Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 774/2022-T
Data da decisão: 2023-07-10  IRC  
Valor do pedido: € 15.375,54
Tema: IRC; Limitação extraordinária de pagamentos por conta de IRC; Juros compensatórios
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Sumário:

I – A omissão do requisito da certificação dos sujeitos passivos por contabilista certificado, expressamente previsto no artigo 12.º, n.º 6, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, impedia os sujeitos passivos de beneficiar da aplicação do regime extraordinário de pagamentos por conta de IRC de 2020.

II – O errado enquadramento jurídico-tributário pelo sujeito passivo que motive o atraso no pagamento dos pagamentos por conta de IRC de 2020, apenas pode ser imputado ao sujeito passivo, porquanto, à luz da lei, o erro de enquadramento e o retardamento do pagamento do imposto não pode/deve ser imputado a outrem.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório

A..., S.A., sociedade anónima, com o número de identificação fiscal ... e com sede na Rua ..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia, (“Requerente”), notificada do despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada e que tinha por objeto a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) com o n.º 2021..., de 23 de julho de 2021, relativa ao exercício de 2020, e correspondente demonstração de liquidação de juros, na parte respeitante aos juros compensatórios no montante de € 15.375,54, veio apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral em matéria tributária, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sua atual redação (“RJAT”).

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

  1. Constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral singular em 20 de fevereiro de 2023, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.

  1. História Processual

A Requerente pretende, em síntese, que seja declarado ilegal e anulado o despacho proferido, em 31 de agosto de 2022, pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, ao abrigo de subdelegação de competências, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2021... e, em consequência, seja (i) declarada ilegal e anulada a liquidação de IRC com o n.º 2021..., de 23 de julho de 2021, relativa ao exercício de 2020, e correspondente demonstração de liquidação de juros, na parte respeitante aos juros compensatórios no montante de € 15.375,54 (quinze mil trezentos e setenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos); (ii) determinada a restituição à Requerente da importância de € 15.375,54 (quinze mil trezentos e setenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) indevidamente liquidada a título de juros compensatórios; (iii) condenada a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data em que essa quantia foi liquidada e subtraída ao montante a reembolsar à Requerente até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos.

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente invoca, sumariamente, que os juros compensatórios têm a natureza de uma reparação civil, indemnizando o credor pela perda de disponibilidade de quantia que não foi liquidada oportunamente ou que foi indevidamente reembolsada, sendo indispensável que o dano resultante do atraso na liquidação seja imputável, através de um nexo de causalidade adequada, a uma conduta culposa do sujeito passivo. Assim, entende a Requerente que, no caso concreto, não houve lugar ao retardamento da liquidação ou da entrega do IRC do exercício de 2020 a pagar antecipadamente (pagamento por conta) por facto culposo – isto é, doloso ou negligente – imputável à Requerente. Por outro lado, segundo alega a Requerente a formalidade prevista no n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 27-A/2020 para beneficiar da limitação extraordinária dos pagamentos por conta de IRC em 2020, que consistia na certificação da atividade económica de alojamento, restauração e similares, apenas não foi cumprida por causas alheias à Requerente. Acresce que a Requerente defende que o requisito da certificação por contabilista a que se refere o n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 27-A/2020, nos precisos termos em que foi interpretado e aplicado pela AT no caso concreto, também não passa pelo teste da proporcionalidade em sentido restrito ou justa medida.

A 07.06.2023, foi proferido despacho tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.

A Requerida, face ao alegado pela Requerente, respondeu, em síntese, que não existiu qualquer constrangimento para se efetuar a certificação por contabilista certificado junto do Portal das Finanças, e, por esta razão, não estavam verificados os pressupostos legais de que depende a dispensa de efetuar o pagamento por conta, prevista no 12.º da Lei n.º 27-A/2020, de 2020-07-24. Assim, a Requerida alegou que após o termo do prazo para a certificação e porque se tratava de um prazo perentório o sistema foi fechado logo após o termo do prazo para a certificação para os contribuintes com período de tributação igual ao ano civil. A Requerida faz notar, ainda, que a Requerente não foi objeto de certificação por contabilista certificado para efeitos de limitação extraordinária dos pagamentos por conta do IRC do período de 2020, obrigação legalmente estabelecida pelo n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 27-A/2020, logo, por consequência, caiu nas regras gerais do pagamento por conta previstas nos artigos 105.º e 107.º do Código do IRC. Pelos fundamentos invocados, entende a Requerida que deve o pedido deduzido pela Requerente ser julgado improcedente com as devidas e legais consequências.

Em sede de alegações escritas, a Requerida deu por reproduzido tudo o que alegou na resposta, reiterando que o ato impugnado não padece de qualquer ilegalidade, requerendo a improcedência da presente ação e sua consequente absolvição do pedido. Por fim, a Requerente, em sede de alegações escritas, reiterou o aduzido anteriormente, reforçando os argumentos invocados no pedido de pronúncia arbitral, bem como o pedido formulado.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Questão a decidir

A questão que cabe apreciar no âmbito do presente processo, prende-se com a legalidade do despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente e, em consequência, determinar se estavam preenchidos os pressupostos previstos na lei para a liquidação de juros compensatórios à Requerente, por referência aos dois primeiros pagamentos por conta do IRC de 2020.

  1. Matéria de Facto
  1.  Matéria de Facto Provada

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português constituída em 1988, cujo objeto social compreende a promoção, construção, compra e venda e aquisição, por qualquer outro título, de estabelecimentos hoteleiros e similares e de imóveis ligados à atividade hoteleira, de restauração e de recreio, bem como a sua exploração;
  2. A Requerente tem a sua atividade principal enquadrada no código CAE 55111 (hotéis com restaurante);
  3. Nos anos de 2018, 2019 e 2020 a totalidade dos rendimentos obtidos pela Requerente teve origem no sector hoteleiro;
  4. A Requerente não efetuou os dois primeiros pagamentos por conta de IRC do exercício de 2020 em julho e setembro de 2020, ao abrigo do artigo 12.º, n.º 1, 3 e 4, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho;
  5. A Requerente não cumpriu a obrigação de certificação, por contabilista certificado, da sua atividade económica de alojamento, restauração e similares prevista no artigo 12.º, n.º 6, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, para efeitos da limitação dos dois primeiros pagamentos por conta do IRC de 2020;
  6. A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2021..., de 23 de julho de 2021, relativa a 2020, com um valor a reembolsar de € 211.724,35, que resulta da diferença entre, de um lado, o imposto a recuperar (i.e., € 240.319,68) e os juros indemnizatórios a que tinha direito (i.e., € 1.606,26) e, de outro lado, o montante das tributações autónomas (i.e., € 14.826,05) e dos juros compensatórios (i.e., € 15.375,54);
  7. Os juros compensatórios liquidados à Requerente, no montante de € 15.375,54, foram calculados pela AT à taxa de 4% sobre as importâncias respeitante aos dois primeiros pagamentos por conta do IRC de 2020 (i.e., € 770.889,30 entre 1 e 30 de setembro de 2020 e de € 1.541.778,59 entre 1 de outubro e 15 de dezembro de 2020);
  8. Em 30-11-2021, a Requerente submeteu à AT, via Portal das Finanças (e-balcão), uma exposição escrita com os motivos pelos quais não procedeu à certificação da atividade prevista no referido n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 27-A/2020 e a solicitar o reembolso dos juros compensatórios no montante de € 15.375,54:
  9. Em 09-12-2021, a Requerente foi informada pela AT que o seu pedido dera origem a um procedimento de reclamação graciosa com o n.º ...2021...;
  10. Em 16-09-2022, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;
  1. Matéria de Facto Não Provada

Com relevo para a decisão, não resultou provado a existência de qualquer impedimento informático que obstasse a Requerente de submeter no Portal das Finanças a certificação por contabilista certificado dentro do prazo, para efeitos do artigo 12.º, n.º 6, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.

  1. Matéria de direito

O pedido de pronúncia arbitral a decidir consiste em apreciar a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente contra a liquidação de IRC com o n.º 2021..., de 23 de julho de 2021, relativa ao exercício de 2020, e correspondente demonstração de liquidação de juros, na parte respeitante aos juros compensatórios no montante de € 15.375,54.

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega que não procedeu aos dois primeiros pagamentos por conta do IRC de 2020 porque, encontrando-se a sua atividade principal enquadrada no código CAE 55111 (hotéis com restaurante) e provindo a totalidade dos seus rendimentos no exercício de 2020 e pelo menos nos dois anos anteriores da atividade hoteleira, estava habilitada para o efeito pelo artigo 12.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 27-A/2020.

Assim, entende a Requerente que não houve lugar ao retardamento da liquidação ou da entrega do IRC do exercício de 2020 a pagar antecipadamente (pagamento por conta) por facto culposo – isto é, doloso ou negligente – que lhe possa ser imputável.

Acresce que, segundo a Requerente, a circunstância de não ter sido possível cumprir a formalidade prevista no n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 27-A/2020, que consistia na certificação da atividade económica de alojamento, restauração e similares por contabilista certificado no Portal das Finanças, se deveu a causas alheias à Requerente, não sendo, em seu entendimento, aquela omissão, alegadamente, apta, por si só, para legitimar a liquidação de juros compensatórios.

Neste sentido, entende a Requerente que não se encontrava preenchido o pressuposto fundamental para a liquidação dos juros compensatórios, por a falta de entrega do imposto por conta do montante devido a final não poder ser imputável a uma conduta dolosa ou negligente por parte da Requerente.

Por outro lado, alega a Requerente que a certificação pelo contabilista certificado dos fatores indicados no n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 27-A/2020 em virtude dos quais era possível não efetuar os dois primeiros pagamentos por conta do IRC de 2020 terá somente visado a confirmação de um requisito para que aquele regime extraordinário fosse validamente aplicado.

A este respeito, considera a Requerente que o aludido requisito da certificação por contabilista certificado não constitui requisito sine qua non da limitação dos dois primeiros pagamentos por conta do IRC de 2020, concluindo que a posição da ora Requerida viola o princípio da proporcionalidade em sentido restrito ou justa medida.

Em resposta ao alegado pela Requerente, a Requerida contrapõe que, conforme se constata pela leitura das normas aplicáveis e do despacho do SEAF que regulamenta o regime de suspensão temporária dos pagamentos por conta de IRC, o legislador não quis deixar ao livre arbítrio dos sujeitos passivos considerarem, ou não, que preenchiam os requisitos para poder usufruir da limitação extraordinária aos pagamentos por conta, mais precisamente ao 1º e 2º pagamento por conta do ano de 2020, fazendo depender o exercício dessa limitação à certificação a efetuar na aplicação disponibilizada para o efeito pelo contabilista certificado.

A Requerida refere, ainda, que não houve qualquer impedimento informático para a submissão da certificação desde que submetida dentro do prazo. Neste sentido, após o termo do prazo para a certificação e porque se tratava de um prazo perentório o sistema foi fechado logo após o termo do prazo para a certificação para os contribuintes com período de tributação igual ao ano civil.

Nesse sentido, defende a Requerida que, apesar de a Requerente ter como como atividade principal a correspondente ao CAE 55111 Hotéis com Restaurante, a Requerente não foi objeto de certificação por contabilista certificado para efeitos de limitação extraordinária dos pagamentos por conta do IRC do período de 2020, obrigação legalmente estabelecida pelo artigo 12.º, n.º 6, da Lei n.º 27-A/2020, de 2020-07-24, caindo nas regras gerais do pagamento por conta previstas nos artigos 105.º e 107.º do Código do IRC.

Pelos fundamentos invocados pela Requerida e expostos supra foram liquidados os juros compensatórios à Requerente, concluindo a Requerida que o pedido da Requerente carece de sustentação legal, devendo improceder com as devidas e legais consequências.

Assim, cumpre apreciar a questão controvertida que se traduz, no essencial, em decidir sobre a legalidade do despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente e, em consequência, determinar se estavam preenchidos os pressupostos previstos na lei para a liquidação de juros compensatórios à Requerente, por referência aos dois primeiros pagamentos por conta do IRC de 2020.

  1. Dos requisitos da aplicação do regime de limitação extraordinária dos pagamentos por conta de IRC

O artigo 104.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC estabelece que «As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação; (…)»

Nos termos do artigo 105.º, n.º 1, do Código do IRC «Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n.º 2 desse artigo.»

Por seu turno, o artigo 107.º do Código do IRC prevê o seguinte: «1 - Se o sujeito passivo verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do período de tributação, pode deixar de efetuar o terceiro pagamento por conta.

2 - Verificando-se, face à declaração periódica de rendimentos do exercício a que respeita o imposto, que, em consequência da suspensão da terceira entrega por conta prevista no número anterior, deixou de ser paga uma importância superior a 20% da que, em condições normais, teria sido entregue, há lugar a juros compensatórios desde o termo do prazo em que a entrega deveria ter sido efetuada até ao termo do prazo para o envio da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior.

3 - Se a terceira entrega por conta a efetuar for superior à diferença entre o imposto total que o sujeito passivo julgar devido e as entregas já efetuadas, pode aquele limitar o terceiro pagamento a essa diferença, sendo de aplicar o disposto nos números anteriores, com as necessárias adaptações

Não obstante o regime supra citado, e no contexto da pandemia do Covid-19, a Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, procedeu, entre outras, à segunda alteração à Lei do Orçamento do Estado para 2020 e introduziu, no seu artigo 12.º, uma limitação extraordinária dos pagamentos por conta em sede de IRC de 2020, nos seguintes termos:

«3 - O regime previsto no artigo 107.º do Código do IRC é também aplicável, com as necessárias adaptações, à totalidade do quantitativo do primeiro e segundo pagamentos por conta relativos ao período de tributação de 2020, desde que a média mensal de faturação comunicada através do E-fatura referente aos primeiros seis meses do ano de 2020 evidencie uma quebra de, pelo menos, 40 /prct. em relação à média verificada no período homólogo do ano anterior ou, para quem tenha iniciado a atividade em ou após 1 de janeiro de 2019, em relação à média do período de atividade anteriormente decorrido, ou quando a atividade principal do sujeito passivo se enquadre na classificação de atividade económica de alojamento, restauração e similares, ou quando o sujeito passivo seja classificado como cooperativa ou como micro, pequena e média empresa, de acordo com os critérios definidos no artigo 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

4 - Considera-se que a atividade principal do sujeito passivo se enquadra na classificação de atividade económica de alojamento, restauração e similares quando o volume de negócios referente a essas atividades corresponda a mais de 50 /prct. do volume de negócios total obtido no período de tributação anterior.

(…)

6 - O enquadramento na classificação de cooperativa, micro, pequena e média empresa, de atividade económica de alojamento, restauração e similares ou de quebra de volume de negócios a que se referem os n.os 2 e 3 deve ser certificada por contabilista certificado no Portal das Finanças.

7 - Caso o sujeito passivo verifique, com base na informação de que dispõe, que, em consequência da redução total ou parcial do primeiro e segundo pagamentos por conta nos termos dos n.os 2 e 3, pode vir a deixar de ser paga uma importância superior à prevista no n.º 2 do artigo 107.º do Código do IRC, pode regularizar o montante em causa até ao último dia do prazo para o terceiro pagamento, sem quaisquer ónus ou encargos, mediante certificação por contabilista certificado no Portal das Finanças. (…)»

Por último, através do despacho do SEAF n.º 338/2020-XXII, de 24 de agosto de 2020, foi determinado que «3. A certificação das condições que justificam a limitação dos 1.º e 2.º pagamentos por conta, previstas no n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 julho, [fosse] efetuada até à data de vencimento do 3.º pagamento por conta, em aplicação a disponibilizar oportunamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)».

Ora, conforme resulta da matéria de facto provada, a Requerente tem como atividade principal a correspondente ao CAE 55111 (Hotéis com Restaurante) e, nos anos de 2018, 2019 e 2020, a totalidade dos seus rendimentos tiveram origem no sector hoteleiro.

Deste modo, e conforme referido pelas partes, a Requerente preenchia as condições previstas no artigo 12.º, n.º 3, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, para beneficiar do regime de exceção de limitação extraordinária dos pagamentos por conta em sede de IRC de 2020.

No entanto, para efeitos da aplicação do aludido regime extraordinário, o legislador fez depender a limitação extraordinária dos pagamentos por conta, em sede de IRC, de 2020 à verificação da condição de os sujeitos passivos terem sido objeto de certificação por contabilista certificado, condição legalmente prevista no artigo 12.º, n.º 6, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

Resulta, assim, claro das disposições legais anteriormente citadas que a omissão do requisito da certificação dos sujeitos passivos por contabilista certificado, expressamente previsto no artigo 12.º, n.º 6, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, determinava o impedimento dos sujeitos passivos beneficiarem da aplicação do regime extraordinário em apreço.

Voltando ao caso concreto, e ainda que, à data relevante dos factos, a Requerente preenchesse as condições previstas no artigo 12.º, n.º 3, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, não tendo a Requerente sido objeto de certificação por contabilista certificado, nos termos do n.º 6 do referido diploma legal, é forçoso concluir que não se encontravam preenchidos todos os pressupostos de que dependia a aplicação da limitação extraordinária dos pagamentos por conta em sede de IRC de 2020 previsto no artigo 12.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

Importa salientar que, da prova junta ao processo, não resultou provada a existência de qualquer impedimento informático que obstasse a Requerente de submeter a certificação por contabilista certificado, para efeitos do artigo 12.º, n.º 6, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, dentro do prazo.

Em face do exposto, entende-se que a Requerente não cumpriu com todas as exigências legalmente previstas para a aplicação do regime de exceção em causa dentro do prazo previsto no ponto 3. do despacho do SEAF n.º 338/2020-XXII, de 24 de agosto de 2020, e, consequentemente, deverão ser aplicadas à Requerente as regras gerais aplicáveis aos pagamentos por conta de IRC de 2020, designadamente as previstas nos artigos 105.º e 107.º do Código do IRC.

  1. Dos juros compensatórios

O artigo 102.º, do Código do IRC, sob a epígrafe «Juros compensatórios», estabelecia, à data relevante dos factos, o seguinte: «1 — Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

2 — São igualmente devidos juros compensatórios nos termos do número anterior pela entrega fora do prazo ou pela falta de entrega, total ou parcial, do pagamento especial por conta.

3 — Os juros compensatórios contam-se dia a dia nos seguintes termos:

a) Desde o termo do prazo para a apresentação da declaração até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação;

b) Se não tiver sido efectuado, total ou parcialmente, o pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º, desde o dia imediato ao termo do respectivo prazo até ao termo do prazo para a entrega da declaração de rendimentos ou até à data da autoliquidação, se anterior, devendo os juros vencidos ser pagos conjuntamente;

c) Se houver atraso no pagamento especial por conta, desde o dia imediato ao do termo do respectivo prazo até à data em que se efectuou, devendo ser pagos conjuntamente;

d) Desde o recebimento do reembolso indevido até à data do suprimento ou correcção da falta que o motivou.

4 — Entende-se haver retardamento da liquidação sempre que a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º seja apresentada ou enviada fora do prazo estabelecido sem que o imposto devido se encontre totalmente pago no prazo legal.»

A referida norma está em sintonia com as regras gerais previstas no artigo 35.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), para que remete parcialmente.

Por sua vez, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que, sempre que ocorra retardamento da liquidação, do total ou de parte do imposto devido, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, desde que tal retardamento decorra de facto que lhe seja imputável. O n.º 6 daquela norma prescreve que «(…), considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais».

Os juros compensatórios são, assim, um adicional ao imposto cuja liquidação ocorre quando, por facto imputável ao contribuinte, se verificar retardamento da liquidação, em parte ou da totalidade do imposto devido.

Nesta medida, os juros compensatórios são uma reparação dos prejuízos causados ao Estado pelo atraso na liquidação, um agravamento, sem natureza sancionatória.

Pode afirmar-se que os juros compensatórios assentam na ideia de ressarcimento do credor tributário pelo atraso na liquidação e pela indisponibilidade de determinada prestação. Não existe, por conseguinte, qualquer intuito sancionatório na liquidação de juros compensatórios ao sujeito passivo.

Conforme se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do Processo 05908/12, de 27-11-2012, «No âmbito do direito tributário, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim compensando o prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. Os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, assim aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.35, da L.G.T.; artº.83, do anterior C.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 27/11/96, C.T.F.387, pág.285 e seg.; Francisco Rodrigues Pardal, Juros Compensatórios, C.T.F.114, pág.37 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.262 e seg.).»

Por sua vez, na decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do Processo n.º 179/2021-T refere-se que «A razão de ser dos juros compensatórios assenta, necessariamente, num juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo e que justifica a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente e aplicável injustificável/indesculpável ou, dito de outra forma, censurável.»

Nesta medida, e na esteira do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do Processo 00233/06.6BEPNF, de 02-02-2012, a obrigação de pagamento de juros em direito tributário depende essencialmente dos mesmos pressupostos fundamentais de que depende a formação da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade por factos ilícitos e que a doutrina já há muito sistematizou (i.e., a) facto voluntário; b) ilícito; c) culposo; d) danoso; e) nexo de causalidade entre o facto e o dano), pressupostos que estão também presentes na obrigação de juros compensatórios, como decorre do artigo 35.º da LGT.

Assim, a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação, a título de dolo ou de negligência.

A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:

  1. Atos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
  2. Não pagamento de imposto que deva ser efetuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
  3. Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
  4. Reembolso superior ao devido;
  5. Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
  6. Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.

No caso sub judice, a Requerente, por iniciativa própria, decidiu que em relação aos pagamentos por conta em sede de IRC de 2020 reunia os requisitos legais para beneficiar da aplicação da limitação extraordinária prevista no artigo 12.º, n.º 3, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

No entanto, e conforme demonstrado anteriormente, a Requerente não cumpriu o requisito estabelecido pelo normativo previsto no artigo 12.º, n.º 6, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, dentro do prazo previsto para o efeito, o que obstava a aplicação do regime extraordinário em apreço.

Verifica-se, in casu, que a Requerente foi, por sua iniciativa, enquadrada indevidamente no regime de limitação extraordinária previsto no artigo 12.º, n.º 3, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, o que motivou o real e efetivo retardamento dos pagamentos por conta de IRC relativo ao período de tributação de 2020.

Estando em causa a relação jurídica tributária em que é sujeito passivo a Requerente, é inquestionável que o atraso no pagamento dos referidos pagamentos por conta motivou um efetivo retardamento do pagamento do imposto, o que representa um real e efetivo prejuízo para os cofres do Estado.

Nesta medida, é imperioso concluir que se verificou um errado enquadramento jurídico-tributário por parte da Requerente que motivou o atraso dos pagamentos por conta de IRC de 2020, só podendo este atraso ser imputado à Requerente, porquanto, à luz da lei, o erro de enquadramento e o retardamento do pagamento do imposto não pode/deve ser imputado a outrem.

Acresce que a norma jurídica que motivou o erro é concreta e objetiva, não oferecendo dificuldades de interpretação, pelo que o erro não foi provocado por qualquer divergência de interpretação, critérios ou de entendimento, não se podendo, assim, considerar que a atuação da Requerente foi adequada, aceitável e plausível, pelo que, consequentemente, o erro praticado não é desculpável.

Assim, in casu, verificam-se todos os pressupostos legais para a exigibilidade de juros compensatórios, pelo que a liquidação impugnada não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que se deve manter no ordenamento jurídico.

Em face de todas as razões expostas, verifica-se que o pedido de pronúncia arbitral é improcedente, quer quanto à alegada ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, quer quanto à arguição de ilegalidade do ato de liquidação de IRC na parte respeitante dos juros compensatórios no montante de € 15.375,54, devendo, em consequência, manter-se na ordem jurídica os atos impugnados.

Por fim, refira-se que a Requerente peticionou ainda juros indemnizatórios.

A esse respeito, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT determina que «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No presente caso, e conforme decidido, verifica-se que a Requerente não foi onerada com juros compensatórios pagos indevidamente. Nessa medida, entende-se que não serão devidos juros indemnizatórios à Requerente.

  1. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos impugnados;
  2. Julgar totalmente improcedente o pedido de restituição à Requerente da importância paga a título de juros compensatórios;
  3. Julgar totalmente improcedente o pedido de pagamento à Requerente de juros indemnizatórios;
  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de  15.375,54, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 918,00 de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, ficando o referido montante, na íntegra, a cargo da Requerente.

Notifique-se.

Lisboa, 10 de julho de 2023

O Árbitro,

 

 

Sérgio Santos Pereira