Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 293/2016-T
Data da decisão: 2016-11-28  Selo  
Valor do pedido: € 30.847,63
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

I.       RELATÓRIO

 

1.1.       A…, UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua …, n.ºs…, …, … e …, em Lisboa (…-…), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva …, que se encontra na competência geográfica do serviço de finanças de Lisboa –…, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (IS) identificadas pelos documentos com os n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, todas datadas de 05.04.2016, referentes ao ano de 2015, sobre a propriedade do prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, e das liquidações de IS identificadas pelos documentos com os n.ºs 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, todas datadas de 05.04.2016, referentes ao ano de 2015, sobre a propriedade do prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … .

 

1.2.       O pedido de pronúncia arbitral visa, com fundamento no disposto na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a declaração de ilegalidade das liquidações identificadas pelos documentos n.ºs 2016 …, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, todas datadas de 05.04.2016, referentes ao ano de 2015, sobre a propriedade do prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na freguesia de…, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, e das liquidações de IS identificadas pelos documentos n.ºs 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, todas datadas de 05.04.2016, referentes ao ano de 2015, sobre a propriedade do prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … .

 

1.3.       É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

1.4.       O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-06-2016.

 

1.4.    Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Em 22-07-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 08-08-2016.

 

1.7. No Requerimento Arbitral, por si oferecido, o Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      As liquidações de IS em apreço foram emitidas ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro;

b)      Todavia, não se conforma a Requerente uma vez que a referida verba não é aplicável aos prédios urbanos em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, que se caracterizem pelo facto de nenhum andar ou divisão ter valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00;

c)      No caso concreto, resulta evidente que os andares e divisões, suscetíveis de utilização independente, que compõem os prédios urbanos em apreço configuram, cada um, por si só, um prédio, na aceção do citado artigo 2.º, n.º 2, do Código do IMI;

d)      Conforme se extrai das cadernetas prediais, as divisões e andares que integram o prédio urbano em apreço têm, cada uma delas, uma utilização económica definida

– habitacional, serviços ou industrial – nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do Código do IMI;

e)      O valor económico próprio de cada uma das divisões e andares em apreço é tanto mais evidente que o seu destino económico e utilização não é a mesma, tendo umas divisões como destino económico a habitação e outras os serviços e indústria;

f)       Acresce, neste ponto, que o valor económico de cada uma das divisões e andares é ainda evidenciado pela circunstância de, para cada uma, ter sido determinado um valor patrimonial tributário concreto e autónomo;

g)      No que se refere à determinação do valor patrimonial tributário, dispõe o artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI, que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”;

h)      Por seu turno, prevê o artigo 119.º, n.º 1, do Código do IMI, quanto à cobrança do IMI, que “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios”;

i)       Tomando por base as disposições supra, em sede de IMI, concretamente no que respeita à determinação do valor patrimonial, inscrição matricial e liquidação e cobrança do imposto, o legislador confere o mesmo tratamento a um prédio em propriedade total que a um prédio em propriedade horizontal;

j)       Concluindo, em face de todo o exposto, o prédio que constitui a incidência da verba 28.1 da TGIS é, no caso vertente, cada um dos andares e divisões suscetíveis de utilização independente, e o valor patrimonial tributário a atender para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada um dos andares e divisões suscetíveis de utilização independente, porquanto é este o valor utilizado para efeitos de IMI, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 12.º, n.º 3 e 119.º, n.º 1, todos do Código do IMI;

k)      Pelo que, em suma, o facto tributário para efeitos da verba 28.1 da TGIS é a propriedade de cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;

l)       Verificando-se que nenhum dos andares e divisões suscetíveis de utilização independente, objeto dos atos de liquidação em crise, tem valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, conclui-se que as liquidações de IS sub judice são ilegais, não podendo deixar de ser anuladas;

m)   Sem prejuízo do exposto, caso não se considere procedente o acima invocado, sempre se deverão anular as liquidações de IS em apreço por aplicação de lei materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade fiscal resultante do artigo 13.º da CRP, na sua vertente da uniformidade;

n)      A questão central a respeito do princípio da igualdade reside na escolha de um critério que legitime a opção legislativa de tributar apenas determinada realidade, in casu a propriedade prédios urbanos com afetação habitacional, com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00;

o)      O critério em que deve assentar o princípio da igualdade é, no domínio fiscal, o da capacidade contributiva;

p)      Ora, o imposto aqui em causa revela-se desconforme com a CRP uma vez que não é fixado em função da capacidade contributiva;

q)      Com efeito, atenta a incidência objetiva do imposto em crise – prédios urbanos com afetação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 – resulta evidente a desconformidade com o critério da capacidade contributiva;

r)       O legislador optou por estabelecer como critérios para a determinação da incidência objetiva, por um lado, a qualificação do prédio – prédio urbano com afetação habitacional – e, por outro lado, o valor patrimonial tributário – igual ou superior a € 1.000.000,00;

s)      Porém, não descortina a Requerente os motivos que justificam que apenas a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional e de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 estejam sujeitos a IS;

t)       Os aludidos critérios adotados pelo legislador na determinação da incidência objetiva do IS, porquanto deixam de fora da tributação idênticas manifestações de riqueza imobiliária, afiguram-se desconformes com o princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário e expressão do princípio da igualdade tributária;

u)      Sem prejuízo de todo o exposto, a interpretação conferida pela administração tributária à verba 28.1 da TGIS quando está em causa a propriedade de um prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, como sucede in casu, é também desconforme com o princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva;

v)      De acordo com as liquidações de IS sub judice, parece a administração tributária entender que, ainda que cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente tenha valor patrimonial tributário inferior a € 1.000.000,00, se da sua soma resultar um valor igual ou superior àquele, incidirá IS sobre a propriedade de cada um dos andares ou divisões que o compõem;

w)    Este entendimento é manifestamente desconforme com o princípio da igualdade, conduzindo, no limite, a situações em que proprietários com idêntica riqueza e capacidade contributiva têm tratamento distinto em sede de IS;

x)      Para além da violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, a tributação nos moldes visados pela verba 28.1 da TGIS incorre ainda em violação do princípio da progressividade, consagrado nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 e n.º 3, ambos da CRP;

y)      No caso em apreço, o IS sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, à taxa de 1% (cf. verba 28.1 da TGIS) não assume carácter progressivo;

z)      Não tendo o legislador estabelecido mecanismos diferenciadores na aplicação do imposto em apreço, tendentes de facto à almejada diminuição da desigualdade na distribuição social da riqueza, é forçoso concluir que, no caso em apreço, estamos perante uma clara violação do princípio da progressividade;

aa)  O IS sobre a propriedade, usufruto e direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional é também materialmente inconstitucional por violação do princípio da progressividade previsto nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP, o que, em consequência, deverá conduzir à anulação das liquidações em apreço;

bb)  Procedendo o presente pedido de pronúncia arbitral, deve a Requerente ser reembolsada dos montantes indevidamente pagos;

cc)  Decorrendo as liquidações sob apreciação de erro imputável aos serviços do qual resultou pagamento de imposto totalmente indevido, assiste ainda à Requerente, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, o direito a juros indemnizatórios.

 

1.8. A Requerida apresentou resposta, na qual apresentou defesa por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

 

a)      A liquidação de imposto do selo em causa, foi efetuada pela Administração tributária tendo em conta a natureza dos prédios urbanos, nomeadamente as suas divisões afetas à habitação, à data do facto tributário, conforme a informação matricial referente aos prédios em causa, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.;

b)      Tendo em conta a informação matricial constante das cadernetas prediais, não logra, a Requerente com os documentos que junta aos autos, fazer prova que contrarie a natureza das divisões com carácter habitacional;

c)      As liquidações de imposto de selo contestadas foram emitidas de acordo com a informação que consta da caderneta predial do prédio, pelo que são válidas e não enfermam de qualquer ilegalidade;

d)      À data a Requerente detinha a propriedade plena dos prédios urbanos em análise, avaliados nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente», com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000.000,00;

e)      Em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efetuada pela Lei nº 83-C/2013 de 31/12 e cuja respetiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, afetação habilitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança para o pagamento das liquidações em causa;

f)       O que está aqui em causa são notas de cobrança que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária;

g)      Estando corretas as liquidações e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal;

h)      O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere;

i)       De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efetua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das respetivas matrizes;

j)       Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI;

k)      Do exposto, deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos;

l)       A previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações;

m)   As normas sobre procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e as normas sobre a liquidação das partes suscetíveis de utilização independente não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque seria ilegal e inconstitucional;

n)      Estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeita-os;

o)      É assim consequência, de o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto ser, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente;

p)      A diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

q)      A constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do nº 2 do art. 4º do CIMI e art. 1414º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária;

r)       Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente;

s)      A tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado;

t)       Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável;

u)      As notificações efetuadas do pagamento de prestação do imposto não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim ser mantidas;

v)      Deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, dada a legalidade das liquidações e notas de cobrança, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

 

1.10- Por despacho de 06-10-2016, atendendo a que não foram invocadas exceções e a que apenas há controvérsia sobre matéria de direito, este Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais. Mais decidiu que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas e definiu o dia 09-12-2016 como prazo limite para prolação da decisão arbitral. 

 

1.11- A Requerente apresentou alegações finais, nas quais reiterou o que já havia afirmado no Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

1.12 - A Requerida apresentou alegações finais, nas quais reiterou o que já havia afirmado em sede de Resposta.

 

***

 

 II.     SANEADOR

 

2.1.O presente pedido de constituição de tribunal arbitral é deduzido com cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos atos tributários identificados supra.

 

2.2.Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, é admissível a cumulação de pedidos quando “(…) a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

2.3.No caso sub judice encontram-se verificados os pressupostos legais exigidos para a cumulação de pedidos.

 

2.4.Com efeito, controverte-se nos presentes autos a legalidade das liquidações de IS, referentes a 2015, sobre a propriedade de dois prédios urbanos em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, e que foram emitidas ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

2.5.Considerando, assim, que as liquidações de IS em apreço se reportam ao mesmo período de tributação e se suportam numa mesma base factual e de direito, estão, pois, verificados os pressupostos da cumulação de pedidos estabelecidos no aludido artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.

 

2.6.Pelo que se defere o requerimento de cumulação de pedidos apresentado pela Requerente.

 

2.7.Não foram invocadas exceções.

 

2.8.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

2.9.Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

 

 Julgam-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é proprietária dos prédios urbanos sitos na freguesia de …, concelho de Lisboa, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos … e …, conforme informação constante das cadenetas prediais juntas aos autos;

b)      O prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … é composto pelas seguintes doze divisões e andares suscetíveis de utilização independente, destinadas a comércio e habitação:

Andar ou Divisão com Utilização Independente

Valor Patrimonial Tributário

Afetação

L14

22.717,63 €

Comércio

L14 A

22.717,63 €

Comércio

L14 B

55.607,49 €

Comércio

L14 C

39.706,19 €

Comércio

L14 D

65.790,17 €

Comércio

L37 AB

55.607,49 €

Comércio

L37 DE

87.012,80 €

Comércio

1.º

458.551,73 €

Habitação

2.º

392.649,07 €

Habitação

3.º

394.048,53 €

Habitação

4.º

391.452,59 €

Habitação

5.º

429.056,31 €

Habitação

Valor patrimonial tributário total

2.414.917,63 €

-

 

c)      O prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … é composto pelas seguintes seis divisões e andares suscetíveis de utilização independente, destinadas a comércio e habitação:

Andar ou Divisão com Utilização Independente

Valor Patrimonial Tributário

Afetação

LJ

457.776,13 €

Comércio

1

254.751,02 €

Habitação

2

254.751,02 €

Habitação

3

254.751,02 €

Habitação

4

254.751,02 €

Habitação

5

75.498,88 €

Industrial

Valor patrimonial tributário total

1.552.279,09 €

-

 

d)      Em abril de 2016, a Requerente foi notificada das liquidações de IS referentes à propriedade dos cincos andares, destinados a habitação, suscetíveis de utilização independente, que integram o prédio urbano em propriedade total inscrito na matriz predial sob o artigo …, que se identificam infra:

Artigo Matricial

(Andar ou Divisão com Utilização Independente)

Valor Patrimonial

Número da Liquidação de Imposto de Selo

Ano

Coleta

1.ª Prestação

U-… - 1.º

458.551,73 €

2016…

 

 

2015

4.585,52 €

1.528,52 €

U-… - 2.º

392.649,07 €

2016…

3.926,49 €

1.308,83 €

U-… - 3.º

394.048,53 €

2016…

3.940,49 €

1.313,51 €

U-… - 4.º

391.452,59 €

2016…

3.914,53 €

1.304,85 €

U-… - 5.º

429.056,31 €

2016…

4.290,56 €

1.430,20 €

Total

2.065.758,23 €

 

20.657,59 €

 

 

e)      Também em abril de 2016 foi a Requerente notificada das liquidações de IS referentes à propriedade dos quatro andares, destinados à habitação, suscetíveis de utilização independente que integram o prédio urbano em propriedade total inscrito na matriz predial sob o artigo…, que se identificam infra:

Artigo Matricial

(Andar ou Divisão com Utilização Independente)

Valor Patrimonial

Número da Liquidação de Imposto de Selo

Ano

Coleta

1.ª Prestação

1

254.751,02 €

2016 …

 

 

2015

2.547,51 €

849,17 €

2

254.751,02 €

2016 …

2.547,51 €

849,17 €

3

254.751,02 €

2016 …

2.547,51 €

849,17 €

4

254.751,02 €

2016 …

2.547,51 €

849,17 €

Total

1.019.004,08 €

 

10.190,04 €

 

 

f)       Em 27-04-2016, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário da primeira prestação do imposto liquidado relativamente a cada um dos andares ou divisões com utilização independente descritas supra.

 

§2. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Questões decidendas

Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito.

Cumpre ao Tribunal apreciar a legalidade dos atos de liquidação de imposto do selo em crise.

A questão central a decidir pelo Tribunal é a que se prende com saber se o valor patrimonial tributário (VPT) a considerar para efeito de aplicação da Verba 28 da TGIS, estando em causa prédio não constituído em regime de propriedade horizontal, é o VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente e com afetação habitacional, ou se é o VPT global, correspondente ao somatório dos VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e com afetação habitacional.

 

§2. Aplicação do direito ao caso sub judice

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

•    28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

•    28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

Posteriormente, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduziu uma nova redação à verba 28 da TGIS, que passou a incluir os terrenos para construção, nos seguintes termos:

«28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %».

Esta alteração não tem, contudo, implicações no caso vertente.

Ora, o Código do Imposto do Selo (CIS) e a respetiva Tabela Geral, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não esclarece qual o sentido da expressão “prédio com afetação habitacional”.

O art. 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, prevê que «[à]s matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI».

O legislador, no n.º 1 do art. 2.º do CIMI, adota o seguinte conceito de prédio:

«Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial».

Conforme observam SILVÉRIO MATEUS e CURVELO DE FREITAS, “o n.º 1 deste artigo [do artigo 2.º] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico” (Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 101, anotação n.º 1.1).

Deste modo, não ficam excluídas do conceito de prédio, relevante para efeitos de CIMI e de CIS, os andares ou divisões de utilização independente de imóvel inscrito na caderneta predial urbana em propriedade total.

O n.º 4 do artigo 2.º do CIMI prevê ainda que «para efeitos deste imposto [IMI], cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio». Neste preceito o legislador esclarece, de forma inequívoca, que as frações autónomas de imóveis inscritos em propriedade horizontal são consideradas prédios, para efeitos de IMI. Mas tal não legitima o intérprete a fazer uma interpretação a contrario, no sentido de excluir do conceito de prédio as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total.

Parece, na verdade, que a ratio, do n.º 2 do art. 4.º é precisamente a de incluir no conceito de prédio as unidades (frações, andares ou divisões) de utilização independente.

Este sentido parece ser confirmado pelo disposto no n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, que prevê que «[c]ada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.»

Daqui resulta que as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total são objeto de avaliação com base nos critérios previstos no artigo 38.º do CIMI, relevante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS, conforme resulta da parte final do preceito contido na verba 28.1 da TGIS, que determina que o valor tributável corresponde ao «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».

A Autoridade Tributária e Aduaneira considera como VPT relevante para efeito de aplicação da verba 28.1 da TGIS os VPT globais dos imóveis inscritos em propriedade total, em manifesta contradição com a prática de uma pluralidade de atos de liquidação, relativos aos vários andares suscetíveis de utilização independente.

Do elemento literal da interpretação, em conjugação com os elementos sistemático e teleológico, resulta que o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos da aplicação da verba 28.1 do CIS é o correspondente a cada uma das unidades suscetíveis de utilização independente.

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Administrativo entende que «[n]ão tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência. Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI. Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de selo.» (cf. Acórdão de 04.05.2016, proferido no processo n.º 0166/16)

Este é também o sentido mais conforme com a Constituição da República Portuguesa, designadamente com o princípio da igualdade tributária.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, ao aplicar de modo diferenciado a verba 28.1 da TGIS consoante a unidade habitacional esteja inserida em imóvel inscrito em propriedade horizontal ou em propriedade total está a fazer prevalecer um critério formal de diferenciação, em detrimento da igualdade material exigida pela Lei Fundamental.

Do ponto de vista da capacidade contributiva, enquanto critério operativo do princípio da igualdade, que postula uma igualdade material, é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal – a capacidade contributiva evidenciada é a mesma, devendo a aplicação da verba 28.1 da TGIS ser feita nos mesmos termos.

Sendo possível interpretar a verba 28.1 da TGIS em conformidade com a Constituição, é de afastar o julgamento da inconstitucionalidade da norma nela contida.

Assim, relativamente a imóveis inscritos em propriedade total, apenas está sujeito a Imposto do Selo, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, o andar ou divisão suscetível de utilização independente com afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior € 1.000.000,00.

Atendendo a que, no presente processo, nenhum dos andares relativamente aos quais foi liquidado Imposto do Selo por aplicação da Verba 28.1 da TGIS tem um VPT igual ou superior € 1.000.000,00, conclui-se pela ilegalidade dos respetivos atos de liquidação e decide-se a respetiva anulação.

Da ilegalidade dos atos de liquidação em crise, e da consequente anulação dos mesmos, resulta o direito da Requerente a ser reembolsada dos montantes de imposto indevidamente pagos.

A Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios. Quanto a estes, o n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária prevê o seguinte: «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Considera-se que «[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária. Anotada e comentada, 4.ª ed., Lisboa, 2012, p. 342).

A lei determina, ainda, no art. 100.º da Lei Geral Tributária, que: «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei

Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 11/02/2009, recurso n.º 1003/08, «[t]endo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.»

No presente processo estamos perante uma pluralidade de liquidações de Imposto do Selo fundadas em erro imputável aos serviços, donde resultaram pagamentos indevidos de prestações tributárias pela Requerente, pelo que se reconhece a esta o direito a juros indemnizatórios sobre os montantes de imposto indevidamente pagos.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), «[o]s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos».

 

IV. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal decide:

i)        Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular as liquidações de Imposto do Selo em crise, com todas as consequências legais;

ii)     Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto, até integral reembolso, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa--se ao processo o valor de € 30.847,63.

 

 

 

VI.  CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de novembro de 2016

 

 

O Árbitro

 

 

 Paulo Nogueira da Costa