Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 221/2016-T
Data da decisão: 2016-11-14  IRS  
Valor do pedido: € 5.768,46
Tema: IRS – Arbitrabilidade de acto de liquidação; pedido de revisão oficiosa; reposição de rendimentos.
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Decisão Arbitral

 

 

Requerente: A…

Requerida:   AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

 

I-RELATÓRIO

 

1. A…, (doravante designada por Requerente) contribuinte fiscal nº…, residente na Rua…, nº…, … Dto., em …, apresentou em11 de Abril de 2016, pedido de constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º, nºs 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) com vista à declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e consequente anulação da liquidação de IRS nº 2015…, no valor de 5.768,46 €, com referência ao ano de 2014.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 28 de Abril de 2016 e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o subscritor, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa ou Tributária.

 

4. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 01 de Julho de 2016, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. Por despacho arbitral de 09 de Setembro de 2016, foi a Requerente convidada a pronunciar-se sobre as excepções suscitadas pela AT, o que veio a fazer em 13 de Setembro seguinte.

 

6. Foi proferido despacho arbitral em 19 de Setembro seguinte, devidamente notificado às partes, que fundamentou a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente e concedeu àquelas a faculdade de apresentarem alegações escritas.

 

7. As partes não procederam à apresentação de alegações escritas.

 

8. A fundamentar o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, e com relevo para o que aqui importa o seguinte:

 

  1. no ano de 2009, foi aposentada compulsivamente, passando a receber a pensão de reforma da Caixa Geral de Aposentações (CGA) (cfr. artigo 1º do pedido de pronúncia arbitral),
  2. impugnou judicialmente tal decisão contra o Ministério da Educação, tendo obtido decisão procedente a revogar a decisão anterior de aposentação, o que conduziu à sua readmissão no activo (cfr. artigo 2º do pedido de pronúncia arbitral),
  3. durante o período de tempo que esteve aposentada compulsivamente, auferiu uma pensão de 01-09-2009 a 30-04-2012. (Rendimentos da Categoria H), declarado anualmente à AT com a apresentação do modelo 3 dos IRS correspondentes (cfr. artigo 3º do pedido de pronúncia arbitral),
  4. foi reintegrada como trabalhadora dependente, começando a receber rendimento da categoria A, com efeitos retroactivos a 01-09-2009 (cfr. artigo 4º do pedido de pronúncia arbitral),
  5. em Março de 2014, recebeu da Câmara Municipal de … os rendimentos respeitantes aos anos 2009,2010,2011 e uma parte de 2012, no valor total líquido de 27.714,95 € (cfr. artigo 5º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1 com este junto),
  6. no ano de 2014, repôs à CGA o montante percebido como categoria Rendimento H, no valor de 22.382,20 € (cfr. artigo 6º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 2 com este junto),
  7. entregou na AT a declaração modelo 3 de IRS ano de 2014- substituição, com os rendimentos do ano de 2014 e dos valores que lhe foram pagos pela Câmara Municipal de … (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral),
  8. a AT liquidou o IRS do ano de 2014 no valor de 5.786,46 € (cfr. artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 3 com este junto),
  9. durante o período de tempo que recebeu a pensão da CGA, foram feitas as legais deduções e declarados os competentes IRS (cfr. artigo 13º do pedido de pronúncia arbitral),
  10. com o pagamento dos vencimentos devidos em valor superior ao valor da pensão referido, a CM… procedeu também às respectivas deduções legais, e foram declarados os competentes IRS (cfr. artigo 14º do pedido de pronúncia arbitral),
  11. [a requerente formulou junto da AT pedido de revisão oficiosa a coberto do artigo 78º da LGT], que foi por esta indeferido (cfr. resulta do alegado no artigo 23º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 4 com este junto),
  12. culminando o seu pedido no sentido de que seja declarada a ilegalidade da liquidação do imposto do IRS sobre o ano 2014, pretendendo que aos rendimentos do trabalho dependente relativos aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, que lhe foram pagos em 2014 pela Câmara Municipal de …, seja deduzida a reposição efectuada à Caixa Geral de Aposentações, também durante o ano de 2014.
  13. Peticionando ainda o pagamento de juros de mora liquidados, e respectivas custas, despesas de constituição de garantia idónea para suspensão da execução fiscal, juros indemnizatórios e de mora, encargos, custas e mais legal, como se retira da parte final do seu pedido.

 

 

10.A AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, por excepção e impugnação.

 

10.1. Excepcionou o pedido da requerente em três diferentes vertentes: (i) Da caducidade do direito de acção, (ii) A impropriedade do meio e (iii) A incompetência material, incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e a excepção da alínea a) do artº 2º da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março.

 

10.2. Por impugnação, sustenta perspectiva contrária à apresentada pela Requerente, e dela dissentindo, em consonância com a posição por si já assumida em sede de indeferimento do pedido de revisão, e que se reconduz, fundamentalmente e em breve síntese, ao facto de a pretensão da Requerente ser contrária à lei nomeadamente face ao disposto no nº 1 do artigo 22º do CIRS e que a dedução pretendida efectuar aos rendimentos auferidos (categoria A) do valor da reposição à Caixa Geral de Aposentações, não tem qualquer suporte legal.

 

11. O Tribunal foi regularmente constituído,

 

12. As partes têm personalidade e capacidades judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigo 3º,6. e 15º do CPPT, ex vi do artigo 29º, nº 1 alínea a) do RJAT.

 

13. O processo não enferma de nulidades, tendo sido invocadas as excepções assinaladas em 10.1.

 

******

 

Tendo a AT suscitado as excepções de “caducidade do direito de acção”, da “impropriedade do meio processual” e “incompetência material do tribunal arbitral”, constituindo questões prévias que podem obstar ao conhecimento de mérito serão as mesmas apreciadas prioritariamente.

 

 

Caducidade do direito de acção

 

Para decisão da excepção suscitada pela AT, importa ter em conta a seguinte factualidade:

 

(i)                             a nota de notificação do indeferimento do pedido de revisão, sob o ofício nº … emanada pela Direcção de Finanças do … (Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Sobre a Despesa) tem a data de 2016.01.15, (cfr. processo administrativo)

(ii)                           Foi remetida à Requerente sob registo com aviso de recepção,

(iii)                         Tendo por esta sido recepcionada em 2016-01-25 (cfr. processo administrativo)

(iv)                          O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado pela Requerente em 11 de Abril de 2016 (cfr. registo do sistema informático do CAAD e comunicação da constituição do tribunal arbitral singular)

 

A AT na sua resposta suscitou a questão da intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, estribando-se no facto da notificação de indeferimento do pedido de revisão oficiosa ter ocorrido a 25/11/2015, conforme decorre do artigo 2º do seu articulado, razão pela qual, e ao que afirma (artigo 3º da resposta) em 11 de Abril de 2016 “havia já há muito, decorrido o prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT”.[1]

 

 

O dispositivo em causa, e para o que aqui releva, determina que “o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) no prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma, e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

 

Por outro lado, os nºs 1 e 2 do artigo 3º- A) do RJAT, aditado pelo artigo 229º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, dispõem como segue:

 

“1. No procedimento arbitral, os prazos contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações.

2.Os prazos para a prática de atos no processo arbitral contam—se nos termos do Código de Processo Civil “

 

O prazo relativo ao pedido de constituição de tribunal arbitral tem natureza substantiva, é um prazo de caducidade, que haverá de contar-se em observância às regras contidas quer no artigo 279º do Código Civil, quer do nº1 do artigo 20º do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicáveis em razão das alíneas a) e e) do RJAT.

 

Conforme já afirmado no âmbito da decisão arbitral proferida em 20 de Junho de 2014, no âmbito do processo nº 17/2014-T, com a qual nos identificamos, “o pedido de pronúncia arbitral, uma vez aceite, constitui o primeiro e indispensável documento para se iniciar a abertura do processo. Só após este indispensável acto se coloca o problema de saber como se contam os prazos judiciais ou processuais”.

Afigura-se assim de central importância conhecer o prazo a aplicar ao pedido formulado pela Requerente junto do CAAD para a constituição do tribunal arbitral subscrevendo de novo a citada decisão nº 17/2014- T, “ao pedido de pronúncia arbitral aplica-se o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, que estabelece o prazo de 90 dias, contados [….] nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 102º do CPPT, por aplicação ex vi de referido artigo 10º”

Continuando: “Por sua vez, a aplicação do disposto no artigo 3º - A) do RJAT, só aparece, portanto, posteriormente à abertura do processo arbitral, com a aceitação do pedido” ,

 

Ora,

 

Tendo ocorrido a notificação do acto de indeferimento objecto do presente pedido de constituição de tribunal arbitral em 25 de Janeiro de 2016, e tendo sido apresentado este em 11 de Abril seguinte, não existe qualquer extemporaneidade no mesmo, já que se encontra dentro do prazo concedido pela alínea a) do nº 1 do artigo 10º da RJAT não assistindo, neste segmento qualquer razão à entidade Requerida.

 

Decidindo-se em consequência no sentido da tempestividade do pedido de constituição do presente tribunal arbitral.

 

 

A impropriedade do meio processual

 

Incompetência material, incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e a excepção da alínea a) do artº 2 da Portaria 112-A/ 2011, de 22 de Março.

 

Questão da incompetência material

 

Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Como nota prévia, consigna-se que os argumentos vertidos em dois dos artigos da resposta da AT (11º e 12º) estão, claramente consumidos, pelo argumentário seguinte quanto à matéria da incompetência material do tribunal arbitral, não se revelando assim qualquer necessidade de apreciação autónoma.

 

Deste modo:

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral pelas seguintes razões em suma:

 

i.                    “ o nº 1 do artigo 2º do RJAT define os tipos de pretensões que podem ser apreciadas por tribunais arbitrais em matéria tributária, sendo que nelas não se inclui o conhecimento das decisões que recaem sobre pedidos de revisão oficiosa” (cfr. artigo 13º da resposta),

 

ii.                  “pelo que se verifica a existência da excepção (dilatória) que, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Entidade requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576º, nº 1, e 577º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi artigo 29º, nº 1 alínea e) do RJAT” (cfr. artigo 15º da resposta),

 

iii.                “nos termos do disposto no artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 112- A/ 2011, de 22 de Março, a Administração Tributária vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes seja cometida, com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, que não  tenha sido precedidos de recurso á via administrativa, nos termos do disposto no artigo 131º do CPPT” (cfr. artigo 17º da resposta),

 

iv.                “conforme resulta do PA, a requerente não logrou apresentar o meio gracioso previsto no artigo 131º do CPPT- reclamação graciosa” (cfr. artigo 18º da resposta);

 

v.                  “nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT determina-se que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” (cfr. artigo 24º da resposta);

 

vi.                “dispõe-se no artigo 2º, alínea a) da referida Portaria nº 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe seja cometida, referidas no nº 1 do artigo 2º do RJAT. “com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” (cfr. artigo 26º da resposta);

 

vii.              “do que vem de se expor resulta que, na situação subjudice, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no nº 1 do artigo 131º do CPPT, para que a Requerente se pudesse socorrer da jurisdição arbitral” (cfr. artigo 27º da resposta);

 

viii.            “a jurisprudência tem provido o entendimento, que não se questiona de que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131º, nº 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento “ (cfr. artigo 28º da resposta);

 

ix.                “todavia tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do artigo 131º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78º da LGT” (cfr. artigo 29º da resposta);

 

x.                  “Retomando, e com efeito, o artigo 2º alínea a) da Portaria nº 112- A/2011, exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, “(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação (…) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º da CPPT”, aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78º da LGT” (cfr. artigo 30º da resposta);

 

 

Posição da Requerente

 

A Requerente convidada a pronunciar-se sobre as excepções suscitadas pela AT, veio afirmar, em síntese, e com relevo o seguinte:

 

i.                    No que respeita à alegada caducidade do direito de acção, que a Requerida incorre em erro, porquanto a notificação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa ocorreu em 25/01/2016,

ii.                  que não assiste razão quanto à suscitada “impropriedade do meio processual”,

iii.                e, relativamente à “incompetência material, incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de pedidos de revisão oficiosa”, argumenta que a Requerida não tem razão, por não ser verdade que o tribunal arbitral esteja impedido de se pronunciar sobre a ilegalidade de actos de liquidação de tributos, a qual pode ser impugnada nos Tribunais Jurisdicionais (equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial) e também no TA, eventualmente com as excepções prevista nas alíneas a) a d) do artigo 2º do Portaria nº 112-A/2011;

iv.                sustentando ainda o carácter restritivo e taxativo do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011,

v.                  que nos presentes autos “não está em causa a declaração da ilegalidade de actos de autoliquidação”,

vi.                e, como tal não tem aplicação o art. 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/2011,

 

 

Decisão de questão da competência material

 

 

Os tribunais arbitrais encontram-se constitucionalmente reconhecidos como verdadeiros tribunais (artigo 209º, nº 2 da CRP), e a arbitragem voluntária em geral encontra a sua base legal na Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, em vigor e que procedeu à revogação da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, onde se prevê que “ o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizadas por lei especial ou se estas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado” (artigo 1º,nº 5)

A autorização legislativa constante do artigo 124º da Lei nº 3- B/ 2010, de 28 de Abril, relativa à arbitragem em matéria tributária, configura a arbitragem tributária, como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagrado no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

No uso dessa autorização, foi aprovado o Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro que disciplina a arbitragem em matéria tributária.

De acordo com o seu preâmbulo a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD foi fixada nos seguintes termos: encontram-se abrangidos pela “competência dos tribunais arbitrais, a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, da autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamentos por conta, a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida.”

 

O âmbito material da arbitragem tributária está definido nas alíneas a) e b) do artigo 2º do RJAT:

 

Artigo 2º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

 

1.A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)       A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;

b)       A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem a liquidação de quaisquer tributos, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

Esta competência dos tribunais arbitrais é, porém, limitada pelos termos em que a AT veio a expressar a sua vontade de se vincular a esta jurisdição, consubstanciada na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, portaria de vinculação esta que já decorria do disposto no artigo 4º do RJAT:

 

Artigo 4º

Vinculação e funcionamento

 

“1.A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

 

Deste modo, e para além de outras constantes das alíneas b), c) e d), elenca a alínea a) do nº artigo 2º da Portaria de Vinculação as pretensões que se encontram expressamente excluídas no âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários: “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

Ou seja, o diploma que instituiu a arbitragem em matéria tributária, contendo uma previsão de ampla arbitrabilidade em matérias tributárias, não tem, contudo, como já se escreveu [2], uma operacionalidade imediata pois fica condicionada à vinculação da AT, nos precisos termos previstos no artigo 2º da Portaria nº 112-A/ 2011, de 22 de Março.

 

Recordando ainda a decisão citada que: “A vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais é objecto de uma limitação concreta: são expressamente excepcionadas da arbitragem as pretensões que decorram de alegada ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção da fonte ou de pagamento por conta, exceto se a sua ilegalidade tiver sido previamente suscitada, nos termos dos arts. 131º e ss, do CPPT”

 

A questão de obrigatoriedade de “recurso” prévio à via administrativa, nomeadamente através da reclamação graciosa nos actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, e a “equiparação” do pedido de revisão previsto no artigo 78º da Lei Geral Tributária à reclamação graciosa, tem vindo a ser alvo de decisões arbitrais em sentido não coincidente.

 

Reconhecendo-se não ser este o lugar próprio para análise e apreciação das diversas posições que tal tema tem suscitado, caberá ainda assim relembrar, em brevíssima nota, que neste como em outros processos arbitrais onde a AT tem suscitado a incompetência material dos tribunais arbitrais tributários os argumentos têm sido genericamente; (i) o meio processual para reagir contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é a acção administrativa prevista e regulada no CPTA e não a impugnação judicial, daqui resultando a insusceptibilidade de apreciação no domínio arbitral, (ii) a remissão contida na alínea a) do artigo 2º da Portaria de Vinculação, para a “via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, circunscreve-se aos meios neles mesmo previstos e não a qualquer outro procedimento, nomeadamente o de revisão previsto no artigo 78º da LGT.

 

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Subjacente ao pedido de constituição do presente tribunal arbitral está uma liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), com referência ao ano de 2014, que, no nosso entender não tem lugar na excepção de arbitrabilidade prevista na alínea a) do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Com efeito, e como já assinado, aí se “condiciona” a arbitrabilidade às pretensões de declaração de ilegalidade “de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º, do Código de Procedimentos e de Processo Tributário”.

 

Afigura-se-nos pois, salvo opinião em sentido divergente, que a restrição aí expressa (e independentemente da posição que se tome acerca do seu alcance e extensão) não abrange os casos em a pretensão de declaração de (i)legalidade tenha provindo de actos de liquidação de impostos, isto é, de actos administrativos em matéria tributária da iniciativa da administração, e sobre os quais, se tenha eventualmente já pronunciado, como se afigura nos presentes autos, concretamente através do indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado nos termos do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributária.

 

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O IRS é “um imposto heteroliquidável, pois a sua liquidação é sempre da responsabilidade da AT, contrapondo-se aos impostos autoliquidáveis, em que a liquidação é da responsabilidade dos sujeitos passivos”[3]

Decorrência esta consagrada desde logo no artigo 75º do CIRS: “a liquidação do IRS compete à Autoridade Tributária e Aduaneira”.

A circunstância do dever de apresentação da declaração a que alude o artigo 57º do CIRS, nas condições de tempo e modo previstas nos artigos 60º e seguintes do mesmo diploma, não retira ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares a sua natureza de imposto heteroliquidável, nem a apresentação de uma declaração de substituição configura um acto de autoliquidação, conforme refere a Requerente.

 

No caso sub judice, não subsistirão quaisquer dúvidas quanto ao facto de a liquidação posta em causa ter sido (obviamente) levada a cabo pela AT, o que assume relevância em sede de arbitrabilidade sobre o indeferimento do pedido de revisão à mesma subsequente patrocinado pela Requerente, cuja apreciação e decisão é objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Perante tudo o que vem de dizer-se, subscrevemos posição que vai no sentido da inexistência de quaisquer limitações ou excepções impostas pela alínea a) do artigo 2º da Portaria de Vinculação que obstem ao conhecimento, em sede arbitral de declaração de ilegalidade de actos provindos de liquidação, independentemente da natureza desta (administrativa, oficiosa ou adicional).

 

Como se recorta da decisão arbitral nº 148/2014- T de 19/09/2014, “a fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do nº 1 do artº 2 do RJAT, não restringe, numa mera interpretação declarativa e como se viu, o âmbito da jurisdição arbitral nos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Com efeito, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau (reclamação graciosa) ou terceiro grau (recurso hierárquico), que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade”.

 

O acto tributário de liquidação em causa nos presentes autos foi objecto de apreciação e confirmação (acto tributário de 2º grau) não através de reclamação graciosa, mas no âmbito de um pedido de revisão oficiosa, a coberto do artigo 78º da LGT, formulado em 30 de Abril de 2015 pela Requerente.

 

A AT produziu sobre o pedido de revisão da Requerente um acto expresso de indeferimento, tendo consequente apreciado a legalidade do mesmo, o que, na nossa opinião, não afasta a sua arbitrabilidade nesta precisa sede, face ao disposto na alínea a) do artigo 2º do RJAT e alínea b) do artigo 2º da Portaria nº 112- A/ 2011, de 22 de Março.

 

 

Face ao que vem de dizer-se, improcedem as excepções suscitadas pela AT na sua resposta, impropriedade do meio processual e incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral.

 

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

 

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a. A Requerente no ano de 2009, foi aposentada compulsivamente, passando a receber a pensão de reforma da Caixa Geral de Aposentações,

 

b. Durante o período de tempo em que esteve aposentada compulsivamente, a Requerente auferiu uma pensão durante o período de 01-09-2009 a 30-04- 2012,

 

c. A Requerente foi integrada como trabalhadora dependente na Câmara Municipal de …, tendo começado a receber rendimentos da categoria A, com efeitos retroactivos a 01-09-2009,

 

d. Em Março de 2014, a Requerente recebeu da Câmara Municipal de …, os rendimentos respeitantes aos anos de 2009,2010,2011 e uma parte de 2012, no valor total liquido de 27.714,95 €,

 

e. Em 2014 a Requerente repôs à Caixa Geral de Aposentações o montante 22.382,20 € recebido de rendimentos da categoria H,

 

f. A Requerente entregou em 30 de Abril de 2015, declaração de substituição do modelo 3 de IRS, respeitante aos rendimentos do ano de 2014,

 

g. Na mesma data, a Requerente deu entrada no Serviço de Finanças de…, a um pedido de revisão oficiosa da liquidação do IRS,

 

h. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido em 22/12/2015, onde pela responsável da AT foi manifestada a concordância com a proposta apresentada na Informação nº …/15 que integra o processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, e onde consta, além do mais o seguinte:

 

“5. Assim, quanto à possibilidade de dedução dos rendimentos de pensões objecto de reposição à CGA durante o referido ano de 2014, é de referir que não existe qualquer base legal que nos permita refletir, na tributação de 2014, as reposições de pagamentos efectuadas pela contribuinte”,

De facto, estando em causa uma situação de reposição de pagamento, cumpre observar o determinado a este propósito pela Circular n º 3/08 de Direcção de Serviços do IRS, designadamente a norma constante do nº 2 da referida Circular: “as reposições efetuadas em ano económico diferente daquele a que os rendimentos respeitam (reposições não abatidas nos pagamentos) serão processadas pelo valor líquido do imposto”

 

“É também determinado, através do ponto 6 da mesma Circular, que “o titular dos rendimentos deve, nos trinta dias imediatos à data da reposição integral da quantia paga indevidamente, apresentar uma declaração de substituição (modelo 3), relativamente ao ano ou anos em que ocorreu o(s) pagamento (s) indevido(s) (nº2 do artigo 60º do Código do IRS”

 

“6. Assim, tendo em conta a conjugação das normas constantes dos arts. 2º e 74º do CIRS e da Circular nº 3/08, podemos então concluir, em primeiro lugar, que a inclusão da totalidade dos rendimentos auferidos pela contribuinte dos rendimentos de 2014 está correta e não carece de qualquer correção.

Em segundo lugar, podemos concluir que a reposição pela contribuinte dos rendimentos que lhe foram pagos pela CGA nos anos de 2009, 2010,2011 e 2012, deveria ter sido repercutida não na liquidação da IRS sobre os rendimentos de 2014 mas antes nas liquidações de IRS sobre os rendimentos desses mesmos anos, através da entrega, pela contribuinte, de declarações de substituição para cada um dos anos em causa, no prazo de 30 dais contados a partir da data de reposição integral dos rendimentos indevidamente recebidos.

 

“7. Ora, não tendo a contribuinte procedido a essa entrega e estando já esgotado o prazo de reclamação graciosa das liquidações de IRS vigentes sobre os rendimentos de 2009,2010 e 2011 (ou seja, das liquidações que incidiram sobre rendimentos de pensões pagos pela CGA) é-nos contudo possível aferir, oficiosamente, da possibilidade de revisão dessas mesmas liquidações, nos termos do art. 78º da LGT.

 

Neste âmbito, é-nos possível, desde já, excluir a possibilidade de revisão dos atos tributários com fundamento em erro dos Serviços (cfr. art.78º, nº 1. parte final, da LGT), na medida em que as liquidações em causa têm por base a informação que consta das declarações apresentadas pela própria contribuinte.

 

Considerando que o requerimento agora em análise foi apresentado em 2015-04-30, mostra-se impossível a apreciação de um pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do nº 4 do art. 78º da LGT, relativamente às liquidações emitidas em 2010 e 2011 (ou seja, às liquidações que têm por objeto os rendimentos de 2009 e 2010), por se já [esgotado] o prazo de três anos previsto na referida norma. Contudo, uma vez que a contribuinte não suportou efetivamente qualquer imposto relativamente aos rendimentos de pensões auferidas em 2011 (e tributadas em 2012), também não será possível reconhecer a existência de qualquer injustiça excecionalmente grave ou notória da tributação que possa ou deva ser corrigida ao abrigo do mencionado nº 4 do art.78º da LGT.

 

Por fim, analisada a possibilidade de revisão das liquidações de imposto vigentes sobre os rendimentos de 2009, 2010 e 2011 com fundamento em duplicação de coleta, cumpre também referir que o prazo para esse efeito é de quatro anos (cfr. art. 78, nº 6 da LGT), pelo que apenas será possível a revisão das liquidações referentes aos anos de 2010 e 2011 (emitidas, respectivamente, em 2011 e 2012) a qual, por não ter apurado qualquer montante de imposto a pagar ou a reembolsar, também não contém qualquer situação de duplicação de colecta passível de revisão nos termos do nº 6 do art. 78º da LGT.”

 

i. O indeferimento foi notificado à Requerente em 25/01/2016 (documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo)

 

j. Em 11/04/2016 a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão inexistem factos que devam considerar-se como não provados.

 

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

 

Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1 alíneas a) e e) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito. (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável, ex vi do artigo 29º nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, e o PA anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados.

 

 

 

B. DO DIREITO

 

Apreciação do mérito da causa

 

Atenta a circunstância factual evidenciada, a posição das partes, o acervo documental junto aos autos, e o processo administrativo anexo, temos, para o que aqui importa, que os rendimentos da Requerente, de trabalho dependente relativos aos anos de 2009,2010,2011 e 2012, foram a esta pagos pela Câmara Municipal de … em 2014, ano este em que a Requerente repôs à Caixa Geral de Aposentações o valor de 22.382,20 €, provindos de rendimento da categoria H, reconduzindo-se a questão a dirimir, em analisar da possibilidade de a Requerente ver deduzido ao rendimento auferido no ano de 2014, provindo da categoria A, (Câmara Municipal de …) no montante de 27.714,95 €, a reposição de verbas que efectuou em à Caixa Geral de Aposentação, nesse mesmo ano.

 

Em 2014 foram pagos à Requerente a título dos rendimentos de trabalho dependente dos anos de 2009, 2010, 2011 e parte de 2012 no montante de 27.714.95 €, dos quais 635,81 foram repostos à entidade empregadora (Câmara Municipal de …), sendo que, também nesse ano de 2014 a Requerente procedeu à reposição junto da Caixa Geral de Aposentações do montante de 22.382.20 €, como já referido.

 

Ora, é este valor de reposição à CGA que a Requerente pretende ver abatido à matéria colectável relativa ao ano de 2014.

 

Resulta claro ser esta a pretensão da Requerente que se extrai para além do pedido formulado, do seu articulado; “Pretende a Requerente que, fruto da declaração de ilegalidade do acto de liquidação do IRS de 2014 (onde se pretende que aos rendimentos do trabalho dependente relativos aos anos de 2009,2010, 2011 e 2012 que foram pagos em 2014 pela Câmara Municipal de …), sejam deduzida a reposição à Caixa Geral de Aposentações, também durante o ano de 2014”

(cfr. artigo 25º do pedido de constituição de tribunal arbitral)

 

Antecipa-se desde já, que a nosso ver, não assiste qualquer razão à Requerente, pelas razões que se afiguram claras, e que a seguir se aduzem;

 

Vejamos pois:

 

O artigo 60º do CIRS indica os prazos de entrega das declarações de rendimento a que se reporta o artigo 57º, prevendo o seu nº 2 que; “ a declaração a que se refere o número anterior é ainda apresentada nos 30 dias imediatos à ocorrência de qualquer facto que determine alteração dos rendimentos já declarados ou implique, relativamente a anos anteriores obrigação de os declarar, salvo se outro prazo estiver previsto neste Código”, sendo que as declarações modelo 3, apresentadas, em tempo oportuno pela Requerente, com respeito aos anos de 2009,2010,2011 e 2012, deram origem às respectivas liquidações, liquidações essas como assinala a AT poderiam ter sido “anuladas ou substituídas por outras se a Requerente “tivesse, no tempo que a lei para isso lhe confere, levado ao conhecimento da AT a ocorrência do facto que determine a alteração do rendimento” nº 2 do art. 60º do CIRS”, o que, manifestamente se não verificou.

 

Resultando ainda do nº 2 da Circular nº 3/08, de 6 de Fevereiro de 2008, da Direcção de Serviços do IRS que; “as reposições efectuadas em ano económico diferente daquele a que os rendimentos respeitam (reposições não abatidas nos pagamentos) serão processadas pelo valor líquido do imposto”, acrescentando que: “6. o titular dos rendimentos deve, nos trinta dias imediatos à data de reposição integral da quantia paga indevidamente, apresentar uma declaração de substituição (modelo 3), relativo ao ano ou anos em que ocorreu o(s) pagamento(s) indevido(s) (nº 2 do artigo 60º do Código do IRS.”

 

Por outro lado, sendo o rendimento colectável em sede de IRS, de acordo com o nº 1 do artigo 22º do respectivo código o que “resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidas em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimento previstos nas secções seguintes”, não se vislumbra que a reposição levada a cabo junto da Caixa Geral de Aposentações, encontre acolhimento nas deduções legalmente previstas para os rendimentos de trabalho dependente, de conformidade à estatuição do artigo 25º do CIRS, nem o artigo 74º do mesmo diploma aponta em sentido diferente.

 

 

Conforme adianta a AT, e não podemos subscrever posição diferente, por com a mesma concordarmos, a “dedução” pretendida pela Requerida no sentido de que seja tido em conta a reposição de rendimentos que efectuou junto da Caixa Geral de Aposentações, colide com o disposto no artigo 25º do CIRS uma vez que, efectivamente, as reposições de rendimentos não integram o leque de deduções aí previstos.

 

Quanto à duplicação da colecta, dispõe o nº 1 do artigo 205º do Código de Procedimento e de Processo Tributário o seguinte: “ haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou diferente pessoa um outro igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”, constituindo fundamento de revisão oficiosa face ao disposto no nº 6 do artigo 78º da Lei Geral Tributária, quando deduzida no quadro temporal aí previsto.

 

Ora, pelas razões que se alcançam do indeferimento do pedido de revisão, para onde se remete, sob pena de redundância, não se verifica qualquer duplicação de colecta, a legitimar o recurso ao pedido de revisão oficiosa relativamente aos exercícios fiscais ainda que contidos no indicado prazo de quatro anos, por não se ter verificado qualquer montante de imposto a pagar ou a reembolsar.

 

Face ao exposto, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcede a pretensão da Requerente.

 

 

III- DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

a)      Julgar improcedentes as excepções de caducidade do direito de acção, impropriedade do meio processual e incompetência material do tribunal arbitral suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

 

b)      Julgar improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e consequentemente anulação do acto de liquidação de IRS nº 2015…, respeitante ao ano de 2014;

 

c)      Condenar a Requerente no pagamento das custas, sem prejuízo do apoio judiciário por esta requerido.

 

 

IV. VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade com o estatuído nos artigos 296º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º-A) nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributária, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 5.768,46 €.

 

V- CUSTAS

                                                        

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 612,00 € a cargo da Requerente, sem prejuízo do apoio judiciário pela mesma requerido.

 

NOTIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

Lisboa, catorze de Novembro de dois mil e dezasseis

 

 

O árbitro

 

 

 

(José Coutinho Pires)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Na resposta, cremos que por lapso, foi referido o artigo 2º do RJAT, quando se pretenderia invocar o artigo 10º como decorre do artigo 4º da resposta.

[2] Cfr, decisão arbitral nº 236/2013- T, de 22/04/2014, disponível em www.caad.org.pt

 

[3] Manuel Faustino, Lições de Fiscalidade, volume I, coordenação de João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, 2014, 3ª edição, página 205.