado erro imputável aos serviços da administração fiscal. Aqui chegados, há que apreciar o pretenso não cumprimento do art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, a qual aborda a temática do erro. O Tribunal não descura que a reclamação graciosa e a revisão do ato tributário são duas formas procedimentais diferentes. Mas tem de se analisar se o Requerente deveria ter interposto primeiro o que podemos designar por reclamação necessária, para poder vir discutir a ilegalidade que traz aos presentes autos. O inciso foi construído para erros na declaração, pelo que o mesmo não é aplicável aos erros imputáveis à administração tributária. O conceito de erro evidenciado nas declarações tem sido objeto de inúmeras abordagens jurisprudenciais. No entanto, o legislador fiscal “esquece-se” de utilizar os mesmos vocábulos em compêndios legislativos, criando a dúvida, na maioria aparente, de que pretendeu densificar normativamente uma realidade de forma distinta.

 

No art.º 45.º, n.º 2, da LGT, diz-se:

2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

 

No art.º 65.º, n.º 4 do CIRS, diz-se:

2 - A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

 

No art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, diz-se:

2 - Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.

 

Por sua vez o art.º 131.º, n.º 1 do CPPT, diz-nos:

1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.

 

Temos então os seguintes vocábulos: LGT - erro evidenciado na declaração; IRS - erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto e Erro na declaração de rendimentos; CPPT - erro na autoliquidação.

 

Quanto ao erro na autoliquidação, o mesmo só pode ser compreensível se abrangermos nele, quer as inscrições que são realizadas nas declarações de rendimentos, quer a própria autoliquidação em si, pois, exemplificativamente, no IRC, ao contrário do IRS, procede-se ao cálculo aritmético do lucro tributável e da colecta a pagar, sendo consentâneo então com a autoliquidação.

 

Restam-nos então os vocábulos previstos na LGT e IRS, respetivamente, - erro evidenciado na declaração e - erro na declaração de rendimentos. A apreciação do sentido de erro evidenciado na declaração, significa “que se trate de erro que é detectável mediante simples análise dessa declaração, por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo: 00671/15.3BEPRT, de 08-02-2018, Pedro Vergueiro.

 

É o que nos dizem também vários Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente o proferido no âmbito do Processo n.º 0991/15, de 24-05-2016, Conselheira Isabel Marques da Silva:

 

II - O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro”.

 

Não existem assim quaisquer razões para interpretar de forma diferente o conceito que se encontra previsto no art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, com o conceito constante do art.º 45.º, n.º 2 da LGT.

 

O artigo 140.º, n.º 2, do CIRS estabelece que “em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração”. Daqui é inequívoco que a impugnação contenciosa de liquidações de IRS com fundamento em erros na declaração de rendimentos depende de prévia reclamação graciosa.

 

Esta obrigatoriedade significa que as liquidações de IRS não são diretamente impugnáveis com fundamento em erro na declaração de rendimentos. A obrigatoriedade de impugnação administrativa prévia tem como objetivo desonerar os serviços da justiça, otimizando o acesso ao direito, com a apreciação de ações em que não há um verdadeiro litígio entre a Administração Tributária e o contribuinte, por aquela ainda não ter assumido qualquer posição sobre a sua pretensão. Porém, é essa a situação dos presentes autos em que verdadeiramente aquilo que se discute são erros de facto e de direito imputáveis à atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, que não se reconduzem simplesmente a um mero erro na declaração de rendimentos, uma vez que comporta desde logo a apreciação do direito, no que respeita à possibilidade do Requerente beneficiar de um determinado benefício fiscal.

 

Por isso, no caso em apreço, não tendo sido apresentada reclamação graciosa, não se verifica a falta de um pressuposto processual, quanto à impugnabilidade da liquidação com a referida causa de pedir (erros na declaração), pelo é julgada improcedente a referida exceção dilatória

 

Termos em que deve improceder a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato tributário.

 

  1. DA EXCEÇÃO LISTISPENDÊNCIA

 

No que concerne à exceção de litispendência, a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, vem sustentar que o Requerente submeteu à Requerida um pedido de informação vinculativa sobre a sua aptidão para se prevalecer do regime aplicável a ex-residentes ao seu IRS de 2020, e que, perante a resposta negativa, dela interpôs recurso contencioso, com vista a condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a emitir informação vinculativa consonante com qualificação jurídico-tributária constante do pedido de informação vinculativa, em que por estar atualmente a correr termos um processo junto do Tribunal Tributário de Lisboa (UO 3), sob o n.º 863/21.6BELRS, conduz à existência da exceção de litispendência.

 

Para tanto, alega que caso o Tribunal Tributário de Lisboa decida favoravelmente o recurso contencioso, a Autoridade Tributária e Aduaneira irá emitir nova informação vinculativa, a qual projetará os seus efeitos nas liquidações ulteriores, tornando-as ilegais, por violarem a vinculação da Requerida ao conteúdo das informações vinculativas, o que no seu entendimento implica que a decisão a proferir no presente processo poderá colidir com o sentido da decisão do Tribunal Tributário, fazendo coexistir na ordem jurídica duas decisões jurisdicionais que produzem efeitos, sobre a mesma situação jurídica, irreconciliáveis e com sentidos opostos, o que resulta numa situação de litispendência.

 

Por seu lado, o Requerente sustenta que pela mera análise dos pedidos e causas de pedir dos respetivos processos, resulta a notória falta de identidade entre a referida ação administrativa, por um lado, onde se pede a anulação de informação vinculativa e a emissão de uma nova com conteúdo diverso e os presentes autos, por outro, onde sustenta que o que se requer é a anulação de um ato de liquidação de liquidação de imposto ilegalmente praticado pela AT. Assim, alega que face à ausência dos pressupostos para que esteja verificada a exceção de litispendência no caso concreto, que as referidas ações cuidam de objetos totalmente distintos, assentando consequentemente em causas de pedir distintas.

Com efeito, a exceção dilatória da litispendência obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da presente instância, nos termos do disposto no artigo 577.º, i) e 278.º, n.º 1, e) do CPC, pelo que se torna necessário analisar a sua procedência, a qual terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral. E estas normas do Código de Processo Civil são aplicáveis ao processo arbitral tributário, ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A exceção de litispendência nos termos do n.º 1 do artigo 581.º do CPC ex vi do artigo 29.º e) do RJAT, pressupõe a repetição de uma causa: se uma causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência.

 

De acordo com o referido pela Requerida, o Requerente impugnou a informação vinculativa, nos termos alínea c) do n.º 20 do artigo 68.º do artigo da Lei Geral Tributária (LGT), correndo atualmente termos no Tribunal Tributário de Lisboa (UO 3) ação administrativa com o n.º 863/21.6BELRS, na qual o Requerente solicita a anulação da informação vinculativa e a sua substituição por outra que reconheça o direito do Requerente a beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, constante do artigo 12.º- A do Código do IRS. Como referido, a litispendência pressupõe a repetição da mesma ação em dois processos, dependendo da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior.

 

Esta mesma questão já havido sido objeto de apreciação nos autos do processo n.º 202/2022-T, tendo-se aí decidido que tal exceção dilatória deveria improceder.

 

O n.º 1 do artigo 581.º do CPC, estabelece que a causa se repete “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. Ademais, os números subsequentes da mesma disposição legal estabelecem a concretização dos respetivos requisitos. O n.º 2 do n.º 1 do artigo 581.º do CPC refere que “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”. Quanto a este primeiro requisito estando em causa a presença do Requerente e da Requerida em ambos os processos, o mesmo mostra-se verificado.

Por seu lado, os n.ºs 3 e 4 do artigo 581.º do CPC, estabelecem, respetivamente, que “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e que “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”. Quanto a estas as referidas identidades não se verificam quanto aos processos em questão. Efetivamente, como o Tribunal Central Administrativo Norte já teve oportunidade de se pronunciar “haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter e que a identidade da causa de pedir pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico. Há identidade de pedidos quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada.” – Cfr. Acórdão proferido pelo TCAN, no âmbito do processo n.º 00498/11.1BEVIS, em 04.11.2004.

 

Ora, nos presentes autos pretende-se a anulação do ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2021, enquanto na ação administrativa referenciada o Requerente pretende tão só a revogação do despacho proferido pela Requerida e obter a condenação à prática de uma nova decisão no âmbito do referido pedido de informação vinculativa.

 

Igualmente, como a jurisprudência do CAAD já teve oportunidade de o referir, nomeadamente, no processo nº 340/2017-T, de 10 de janeiro de 2018, “Não existe, porém, litispendência, pelo facto de não haver identidade nem nos pedidos nem na causa de pedir (na ação administrativa pede-se a anulação duma decisão vinculativa da AT; nesta ação arbitral pede-se a anulação de liquidação adicional de IRC; no primeiro caso, a causa de pedir é a emissão do parecer vinculativo alegadamente ilegal; nesta ação arbitral é a liquidação, alegadamente ilegal, de um tributo)”.

 

Efetivamente, embora os sujeitos em ambos os processos sejam os mesmos, o pedido e a causa de pedir não são idênticos, dado que no Processo que corre os seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa, ação administrativa com o n.º 863/21.6BELRS, é pedida a anulação da informação vinculativa sobre a sua aptidão para se prevalecer do regime aplicável a ex-residentes ao seu IRS de 2020. Por seu lado, nos presentes autos o Requerente pede a anulação dos atos de liquidação de IRS referentes ao ano de 2021.

 

Termos em que improcede a alegada exceção de litispendência e o pedido de suspensão por causa prejudicial.

 

 

 

  1. DA EXCEÇÃO CASO JULGADO

 

No que concerne à questão da exceção de caso julgado, a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, vem sustentar que se verifica uma exceção de caso julgado, porquanto, no processo arbitral n.º 202/2022, foi proferida decisão, transitada em julgado, que determinou que o Requerente não poderá beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS a partir de 2020 – ano em que voltou a adquirir residência fiscal em Portugal – por considerar que o Requerente foi residente fiscal num “dos três anos anteriores” (2017), não preenchendo assim o requisito constante do n.º 1, alínea a) daquele artigo. Efetivamente, entende que a exceção se verifica por ter sido nesse processo resolvida a mesma questão jurídica, cujos efeitos entende deverem projetar-se para os anos seguintes.

 

Acrescenta que, tem de se entender como consolidado na ordem jurídica que o Requerente não poderá beneficiar do regime aplicável a ex-residentes nem em 2020, nem nos quatro anos seguintes. Assim, considera que se deverá considerar a existência de uma exceção de caso julgado, prevista nos artigos 580.º e 581.º do CPC, que deveria conduzir a ser a Requerida totalmente absolvida do pedido [mas que na realidade é da instância, por se tratar de exceção dilatória, e não de exceção perentória], nos termos do artigo 576.º do CPC, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Por seu lado, a Requerente vem sustentar que no caso sub judice, não pretende o revisitar ou formular pedido idêntico ao apreciado no processo 202/2022-T, mas antes, veio pura e simplesmente, contestar um ato de liquidação de imposto, referente ao IRS do ano de 2021.

 

O artigo 581.º, do CPC, exige como requisitos para a exceção de caso julgado que se verifique entre os processos em causa, identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir. O caso julgado exerce duas funções: uma função positiva, que se manifesta através da autoridade do caso julgado, que visa impor os efeitos da decisão transitada, e uma função negativa, que se manifesta através da exceção do caso julgado, que impede que uma causa já julgada seja novamente apreciada pelo tribunal. Assim, conforme referido a exceção do caso julgado exige identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir em ambas as ações. Nestes termos, há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando em ambas as ações, se pretende o mesmo efeito jurídico; e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico – simples ou complexo.

 

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça “III – Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou e atua no processo.” [Acórdão proferido pelo STJ, no âmbito do processo n.º 915/09.0TBCBR.C1.S1, em 24.02.2015]. Alberto dos Reis sob o significado da expressão “qualidade jurídica” refere que “[a]s partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica, é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial (…)”. (in CPC Anotado, 3.ª ed., 1981, pp. 101 e seguintes).

 

Neste caso, para efeitos processuais, quanto às Partes aqui em confronto, Requerente e Requerida, verifica-se a existência de identidade de sujeitos, atenta a posição substantiva que ocupam em ambos os processos, em que assumem a mesma qualidade jurídica.

 

Por seu lado, no processo 202/2022-T estava em causa o pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de IRS, referentes ao ano de 2020, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada. No presente processo, o Requerente pede a declaração de “ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2021, na medida em que não reflete o regime fiscal aplicável a ex-residentes, constante do artigo 12.º-A do Código do IRS, do qual o Requerente beneficia”. Ora, quanto ao pedido a identidade é perspetivada em função da posição das partes quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo.

 

Assim sendo, haverá de concluir que no caso em apreço não existe identidade de pedidos entre ambos os processos, visto que num se discutiu a ilegalidade das liquidações de IRS, referentes ao ano de 2020, bem como o indeferimento da reclamação graciosa apresentada, enquanto nos presentes autos se discute a ilegalidade da liquidação de IRS, referente ao ano de 2021. Pois, conforme decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra “a identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.”. No caso sub judice o efeito jurídico pretendido é manifestamente distinto, uma vez que a Requerente pretende ver anulada uma liquidação de IRS, e no caso a respeita a decisão já transitada em julgado, pretendia apenas ver reconhecido o seu direito a aceder a determinado benefício fiscal.

 

Neste sentido, veja-se o entendimento expresso pelo TCAN, proferido no âmbito do processo n.º 00498/11.1BEVIS, de 04.11.2004:

haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter e que a identidade da causa de pedir pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico. Há identidade de pedidos quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada.

 

No que concerne há causa de pedir, em que a lei impõe que a pretensão deduzida nas duas ações proceda do mesmo facto jurídico, nos presentes autos resultam de factos jurídicos distintos, uma vez que nos presentes autos o facto jurídico é somente um ato de liquidação de IRS, e no processo em que foi proferida a decisão anterior não havia um facto gerador per se, sendo uma ação que apenas pretendia um reconhecimento de direito a favor do Requerente. Na realidade, ainda que a questão de direito seja substancialmente idêntica no processo em causa e no processo 202/2022-T, este tribunal arbitral entende que não se verifica identidade de pedido e de causa de pedir.

 

Termos em que é julgada improcedente a exceção de caso julgado.

 

  1. DA APLICAÇÃO DO ESTATUTO DE EX-RESIDENTES PREVISTOS NO ARTIGO 12.º-A DO IRS

 

O tema dos presentes autos refere-se à pretensa aplicação do artigo 12.º-A, do Código do IRS, aos rendimentos do Requerentes, sob a perspetiva dos seus rendimentos serem determinados com base no estatuto aplicável aos ex-residentes, com fundamento na disposição legal invocada.

 

A referida disposição legal, isto é, o artigo 12.º-A, do Código do IRS, dispunha à data dos factos que:

 

1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:
a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;
c) Tenham a sua situação tributária regularizada.


2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

 

O Requerente entende que reúne todos os pressupostos mencionados no n.º 1 da norma acima transcrita, nomeadamente, por se ter tornado residente fiscal português em 2019 ou 2020, conjugado como os requisitos de não ter sido considerado residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores; ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015; e ter a sua situação tributária regularizada.

 

Na realidade, o Requerente sustenta que aquando do seu regresso a Portugal, deveria beneficiar do regime fiscal para ex-residentes ali previsto, a partir de 2020, ano durante o qual voltou a ser residente em Portugal. No seu entendimento, deixou de ser residente em território português desde 26 de maio de 2017 até à data do seu regresso ao território português, que ocorreu em 15 de agosto de 2020. Assim, o Requerente, no dia 1 de junho de 2021, aquando da submissão da sua declaração de IRS optou pela tributação no âmbito do ‘Programa Regressar’ e, mais concretamente, do regime fiscal aplicável a ex-residentes, contemplado no artigo 12.º-A do Código do IRS.

 

Para tanto, alega o Requerente que foi residente fiscal em Portugal até ao final de maio de 2017, e que, nos primeiros meses do ano de 2017, recebeu uma proposta de trabalho, para exercer a sua profissão na empresa “B..., S.A.U.”, sita em Zaragoza, Espanha, que terá aceitado, para trabalhar presencialmente, nas instalações da sua nova entidade empregadora, a tempo inteiro, a partir do dia 19 de junho de 2017, pelo que emigrou para Espanha, juntamente com a sua mulher e filhos, tendo saído de Portugal, em definitivo, em 26 de maio de 2017. Neste âmbito, refere que ele (Requerente) e a sua família passaram os primeiros dias da sua permanência em Espanha num Hotel, a expensas da sua nova entidade patronal, e que posteriormente passou a residir, a partir de 1 de junho de 2017, no ... Zaragoza, Espanha.

 

Que neste contexto, o Requerente afirma que solicitou a emissão de Número de Identificação de Estrangeiros espanhol e, bem assim, a sua inscrição no sistema de Segurança Social espanhol, sob os quais foi objeto de tributação em Espanha pelos rendimentos auferidos durante todo o tempo em que foi residente nesse país. Porém, refere que tomou a decisão de retornar a Portugal com a sua família, o que efetivamente veio a fazer em 15 de agosto de 2020, pelo que procedeu à alteração da sua residência fiscal para Portugal em 12 de setembro de 2020, tendo submetido a sua declaração de IRS a 1 de junho de 2021, com referência à opção pela tributação no âmbito do Programa Regressar.

 

Para sustentar a sua alegação sob o enquadramento no “Programa Regressar”, refere que não residiu em Portugal parte do ano de 2020, tendo quanto aos rendimentos desse ano apresentado duas declarações de IRS: uma referente ao período em que não foi considerado residente e uma segunda declaração relativa ao período em que foi efetivamente residente em Portugal, assinalando em ambas, no Anexo A, o campo 4-E «Regime Fiscal Aplicável a Ex-residentes (Artigo 12.º-A do CIRS), para oficializar o seu pedido para ser tributado no âmbito do respetivo regime fiscal. Igualmente, refere que no âmbito desse programa, uma vez que o Requerente auferiu rendimentos de trabalho dependente, e apenas metade deste valor estaria sujeito a tributação em sede de IRS, às taxas progressivas, o mesmo entendia que apenas o montante de € 95.876,80 (noventa e cinco mil oitocentos e setenta e seis euros e oitenta cêntimos) seria considerado para efeitos de IRS.

 

Refere, ainda, que, em 4 de junho de 2021, tendo recebido uma carta, seguida de um email, ambos da Autoridade Tributária, relatando erros de validação central das declarações submetidas com a designação «Z10 – regime fiscal ex-residente não permitido – reside em PT últimos 3A», visto não ter sido residente em Portugal nos três anos anteriores, o mesmo procedeu à ‘correção’ da declaração Modelo 3 nos moldes aí solicitados, não assinalando no Anexo A, o campo 4-E «Regime Fiscal Aplicável a Ex-residentes (Artigo 12.º-A do CIRS)». Assim, alega o recebimento de duas notas de liquidação, quanto ao ano de 2020.

 

Entende o Requerente que reunia todos os pressupostos mencionados no artigo 12.º-A, do CIRS, visto que a interpretação se deve apoiar na conceção de residência fiscal oferecida pela Reforma do IRS de 2014, é simples e inequívoco: onde se lê «não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores» deve subentender-se a referência literal ao período de três anos anterior ao dia em que se readquire a qualidade de residente e não aos três anos fiscais completos que antecederam aquele em que o sujeito passivo readquiriu a qualidade de residente. Pelo que ao rejeitar a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do CIRS, a Requerida desconsiderou por completo o desenho legal atual do conceito de residência fiscal para o regime do ‘Programa Regressar’.

 

Por isso, defende que, por se ter baseado numa interpretação da Lei que não pode ser acolhida, as liquidações de IRS sub judice são, a todos os títulos, ilegais, e devem ser anuladas, devendo ademais ser substituídas por outra liquidação que reconheça a aplicabilidade ao Requerente do regime fiscal previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS para ex-residentes, em virtude do claro cumprimento de todos os requisitos aí exigidos para o efeito.

 

Por último, o Requerente defende que o ato tributário em crise deve ainda ser considerados ilegal por violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que refere que a interpretação que a Requerida faz do artigo 12.º-A do CIRS mostra-se passível de criar situações violadoras do princípio da igualdade, ao implicar o tratamento diferente e com carácter discriminatório de situações substancialmente idênticas entre os indivíduos que, apesar de não terem sido considerados residentes em Portugal nos 3 anos anteriores ao seu regresso (i.e., 2020), foram em determinado ano considerados residentes parciais, e os indivíduos que não foram considerados residentes, nem residentes parciais, em Portugal na totalidade dos 3 anos.

 

A Requerida defende que, em 01.07.2017, o Requerente alterou a sua residência para o estrangeiro (Espanha), situação que se manteve até 2020-09-12, data em que alterou a sua residência para Portugal, pelo que tendo sido residente parcial em Portugal, em 2017, não poderia aproveitar o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS, pois o termo “ano”, quando é antecedido de preposição “de” ou “em”, como é o caso, refere-se a um concreto ano, que corresponde a um ano civil do calendário gregoriano, e não a uma medida de tempo. Neste sentido, sustenta que, quando a condição para aplicação do regime diz que o sujeito passivo não pode ter sido residente “em qualquer dos três anos anteriores”, não se poderá deixar de interpretar como “não pode ter sido residente num dos três anos civis anteriores”, pelo que regressando em 2020, não poderia o Requerente ter tido o estatuto de residente fiscal nos anos de 2017, 2018 e/ou 2019, se quisesse aproveitar o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS.

 

Pelo que a Requerida defende que a determinação da residência fiscal do Requerente em 2017 não acarreta qualquer conflito com pretensões tributárias de Espanha, desde logo porque o período de imposto aqui em discussão é o de 2021, ano em que já não existiu qualquer elemento de conexão com Espanha. Logo, conclui que o Requerente foi corretamente considerado residente fiscal em Portugal em 2017, tendo assim sido enquadrado à luz das normas internas portuguesas e como tal tendo sido tributado.

 

Assim, a questão em análise refere-se à aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS a rendimentos que auferidos em território nacional, por sujeito passivo que regressou a Portugal em 12-08-2020 e que residiu em Espanha desde 27.05.2017, tendo alterado a residência fiscal em 01-07- 2017.

O artigo 258.º da Lei n.° 71/2018, de 31/12 (OE 2019), aditou o artigo 12.°-A ao Código do IRS, consagrando um novo regime fiscal respeitante a ex-residentes, o qual, por força do disposto no artigo 259.º da mesma lei, é aplicável aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna as condições para ser abrangido pelo regime e nos quatro anos seguintes. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do IRS, estão excluídos de tributação, em 50% do respetivo montante.

 

O artigo 12.º-A, do Código do IRS, foi aditado pelo artigo 258.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019, com a seguinte redação:

“Artigo 12.º - A Regime fiscal aplicável a ex-residentes

1 - São excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;

c) Tenham a sua situação tributária regularizada.

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.”

 

O artigo 12.º-A do Código do IRS estabelece uma medida excecional de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT. Porém, depende da declaração do sujeito passivo de pretender beneficiar do regime, o que será feito aquando do preenchimento do modelo 3 da declaração de IRS do ano seguinte ao ano de regresso a Portugal. Como tal trata-se de um benefício fiscal, na medida em que preenche os pressupostos estabelecidos no artigo 2.º, n.º 1 do EBF.

 

E, como benefício fiscal os seus fundamentos são extrafiscais, tendo o objetivo de atrair cidadãos que abandonaram o país em consequência da crise financeira de 2008 e o aumento da população ativa. Este benefício fiscal, que se traduz na exclusão de tributação de 50% dos rendimentos ativos dos sujeitos passivos, o legislador pretendeu assim, atrair para o território português pessoas que pretendam exercer uma atividade das Categorias A e B previstas no CIRS, que de outro modo voltariam para residir e trabalhar em território português.

 

Nesse sentido, tal como faz a decisão proferida no âmbito do processo 202/2022-T, é de seguir o entendimento sustentado no Processo n.º de 168/2021-T, de 2021-10-22, quando refere que  “Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja proteção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede”.

 

Assim sendo, tal como sufragado pela decisão adotada no processo 202/2022-T, e a que se adere, “consagrando uma medida de caráter excecional, também aquela norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é, ela própria, excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas”.

 

Consequentemente, para poder beneficiar deste regime excecional de tributação em IRS, dos rendimentos da Categoria A, o Requerente teria de ter cumprido com o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos no art.º 12-A do CIRS. Assim, o Requerente além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015, e ter a sua situação tributária regularizada, requisitos que se mostram cumpridos, também teria de não ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

 

Em face dos elementos de facto dados como provados nos autos, é de considerar que o requisito que não é preenchido para poder usufruir deste regime fiscal aplicável a ex-residentes.  Não restam dúvidas que o Requerente não poderia ser considerado residente em território português em qualquer um dos três anos anteriores, uma vez que em 2017 foi residente em Portugal, onde auferiu rendimentos do trabalho por conta de outrem até ao dia em que deixou o território português, para se deslocar para Espanha.

 

Será de entender, tal como o fez o tribunal coletivo, no âmbito do processo 202/2022-T, “que o legislador no art.º 12.º -A, n.º 1 a) ao mencionar “Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores” está a referir-se a 3 anos civis e não a 36 meses. E para justificar esse nosso entendimento é de considerar o artigo 143.º do CIRS que determina: “Para efeitos do IRS, o ano fiscal coincide com o ano civil”. Refira-se que, quando o legislador pretende que o prazo seja contado em meses faz expressa referência a esse facto, como sucede para efeitos de reinvestimento das mais-valias realizadas na alienação de imóveis destinados a habitação própria e permanente. A esta propósito o artigo 10.º, n.º 5, alínea b) estabelece que “O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização”.

 

E, também, é exemplo de uma norma que estabelece a contagem diferente da feita com base em anos civis, o artigo 18.º, n.º 1, alínea q) do CIRS, em que o legislador se refere à contagem de prazos em dias, ao estabelecer que “As mais-valias resultantes de cessão onerosa de direitos, de qualquer natureza, sobre uma estrutura fiduciária, desde que, em qualquer momento durante os 365 dias anteriores à transmissão, o valor dessa estrutura resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50 % de bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português. (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho)”.

É incontroverso, fazendo parte da matéria de facto assente, admitido por ambas as Partes, que o Requerente como viveu e trabalhou em Portugal até 26 de maio de 2017 e no dia seguinte deixou o país para ir trabalhar para o estrangeiro, é considerado residente em território português desde 1 de janeiro de 2017 até à mudança da sua residência para Espanha. Assim, no ano de 2017 o Requerente foi residente em Portugal, e aqui auferiu efetivamente rendimentos pelo que não cumpre com o requisito estabelecido no artigo 12.º-A do CIRS, por não ter sido considerado residente em qualquer dos últimos três anos, não obstante ter resido durante 36 meses fora do território português.

 

Por outro lado, não e vislumbra que a interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira dá ao artigo 12.º-A, do CIRS, que como se viu é aquela que foi expressamente desejada pelo legislador, seja violadora do princípio da igualdade. Com efeito, o princípio da igualdade tem previsão legal no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, aí se estabelecendo que:

 

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 2, da LGT, refere que “A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.”.

 

Porém, no caso as partes não estão factualmente na mesma situação, uma vez que o Requerente não tendo cumprido o requisito dos 3 anos, não pode exigir um tratamento igual, porque na realidade não se encontra na mesma situação daqueles que deram cumprimento a este requisito, ainda que sustente ter um número de meses equivalente a 3 anos, mas não foi essa a intenção do legislador, que expressamente quis diferenciar as situações. Não vislumbra que tenha sido criada qualquer discriminação arbitrária e irrazoável, que fosse desprovida de qualquer fundamento objetivo e racional.

 

É, pois, de notar que o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendido o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, mas não exige o tratamento igual de todas as situações, mas antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante.

 

Consequentemente, o princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objetiva e racional. Assim sendo, não se vislumbra de que modo se possa considerar que o processo legislativo e/ou a interpretação da Requerida seja desprovida de justificação objetiva e racional.

 

Termos que este tribunal arbitral entende ser de improceder a alegada violação do princípio da igualdade.

 

Em suma, não se pode concluir de outro modo, que não seja que o Requerente não reúne todos os requisitos para poder beneficiar do regime aplicável a ex-residentes, uma vez que não cumpre com o requisito relativo à não residência em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano em que regressou (2020).

 

  1.  DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em conformidade, absolvendo-se a Requerida do pedido, com as legais consequências

 

 

 

  1.     VALOR DO PROCESSO

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 4.292,30 (quatro mil duzentos e noventa e dois euros e trinta cêntimos), correspondente à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares que a Requerente pretende anular – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.

 

 

 

 

  1. CUSTAS

 

            Custas no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo do Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Porto, 10 de outubro de 2023

 

 

 

O árbitro,

 

 

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira