Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 238/2016-T
Data da decisão: 2016-11-28  IRC  
Valor do pedido: € 241.427,08
Tema: IRC – Amortizações; Aerogeradores
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            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Dr. Pedro Nuno Ramos Roque (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-07-2016, acordam no seguinte:

           

           

1. Relatório

 

            A… SUCURSAL EM PORUGAL, sociedade com o número de identificação fiscal de …, com sede social no Edifício …- Rua … …, …-…, veio, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT") apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRC n.º 2016…, na parte em que procede a uma redução do prejuízo fiscal no valor de € 241.427,08.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 28-04-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-06-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-07-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 21-10-2016, foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e e acordado que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira, além do mais, se opõe à junção dos documentos apresentados pela Requerente na reunião de 2-10-2016 e juntos em versão digital por correio electrónico de 28-10-2016.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Questão da junção de documentos pela Requerente na reunião e posteriormente

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 22-04-2016, e os documentos juntos pela Requerente na reunião de 02-10-2016 e juntos em suporte digital em 28-10-2016, são supervenientes em relação àquela data (referem-se a inspecções realizadas em Junho e Julho de 2016), pelo que não estão abrangidos pela obrigatoriedade de junção de documentos com aquele pedido, que se prevê na alínea d) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

De qualquer modo, entende-se que os documentos referidos não são necessários para a decisão da causa, pelo que não serão considerados, o que torna inútil a apreciação da questão da possibilidade da junção.

Por isso, fica prejudicado o conhecimento dessa questão, por força do disposto no artigo 130.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

            Assim, não se toma conhecimento dessa questão da possibilidade de junção dos documentos.

 

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·         A Requerente é um Estabelecimento Estável que exerce a actividade principal de “Produção de electricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de origem não especificada” (CAE…), encontrando-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal e em sede de IRC no regime geral de tributação;

·         Em cumprimento da ordem de serviço nº OI2015… de 2015-01-30, foi a Requerente sujeita a uma acção inspectiva de âmbito geral ao exercício de 2012;

·         A Requerente explora o parque eólico de B…, o qual foi implantado numa extensão de 2,7 km na Serra do …, tendo iniciado a sua exploração em finais de 2005 com 10 aerogeradores de 1,3 MW de potência;

·         A Requerente praticou, no exercício de 2012, depreciações sobre os activos fixos tangíveis no montante global de € 1.320.126,08, tendo-as contabilizado semestralmente nas subcontas SNC “642 Gastos com Depreciações e Amortizações”;

·         De acordo com o Mapa de depreciações e amortizações, a Requerente separou o activo fixo tangível na rúbrica “Edifícios e Outras Construções”, onde inclui a subestação e as estradas com um período de vida útil esperada de 20 anos e depreciados à taxa de 5%, e na rúbrica “Equipamento Básico”, onde regista as turbinas e as fundações, depreciadas à taxa de 6,25%, e com um período de vida útil esperada de 16 anos;

·         A Inspecção Tributária notificou a Requerente com o intuito de obter esclarecimentos sobre a aplicação de diferentes taxas de depreciação aos componentes do parque eólico;

·         Em resposta, afirmou a Requerente que as turbinas e as fundações foram definidas como Máquinas Não Especificadas e enquadradas no código … da Tabela II – Taxas Genéricas do Decreto-Regulamentar nº 2/90, optando por um período de vida útil esperado máximo de 16 anos e pela taxa mínima de depreciação de 6,25%;

·         A Requerente não apresentou qualquer requerimento à Autoridade Tributária a solicitar a adopção de um regime específico de depreciação;

·         A Requerente celebrou um contrato de Cessão de Exploração com a C…, proprietária dos baldios onde foram implantados setes aerogeradores e a subestação, o qual estabelece o prazo de cessão de 20 anos, indicando o dia 17-01-2026 para o seu término com a possibilidade de renovação;

·         O “Estudo de Impacte Ambiental do Parque Eólico de B…” (Volume I - Resumo não técnico, página 23) refere que “a presença do Parque Eólico constituirá uma fonte de rendimento para as populações pois será paga uma renda anual pelo proponente do projecto, durante 20 anos de funcionamento do empreendimento”;

·         Com base no prazo estipulado no contrato de cessão de exploração, nos elementos obtidos no estudo de impacto ambiental e na consulta de estudos técnicos sobre aerogeradores e energias renováveis, designadamente os Estudos de entidades internacionais referidos a fls. 21 do RIT, entendeu a Inspecção Tributária que o período de utilidade esperada para esses equipamentos é de 20 anos, pelo que deveriam ter sido amortizados a uma taxa de 5% e não à taxa de 6,25% utilizada pela Requerente (Relatório da Inspecção Tributária, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais, o seguinte:

(...)

O sujeito passivo optou por separar o custo do parque eólico pelos Edifícios e Outras Construções, onde classifica a subestação e as estradas, e pelo Equipamento Básico, onde regista as turbinas e as fundações, depreciados respectivamente à taxa de 5% e à taxa de 6,25%, apurando se vidas úteis de 20 e 16 anos.

A aplicação da taxa de depreciação de 6,25% sobre as turbinas e as fundações mereceu um pedido de esclarecimento e de elementos junto do sujeito passivo, por se mostrar divergente das restantes componentes do parque eólico, as quais foram amortizadas/depreciadas à taxa de 5%.

A A… respondeu por correio electrónico, informando que as turbinas e as fundações foram definidas como Máquinas Não Especificadas e enquadradas no código … da Tabela II - Taxas Genéricas do Decreto-Regulamentar nº 2/90, optando por um período de vida útil esperado máximo de 16 anos e pela taxa mínima de depreciação de 6,25%.

Conforme informado pelo sujeito passivo, "O parque Eólico foi construído pela D…, num contrato chave na mão, para a empresa A… (A…)". Foram construídos 10 aerogeradores do modelo "IZAR Bónus 1.3". O período de concessão foi estabelecido em 20 anos.

Solicitado para o efeito, a A… remeteu o "Contrato de Cessão de Exploração" com a C…, proprietária dos baldios onde foram implantados setes aerogeradores e a subestação. No contrato inicial, assinado em 2001-01-18, foi estabelecido um prazo de 20 anos para a cessão de exploração dos terrenos baldios. Em aditamento de 2004-06-30, o prazo da cessão foi alargado em 5 anos, tendo-se indicado o dia 2026-01-17 para o seu término com a possibilidade de renovação.

A data dos factos (ano de 2005), não existia qualquer referência aos aerogeradores ou aos parques eólicos no Decreto-Regulamentar nº 2/90. Aconteceu o mesmo no Decreto-Regulamentar nº 25/2009 que revogou aquele, até à alteração da redacção e da percentagem de depreciação introduzida pelo Orçamento de Estado de 2015 (Artigo 23º da Lei nº 82-D/2014 de 31/12), relativo ao código … da Tabela II das Taxas Genéricas.

Não estando prevista a taxa de depreciação para um determinado bem nas tabelas do Decreto-Regulamentar, são aceites como gastos fiscais as amortizações e depreciações consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada, conforme regulado pelo nº 3 do artigo 5º do Decreto-Regulamentar nº 25/2009 (mesmo articulado do anterior DR nº 2/90) e pelo nº 2 do artigo 31º do CIRC na redacção em vigor até 2013-12-31 (Actual nº 3 do mesmo artigo).

Não estando prevista a percentagem de desgaste do activo pretendido, o sujeito passivo tinha o nº 3 do artigo 5.º do regime de amortizações como alternativa às tabelas das taxas de depreciação, podendo ainda optar por um método de cálculo diferente dos estabelecidos mediante autorização prévia da Administração Tributária, conforme mencionado no nº 3 do artigo 4º do DR nº 2/90 ou do DR nº 25/2009. Em ambos os casos, o sujeito passivo deve justificar e documentar a sua opção, com o estudo de viabilidade económica do investimento, as características técnicas dos equipamentos utilizados, as garantias dos fornecedores, licenças e outros documentos relevantes para a determinação da vida útil esperada.

III.1.1.2- Enquadramento legal a aplicar às depreciações dos parques eólicos

A AT procurou, em todos os meios, informação sobre os aerogeradores, nomeadamente estudos técnicos e estudos de fiabilidade mecânica, quer junto dos fabricantes ou fornecedores, quer nas páginas web de instituições ligadas às energias renováveis.

Os aerogeradores são equipamentos complexos mecânica e electricamente, projectados de fábrica para um tempo estimado de funcionamento ininterrupto de cerca de 120.000 horas, cerca de 13 anos e noves meses.

Neles foram introduzidas medidas de preservação, nomeadamente travões electromagnéticos, que impedem as turbinas de funcionar com ventos muito fortes ou com ventos muito fracos que provocam um desgaste anormal ou dos quais não se tira aproveitamento energético. A estas interrupções no funcionamento, somam-se as "paragens forçadas" para as manutenções periódicas e para as reparações fortuitas. Junta-se a aleatoriedade do vento em que a força motriz das turbinas não é constante. Tudo isto se resume no factor de carga ou de funcionamento efectivo, distribuindo as horas estimadas de funcionamento por um período temporal mais alargado.

Muitas das publicações encontradas referem um período de vida útil de 20 anos para os parques eólicos e um tempo estimado de funcionamento de 120.000 horas para as turbinas e aerogeradores.

Ao abrigo nº 3 do artigo 5º do Decreto-Regulamentar nº 25/2009, a Administração Tributária considerou como razoável o período de vida útil de 20 anos e a percentagem de 5% de depreciação para os parques eólicos, considerados como elemento único do Activo Fixo Tangível. Tal entendimento foi vertido na Informação nº 922/15 da Direcção de Serviços do IRC, sancionada em 2015-07-15, relativa ao Proc.1530/15.

III.1.1.3- Montante das depreciações corrigidas

Os elementos fornecidos pelo sujeito passivo reforçam o entendimento da AT, pois as depreciações dos restantes elementos do Activo Fixo Tangível, as amortizações do Activo Intangível e o contrato de cessão de exploração dos baldios apontam para o período de vida útil de 20 anos, a que corresponde a percentagem de 5% de depreciação.

Ora, a A… calculou as depreciações das turbinas e das fundações à taxa de 6,25%, acima dos 5% considerados razoáveis pela AT. Decorrente desse entendimento combinado com a alínea c) do nº 1 do artigo 34º do CIRC, a corresponde diferença de 241.427,08 EUR, determinada no quadro seguinte, deve ser considerada como gasto não aceite fiscalmente e acrescida ao resultado:

Pelo acima descrito, propõe-se a correcção ao Resultado Liquido do Exercício, como acréscimo a incluir no campo 719 do quadro 07 (Apuramento do Lucro Tributável) da declaração de rendimentos do ano de 2012, pela diferença entre as depreciações contabilizadas pelo sujeito passivo e as aceites como razoáveis para efeitos fiscais no valor de 241.427,08 EUR. Esta correcção acresce ao valor declarado neste campo para 244.437,42 EUR e repercute-se como redução do Prejuízo Fiscal declarado.

(...)

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO

IX.1- As depreciações e o custo real

Os Activos Fixos Tangíveis são itens tangíveis que se espera que sejam usados durante mais do que um ano e que se destinam à produção ou fornecimento de bens ou serviços, ao arrendamento a terceiros ou a fins administrativos.

Os itens tangíveis vão perdendo valor ao longo do tempo pela acção da natureza, pela obsolescência tecnológica, pelo desgaste do seu funcionamento ou uso com a consequente perda de utilidade. Esta redução de valor ou depreciação contabiliza-se ao longo do tempo, em função da vida útil ou utilização esperada, durante o qual os activos geram rendimentos.

Podem ser considerados vários métodos de depreciação dos itens tangíveis, sendo a opção por um deles da responsabilidade da administração da empresa. A decisão por um dos métodos de depreciação pode pautar-se por critérios técnicos ou económicos, como o número de horas de funcionamento efectivo ou a quantidade produzida. Nestes casos, podemos aproximar estas depreciações técnicas ao conceito de "custo real" ou "custo efectivo" conforme mencionado na petição do Direito de Audição, pois está subjacente o princípio da correlação entre os rendimentos gerados pelos activos e os gastos decorrentes do seu uso,

Tais depreciações estão subjugadas à aceitação fiscal. As depreciações fiscais são consideradas gasto do exercício em função de um determinado período de tempo ou vida útil esperada e de um método de cálculo, sendo de corrigir o resultado fiscal pelas diferenças entre as depreciações contabilísticas e as depreciações fiscais.

Ora, o sujeito passivo optou por considerar as depreciações fiscais, aplicando a taxa mínima correspondente ás Máquinas não Especificadas, código … da tabela II do Decreto-Regulamentar nº 25/2009 de 11 de Setembro (D.Regul. nº 25/2009), ficando estas depreciações não técnicas longe do conceito de "custo real/efectivo" invocado pelo sujeito passivo.

IX.2- Outros métodos de depreciação

Efectivamente e como o sujeito passivo refere na petição do Direito de Audição, o D.Regul. nº 25/2009 não apresenta uma absoluta rigidez quanto à imputação das depreciações. Estão previstas excepções quanto aos itens depreciáveis, ao valor depreciável, ao método de depreciação e quanto à determinação do período de vida útil, regulamentados, por exemplo, no artigo 1º nº 2, no artigo 3" nº 5, no artigo 4º nº 3, no artigo 5º nº3 e no artigo 9º nº 3, relevando o artigo 1º por respeitar às condições gerais de aceitação das depreciações e amortizações.

Tais excepções também constam no anterior Regime de Reintegrações e Amortizações do Decreto-Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro, que se encontrava em vigor no ano de 2006 quando o parque eólico começou a ser depreciado.

Todas as excepções, previstas no D.Regul. nº 25/2009, obrigam a autorização da Administração Tributária. Ora, o sujeito passivo não apresentou qualquer requerimento de adopção de um regime específico de depreciação ou informação vinculativa sobre a matéria. Antes, optou por enquadrar as fundações e as turbinas num item previsto no D.Regul. nº 25/2009, ou seja nas máquinas não especificadas.

IX.3- Manutenção e reparações das turbinas

O sujeito passivo menciona as condições climatéricas agressivas da Serra do …, onde foi instalado o Parque Eólico de B…, como factor determinante da vida útil dos aerogeradores e elenca reparações de componentes, efectuadas entre 2010 e 2015 em várias turbinas para justificar a degradação dos equipamentos.

Geralmente, estes projectos de exploração são antecedidos de estudos de viabilidade económica que envolvem o levantamento das condições climatéricas no local de instalação dos aerogeradores, das características técnicas dos equipamentos produtores e a sua adequação ao clima local, entre outros estudos e planeamentos.

Todos esses estudos visam rentabilizar ao máximo o capital investido, necessariamente pelo período total da concessão ou licença de exploração. No caso em apreço, seria por um período de 20 anos.

Inclui-se nesses estudos, o planeamento da manutenção e das reparações em função das características técnicas, das condições climatéricas locais e das horas de funcionamento.

A manutenção e as reparações visam prolongar a utilidade dos equipamentos produtores de energia e não podem ser justificação adequada para encurtara vida útil esperada quando as mesmas pretendem o efeito contrário.

IX.4- Referência ao processo nº 16/2015-T do CAAD

O processo apreciado pelo Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária (CAAD) apresenta similitudes com a presente situação da A…, nomeadamente as condições climatéricas agressivas, a implantação em local adverso e o funcionamento irregular e inesperado.

No entanto, contribuíram para a formação da decisão do CAAD outros factos como, por exemplo, o período de tarifa bonificada, o prazo contratado dos financiamentos bancários e a duração do contrato de manutenção dos aerogeradores, os quais foram suficientemente explícitos para aceitar como razoável uma vida útil esperada inferior a 20 anos.

Em sua defesa, a A… não trouxe, no seu Direito de Audição, nenhum desses elementos, nem outros, que indicasse e justificasse um prazo de vida útil determinável.

IX.5- Nova taxa e redacção para o código …

Em primeira análise, devemos ter em consideração que a Lei nº 82-D/2014 de 31-12-2014 que introduziu alterações ao Decreto Regulamentar nº 25/2009 de 14 de Setembro, alterações estas que, conforme preâmbulo, se poderão resumir em:

" (...) alteração das normas fiscais ambientais nos sectores da energia e emissões, transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade, introduzindo ainda um regime de tributação dos sacos de plástico e um regime de incentivo ao abate de veículos em fim de vida, no quadro de uma reforma da fiscalidade ambiental",

Sendo que, especificamente no seu artigo nº 23, estabelece que:

 

Artigo 23.º

Alteração ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009,

de 14 de setembro

O código 2250 da tabela II anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, que estabelece o regime das depreciações e amortizações para efeitos do IRC, passa a ter a seguinte redacção:

 

«Código                                                                                Percentagens

… Equipamentos de energia solar, incluindo nomeadamente

equipamentos de energia solar fotovoltaica,

ou equipamentos de energia eólica .............................................................. 8

 

De salientar que esta alteração não tem efeitos retroactivos, como refere o disposto no nº 2 do artigo nº 55º da mesma Lei:

"(..,) a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de Janeiro de 2015 (...)",

Estando perante um caso datado do ano de 2012, conclui-se pela não aplicação da norma supra referida ao caso em apreço.

Vem ainda o sujeito passivo, na petição apresentada, comparar a vida útil mínima (12,5 anos) decorrente da taxa máxima (8%) da nova legislação do código … com a vida útil máxima (16 anos) que atribuiu às fundações e às turbinas com base na taxa mínima (6,25%) do código… .

Ora, será de referir que o efeito pretendido com a comparação apresentada não pode ser atendido, uma vez que o mesmo compara Leis Fiscais temporalmente distintas, bem como se refere a enquadramentos legais dos equipamentos diferentes, ou seja, o sujeito passivo enquadra as fundações e turbinas no código … (Máquinas não especificadas), lei esta em vigor em 2012, contudo, procedeu incorrectamente, dado que os bens em apreço são omissos na Lei a aplicar, e, conforme exigência legal, nos casos omissos deverá ser aplicada o disposto no nº 3 do artigo 5º do D.Regul. nº 25/2009.

Importa evidenciar que estes períodos mínimo e máximo de vida útil não se poderiam aplicar a estes equipamentos, uma vez que se consideram omissos nas tabelas anexas ao D.Regul. nº 25/2009, sendo que, o cálculo das amortizações do exercício aceite para efeitos fiscais deve seguir o período de utilidade esperada nos termos do nº 2 do artigo 31º do CIRC e do nº 3 do artigo 5º do referido Decreto Regulamentar, ao contrário do defendido pela peticionante.

IX.6- A vida útil dos aerogeradores e as publicações

O facto de os aerogeradores não estarem previstos no Regime das Depreciações e Amortizações levou à pesquisa e consulta de publicações relativas ao tema da energia eólica nas suas várias vertentes. Para a apreciação fiscal das depreciações praticadas pelo sujeito passivo, releva o período de vida útil esperada de tais equipamentos.

A vida útil dos aerogeradores apresenta uma forte ligação à viabilidade económica do parque eólico, sendo que alguns estudos referem-se a períodos de operação de 35 a 40 anos. O peso da manutenção e das reparações aumenta com a idade e o uso dos equipamentos pelo que a rentabilidade máxima de um parque eólico situa-se entre os 20 e 25 anos.

O Estudo de Impacte Ambiental do Parque Eólico de B… (Volume l - Resumo não-técnico) menciona na sua página 23 como impacte positivo do empreendimento eólico que:

"(...) a presença do Parque Eólico constituirá uma fonte de rendimento para as populações pois será paga uma renda anual pelo proponente do projecto, durante 20 anos de funcionamento do empreendimento, (...)"

O prazo de 20 anos também foi determinado pelo Contrato de Cessão de Exploração celebrado com a Junta de Freguesia de … em que se estipula o término da cessão em 2026-01-17, relembrando que a produção de energia iniciou em 2006.

O estudo de impacto ambiental elaborado pelo "Ministère de l' Écologie et du Développement Durable" (2005) francês, disponível na Web, aponta, na sua página 52, para um período de vida estimada dos aerogeradores de 20 a 30 anos, no fim do qual o explorador tem a responsabilidade de desmantelar o parque eólico e repor o local de implantação no seu estado original.

O "Renewable Energy Fact Sheet: Wind Turbines" elaborado pela "United States Environmental Protection Agency", também disponível na Web, menciona, na sua página 2, uma vida útil típica de 20 anos.

Estas publicações foram apenas algumas das que foram consultadas para concluir que o período razoável de funcionamento do parque eólico seria de 20 anos.

A Direcção de Serviços do IRC, com base na sua metodologia de aquisição de conhecimentos e de apreciação, concluiu no mesmo sentido (Informação nº 922/15 de 2015-07-15, relativa ao Proc.1530/15), e estabelecendo o período de vida útil dos aerogeradores de 20 anos e uma taxa de depreciação anual de 5% até à entrada em vigor das novas taxa e redacção introduzidas pela Lei nº82-D/2014 de 31/12 (OE2015).

IX.7- Resumo

Pelo acima descrito, mantém-se a proposta de correcção das depreciações superiores ao fiscalmente aceites como razoáveis, e mantém-se a proposta de correcção dos custos de exercícios anteriores.

 

·         Os 10 aerogeradores do Parque Eólico de B… ficam situados em local de grande intensidade de ventos, a cerca de 1000 metros acima do nível do mar, na primeira cordilheira de montanhas a partir da costa marítima, local em que os invernos são muito rigorosos, com muita humidade de turbulência atmosférica, inclusivamente ventos verticais para os quais aqueles aerogeradores não estão preparados, chegando a ser automaticamente suspenso o funcionamento em alguns períodos por a intensidade do vento ser superior à que permite os aerogeradores operarem com segurança;

·         Os aerogeradores do Parque Eólico de B…, devido às condições climatéricas, sofrem um desgaste mais rápido do que o normal, tendo já ocorrido várias avarias e necessidade de reparações nos componentes essenciais (caixas de velocidades, geradores e rolamentos) muito antes de completarem 10 anos de funcionamento;

·         Em 22-04-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos que foram juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

Os factos referidos nas alínea M) e N) basearam-se nos depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

 

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Questão do período de vida útil esperado dos aerogeradores no ano de 2012

 

A Requerente considerou que os aerogeradores têm um período de vida útil de 16 anos, amortizando-os à taxa de 6,25%, tendo classificado os aerogeradores como incluídos no código 2295 da tabela II – Taxas genéricas anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, referente a «máquinas não especificadas».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, não estando prevista nas tabelas anexas ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, a Requerente devia aplicar, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, as amortizações e depreciações consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.

Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária «a Administração Tributária considerou como razoável o período de vida útil de 20 anos e a percentagem de 5% de depreciação para os parques eólicos, considerados como elemento único do Activo Fixo Tangível. Tal entendimento foi vertido na Informação nº 922/15 da Direcção de Serviços do IRC, sancionada em 2015-07-15, relativa ao Proc.1530/15».

A questão que é objecto do presente processo é a de saber se é inadequada a taxa de amortização que, no exercício de 2012, devia ser utilizada para os aerogeradores que integram o Parque Eólico de Penedo Ruivo, referidos no Relatório da Inspecção Tributária.

Relativamente ao exercício de 2012, a que se reporta a liquidação impugnada, é aplicável, a redacção do CIRC resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que no seu artigo 31.º do CIRC estabelece, no que aqui interessa o seguinte:

 

Artigo 31.º

Quotas de depreciação ou amortização

 

1 – No método das quotas constantes, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina-se aplicando as taxas de depreciação ou amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respectivo regime aos seguintes valores:

a) Custo de aquisição ou de produção;

b) Valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) Valor de mercado, à data de abertura da escrita, para os bens objecto de avaliação para esse efeito, quando não seja conhecido o custo de aquisição ou de produção.

2 – Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.

(destacado do Tribunal)

 

Na mesma linha, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, estabelece no seu artigo 5.º, n.º 3, na redacção original, que «relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada».

 Não estando prevista no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, a taxa de amortização para aerogeradores, a Requerente tinha de aplicar uma taxa que seja de considerar razoável, tendo em conta o período de utilidade esperado para os aerogeradores.

Da prova produzida resultou com segurança que não havia qualquer razão, em 2012, no específico caso dos aerogeradores em causa, situados em local em que sofrem um desgaste acentuado, devido a condições climatéricas especialmente agressivas, para que fosse esperado um período de vida útil para os aerogeradores superior aos 16 anos que a Requerente teve em consideração para efectuar as amortizações, pois essas condições implicam mais rápida deterioração do que é normal e consequentemente uma menor expectativa de vida útil em comparação com a generalidade dos aerogeradores.

Por isso, a informação obtida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de ser de esperar uma vida útil de 20 anos não pode ser considerada decisiva, designadamente quando resultou da prova testemunhal que a rápida deterioração foi efectivamente confirmada por haver aerogeradores da Requerente que apresentaram grandes problemas de funcionamento antes de se completarem 16 anos de utilização e mesmo antes dos 10 anos.

Por outro lado, o facto de a Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, ter vindo expressamente incluir os «equipamentos de energia eólica» na lista de taxas da Tabela II anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, e indicar a taxa 8, que corresponde a 12,5 anos de vida útil, dissipa quaisquer dúvidas sobre a razoabilidade do período de vida útil de 16 anos considerado pela Requerente.

Aquela fórmula «equipamentos de energia eólica» abrange no seu teor literal quaisquer equipamentos adequados à produção e não há qualquer razão para efectuar uma interpretação restritiva.

Na verdade, só se justifica uma interpretação restritiva quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer» ( [1] ) e, no caso em apreço, não se afigura que a previsão de um período de duração de 12,5 anos para aerogeradores seja inadequado, antes a prova produzida confirma a sua adequação. Por outro lado, sendo facto notório, perceptível por todo o país, que a quase totalidade de produção de electricidade proveniente de energia eólica é feita com instalações de natureza industrial do tipo das da Requerente, não é de aventar que o legislador se tivesse «esquecido» desta realidade e tenha introduzido a alteração legislativa tendo em vista apenas instalações de microgeração, para as quais normalmente será irrelevante o regime de amortização, por serem detidas por sujeitos de IRS que não estão sujeitos a regime de contabilidade organizada, em vez de a estabelecer para as instalações de natureza industrial, que são as únicas que têm relevância apreciável para efeitos fiscais.

Assim, sendo esta nova taxa aplicável a equipamentos do tipo dos da Requerente e não havendo qualquer razão para crer que a qualidade dos aerogeradores se tenha degradado acentuada e generalizadamente entre 2012 e 2014 de forma a que a sua vida útil previsível tenha baixado de 20 para 12,5 anos, não pode deixar de entender-se que já naquela primeira data não seria de considerar irrazoável não esperar mais de 12,5 anos de vida útil.

Com efeito, embora esta alteração só tenha efeito normativo para o futuro, o que está em causa no presente processo é saber se era razoável, em 2012, esperar menos de 20 anos de vida útil para os aerogeradores, designadamente 16 anos, e é manifesto que o facto de o legislador de 2014 ter entendido que o período de vida útil adequado a considerar para os aerogeradores é de 12,5 anos revela que, na perspectiva legislativa, já em 2012 era perfeitamente razoável que não se esperasse um período de vida superior.

No caso em apreço, a Requerente até utilizou uma taxa de amortização correspondente a um período de via útil superior a 12,5 anos, pelo não há fundamento para que a Autoridade Tributária e Aduaneira não considerasse razoável o período de vida útil esperada adoptado pela Requerente e, designadamente tivesse considerado adequado o período de 20 anos, que se afigura manifestamente desajustado da realidade, particularmente em situações em que os aerogeradores estão sujeitos a um desgaste superior ao normal, como sucedeu no caso em apreço.

Pelo exposto, tem de se concluir que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4.2. Questão da sindicabilidade da determinação do período de vida útil dos aerogeradores

 

No que concerne às considerações que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz sobre a impropriamente chamada «discricionariedade técnica», como área de aplicação de critérios de natureza técnica pela Administração pretensamente insindicáveis pelos Tribunais, trata-se de um conceito que se tornou obsoleto com revisão constitucional de 1989, ao passar a estabelecer no artigo 268.º, n.º 4, da CRP a lesividade do acto como critério para aferir da impugnação contenciosa e consequente sindicabilidade pelos tribunais. ( [2] )

E, há muito que o Supremo Tribunal Administrativo, na esteira de alguma doutrina e com o posterior apoio do Tribunal Constitucional, se apercebeu do alcance dessa alteração legislativa, como pode ver-se pelo acórdão de 16-06-1999, proferido no processo n.º 020839 ( [3] ), em que se escreveu:

Desde há muito que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem uniformemente admitindo o controle judicia] de questões de carácter técnico, nos casos em que se detecta erro grosseiro ou manifesto.

Mas, a sindicabilidade dos actos praticados pela Administração que envolvem conhecimentos técnicos avultados, que habitualmente se denominam como praticados no domínio da discricionariedade técni­ca, deverá ir para além disso.

Na verdade, por força do preceituado no n.º 4 do art. 268.°da CRP (n.° 3 na redacção de 1982), não pode deixar de admitir-se recurso contencioso dos actos da administração que afectem a esfera jurídica dos particulares.

Com efeito, este direito ao recurso refere-se a «quaisquer actos» e, por isso, qualquer restrição de tal direito que resulte da lei ordinária será materialmente inconstitucional.

Assim, as únicas restrições a tal direito que se poderão compaginar com tal princípio constitucional serão as que possam resultar da pró­pria natureza dos actos administrativos, designadamente aqueles em que esteja em causa a gestão de interesses públicos conflituantes que caiba à administração ponderar.

A tal sindicabilidade não poderá constituir obstáculo o carácter téc­nico das questões a resolver, já que, precisamente para permitir a reso­lução de questões de carácter técnico no âmbito do contencioso admi­nistrativo, é que a LPTA, no seu artigo 14°, prevê generalizadamente a possibilidade de intervenção de técnicos.

Esta norma, assim, constitui uma prova evidente da existência de uma intenção legislativa de assegurar a apreciação jurisdicional de matérias de carácter predominantemente técnico.

Por outro lado, a restrição da sindicabilidade dos actos administra­tivos em que haja aplicação de critérios técnicos aos casos de erro manifesto implica uma subversão prática do princípio legalidade, constitucionalmente imposto à Administração (n.° 2 do artigo 266°da Constituição) que passaria a traduzir-se, na prática, no dever de não praticar ilegalidades manifestas e correlativo direito de praticar ilegalidades não manifestas, consequência esta que não é compatível com tal norma constitucional.

Como defendia, já em 1980, ESTEVES DE OLIVEIRA, em Direito Administrativo, volume I, página 249,

"O facto de o tribunal administrativo não ser perito em matérias técnicas, de ter mais dificuldades do que a Administração na busca do conteúdo de um conceito técnico, de muitas vezes não ter a certeza se o juízo científico do perito por si consultado é ou não mais correcto que o juízo de perícia do órgão administrativo, são, tudo, circunstâncias que se ligam à dificuldade da prova judicial e que nada têm que ver com a liberdade da Administração ".

"O que nós sustentamos é que o particular há-de ser admitido - salvo os casos que adiante se referirão - afazer em tribunal a prova de que o conceito técnico foi mal aplicado pelo órgão administrativo: se, dessa prova resultar, inequivocamente, que a Administração errou ao interpretar o conceito técnico, ou ao subsumir nele os factos da vida real, então o tribunal não pode recolher-se na sua pretensa incapacidade para recusar a anulação do acto administrativo, e isto porque não existe aí qualquer discricionariedade, como a própria jurisprudência o reconhece".

Em sentido essencialmente coincidente se pronuncia ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, em A discricionariedade administrativa, páginas 308-309:

"Fazendo parte da categoria mais ampla de «discricionariedade imprópria», a doutrina, e a jurisprudência de alguns países, entre os quais de Portugal mas também de Espanha e da Itália, continua a falar em «discricionariedade técnica» para referir aquele tipo de decisões administrativas que contém um elevado grau de conhecimentos técnicos e que, por isso, só quem as toma seria juiz delas.

Os juízes administrativos, por terem outra preparação e função, devem «respeitar» este tipo de decisões não as controlando ou, melhor, controlando apenas os «erros manifestos» de que elas eventualmente padeçam. Da impossibilidade técnica e falta de preparação dos juízes resultaria para a Administração uma «liberdade limitada» de manobra, isto é, toda a decisão altamente técnica da Administração seria livre desde que não fosse viciada de «erro manifesto».

Claro que esta doutrina não tem fundamento cientifico em muitos aspectos. Por um lado, não se pode definir com clareza o que são «decisões altamente técnicas). Onde começa e acaba o carácter «altamente técnico» de uma decisão nunca foi nem pode ser respondido em termos satisfatórios, por se tratar de uma resposta que contém necessariamente um alto grau de subjectividade daquele que se pronuncia Por outro lado, se o juiz não conhece todos os ramos da ciência para poder controlar decisões «altamente técnicas» - como não tem o dever de conhecer -, ele sempre poderá ouvir peritos, como, aliás, está previsto na lei, não só para o direito civil como também para o direito administrativo. Trata-se de um direito e dever que aquele que julga tem, se de esclarecer sobre os factos sobre que decide. O juiz não sabe se uma determinada substância é tóxica ou não, mas pode ouvir químicos ou médicos que o esclareçam a esse respeito. Da dificuldade inegável de controlo destas decisões administrativas não deve retirar-se - só explicável por razões de comodidade do juiz, mas pondo em causa a certeza e a segurança do direito - uma liberdade para a Administração decidir conforme quiser. A discricionariedade técnica perde, assim, o seu fundamento pois, no Estado de Direito, a liberdade da Administração só pode resultar da vontade do Legislador expressa na lei e não da «dificuldade de controlo jurisdicional Em terceiro lugar, ao limitar-se o controlo jurisdicional ao controlo do «erro manifesto» está-se a tolerar o «erro não manifesto». O que é o erro manifesto e onde acaba e começa o carácter (manifesto» de um erro nunca foi nem pode ser respondido em termos satisfatórios. Tanto é erro o «erro manifesto» como o «erro não manifesto». Ambos são ilegais e têm de ser controlados pelos tribunais administrativos. Aquilo que o Legislador não concedeu, isto é, a tolerância do «erro manifesto», não pode ser concedido pelos tribunais. A todas estas imperfeições de ordem científica da «doutrina da discricionariedade técnica» vêm juntar-se a incerteza e insegurança jurídicas que ela traz consigo, com amplos reflexos no enfraquecimento do direito de defesa dos particulares garantidos constitucionalmente".

Assim, tem-se por seguro que os Tribunais não podem recusar ao interessado a possibilidade de obter um controle efectivo da aplicação de critérios técnicos pela administração. [4]

 

Este acórdão do Supremo Tribunal Administrativo foi confirmado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 269/2000, de 03-05-2000, proferido no processo n.º 598/99, publicado no DR, 2.ª série, de 15-7-2000, em que se escreve, pela pena de um dos seus mais brilhantes administrativistas:

Garantido o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, é com a abrangência deste conceito, tendo como parâmetro o bloco de legalidade a que a Administração deve observância por força do princípio constitucional da legalidade e o limite a que ela está sujeita na prossecução do interesse público (artigo 266º da CRP) – o respeito pelos direitos dos cidadãos – que os tribunais administrativos vão "ampliando" os seus poderes de cognição.

A Constituição, as leis e os regulamentos, os contratos firmados, os actos administrativos consolidados, tudo são parâmetros de aferição da legalidade dos actos da Administração.

A vinculação da Administração é revelada em domínios onde tradicionalmente apenas se reconhecia a discricionariedade administrativa, cuja sindicabilidade se limitava, a coberto do artigo 19º da LOSTA, à verificação do vício de desvio de poder.

É em particular nesta área que, por imperativo constitucional, a fiscalização contenciosa dos actos administrativos se aprofunda.

Não basta que a Administração, no uso de poderes discricionários, prossiga o interesse público que justifica a atribuição desses poderes; para além de existirem, sempre, áreas de vinculação quando a Administração age no exercício de tais poderes (v.g. quanto aos pressupostos de facto em que assenta) é a própria estatuição do acto que se confronta com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266º nº 2 da CRP) a que a Administração se encontra igualmente vinculada.

Mas se é assim no domínio da discricionariedade volitiva, também o é – se não por maioria de razão – no domínio da chamada "discricionariedade técnica" (usando esta expressão à margem de qualquer juízo sobre a propriedade da terminologia), onde, diversamente do que acontece no primeiro caso, não há, na definição da situação jurídica concreta em apreço, um leque de opções legalmente indiferentes.

Retornando ao tratamento constitucional da matéria, assinala-se, por fim, que a última revisão coloca um marco importante na apontada linha evolutiva, com o claro sentido de assegurar plenamente os direitos e garantias dos administrados.

O princípio fundamental, plasmado pela primeira vez na Constituição enquanto reportado aos direitos e garantias dos cidadãos face à Administração, é o da "tutela jurisdicional efectiva" dos direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268º nº 4).

Consagrado este princípio, em termos genéricos, no artigo 20º nº 1 da CRP, não se dispensou o legislador constituinte de o repetir quando garantiu a defesa dos direitos ou interesses do cidadão, enquanto administrado.

Não cuidou, porém, de fixar os meios de que os cidadãos dispõem para fazer valer em juízo os seus direitos ou interesses – esta é tarefa da competência do legislador infra-constitucional que há-de criar os instrumentos necessários e suficientes para os cidadãos defenderem esses direitos ou interesses em termos tais que nenhum deles quede sem defesa jurisdicional adequada.

 Limitou-se a Constituição a apontar, a título exemplificativo (mas desde logo vinculativos), alguns desses meios.

E é, entre eles, como mais uma indicação da sua perda de importância relativa no âmbito da justiça administrativa, que surge o recurso contencioso ("impugnação") "de quaisquer actos administrativos".

Mantendo-se expressamente essa garantia – já não agora em preceito autónomo – deixa, contudo, de se apontar o "fundamento em ilegalidade" que, como vimos, desde a revisão de 71 da Constituição de 33 e com as sucessivas revisões da Constituição de 76, permanecia no nosso ordenamento jurídico-constitucional.

Sem embargo de se admitir que esta eliminação possa abrir caminho a teses que, mesmo não indo ao ponto de sustentar que a ilegalidade deixou de ser fundamento exclusivo de impugnação de actos administrativos, a justifiquem pelo propósito de evidenciar a razão de ser e fim último da garantia – a defesa contra a ofensa ou lesão de direitos ou interesses dos administrados – afigura-se que a ilegalidade, tal como vinha sendo entendida, não deixou de ser o fundamento único do recurso contencioso.

Neste contexto jurídico-constitucional se inscrevem alguns acórdãos deste Tribunal que julgam inconstitucionais, por violação da garantia do recurso contencioso, normas que restringem os fundamentos do recurso.

Foi assim no caso do Acórdão nº 429/89 (in ATC 13º vol. II, págs. 1237 e segs.) que julgou inconstitucional a norma do § 4º do artigo 97º do DL nº 42641, de 12/11/59, que restringe ao quantitativo da multa a possibilidade de impugnação contenciosa de decisão sancionatória do Ministério das Finanças em processo instaurado por infracção aos diplomas reguladores do comércio bancário e cambial, e onde se escreveu:

"É óbvio que, constitucionalmente, o recurso não pode deixar de abranger todos os aspectos juridicamente relevantes para apreciar da ilegalidade do acto administrativo em causa (...)"

 

 É também o caso do Acórdão nº 233/94 (in ATC 27º vol. P. 595) que julgou inconstitucional, por violação do mesmo direito fundamental, a norma do artigo 114º § 2 do Código da Contribuição Industrial que fora interpretada na decisão recorrida como excluindo a sindicabilidade do acto administrativo com determinados fundamentos e onde se escreveu:

"(...) aos tribunais compete não somente a verificação dos pressupostos de aplicação da norma, mas também a correcção da interpretação da norma e a observância do princípio da proporcionalidade nessa aplicação, expressa não apenas no respeito do fim da norma mas também na correcção da adequação do meio ao resultado, ou seja, do "iter" lógico seguido pela Administração na valoração da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios logico-discursivos que presidiram à sua aplicação ao caso."

 

 É ainda o caso do Acórdão nº 728/98 (in DR II Série, nº 69, de 23/3/99, pags, 4232 que julgou inconstitucional, por violação do artigo 268º nº 4 da CRP, a norma do artigo 88º do CPCI.

É, por último, o caso do Acórdão nº 8/99 (inédito) que julgou inconstitucional, ainda com o mesmo fundamento, a norma do artigo 20º da LOSTA que, nos recursos das decisões proferidas em processos disciplinares em que sejam arguidos agentes administrativos, impede o tribunal de conhecer da gravidade da pena aplicada ou da existência material das faltas, salvo em determinados condicionalismos expressos na mesma norma.

Trata-se, afinal, de uma linha jurisprudencial que radica no entendimento de que "o artigo 269º nº 2 [redacção da altura] da Constituição pode e deve ser interpretado como estabelecendo uma garantia completa de recurso, quer dizer, uma garantia que assegura aos particulares a possibilidade de impugnarem judicialmente todos os actos singulares e concretos da Administração Pública que produzam efeitos externos e sejam susceptíveis, portanto, de lesar os seus direitos. Assim, quaisquer normas legais que excluam esta possibilidade de impugnação relativamente a certos actos ou a certas categorias de actos administrativos ou que restrinjam os possíveis fundamentos de tal impugnação apenas a alguns dos vícios susceptíveis de gerar a antijuridicidade desses actos, têm de ser havidas como inconstitucionais (...)" (J.M. Cardoso da Costa, "A tutela dos direitos fundamentais in "Documentação e Direito Comparado" nº 5, p. 209).

 

  De qualquer modo, mesmo que se entendesse ainda hoje, em dissonância com a Constituição, que as questões de carácter técnico só pudessem ser apreciadas pelos Tribunais nos casos de erro manifesto, teria de se concluir pela ilegalidade do acto impugnado.

Na verdade, sendo hoje seguro, em face do próprio juízo legislativo plasmado no artigo 23.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro (diploma especificamente vocacionado para regular matérias atinentes às energias renováveis e, decerto, precedido de estudos adequados sobre a matéria regulada) que, em situações de normalidade, é adequado o período de vida útil esperado de 12,5 anos para aerogeradores do tipo dos da Requerente, é manifesto que o período de 20 anos (60% superior àquele) não podia ser considerado adequado já em 2012 relativamente a aerogeradores sujeitos a utilização especialmente intensa, como se demonstrou suceder no caso em apreço.

   Isto é, a determinação daquele período de 20 anos subjacente ao acto impugnado relativamente aos específicos aerogeradores em causa enferma de erro manifesto, que, mesmo à face do ultrapassado conceito de «discricionariedade técnica», seria sindicável pelos Tribunais. 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar ilegal a liquidação de IRC n.º 2016…, na parte em que procede a uma redução do prejuízo fiscal no valor de € 241,427,08;

b)      Anular a liquidação referida, na parte respectiva.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 241.427,08.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 28-11-2016

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

 

 

(Pedro Nuno Ramos Roque)

 



[1]BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186.

 

[2] Diferente da chamada «discricionariedade técnica» é a «justiça administrativa» em que não está em causa a aplicação de critérios técnicos, mas uma margem de livre apreciação ínsita nos poderes conferidos à Administração em certas matérias, como é o caso, por exemplo, da graduação de penas disciplinares ou graduação de candidatos e a um concurso com base em apreciações de natureza qualitativa.

[3] Disponível em https://dre.pt/application/file/3997343.

[4] Essencialmente no mesmo sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 29-11-2000, processo 25580, em que se sumariou: «O direito ao recurso contencioso de quaisquer actos administrativos lesivos, assegurado no n.º 4 do art. 268º da Constituição, só pode ser restringido relativamente a actos que, por sua natureza, não permitam controlo jurisdicional, designadamente aqueles em que esteja em causa a gestão de interesses públicos conflituantes que caiba à administração ponderar, o que não é o caso dos actos do Governo em matéria de reconhecimento das isenções referidas, que tem pressupostos integralmente fixados na lei».