Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 212/2016-T
Data da decisão: 2017-01-16  IRS  
Valor do pedido: € 5.865,09
Tema: IRS – competência do Tribunal, revisão oficiosa; mais-valias; caducidade; regime transitório do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro
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Decisão Arbitral [1]

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 20 de Junho de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.    A… e B…, casados, titulares dos números de identificação fiscal … e …, respetivamente, residentes na Rua…, nº …, …, …, em ..., (doravante designados por “Requerentes”), apresentaram um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 7 de Abril de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    Os Requerentes pretendem que se dê “(…) provimento ao (…) pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral sobre a liquidação de IRS relativa ao ano de 2010 (…)” e, em consequência, se declare “(…) a ilegalidade do acto de indeferimento contestado no pedido de revisão oficiosa, corrigindo-se, em consequência, a referida liquidação”, tendo também apresentado, como prova, três Testemunhas.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 8 de Abril de 2016 e notificado aos Requerentes na mesma data.

1.4.    Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 2 de Junho de 2016, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20 de Junho de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, em 21 de Junho de 2016, no sentido de notificar a Requerida para, “(…) em 30 dias, responder, juntar cópia do processo administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional

 

1.7.    Em 9 de Setembro de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação e concluído que “(…) a) Devem as excepções dilatórias invocadas obter total provimento e, em consonância, ser a Requerida absolvida da instância arbitral; b) Deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências; c) Deve a excepção peremptória invocada obter total provimento, devendo a Requerida ser absolvida do pedido; d) Mais se requerendo, nos termos acima peticionados, que caso não seja dispensada a produção de prova testemunhal, que sejam os Requerentes notificados para indicar quais os factos que pretende ver provados pelas testemunhas”.

 

1.8.    Adicionalmente, a Requerida protestou juntar o processo administrativo instrutor, o qual foi remetido aos autos em 4 de Outubro de 2016.

 

1.9.    Por despacho arbitral de 9 de Setembro de 2016, foram os Requerentes notificados para no prazo de dez dias, querendo, se pronunciaram sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida na Resposta apresentada na mesma data.

 

1.10.  Por despacho arbitral de 3 de Outubro de 2016, “tendo em consideração o facto de os Requerentes não se terem pronunciado, dentro do prazo de 10 dias (concedido pelo despacho arbitral de 9 de Setembro de 2016), quanto à matéria de excepção deduzida pela Requerida na resposta apresentada naquela data e com o objectivo de garantir o princípio do contraditório e de igualdade das partes (…)”, mandou o Tribunal Arbitral notificar:

 

1.10.1.   “Ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações”;

1.10.2.   “Os Requerentes para, no referido prazo de 5 dias, se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa da inquirição das testemunhas arroladas” e, caso não prescindissem da inquirição das testemunhas indicadas no Pedido, ficariam desde logo “(…) notificados para, no prazo referido (…), indicar os factos sobre os quais (…)” pretenderiam que a prova testemunhal incidisse.

 

1.11.  Em 4 de Outubro de 2016, a Requerida apresentou requerimento no sentido de nada ter “(…) a opor a entidade demandada ao projecto de dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, prescindindo, igualmente, da realização de alegações escritas (…)”, mas “se a Requerente entender conveniente a apresentação de alegações, deverão as mesmas ser sucessivas (…)”.

 

1.12.  Em 11 de Outubro de 2016, os Requerentes apresentaram requerimento no sentido de informar “que mantêm interesse na realização da inquirição das testemunhas por si arroladas”, indicando para tal os factos relativamente aos quais as testemunhas apresentadas deverão ser inquiridas, bem como referindo que mantêm “o interesse na apresentação de alegações escritas”.

 

1.13.  Por despacho arbitral de 17 de Outubro de 2016, tendo em consideração os despachos acima referidos e os requerimentos apresentados pelas Partes, decidiu o Tribunal Arbitral “em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)] e da livre condução do processo consignado nos artigos 19º e 29º, nº 2 do RJAT”, “(…) agendar reunião para o (…) dia 28 de Outubro de 2016, pelas 14:00, a realizar nas instalações do CAAD, em Lisboa, para efeitos de inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes, relativamente aos factos indicados por estes no seu requerimento (…), resposta às excepções deduzidas pela Requerida (a apresentar oralmente ou por escrito) e decidir da possibilidade de dispensa da apresentação de alegações”.

 

1.14.  Os Requerentes, por requerimento apresentado em 18 de Outubro de 2016, vieram solicitar a junção de documento aos autos, relativamente ao qual, o Tribunal Arbitral, por despacho de 21 de Outubro de 2016, mandou notificar a Requerida “para, querendo, se pronunciar na reunião agendada para o (…) dia 28 de Outubro, sobre o (…) documento (…) anexado”.

 

1.15.  Os Requerentes, por requerimento apresentado em 24 de Outubro de 2016, vieram requerer a alteração da data agendada para a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT (vide ponto 1.13., supra), por impossibilidade de comparência do seu mandatário, tendo por despacho arbitral de 25 de Outubro de 2016, a referida reunião sido reagendada para o dia 11 de Novembro de 2016, pelas 11:00, nas instalações do CAAD, em Lisboa.

 

1.16.  Em 11 de Novembro de 2016, foi realizada a primeira reunião arbitral, no CAAD, na qual foram inquiridas duas das três Testemunhas arroladas pelos Requerentes, com reprodução sonora dos depoimentos prestados e da qual foi lavrada a corresponde acta, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

 

1.17.  No âmbito da referida reunião, o Tribunal notificou ainda os Requerentes e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar da data da notificação da junção das alegações dos Requerentes ou do termo do prazo concedido para o efeito (no caso daqueles não apresentarem alegações).

 

1.18.  Por outro lado, em cumprimento do disposto no artigo 18º, nº 2 do RJAT, o Tribunal designou o dia 15 de Janeiro de 2017 para efeitos de prolação da decisão arbitral, tendo esta data sido rectificada (por despacho arbitral datado de 12 de Dezembro de 2016), para o dia 16 de Janeiro de 2017, dado que a primeira data se tratava de um Domingo.

 

1.19.  Por último, o Tribunal advertiu ainda os Requerentes que, até à data da prolação da decisão arbitral deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que vieram a efectuar em 22 de Novembro de 2016).

 

1.20.  Em 29 de Novembro de 2016, os Requerentes apresentaram as suas alegações escritas, reiterando a argumentação utilizada no pedido, tendo também apresentado defesa às excepções deduzidas pela Requerida na Resposta (e já sumariamente discutidas na reunião havida a 11 de Novembro de 2016), no sentido de:

 

1.20.1.   Dever ser julgada improcedente “(…) a exceção da incompetência material deste tribunal Arbitral, invocada pela Requerida, sob a veste de erro sob a forma do processo”;

1.20.2.   Dever ser julgada improcedente a excepção peremptória relativa à alegada caducidade do direito à acção porquanto “(…) o pedido de revisão oficiosa (…) que ora se impugna afigura-se como o meio processual adequado a satisfazer a pretensão dos Requerentes, tendo sido tempestiva e legítima a sua (…) apresentação”.

 

1.21.  Em 19 de Dezembro de 2016, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, no sentido reiterar “(…) tudo quanto requerido em sede resposta ao pedido de pronúncia arbitral”, porquanto “lidas as normas (…) depressa se percebe que encaixam que nem uma luva à factualidade aqui presente, dado que a … se situava (e situa) em zona urbanizada e isso sem necessidade de essa zona se situar em área com um plano de urbanização previamente aprovado e que, volvidos 3 anos da data do óbito, os Requerentes promoveram o licenciamento do prédio, a fim de, depois de loteado e de afectado à actividade comercial/profissional, o venderem a terceiros para que aí se edificassem novos prédios urbanos”, pelo que “(…) não existindo o alegado erro imputável à AT, não merecem censura os actos tributários contestados, devendo ser mantidos na ordem jurídica e devendo o presente pedido de pronúncia ser julgado totalmente improcedente”.

 

2.         CAUSA DE PEDIR

 

Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    Começam por esclarecer que “o (…) pedido tem em vista a obtenção de pronúncia arbitral relativamente à declaração da ilegalidade, e consequente anulação, do ato tributário de indeferimento da revisão oficiosa (…) mencionada, bem como da liquidação de IRS referente ao ano de 2010”.

 

2.2.    Neste âmbito, esclareceram que “tendo em vista a revisão da liquidação de IRS do ano 2010, apresentaram os Requerentes o pedido de Revisão do Ato Tributário de que ora se recorre (…)”, porquanto entendem que “(…) o pedido para desencadear o procedimento pode, em qualquer circunstância, ser feito por iniciativa do contribuinte”, “pelo que, o meio impugnatório de que ora se recorrer era (…) o mais adequado para satisfazer as pretensões dos aqui Requerentes”, “(…) tendo sido tempestiva e legítima a respectiva apresentação (…)”.[2]

 

2.3.    Desta forma, segundo os Requerentes, na esteira do que é entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), “existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da AT, o erro em questão é imputável aos serviços”, “(…) razão pela qual qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração”, “e sendo um erro imputável aos serviços, é inequívoco que o prazo para a apresentação deste instrumento é de quatro anos contados desde a prática do ato tributário” (sublinhado nosso).

 

2.4.    Assim, “não se podem os Requerentes conformar com a decisão de indeferimento que (…) lhes foi notificada nem, consequentemente, com a liquidação de IRS que lhe estava subjacente (…)”, desde logo porque entendem que “a mesma se traduziu numa pronúncia de mérito denegatória do pedido de declaração da ilegalidade da tributação suscitada (…)”.

 

2.5.    Nestes termos, e quanto à factualidade subjacente ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral apresentado, esclareceram os Requerentes que “no ano de 1987, o Requerente marido e o seu irmão (…) adquiriram por sucessão hereditária causada pela morte da mãe de ambos (…) um terreno rústico denominado "…", no…, freguesia de …, ... (…)”, sendo que “adquiriram a propriedade do prédio, segundo o regime da compropriedade (…)”.

 

2.6.    Contudo, “no decurso do ano de 1990, a natureza de prédio rústico (…) foi alterada para prédio urbano (terreno para construção) (…)” e já “(…) depois da entrada em vigor do Código do IRS, o Requerente marido afetou o (…) imóvel à sua atividade empresarial e profissional (…)”, sendo que “(…) no ano de 2007, o referido prédio (…) foi sujeito a um processo de loteamento constituído por 23 lotes (…)”, tendo “no ano de 2010, o Requerente marido e o seu irmão (…)” vendido três desses lotes.

 

2.7.    Em consequência, “no dia 1 de Julho de 2011, os ora Requerentes (…) procederam à entrega da sua Declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2010, indicando, no anexo relativo às mais-valias, a alienação onerosa de três lotes urbanos (…)”.

 

2.8.    No entanto, referem os Requerentes que “(…) os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto­Lei nº 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código(sublinhado dos Requerentes), circunstância que se verifica, na opinião dos Requerentes, no caso em análise, porquanto sendo “inequívoco que o prédio rústico foi adquirido no ano de 1987, por sucessão hereditária (…)”, e “não sendo (…) um terreno para construção, à data de 1987, (…) como tal, não se encontrava abrangido pelo âmbito do DL nº 46373, de 6 de Junho (Código de Imposto de Mais-Valias)”.[3]

 

2.9.    Ou seja, segundo os Requerentes, “é manifesto que se verificam materialmente os requisitos de que depende a não sujeição a tributação” e, tendo o terreno em causa sido adquirido com natureza de rústico e “tendo sido afeto à atividade económica e profissional do Requerente marido (…) após a entrada em vigor do CIRS”, “não compreendem os Requerentes, como poderá a Autoridade Tributária basear a decisão de indeferimento no (…) entendimento (…)” que “uma vez que, o Requerente afetou o prédio (…) à sua atividade empresarial cai por base o seu apelo ao regime transitório contido no artigo 5º do DL 442-A/88, de 30 de novembro, uma vez que deles se encontram excluídos os ganhos sujeitos ao imposto de mais-valias” (sublinhado nosso).[4]

 

2.10.  Nestes termos, para os Requerentes “tal conclusão não se coaduna com uma interpretação cabal e legalista do preceito do legislador”.

 

Dever Oficioso da AT corrigir erros das liquidações

 

2.11.  Segundo os Requerentes, “a Administração Tributária tem o dever de corrigir oficiosamente todos os erros das declarações que possam conduzir a uma maior tributação do que aquela que é devida nos termos da lei”.

 

2.12.  Assim, “(…) sob pena de inconstitucionalidade, deverá interpretar-se as normas que preveem a revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços como não excluindo o dever de revisão em todos os casos em que se constatar, dentro do prazo em que a revisão é possível, que foi liquidado tributo em excesso" (sublinhado e negrito dos Requerentes).

 

2.13.  Contudo, “os Requerentes (…) constataram que a AT não corrigiu os erros supramencionados, desconsiderando, a seu favor, a existência dos requisitos essenciais de não tributação das referidas mais-valias” (sublinhado dos Requerentes) pelo que, nesta medida, “o entendimento da AT incorre num vício sobre os pressupostos de direito, o qual deverá ser sanado (…)” pois, caso contrário “(…) a AT procede à aplicação retractiva de uma lei fiscal, o que a Constituição da República Portuguesa expressamente proíbe (…)”.

 

2.14.  Assim, entendem os Requerentes que “(…) o rendimento global não poderia nunca ter sido de € 72.039,45, mas sim € 55.224,44”, pelo que “(…) o valor a pagar de IRS relativo ao ano de 2010 não seria de € 12.331,15 mas cerca de € 6.466,06 (…)”, sendo que é assim “possível concluir que (…) procederam, indevidamente, ao pagamento de € 5.865,09, a título de imposto”.

 

2.15.  Em conclusão, entendem os Requerentes que a “(…) liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares encontra-se ferida de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser corrigido (…) e restituído (…) o montante de imposto indevidamente pago”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu, defendendo-se por excepção e por impugnação, concluindo que:

 

3.1.1.     “(…) devem as excepções dilatórias invocadas obter total provimento e, em consonância, ser a Requerida absolvida da instância arbitral”;

3.1.2.     “Deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”;

3.1.3.     “Deve a excepção peremptória invocada obter total provimento, devendo a Requerida ser absolvida do pedido (…)”.

 

Por Excepção

 

Da Incompetência Material do Tribunal

 

3.2.    Começa a Requerida por alegar que “o pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativo ao ano de 2010, formulado em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT” e, “(…) atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, verifica-se a excepção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra, circunstância que impõe se determine a absolvição da Entidade Demandada da Instância (…)” (sublinhado nosso).

 

3.3.    Como efeito, segundo a Requerida, “(…) conclui-se que por força do estatuído no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, independentemente de esta ser obrigatória nos termos do citado preceito ou de o contribuinte ter optado (…) pela revisão oficiosa” (sublinhado nosso).

 

3.4.    Assim, segundo a Requerida, “(…) conclui-se que o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objecto do litígio sub judice (…), o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa (…)” “sob pena de, se assim não se entender, tal interpretação ser não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (…), bem como da legalidade (…), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT”.

 

Erro na forma do processo

 

3.5.    Neste âmbito, segundo alega a Requerida “(…) atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi liminarmente rejeitado porquanto entenderam os Serviços ser o mesmo extemporâneo, isto é, apresentado para lá dos quatro anos contados do facto tributário, sempre se dirá que o presente meio arbitral não é o meio idóneo para discutir a questão da extemporaneidade”, porquanto “(…) a causa que motivou o indeferimento da revisão oficiosa situou-se, em exclusivo, na questão da intempestividade do aludido procedimento gracioso”, “o que equivale a dizer que a AT não se pronunciou sobre o mérito da questão”.

 

3.6.    E, “consequentemente, resulta inequívoco que estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT”.[5]

 

3.7.    Ora, alega a Requerida que “o processo arbitral tributário encontra-se estabelecido por referência e com objecto em tudo semelhante ao processo de impugnação judicial, em relação à qual deve constituir um meio processual alternativo”, pelo que verificando-se “(…) a identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral (…) significa que está afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial”.

 

3.8.    Assim, entende a Requerida que “(…) atento o exposto, constata-se que a sindicância do acto em questão está fora do âmbito das matérias susceptíveis de apreciação em sede arbitral (…) e como (…) tem decidido a jurisprudência arbitral perante circunstâncias semelhantes”, pelo que se verifica “(…) no caso concreto, uma excepção dilatória de erro na forma de processo”, que a proceder “(…) importa a absolvição da Requerida da instância”.[6]

 

Por Impugnação

 

3.9.    Nesta matéria, alega a Requerida que “(…) dúvidas não restam que estamos em presença de um verdadeiro terreno para construção, cuja transmissão se encontraria sujeita a tributação à luz das regras do CIMV, e que, por tal motivo, não lhe será de aplicar a exclusão prevista no regime transitório”.

 

3.10.  Por outro lado, alega a Requerida que “recaindo sobre o requerente o ónus da prova de que os bens (…) foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do CIRS (…)”, pelo que conclui que “(…) a existir, o erro seria sempre imputável aos Requerentes, uma vez que a liquidação controvertida não resultou de qualquer correcção oficiosa”.

 

3.11.  Nestes termos, entendendo a Requerida “(…) que não existe o alegado erro imputável à AT (…), deverá “(…) o presente pedido de pronúncia ser julgado improcedente”.

 

Por Excepção Peremptória

 

3.12.  Por último, alega ainda a Requerida que “(…) o pedido de revisão oficiosa, ao momento em que foi apresentado, era extemporâneo (…), porquanto tendo sido “(…) o acto tributário (…) notificado aos Requerentes no ano de 2011 (…)” e “tendo o pedido de revisão oficiosa sido deduzido em Junho de 2015 (…)” este foi “(…) apresentado intempestivamente”.

 

3.13.  Ora, neste âmbito, conclui a Requerida que sendo “a caducidade do procedimento gracioso (…) uma  excepção peremptória (…) extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelos Requerentes”.

 

4.       QUESTÕES PRÉVIAS

 

4.1.    A Requerida, na Resposta apresentada, veio suscitar as seguintes excepções em sua defesa:

 

4.1.1.     A excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido apresentado pelos Requerentes com base no facto de a sua pretensão não ter sido precedida de recurso à via administrativa, nos termos do disposto nos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), argumento que a proceder, determinará a absolvição da Requerida da instância;

4.1.2.     A excepção do erro na forma do processo porquanto o pedido arbitral foi, segundo a Requerida, extemporaneamente apresentado, pelo que entende que o “(…) meio arbitral não é o meio idóneo para discutir a questão da extemporaneidade”, dado que “(…) a causa que motivou o indeferimento da revisão oficiosa situou-se, em exclusivo, na questão da intempestividade do aludido procedimento gracioso”;

4.1.3.     A excepção da caducidade do procedimento gracioso, porquanto alega a Requerida que “(…) o pedido de revisão oficiosa, ao momento em que foi apresentado, era extemporâneo (…)”, porquanto “(…) o acto tributário foi notificado aos Requerentes no ano de 2011, tendo o pedido de revisão oficiosa sido deduzido em Junho de 2015, isto é, apresentado intempestivamente”, excepção peremptória que, a proceder, determina a absolvição da Requerida do pedido.

 

4.2.    Neste âmbito, tendo em consideração que as questões da competência são de conhecimento prioritário, como resulta do disposto no artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT), aqui será apreciada, em primeiro lugar, a excepção da incompetência material colocada, sendo certo que se esta questão for procedente ficará prejudicado, por se tornar inútil, o conhecimento das restantes excepções suscitadas.

 

Excepção da Incompetência Material do Tribunal Arbitral

 

4.3.    Os Requerentes submeteram à apreciação deste Tribunal Arbitral os seguintes pedidos:

 

4.3.1.     Declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da revisão oficiosa relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2010, com a consequente anulação do mesmo e,

4.3.2.     Declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS relativo ao ano de 2010, com a sua consequente anulação.

 

4.4.    Em termos gerais, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2º, nº 1, do RJAT sendo que, nos termos desta norma, a competência dos tribunais arbitrais compreende “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, bem como “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (sublinhado nosso).

 

4.5.    Para além da apreciação directa da legalidade do tipo de actos descritos no ponto anterior, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as competências para apreciar actos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daquela natureza, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, conforme se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10º, nº 1, alínea a), do RJAT ao nº 2 do artigo 102º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas) e à decisão do recurso hierárquico.

 

4.6.    Por outro lado, tem também sido entendido, em sintonia com jurisprudência do STA que, na sequência da declaração de ilegalidade de actos de liquidação, proferida em processo de impugnação judicial, podem ser proferidas decisões de condenação no pagamento de juros indemnizatórios bem como, por força do artigo 171.º, n.º 1, do CPPT, de condenação no pagamento de indemnizações por garantia indevida.

 

4.7.    Ora, para além das situações acima elencadas, tem sido entendido que não há qualquer suporte legal para permitir que sejam proferidas, pelos tribunais arbitrais, condenações de outra natureza, mesmo que sejam consequência da declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

 

4.8.    No que diz respeito ao caso em análise, na sequência da excepção suscitada pela Requerida, quanto à alegada incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação na sequência de pedidos de revisão oficiosa, será necessário aferir, em maior detalhe, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, acima genericamente já elencada.

 

4.9.    Assim, e em primeiro lugar, esta competência encontra-se limitada (como acima vimos nos pontos 4.4. a 4.6.) às matérias indicadas no artigo 2º, nº 1, do RJAT e, numa segunda linha, a referida competência (dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD) está também limitada pelos termos em que Administração Tributária se encontra vinculada àquela jurisdição, de acordo com o disposto na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.10.  Com efeito, o artigo 4º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, (…)”.

 

4.11.  Assim, em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende, essencialmente, dos termos desta vinculação porquanto, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável no já referido artigo 2º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação acima identificada, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

 

4.12.  Ora, de acordo com o disposto na alínea a), do artigo 2º da Portaria acima referida, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, pelo que esta referência expressa ao precedente “recurso à via administrativa” deverá ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa (que é o meio administrativo indicado nos artigo 131º a 133º do CPPT), para que cujos termos se remete.

 

4.13.  No caso concreto, sendo tendo sido pedida a declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativa à liquidação de IRS do ano de 2010 (e não de um acto de autoliquidação de IRC ou de retenção na fonte como, por lapso, a Requerida refere na sua Resposta) importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT), se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT.

 

4.14.  Na verdade, neste artigo 2º do RJAT não é efectuada qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, quando se refere a “pedidos de revisão de actos tributários” e “actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação”.

 

4.15.  Contudo, a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a), do nº 1 do artigo 2º do RJAT não restringe (numa mera interpretação declarativa), o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto daquela natureza.

 

4.16.  Com efeito, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

 

4.17.  A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.

 

4.18.  Ora, relativamente aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta é imposta, como regra, a reclamação graciosa (conforme previsto nos artigos 131º a 133º do CPPT) pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade daqueles actos, o qual se o confirma tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de primeiro grau.[7]

 

4.19.  Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.

 

4.20.  Assim, a referência expressa ao artigo 131º do CPPT que se faz no artigo 2º da Portaria acima referida não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de liquidação.[8]

 

4.21.  Nestes termos, é manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, nos casos elencados (ou seja, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta) tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

 

4.22.  Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no nº 3, do artigo 131º do CPPT, ao estabelecer que “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º”.

 

4.23.  Ora, no caso em análise, sendo o acto tributário subjacente ao pedido uma liquidação de IRS efectuada pela própria Requerida, esta teve conhecimento das regras que aplicou, sendo por isso desnecessária uma pronúncia prévia (via reclamação graciosa) sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de liquidação em causa.

 

4.24.  E tendo sido formulado um pedido de revisão oficiosa de uma acto de liquidação de IRS (no caso relativo ao ano de 2010), foi proporcionada à Administração Tributária (com este pedido), uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional pelo que, em coerência, não pode aqui ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa, no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de uma reclamação graciosa.

 

4.25.  Assim, sendo inequívoco que a lei expressamente faculta aos contribuintes a possibilidade de optarem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de liquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que um contribuinte não possa aceder à via arbitral quando tenha optado, no caso de um acto de liquidação de imposto, pela apresentação de pedido de revisão do acto tributário em vez de apresentar uma reclamação graciosa.

 

4.26.  Aliás, é de notar que a interpretação acima produzida, não se cingindo ao teor literal, até se justifica especialmente no caso do disposto na alínea a), do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições porquanto, uma coisa é associar a fórmula abrangente “recurso à via administrativa” (que abrange, para além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à “expressão nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa, outra será utilizar a expressão “precedidos” de recurso à via administrativa, reportando-se às “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos” que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a palavra “precedidas”.

 

4.27.  Nestes termos, assegurando com a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa (que se pretende alcançar com a impugnação) a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de “reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (manifestado no nº 2 do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril), é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão sem necessidade de apresentação prévia de reclamação graciosa.

 

4.28.  E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9º, nº 3 do Código Civil).

 

4.29.  Assim, será de concluir que o artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/2011 (devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9º do Código Civil) e sendo aplicáveis as normas tributárias substantivas a adjectivas (por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da LGT), viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de liquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa (sem que aos mesmos seja aplicável a limitação acima referida no ponto 4.12.) improcedendo, em consequência, a excepção da incompetência matéria do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida.

 

 

Excepção da Incompetência do Tribunal Arbitral por erro na forma do processo

 

4.30.  Como acima vimos (vide ponto 4.3.), os Requerentes submeteram à apreciação deste Tribunal Arbitral um pedido de “declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da revisão oficiosa relativa ao IRS do ano de 2010, anulando-o em consequência” e uma pedido de “declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS relativo ao ano de 2010, com a sua consequente anulação”.

 

4.31.  No âmbito da Resposta apresentada, a Requerida veio defender que “atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi liminarmente rejeitado porquanto entenderam os Serviços ser o mesmo extemporâneo (…), sempre se dirá que o presente meio arbitral não é idóneo para discutir a questão da extemporaneidade”.

 

4.32.  Com efeito, segundo a Requerida, “a causa que motivou o indeferimento da revisão oficiosa situou-se, em exclusivo, na questão da intempestividade do (…) procedimento gracioso”, “o que equivale a dizer que a AT não se pronunciou sobre o mérito da questão”.

 

4.33.  E, por isso, conclui a Requerida que “resulta inequívoco que estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT”.

 

4.34.  Assim, entende a Requerida que, “atento o exposto, constata-se que a sindicância do acto em questão está fora do âmbito das matérias susceptíveis de apreciação em sede arbitral (…)”, pelo que se verifica “uma excepção dilatória de erro na forma de processo, a qual, a proceder, importa a absolvição da Requerida da instância”.

 

4.35.  Ora, nesta matéria, importa voltar à questão da incompetência material deste Tribunal Arbitral (acima já analisada), no caso, para apreciar a legalidade de actos de liquidação precedidos de pedido de revisão oficiosa cuja decisão, alegadamente, não comporta a apreciação da legalidade daqueles actos.

 

4.36.Como acima já foi referido (vide ponto 4.4.), o artigo 2º do RJAT define “a competência dos tribunais arbitrais”, mas não inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários.

 

4.37.  Porém, o facto de a alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT fazer referência aos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT (em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente, a reclamação graciosa), deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles nºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2º do RJAT.[9]

 

4.38.  Mas, o mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa também conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

 

4.39.  Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o “sistema fiscal” (inclusivamente, no que diz respeito às garantias dos contribuintes) e sobre a “organização e competência dos tribunais”, não pode o referido artigo 2º do RJAT ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos (para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo), sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo.

 

4.40.  Neste âmbito, embora no artigo 165º, nº 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), no qual se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do nº 2 do artigo 103º da mesma, no qual se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo, uniformemente, entendido pelo Tribunal Constitucional.[10]

 

4.41.  Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar em que termos a legalidade de um acto de indeferimento de um pedido de revisão pode ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou se terá de ser utilizada uma acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

 

4.42.  Em termos gerais, o acto de indeferimento de um pedido de revisão de um acto tributário constitui um acto administrativo, à face da definição fornecida pelo artigo 120º do CPA [subsidiariamente aplicável, em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2º, alínea d), da LGT, artigo 2º, alínea d), do CPPT, e artigo 2º, nº 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

 

4.43.  Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário, ou seja, um acto de indeferimento de um pedido de revisão constitui um “acto administrativo em matéria tributária”.

 

4.44.  Do disposto nas alíneas d) e p), do nº 1 e do nº 2, do artigo 97º do CPPT infere-se a regra de que a impugnação de actos administrativos em matéria tributária deve ser efectuada, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.

 

4.45.  Nestes termos, face a este critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de liquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de liquidação sendo que, se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação não comportar a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial.[11]

 

4.46.  Ora, adoptando-se o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de acto de liquidação, será possível concluir que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas acções “apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido” (vide artigo 145º, nº 3, do CPPT).[12]

 

4.47.    Com efeito, a preocupação legislativa em afastar, das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a), do nº 4, do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário “os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação”, pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.

 

4.48.  Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo do acto de indeferimento do pedido de revisão da liquidação de IRS, depende da análise deste acto.

 

4.49.  No caso em análise, o motivo invocado para o indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi a intempestividade do pedido o que, por si só, não implica apreciação da legalidade do acto de liquidação de IRS subjacente ao referido pedido de revisão.

 

4.50.  Porém, à face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial (delineado pelas alíneas d) e p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT) não é necessário que a apreciação da legalidade de um acto de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, bastando que esse acto a comporte (o que, neste contexto, significa que no acto impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação), mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão.[13]

 

4.51.  Ora, no caso em apreço, pode entender-se que a decisão do pedido de revisão inclui a apreciação da legalidade do acto de liquidação do IRS/2010 que lhe está subjacente pois, como se vê pelo texto da informação em que se baseou a decisão de indeferimento (cuja cópia foi anexada aos autos, quer pelos Requerentes, quer pela Requerida), em diversos pontos da mesma se manifesta a discordância com as correcções que os Requerentes pretendem ver efectuadas.

 

4.52.  Com efeito, na referida Informação (que consubstancia a fundamentação do acto de indeferimento do pedido de revisão) há diversas referências quanto à legalidade do acto de liquidação de IRS subjacente, ainda que o fundamento invocado para o indeferimento do mesmo seja a sua alegada intempestividade:

 

4.52.1.   A Requerida no ponto II da Informação acima identificada, começa por efectuar a transcrição do enquadramento do pedido de revisão apresentado, o qual se fundamenta “(…) no errado preenchimento do anexo G relativo ao ano de 2010, por lapso do requerente, e na injustiça decorrente dessa situação, uma vez que os rendimentos declarados, na sua óptica se encontrariam excluídos de tributação, e em vício de lei, por erro nos pressupostos de direito imputável à AT, por ter desconsiderado a seu favor, a existência dos requisitos essenciais de não tributação das referidas mais valias” transcrevendo, em seguida, o teor do artigo 78º da LGT (negrito constante do texto original);

4.52.2.   Em seguida, a Requerida refere que “apesar de ter transcorrido o prazo de reclamação administrativa (…) também a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação (…), com fundamento em erro imputável aos serviços (…)” “e, sendo, nesta sede, o pedido tempestivo (…)”, a Requerida tece considerações sobre a aplicabilidade, ao caso, do regime transitório previsto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, concluindo que tendo Requerente marido afirmado “(…) ter afectado o prédio adquirido por sucessão hereditária à sua actividade empresarial cai por base o seu apelo ao regime transitório (…)” acima referido (negrito constante do texto original);

4.52.3.   Mais refere a Requerida que “recaindo sobre o requerente o ónus da prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do CIRS (…), a existir erro, o mesmo seria sempre imputável ao contribuinte”, concluindo que “improcede (…) o alegado erro imputável à AT”;

4.52.4.   Adicionalmente, entende a Requerida que “não se consideram verificados os pressuposto de natureza excepcional que justificam a autorização de revisão da matéria colectável, ao abrigo do disposto no nº 4 do mesmo artigo”, “desde logo, face à extemporaneidade do pedido (…)”, considerando que a possibilidade de o dirigente máximo do serviço autorizar a entidade competente a rever o acto por si praticado só podia acontecer “(…) no prazo de três anos posteriores ao do acto tributário (…)” e não no prazo de quatro anos como pretendem os Requerentes (negrito constante do texto original).

 

4.53.  Nestes termos, é inequívoco que quando a Requerida conclui que “deve, com base na argumentação acima aduzida, ser o pedido indeferido (…)”, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa comporta a apreciação da legalidade dos actos de liquidação pois, conforme se demonstrou no ponto anterior, a Requerida afirma que não têm suporte na lei substantiva as correcções que os Requerentes pretendiam que fossem efectuadas, não se limitando a indeferir o pedido com fundamento em intempestividade.

 

4.54.  Assim sendo, tendo em consideração o que acima já se referiu relativamente às competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, bem como quanto às sua limitações, conclui este Tribunal Arbitral que é competente para apreciar a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativo ao acto de liquidação do IRS/2010 (porquanto naquele se apreciou a legalidade do acto de liquidação subjacente), pelo que não procede a excepção de erro na forma do processo por alegada incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o mérito da causa.

 

Excepção da caducidade do procedimento gracioso

 

4.55.  A Requerida, na Resposta apresentada suscitou ainda, como forma de defesa, a intempestividade, porquanto tendo o acto tributário sido “(…) notificado aos Requerentes no ano de 2011 (…)” e tendo “(…) o pedido de revisão oficiosa sido deduzido em Junho de 2015 (…)” foi, segundo a Requerida, apresentado intempestivamente.

 

4.56.  Ora, segundo alega a Requerida, “o pedido de revisão oficiosa, momento em que foi apresentado, era extemporâneo (…), nos termos do disposto no nº 4 do artigo 78º da LGT (…)” dado que o prazo aplicável para apresentação do referido pedido era “(…) nos três anos posteriores ao do acto tributário (…)”, concluindo que “a caducidade do procedimento gracioso consubstancia uma excepção peremptória que extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelos Requerentes”.

 

4.57.  Assim, será necessário analisar, face à legislação aplicável se assiste ou não razão à Requerida quanto à alegada extemporaneidade (caducidade) do pedido.

 

4.58.  O artigo 78° da LGT prevê a revisão do acto tributário “por iniciativa do sujeito passivo” ou por iniciativa “da administração tributária”, aquela “no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade”, e esta “no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

 

4.59.  Contudo, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão, conforme resulta não só dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade (artigo 266°, n° 2 da CRP), bem como da própria lei escrita, ou seja do próprio artigo 78º, nº 7 da LGT.[14]

 

4.60.  Quanto ao “erro imputável aos serviços constante do art. 78º, nº 1 in fine da LGT (…)”, têm sido entendido pela jurisprudência do STA, nomeadamente, no já citado Acórdão nº 01009/10, de 22/03/2011 que aquele “(…) compreende o erro de direito cometido pelos mesmos que não apenas o simples lapso, erro material ou de facto, como aliás esclarece o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro”.[15]

 

4.61.  Aliás, conforme se refere no Acórdão do STA de 12/12/2001 (rec. 26.233), citado no Acórdão identificado no ponto anterior, “havendo erro de direito na liquidação (…) e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro (…)”, sendo “(…) esta imputabilidade aos serviços (…) independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro já que a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” (sublinhado nosso).[16]

 

4.62.  Nestes termos, era legalmente admitido, porque tempestivo, aos Requerentes apresentar, em 1 de Junho de 2015, o pedido de revisão do acto de liquidação relativo ao IRS/2010.

 

4.63.  Ora, dado que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento do pedido de revisão, apresentado em 1 de Junho de 2015, contra o acto de liquidação respeitante ao IRS do ano 2010 (como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade da liquidação de IRS objecto do pedido), a qual foi notificada aos Requerentes em 4 de Janeiro de 2016 [e comporta, conforme acima analisado (pontos 4.30. a 4.54.), a apreciação da legalidade de acto de liquidação de IRS], está o pedido abrangido na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º do CPPT.

 

 

4.64.  Assim, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do CPPT (na redacção em vigor desde 1 de Janeiro de 2013), o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”, bem como o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”, pelo que, tendo em conta a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (7 de Abril de 2016), o pedido é tempestivo.

 

4.65.  Tendo aqui sido considerado tempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes, improcede a respectiva excepção peremptória invocada pela Requerida.

 

5.       SANEADOR

 

5.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

5.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

5.3.    A cumulação de pedidos aqui efectuada pelos Requerentes, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

5.4.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes.

 

5.5.    Para além das excepções suscitadas pela Requerida e já analisadas no Capítulo 4. desta Decisão, não existem outras excepções de que cumpra conhecer.

 

5.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

6.       MATÉRIA DE FACTO

 

Dos factos provados

 

6.1.    Consideram-se como provados os seguintes factos (com base nos documentos a seguir identificados, anexados pelos Requerentes, bem como com base nos documentos que fazem parte do processo administrativo, anexado pela Requerida):

 

6.1.1.     No ano de 1987, o Requerente marido e o seu irmão (C…), adquiriram, em regime de compropriedade, por sucessão hereditária causada pela morte da mãe de ambos (Senhora D… a propriedade de um terreno rústico denominado "", situado no… , na freguesia de …, em ..., inscrito na matriz rústica sob o nº…, conforme documentos nº 4 e 5, anexados pelos Requerentes.

6.1.2.     A natureza do prédio rústico identificado foi alterada para prédio urbano (terreno para construção), nos termos da declaração Modelo 129 apresentada em 19 de Julho de 1990, dando origem ao artigo … da freguesia de…, conforme documento nº 6, anexado pelos Requerentes.

6.1.3.     Após a entrada em vigor do Código do IRS, o Requerente marido afetou o referido imóvel à sua actividade empresarial e profissional de “aquisição e alienação de imóveis” (facto apresentado pelos Requerente e aceite pela Requerida).

6.1.4.     No ano de 2007, o referido prédio rústico (descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº …/…), foi sujeito a um processo de loteamento constituído por 23 lotes, conforme Alvará n° …/07, de … de Setembro (e aditado em … de Julho de 2008), emitido em nome do Requerente marido e do seu irmão C…, através do qual foi feito o licenciamento do loteamento e das respectivas obras de urbanização, conforme documentos nº 7 e nº 5, anexados pelos Requerentes.

6.1.5.     Os referidos lotes foram considerados, para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), como prédio urbano (terrenos para construção) em … de Setembro de 2007, conforme consta das cópias dos comprovativos da 1ª avaliação para efeitos de IMI, constantes do processo administrativo, anexado pela Requerida.

6.1.6.     No ano de 2010, o Requerente marido e o seu irmão venderam três desses lotes (o nº 18 que corresponde ao artigo matricial nº…, o nº … que corresponde ao artigo matricial nº … e o nº … que corresponde ao artigo matricial nº…), todos com uma área de 290,00 metros quadrados, destinados à construção de edifício do tipo unifamiliar de cave, rés-do-chão e andar, conforme documento nº 7, anexado pelos Requerentes.

6.1.7.     Em 2011, os Requerentes procederam à entrega da sua Declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2010, tendo indicado no respectivo Anexo G (mais-valias), os valores associados com a alienação onerosa dos três prédios urbanos identificados no ponto anterior, conforme documentos nº 8 a 11, anexados pelos Requerentes (valores expressos em Euros):

 

ARTIGO

FREGUESIA

VALOR DE AQUISIÇÃO

VALOR DE VENDA

TITULARIDADE

LOTE

16,30

37.500,00

50%

18

16,30

37.500,00

50%

22

16,30

37.500,00

50%

23

 

6.1.8.     A Requerida efectuou em 5 de Julho de 2011, a liquidação de IRS nº 2011…, da qual resultou a nota de cobrança nº 2011…, no montante de EUR 12.331,15, conforme documentos constantes do processo administrativo, anexado pela Requerida.

6.1.9.     Os Requerentes pagaram, voluntariamente, o IRS liquidado em 27 de Setembro de 2011, conforme documentos constantes do processo administrativo, anexado pela Requerida.

6.1.10.   Os Requerentes apresentaram, em 1 de Junho de 2015 um pedido de revisão da liquidação de IRS relativa ao ano de 2010 (acima identificada no ponto 6.1.8.), conforme documento nº 2, anexado pelos Requerentes.

6.1.11.   Os Requerentes foram notificados, do Ofício nº…, datado de 3 de Novembro de 2015 (e remetido por carta registadas em 4 de Novembro de 2015), nos termos do qual se deu conhecimento do projecto de indeferimento do pedido de revisão da liquidação de IRS/2010, e respectiva fundamentação, constante da Informação nº …/15, de 26 de Outubro de 2015, bem como para exercer, querendo, o respectivo direito de audição prévia, conforme documentos constantes do processo administrativo, anexado pela Requerida.

6.1.12.   Os Requerentes exerceram, através de carta registada de 23 de Novembro de 2015, o respectivo direito de audição no sentido de concluir que “(…) o pedido apresentado é o meio processual adequado a satisfazer a pretensão do recorrente, sendo tempestiva e legítima a respectiva apresentação” e mantendo “(…) a actualidade de todos os argumentos vertidos em sede de pedido de revisão de acto tributário (…)”, conforme documentos contantes do processo administrativo, anexado pela Requerida;

6.1.13    Os Requerentes foram notificados, em 7 de Janeiro de 2016, do Ofício nº …/…, de 4 de Janeiro de 2016, relativo à decisão de indeferimento do pedido de revisão do IRS do ano de 2010, conforme documento nº 1, anexado pelos Requerentes e documentos constantes do processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

6.2.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

Dos factos não provados

 

6.3.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

7.         FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

7.1.    Nos autos, os pedidos formulados pelos Requerentes foram no sentido de obterem a:

 

7.1.1.     Declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da revisão oficiosa relativa ao IRS do ano de 2010, anulando-o em consequência;

7.1.2.     Declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS relativo ao ano de 2010, com a sua consequente anulação da mesma e restituição do montante de imposto alegadamente pago em excesso, de modo a ser possível a emissão, por parte da Requerida, de uma nova liquidação de imposto corrigida.

 

7.2.    E, para dar ou não provimento aos pedidos formulados será necessário analisar o enquadramento legal aplicável à situação factual descrita e dada como provada (vide pontos 6.1.1.a 6.1.7., supra), bem como responder à questão controvertida de saber se os ganhos resultantes da transmissão, em 2010, de três lotes de terreno estavam ou não sujeitos a tributação, em sede de IRS, a título de mais valias ou se, pelo contrário, estavam isentos de tributação tendo em consideração o facto do terreno então loteado ter sido adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS (ou seja, antes de 1 de Janeiro de 1989) e, nessa medida, se encontrar abrangido pelo regime transitório da categoria G, previsto no artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei nº
442-A/88, de 30 de Novembro.

 

7.3     Para efeitos de fazerem valer as suas pretensões, os Requerentes alegaram, quer no pedido de revisão do acto de liquidação do IRS do ano de 2010, quer no pedido arbitral, que:

 

7.3.1.     “(…) é inequívoco que o prédio rústico foi adquirido no ano de 1987 por sucessão hereditária (…)” e “não sendo, portanto, um terreno (…) para construção, a data de 1987 (…) não se encontrava abrangido pelo âmbito de incidência do (…) (Código de Imposto de Mais-Valias)”, “pelo que, é manifesto que se verificam materialmente os requisitos de que depende a não sujeição a tributação”;

7.3.2.     “O terreno aqui em causa foi adquirido com a natureza de rústico (…) e apenas após a entrada em vigor do CIRS (…) adquiriu a natureza de urbano (terreno para construção) (…)”, “tendo sido afeto à atividade económica e profissional do Requerente marido (…) após a entrada em vigor do CIRS”, “pelo que, não compreendem os Requerentes, como poderá a Autoridade Tributária basear a decisão de indeferimento no (…) entendimento (…)” de que tendo o Requerente marido afectado “o prédio adquirido por sucessão hereditária à sua atividade empresarial cai par base o seu apelo ao regime transitório contido no artigo 5º do DL 442-A/88, de 30 de novembro, uma vez que dele se encontram excluídos os ganhos sujeitos ao imposto de mais-valias”, “pois, tal conclusão não se coaduna com uma interpretação cabal e legalista do preceito do legislador” (sublinhado nosso).

 

7.4.    A Requerida veio contrariar a posição dos Requerentes, tendo apresentado argumentos no sentido de que:

 

7.4.1.     “O art. 1.° do CIMV determinava que estavam sujeitos àquele imposto os ganhos resultantes da transmissão onerosa de terrenos para construção, desde que o alienante os tivesse adquirido, quer a título gratuito quer a título oneroso, posteriormente a 9 de Junho de 1965”;

7.4.2.     Estabelecia-se “no seu § 2° que são havidos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo”;

7.4.3.     “De acordo com a jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, terrenos para construção, para efeitos do art. 1º, n.° 1, do CIMV seriam os efectivamente a isso destinados, pressupondo-se que o são os referidos no § 2.° do mesmo preceito”;

7.4.4.     “Cumpre também salientar que o § 2.° do art. 1.° do CIMV estabelece uma mera presunção juris tantum que, se por um lado admite prova em contrário, por outro não impossibilita a demonstração da verificação dos pressupostos objectivos de incidência com base em elementos que demonstrem que os terrenos transmitidos se destinavam efectivamente à construção” (sublinhado da Requerida).

 

7.5.    Assim, segundo a Requerida, “(…) dúvidas não restam que estamos em presença de um verdadeiro terreno para construção, cuja transmissão se encontraria sujeita a tributação à luz das regras do CIMV, e que, por tal motivo, não lhe será de aplicar a exclusão prevista no regime transitório”, sendo que “por outro lado, recaindo sobre o requerente o ónus da prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do CIRS (…) a existir, o erro seria sempre imputável aos Requerentes, uma vez que a liquidação controvertida não resultou de qualquer correcção oficiosa”.

 

7.6.    No caso em análise, e conforme matéria de facto dada como provada:

 

7.6.1.     O Requerente marido e o seu irmão (C…), adquiriram, em regime de compropriedade, em 1987, por sucessão hereditária, a propriedade de um terreno rústico denominado "" (vide ponto 6.1.2., supra);

7.6.2.     A natureza do prédio rústico acima identificado foi alterada para prédio urbano (terreno para construção), nos termos da declaração Modelo 129 apresentada em 19 de Julho de 1990 (vide ponto 6.1.2., supra);

7.6.3.     O Requerente marido afetou, após a entrada em vigor do Código do IRS, o referido imóvel à sua actividade empresarial e profissional de “aquisição e alienação de imóveis” (vide ponto 6.1.3., supra).

7.6.4.     No ano de 2007, o referido prédio rústico foi sujeito a um processo de loteamento constituído por 23 lotes, conforme Alvará n° …/07, de … de Setembro (e aditado em 15 de Julho de 2008), emitido em nome do Requerente marido e do seu irmão C…, através do qual foi feito o licenciamento do loteamento e das respectivas obras de urbanização (vide ponto 6.1.4., supra);

7.6.5.     No ano de 2010, o Requerente marido e o seu irmão venderam três desses lotes (o nº 18, o nº 22 e o nº 23) (vide ponto 6.1.5., supra).

 

7.7.    Em termos gerais, o Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro (diploma que aprovou o Código do IRS, o qual entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989), refere que, naquela data, foram “(…) abolidos, relativamente aos sujeitos passivos deste imposto, o imposto profissional, o imposto de capitais, a contribuição industrial, a contribuição predial, o imposto sobre a indústria agrícola, o imposto complementar, o imposto de mais-valias e o imposto de selo constante da verba 134 da Tabela Geral do Imposto do Selo (…)”.

 

7.8.    Não obstante, e para salvaguarda dos contribuintes, foram criados diversos regimes transitórios, nomeadamente, o previsto no artigo 5º do Preâmbulo da Lei que aprovou o referido Código do IRS, no sentido de aplicar um regime transitório aos rendimentos da Categoria G, nos termos do qual “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afetação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”, cabendo “ao contribuinte a prova de que os bens (…) foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efetuada (…) através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos” (sublinhado nosso).

 

7.9.    Ora, de acordo com o disposto no Código do Imposto de Mais-valias acima referido (que vigorou em território nacional até 31 de Dezembro de 1988), o referido imposto incidia “(…) sobre os ganhos realizados através dos actos (…)” enumerados no diploma supra identificado, nomeadamente, os resultantes da transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial” (sublinhado nosso).

 

7.10.  Adicionalmente, era referido que se consideravam “rendimentos tributáveis em contribuição industrial os ganhos provenientes da transmissão a título oneroso de terreno para construção até decorridos dois anos sobre a data da aquisição, quando esta se haja operado a igual título” e que eram “havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo” (sublinhado nosso).

 

7.11.  Assim, para decidir de direito é preciso estabelecer se, face ao acima exposto, à data da entrada em vigor do Código do IRS, o terreno em causa estava ou não integrado em zona urbanizada ou compreendido em plano de urbanização e se no título aquisitivo o mesmo se destinava a terreno para construção.

 

7.12.  Neste âmbito, refira-se desde logo que, o Código do Imposto de Mais-Valias “oferecia um triplo critério de classificação de um terreno como um prédio urbano (visto que já então os prédios seriam classificados como rústicos ou urbanos de acordo com a sua afectação ou destino – cfr. artigo 5.º do Código da Contribuição Predial ao tempo em vigor)”, ou seja:[17]

 

7.12.1.   Ter “potencialidades construtivas (critério da aptidão estrutural ou objectiva)”;

7.12.2.   Ter “sido afectado à construção por acto da administração (critério da afectação administrativa)”;

7.12.3.   “Ser destinado a esse fim pelos próprios contraentes (critério da destinação particular)”.

 

7.13.  Para efeitos do descrito no ponto anterior, “o terreno teria potencialidades construtivas se estivesse situado em aglomerado urbano, considerando-se como tal (de acordo com o artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 794/76, de 5.11) os que, situados a área envolvente de um núcleo de edificações autorizadas, confinassem com vias públicas pavimentadas e fossem servidos de rede de abastecimento domiciliário de electricidade, água e drenagem de esgotos” (sublinhado nosso).[18]

 

7.14.  Não obstante, confrontando este normativo com disposições inseridas em diplomas posteriores (nomeadamente, com o artigo 6º, nº 3, do Código da Contribuição Autárquica, “logo vemos que não se aderiu ali aos critérios da aptidão estrutural nem da afectação administrativa, visto que não releva a localização em aglomerado urbano nem a existência de um plano de urbanização”, porquanto “o legislador deste último Código limitou-se a relevar índices de destinação particular como o de ter sido requerido e concedido um alvará de loteamento, requerido e aprovado um projecto de construção, de ter sido requerida e concedida licença de construção, ou de esse fim ter sido declarado pelos próprios adquirentes no título aquisitivo”.[19]

 

7.15.  No caso em análise, o terreno denominado “” só foi inscrito como “prédio urbano (terreno para construção)” na sequência da apresentação, em 19 de Julho de 1990, da modelo 129 (vide ponto 6.1.2., supra), sendo assim notório que, à data em que cessou a vigência do Código do Imposto de Mais-Valias, o terreno em causa não era ainda um terreno para construção para os efeitos deste Código.

 

7.16.  E, como esse terreno (enquanto prédio rústico) foi adquirido, pelos Requerentes, antes da entrada em vigor do Código do IRS, a liquidação em crise é ilegal por estar excluída da incidência do imposto pelo artigo 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88.

 

7.17.  Com efeito, em conformidade com a jurisprudência consolidada do STA, de forma firme e reiterada, nomeadamente, no Acórdão nº 0872/09, de 4 de Fevereiro de 2009, “(…) por força do disposto no art. 5.º n.º 1 do DL 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e se mantinham com essa natureza no momento da sua entrada em vigor” (sublinhado nosso).[20]

 

7.18.  E, não sendo provado que um dado terreno “estivesse integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização, pelo que a qualificação como terreno para construção, para efeito do Imposto de Mais-Valias, só poderia advir de declaração como tal no título aquisitivo”.[21]

 

7.19.  Ora, no caso em análise, na documento relativo à relação de bens por óbito da mãe do Requerente marido, consta que o “prédio rústico (…) denominado … (…), inscrito na matriz rústica sob o artigo…” “situa-se em zona urbana mas cativo de arrendamento rural”, mas da inquirição das testemunha (em especial do depoimento da testemunha E…) resultou a convicção de que, à data a que se reporta a transmissão da titularidade do prédio para os Requerentes (1987), o referido prédio rústico mais não era do que uma “(…) quinta murada (…) com casa (…) dos lavradores (…)”, sendo constituída por “(…) pinhal, terreno agrícola, baldio (…)”, numa zona de outros prédios rústicos (“era uma zona de campos” segundo a referida testemunha) (sublinhado nosso).

 

7.20. Com efeito, resulta também do próprio documento referido no ponto anterior que “o prédio rústico (…) denominado … (…)” confrontava a “(…) norte, sul e nascente com caminhos e a ponte com a (…) Av. … (…)”, pelo que entende este Tribunal que aquele terreno, em 1987, não reunia as potencialidades referidas no ponto 7.13., supra.

 

7.21.  Conforme referido no Acórdão do STA nº 0872/08, acima já referido, “é certo que há uma valorização dos terrenos agrícolas quando são transformados em terrenos para construção e afectados a actividade comercial ou industrial dos seus titulares, situação que passou a ser tributada em sede de IRS, na categoria de mais-valias, com a redacção dada à alínea a) do n.° 1 do art. 10.° do CIRS pelo Decreto-Lei n.° 141/92, de 17 de Julho. No entanto, essa situação não era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias e, ao passar a sê-lo em sede de IRS., a título de mais-valias, também em relação a estas valorizações se limitou o âmbito de incidência aos casos em que a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código, como se estabeleceu na nova redacção que naquele diploma foi dada ao art.° 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88 (…)” (sublinhado nosso).

 

7.22.  Assim, para que a transmissão do terreno referida nos autos (em 2010) fosse tributada em sede de IRS era necessário que, antes da data da entrada em vigor do Código do IRS (que ocorreu em 1 de Janeiro de 1989), o terreno em causa fosse qualificado como terreno para construção, pois só a valorização de terrenos com esta qualificação era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.

 

7.23.  Com efeito, segundo o mesmo Acórdão, que aqui acolhemos, “não valem, neste contexto de tributação em sede de mais-valias, considerações atinentes à materialidade económica das situações da valorização de terrenos agrícolas, derivada da sua transformação em terrenos de construção e à sua pretensa identidade com as situações de valorização de terrenos adquiridos e transmitidos como terrenos para construção” pois “(…) é patente pelo art. 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias que ele não tinha a vocação para tributar a generalidade das situações de valorização de bens que tem o CIRS”.[22]

 

7.24.  Por outro lado, e na esteira do referido Acórdão, “o afastamento pelo art. 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88 da tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que, à data da entrada em vigor do CIRS, eram qualificados como terrenos agrícolas (e, por isso, estavam fora do âmbito de incidência do Código do Imposto alias) compreende-se pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor” (sublinhado nosso).

 

7.25.  “Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art.º 103.°, n.° 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (…) que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias” (sublinhado nosso).[23]

 

7.26.  No caso em apreço, o terreno em causa foi adquirido como prédio rústico, por via de sucessão hereditária ocorrida em 1987, e mantinha essa qualidade na data da entrada em vigor do Código do IRS (ou seja, em 1 de Janeiro de 1989) pelo que, contrariamente ao afirmado pela Requerida [quando refere que “uma vez que, o Requerente afetou o prédio (…) à sua atividade empresarial cai por base o seu apelo ao regime transitório contido no artigo 5º do DL 442-A/88, de 30 de novembro, uma vez que deles se encontram excluídos os ganhos sujeitos ao imposto de mais-valias”], é de concluir que, em face do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, os ganhos obtidos, em 2010, com a transmissão dos três lotes de terreno (após conversão, em 1990, do prédio rústico em prédio urbano e respectivo loteamento em 2007), não se inserem no âmbito de incidência do IRS sendo por isso ilegal a liquidação de IRS efectuada com respeito ao ano de 2010.

 

7.27.  E atentas os argumentos acima expostos, bem como os constantes da análise das excepções (vide Capítulo 4 desta Decisão), é aqui também considerado ilegal o indeferimento do pedido de revisão do acto de liquidação de IRS respeitante ao ano 2010.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

7.28.  No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

7.29.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

7.30.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[24] [25]

 

7.31.  Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ainda que não sejam expressamente pedidos.[26]

 

7.32.  Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

7.33.  Na sequência da ilegalidade do acto de liquidação do IRS de 2010 (vide ponto 7.26., supra), nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso do montante de IRS pago em excesso pelos Requerentes, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

7.34.  Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia paga em excesso, no âmbito da liquidação de IRS respeitante ao ano de 2010, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

7.35.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.36.  Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

7.37.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

7.38.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

8.       DECISÃO

 

8.1.    Tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

8.1.1.     Julgar improcedentes todas as excepções suscitadas pela Requerida;

8.1.2.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes, mandando-se revogar a decisão de indeferimento do pedido de revisão do acto de liquidação do IRS de 2010 (porque contrária à lei), bem como mandando-se anular a liquidação de IRS subjacente, por enfermar de vício de ilegalidade;

8.1.3      Condenar, em consequência, a Requerida no reembolso do IRS indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

8.1.4.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 5.865,09.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

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Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de Janeiro de 2017

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, e para defesa da sua posição, citam os Requerentes jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (no Acórdão nº 26580, de 20.03.2002).

[3] Neste âmbito, citam os Requerentes o Acórdão do STA, datado de 02-06-2010 (processo nº 0998/09).

[4] Nesta matéria, citam os Requerentes a Circular nº 21, de 19 de Outubro de 1992, bem como o Acórdão do STA, datado de 04-11-2004 (processo nº 0659/04).

[5] Neste sentido, cita a Requerida o entendimento de Jorge Lopes de Sousa (inCódigo de Procedimento e de Processo Tributário”, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, 2011, pág. 54), nos termos do qual “no que concerne aos actos proferidos em processo de revisão oficiosa [...] a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade do acto de liquidação”. “Se no acto praticado em processo desses tipos não se chegou a apreciar a legalidade de um acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n.º 2 deste art. 97.º, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação”.

[6] Neste âmbito, cita a Requerida a Decisão Arbitral nº 244/2013-T e a Decisão Arbitral nº 613/2014-T.

[7] A referência que na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT se faz ao nº 2 do artigo 102º do CPPT (em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas), desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem, nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau. Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria nº 112-A/2011, acima já referida, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que tem como alcance restringir a sua vinculação aos casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

[8] Na verdade, uma interpretação exclusivamente baseada no teor literal não pode ser aceite pois, na interpretação das normas fiscais, são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11º, nº 1, da LGT), sendo que o artigo 9º nº 1 do Código Civil, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei”, devendo “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Assim, quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, bastará “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9º, nº 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa. Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer.

[9] Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT (concedida pelo artigo 124º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), na qual se revela a intenção de o processo arbitral tributário constituir “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

[10] Com efeito, o Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições de direitos.

[11] Trata-se, assim, de um critério de distinção dos campos de aplicação dos meios processuais que resulta do teor das alíneas d) e p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT, o qual tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo STA.

[12] Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos liquidação que comportem a apreciação da legalidade destes actos.

[13] Neste sentido vide decisão Arbitral nº 299/2013-T, de 10 de Outubro de 2014.

[14] Neste sentido, de acordo com o defendido no Acórdão do STA nº01009/10, de 22/03/2011, “a revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode efectuar-se a pedido do contribuinte, como resulta do art. 78.º, n.º 7 da LGT e 86º, n.º 4, alínea a) do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266º, nº 2 da CRP”. Também de acordo com o disposto no Acórdão do STA de 20/03/2002 (rec 26.580), citado no Acórdão do STA nº 01009/10, de 22/03/2011, se defende que “face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do acto quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável (…)”, sendo que “é claro que a revisão do acto tributário, na sua dimensão de acto a favor do contribuinte, que é a dimensão que aqui importa ter em conta, acaba por implicar um alargamento do prazo de estabilidade da situação tributária a que se refere. Mas uma tal consequência não é uma objecção que o intérprete possa colocar (…) pois a adopção, pelo legislador, da possibilidade de revisão do acto pressupõe exactamente o equacionamento dessa questão e a sua resolução no sentido de fazer, dentro de certos condicionalismos (…) outros valores para além da segurança jurídica a prazo certo” (sublinhado nosso).

[15] Neste sentido, cfr. Casalta Nabais, “A Revisão dos Actos Tributários”, inPor um Estado Fiscal Suportável: Estudos de Direito Fiscal”, Volume III, Coimbra, Almedina, 2010, p. 236).

[16] No mesmo sentido, vide os Acórdãos do STA de 06/02/2002 (rec. 26.690), de 05/06/2002 (rec. 392/02), de 12/12/2001 (rec. 26.233), de 16/01/2002 (rec. 26.391), de 30/01/2002 (rec. 26.231), de 20/03/2002 (rec. 26.580) e de 10/07/2002 (rec. 26.668).

[17] Vide Acórdão do TCAN nº 00224/07, de 15 de Novembro de 2011.

[18] Idem.

[19] Idem.

[20] Neste âmbito, cfr. Acórdãos do STA de 9/11/05 (recurso nº 733/05), de 29/03/06 (recurso nº 1213/05), de 12/12/06 (recurso nº 1100/05), de 6/6/07 (recurso nº 179/07), de 13/2/07 (recurso nº 763/07) e 29/10/08 (recurso nº 539/08).

[21] Neste sentido, vide Acórdão do STA nº 0872/08, de 4 de Fevereiro de 2009.

[22] Neste sentido, refira-se que o próprio Preâmbulo do Código do Imposto de Mais-Valias expressamente refere “a deliberada restrição do âmbito de incidência do imposto, a título experimental, a algumas das situações de valorização de bens, alguns dos ganhos trazidos pelo vento e não todas as situações que poderiam abstractamente considerar-se equiparáveis”. Com efeito, refere-se no ponto 2 desse preâmbulo que “a ideia de que se partiu para traçar os limites do imposto foi a de considerar mais-valias os aumentos de valor dos bens que os contribuintes não produziram nem adquiriram para venda. É uma ideia decerto sujeita a reparos sob o ponto de vista teórico, mas que tem a vantagem de poder ser utilizada na prática. No entanto, resolveu-se aplicá-la, não a todos os bens naquelas condições, e sim apenas aos bens cujas mais-valias se verificam com maior frequência, são de maior vulto ou não oferecem dificuldades sérias de determinação. E o que acontece, sem dúvida, com os terrenos para construção; com os elementos do activo imobilizado das empresas (entre eles os trespasses e os alvarás) e os seus bens de rendimento; com o direito ao arrendamento dos escritórios e consultórios; com as quotas em sociedades e as acções”.

[23] Neste sentido, pode ver-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 216/90, de 20-6-1990 (processo n° 203/89), publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 398 (página 2 a 7).

[24] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).

[25] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).

[26] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS nº 05110/11, de 31-01-2012, nos termos do qual “a reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido” (sublinhado nosso).

No mesmo âmbito, cfr. artigo 100º da LGT, artigo 61º, nº 3, do CPPT, o Acórdão do STA de 11/2/2009 (rec.1003/08), o Acórdão do TCAS de 11/7/2006 (proc.1258/06), o Acórdão do TCAS de 23/1/2007 (proc.205/04) e Diogo Leite de Campos e Outros, in “Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada”, Vislis, 3ª Edição, 2003, pág.520.