Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 472/2016-T
Data da decisão: 2017-04-17  Selo  
Valor do pedido: € 183.185,00
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Terrenos para construção; Ano 2015.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Luís Ricardo Farinha Sequeira e Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 29 de Julho de 2016, A…- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., com o número de identificação fiscal … e com sede na …, nº…, …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de imposto do Selo n.º 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, emitidos, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ("TGIS"), relativamente ao ano 2015, no valor total de € 83.175,00.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a norma de incidência não se aplica ao prédio em apreço, porquanto o mesmo, qualificado matricialmente como sendo para construção, não constitui um prédio edificado, havendo assim uma errónea qualificação do facto tributário, sendo que a propriedade de imóveis uma “consequência” inevitável da actividade dos Fundos geridos pela Requerente e, subsidiariamente, a inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da capacidade contributiva.

 

  1. No dia 01-08-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 19-10-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 04-11-2016.

 

  1. No dia 07-12-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. Por despacho de 20-12-2016 foi, por este Tribunal arbitral, determinada oficiosamente a junção de documentação adicional, tendo, após, sido facultado o devido contraditório à Requerida.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Foi facultada às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, o que fizeram, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as posições de Direito anteriormente apresentadas.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente, no âmbito da sua actividade, é proprietário de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção.

2-      Neste âmbito, foi a mesma notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo, emitidos ao abrigo da verba 28.1 da TGS, com referência ao ano 2015: 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016… .

3-      As liquidações referidas respeitam aos seguintes prédios urbanos:

                                                              i.            - O prédio urbano com o artigo matricial…, da União das Freguesias da … e …, concelho e distrito de Portalegre;

                                                            ii.            - O prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Pombal e distrito de Leiria;

                                                          iii.            – O prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Lagoa (Algarve) e distrito de Faro;

                                                          iv.            - O prédio urbano com o artigo matricial …, da União das Freguesias de …, … e …, concelho e distrito do Porto;

                                                            v.            – O prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho e distrito do Porto;

                                                          vi.            – O prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho e distrito do Porto;

                                                        vii.            – O prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho e distrito do Porto;

                                                      viii.            – O prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho e distrito do Porto;

                                                          ix.            – O prédio urbano com o artigo matricial …, da União das Freguesias de … e …, concelho de Vila Nova de Gaia e distrito do Porto.

4-      Na caderneta predial respectiva, os referidos imóveis, em 2015, estavam inscritos na matriz como "terreno para construção", constando ainda como “Tipo de coeficiente de localização” a menção “Habitação”.

5-      O prédio urbano com o artigo matricial …, da União das Freguesias da … e …, concelho e distrito de Portalegre, corresponde ao lote … do alvará de loteamento …/2009 da Câmara Municipal de Portalegre, que autorizou a construção de edifício destinado a habitação, com seis pisos e com área mínima destinada a habitação de 7.000,00 m2 e área máxima para o mesmo fim de 14.000,00 m2.

6-      O prédio urbano com o artigo matricial …, da União das Freguesias de …, … e …, concelho e distrito do Porto corresponde ao lote … do alvará de loteamento …/07 da Câmara Municipal do Porto, que autorizou a construção de edifício destinado a habitação, com seis pisos e com área bruta destinada a habitação de 7.346,60 m2.

7-      O prédio urbano com o artigo matricial …, da União das Freguesias de … e … a, concelho de Vila Nova de Gaia e distrito do Porto, corresponde ao lote … do alvará de loteamento …/07 da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que autorizou a construção de edifício destinado a habitação, com cinco pisos e com área mínima destinada a habitação de 12.966,80 m2.

8-      A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações, dentro do respectivo prazo legal.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

1-      Que, relativamente aos seguintes prédios, existisse, à data do facto tributário, alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva, que previsse como construção possível a habitação:

                                                                          i.      prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Pombal e distrito de Leiria;

                                                                        ii.      prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Lagoa (Algarve) e distrito de Faro;

                                                                      iii.      prédios urbanos com os artigos matriciais …, …, …, … da freguesia de …, concelho e distrito do Porto.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada - (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, os factos constantes dos pontos 5) a 7) da matéria de facto resultam da documentação junta pela Requerida, na sequência do despacho arbitral datado de 20/12/2016, a qual compreende os documentos referidos nos pontos em causa, autorizativos da construção com destino habitacional.

O facto dado como não provado decorre da falta de prova a seu respeito. Efectivamente, não obstante o supra-referido despacho de 20/12/2016, não foi disponibilizada documentação que permitisse concluir noutro sentido, relativamente aos prédios a que se referem os factos não provados.

Concretamente, relativamente ao prédio referido no ponto 1)i. dos factos dados como não provados, apenas foi disponibilizada a este Tribunal uma certidão camarária emitida pela Câmara Municipal do Montijo, com indicação do quadro de caracterização definido pelo PDM, que ressalva expressamente que o mesmo não constitui qualquer vínculo legal (direito ou expectativa) para futura construção no local, pelo que não se reconduz a qualquer dos tipos de documento a que se refere o ponto em causa.

Relativamente ao prédio referido no ponto 1)ii dos factos dados como não provados, foi disponibilizada a este Tribunal a ficha de avaliação do prédio em causa, a qual não só não permite concluir, com a segurança necessária, pela existência de algum dos documentos a que se refere o ponto em causa, bem como do respectivo teor, como na mesma, na parte respeitante aos documentos anexos, “0” como o número dos mesmos, podendo ainda ler-se a menção “Lote de terreno destinado à construção de várias afectações ? Habitação, Serviços e Outros, (piscinas e campos de ténis)”.

Relativamente aos prédios referidos no ponto 1)iii dos factos dados como não provados, verificou-se que a avaliação para efeitos de IMI foi realizada com base na existência de um plano de pormenor, para a zona onde se integra o imóvel em causa. Conforme se refere no preâmbulo do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro, no âmbito de plano de pormenor prevê-se a “fixação de um índice médio de utilização, nos termos do qual o plano fixa um direito abstracto de construir correspondente a uma edificabilidade média, resultando o direito concreto de construir dos actos de licenciamento das operações urbanísticas”, pelo que não pode fazer-se equivaler o plano de pormenor em causa a alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.

Nada mais tendo sido possível recolher, teve, o facto em causa, de se dar como não provado.

 

 

B. DO DIREITO

 

A única questão a dirimir nos presentes autos de processo arbitral tributário prende-se com a aplicação da verba 28.1 da tabela anexa ao CIS (Tabela Geral do Imposto do Selo) aos terrenos destinados a construção a que se reportam as liquidações sub iudice.

Está, assim, ora em causa a definição do âmbito de incidência da verba nº 28.l. da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mais concretamente determinar se os terrenos para construção em questão no presente processo podem subsumir-se no conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” a que alude a referida verba, tendo em conta que os respectivos valores patrimoniais são iguais ou superiores a € 1.000.000,00.

A questão coloca-se em virtude da tributação em sede de imposto do selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário, constante da matriz, seja igual ou superior a € 1.000.000, caso em que é devido imposto, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, por prédio com afectação habitacional.

Esta questão não é nova, tendo sido objecto de apreciação quer na jurisdição arbitral, quer na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo; sendo que, no âmbito da redacção do CIS dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro, as decisões proferidas foram-no sempre em sentido contrário ao pretendido pela Administração Tributária[1].

A situação sub iudice, todavia, dá-se num quadro jurídico diferenciado, na medida em que os factos deverão ser apreciados à luz da redacção do CIS introduzida pelo Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (artigo 194º, sob a epígrafe - Alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo), nos termos do qual a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passou a ter a seguinte redacção:

«28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %».

Neste novo quadro legal, foram já proferidas decisões em sede arbitral, igualmente em sentido desfavorável ao sustentado pela AT[2], bem como outras, parcial ou totalmente em sentido favorável[3].

A referida jurisprudência assenta no entendimento de que se deverá ter como preenchendo os pressupostos da nova verba 28.1 da TGIS:

no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].[4]

Também no acórdão proferido no processo arbitral 142/2016T, já citado, que concluiu, igualmente, pela procedência do pedido ali formulado, se pode ler o seguinte:

Não há nestas normas da TGIS e do CIMI indicação do que deve entender-se por «edificação prevista», mas, tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 3, do CIMI, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o «edifício a construir», a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva".

Subscreve-se integralmente aqui, o entendimento dos referidos acórdãos, quanto ao que, face à nova redacção do CIS, se deve entender por “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

Com efeito, de acordo com o CIMI, os terrenos para construção, que, de acordo com o artigo 6.º/1/c) de tal Código, constituem um tipo de prédio urbano, poderão ter como afectação a habitação, conforme decorre do artigo 41.º, também do CIMI, afectação essa que, como resulta, para além do mais, expressamente do artigo 45.º/5 do CIMI, será determinada com base nos elementos a que alude o artigo 37.º do mesmo Código, sendo que o n.º 3 deste artigo se refere que:

Em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva”.

A menção da verba 28.1 da TGIS em análise deve ser lida, assim, como remetendo para o conteúdo material do que, face ao CIMI, seja “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, não se bastando com a mera formalidade de a AT – bem ou mal -, em aplicação das normas daquele Código (CIMI), ter qualificado para efeitos matriciais um determinado imóvel como tendo essa afectação, já que se fosse essa a intenção do legislador, dentro da presunção de razoabilidade que lhe subjaz, seguramente que teria utilizado a expressão “terreno cujo tipo de coeficiente de localização utilizado para efeitos de determinação do VPT seja habitação”, ou outra, análoga.

Conclui-se, assim, aqui, como na jurisprudência atrás citada, que deverão considerar-se como “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, aqueles terrenos em que o «edifício a construir» esteja definido como destinado a habitação em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.

Ora, no caso, não se apurou que existisse, à data do facto tributário, alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva, que previsse como construção possível a habitação, relativamente aos seguintes terrenos a que se reportam as liquidações de Imposto do Selo que são objecto da presente acção arbitral:

-        prédio urbano com artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Pombal e distrito de Leiria;

-        prédio urbano com artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Lagoa (Algarve) e distrito de Faro;

-        prédios urbanos com artigo matricial…, …, …, … da freguesia de …, concelho e distrito do Porto.

Assim sendo, não é possível concluir que o «edifício a construir» nos terrenos em questão estivesse definido em qualquer daqueles documentos tidos por relevantes, como tendo por finalidade a habitação.

Não obsta ao que vem de se concluir a circunstância de, em 2015, na caderneta predial respectiva dos imóveis em causa, constar como “Tipo de coeficiente de localização” a menção “Habitação”, uma vez que tal menção poderá ser devida a lapso[5], ou a qualquer outra circunstância que não se apurou, sendo certo que não foram apresentados quaisquer elementos que sustentem substancialmente tal menção, não obstante ter sido expressamente facultado à Requerida, em homenagem ao dever de apuramento da verdade material, possibilidade para o fazer.

Face ao exposto, não se poderá considerar demonstrado que, relativamente aos terrenos referidos, os mesmos sejam um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, não se preenchendo, como tal, relativamente a eles, a previsão da verba 28.1 da Tabela anexa ao CIS, na redacção aplicável, pelo que enfermarão os actos tributários impugnados que os têm como objecto, de erro sobre os pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, por isso, ser anulados, procedendo, nessa parte, o pedido arbitral.

 

*

Já relativamente aos seguintes imóveis a que se reportam liquidações de Imposto do Selo, objecto da presente acção arbitral, apurou-se que:

v  O prédio urbano com o artigo matricial …, da União das Freguesias da … e …, concelho e distrito de Portalegre, corresponde ao lote … do alvará de loteamento …/2009 da Câmara Municipal de Portalegre, que autorizou a construção de edifício destinado a habitação, com seis pisos e com área mínima destinada a habitação de 7.000,00 m2 e área máxima para o mesmo fim de 14.000,00 m2;

v  O prédio urbano com o artigo matricial…, da União das Freguesias de …, … e …, concelho e distrito do Porto corresponde ao lote … do alvará de loteamento …/07 da Câmara Municipal do Porto, que autorizou a construção de edifício destinado a habitação, com seis pisos e com área bruta destinada a habitação de 7.346,60 m2;

v  O prédio urbano com o artigo matricial …, da União das Freguesias de … e …, concelho de Vila Nova de Gaia e distrito do Porto, corresponde ao lote … do alvará de loteamento …/07 da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que autorizou a construção de edifício destinado a habitação, com cinco pisos e com área mínima destinada a habitação de 12.966,80 m2.

Assim, dúvidas não persistem de que o «edifício a construir» nos terrenos em questão está definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva, como tendo por finalidade a habitação.

Face ao exposto, haverá que considerar tais terrenos como “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, preenchendo-se, como tal e relativamente a eles, a previsão da verba 28.1 da Tabela anexa ao CIS, na redacção aplicável, nada havendo a censurar aos actos tributários impugnados que os tiveram por objecto e devendo, como tal, improceder nessa parte o pedido arbitral.

Não obsta ao que vem de se concluir a circunstância, alegada pela Requerente, de os documentos acima referidos terem sido todos eles emitidos na esfera jurídica de anteriores proprietários dos imóveis, desde logo porquanto a mesma não tem suporte em qualquer norma legal que lhe confira relevância, e depois porque os actos administrativos a que se referem os documentos em causa corporizam o levantamento de restrições ao conteúdo de direitos reais (designadamente do direito a edificar), sendo por isso titulados pelo proprietário do imóvel, que, no caso, é a Requerente, sendo ainda certo que é a Requerente quem beneficiava, à data dos factos tributários, da valorização dos imóveis, decorrente da aptidão construtiva garantida pelos actos administrativos que reconhecem aquela, valorização essa que não foi alheia, notoriamente, aos relacionamentos contratuais cujos desenvolvimentos culminaram na aquisição pela Requerente dos imóveis tributados, e que é independente da efectiva intenção subjectiva do proprietário edificar ou não.

Não se subscreve, igualmente, a alegação da Requerente de que os prédios em causa estão no seu património porque sejam objecto da sua actividade habitual, não denotando, por isso qualquer capacidade contributiva “superior”.

Com efeito, sendo a propriedade de imóveis uma decorrência normal da actividade dos fundos, ainda que destinados a revenda, denotam exactamente a mesma capacidade contributiva de qualquer outro detentor de imóveis, em especial daquele que os destine a revenda, sendo certo ainda que a Requerente, como qualquer outro operador económico, não prescindirá, na revenda, do acréscimo de valor decorrente da aptidão construtiva dos imóveis, nem de qualquer outra mais-valia que, por qualquer razão, possa vir a incorporar-se nos imóveis, não se descortinando, assim, qualquer inconstitucionalidade, designadamente no que respeita à violação dos princípios da igualdade, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, previstos respectivamente nos arts. 13º e 104º/3 da Constituição, ao contrário do alegado pela Requerente, seja pela circunstância referida, seja por estar fixado um limiar de €1.000.000,00 para sujeição à tributação ora em causa, seja por não se ter em conta o valor eventual da habitação ou habitações cuja construção está autorizada.

O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado diversas vezes sobre o princípio da igualdade tributária, tendo referido, por exemplo, no Acórdão n.º 590/2015, que:

«O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha Casalta Nabais, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (Casalta Nabais, ob. cit., pág. 157). »

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, sendo outro exemplo o Acórdão n.º 84/2003, onde se lê que:

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».

Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”.»

Com efeito, não se afigurando arbitrário que, num período de crise, o Estado, em função das opções políticas de quem o dirige, chame a contribuir de forma mais acentuada os proprietários de imóveis com determinada afectação ou características, e acima de determinado valor patrimonial, não se verificando qualquer dupla tributação, mas antes uma tributação adicional e excepcional, semelhante, ressalvado o respeito a melhor opinião, por exemplo, à sobretaxa de IRS, conclui-se não ocorrer a violação de qualquer normativo constitucional, designadamente os indicados pela Requerente, na tributação em questão.

 

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            Em requerimento apresentado a 21-03-2017, a Requerente veio pedir que, caso se considere ser de manter todos ou alguns (o que é o caso) dos actos tributários objecto da presente acção arbitral na ordem jurídica, deverão os mesmos ser anulados parcialmente nas partes correspondentes ao valor patrimonial que haja sido calculado com base noutras afectações que não a habitação.

            A este respeito, cumpre notar que o requerido constitui uma alteração do pedido e da causa de pedir inicialmente formulados, que não se reputa como sendo um desenvolvimento ou consequência do pedido inicial, pelo que será, desde logo, inadmissível.

            Sem prejuízo, sempre se dirá que a tributação em causa, decorrente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo não permitiria o acolhimento da pretensão da Requerente, já que a incidência da referida tributação é o VPT do imóvel e os seus pressupostos são que o prédio tenha uma afectação habitacional, nos termos já explicitados, e um VPT superior a €1.000.000,00, não se descortinando na letra da lei nem no sistema jurídico global e articuladamente conjugado fundamento para reduzir seja o valor cujo excesso desencadeia a tributação, seja o valor de incidência do imposto, àquele que tenha sido utilizado para a parte do VPT calculada em função da afectação habitacional prevista.

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação por sua iniciativa, sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

C. Decisão

Em face de tudo quanto antecede, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado nos presentes autos e, em consequência:

a)                              Anular as liquidações relativas aos seguintes prédios:

                                                                          i.      Prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Pombal e distrito de Leiria;

                                                                       ii.      Prédio urbano com o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Lagoa (Algarve) e distrito de Faro;

                                                                     iii.      Prédios urbanos com os artigos matriciais…, …, …, … da freguesia de …, concelho e distrito do Porto.

b)                             Condenar a Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, por força das liquidações ora anuladas, bem como ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido da quantia, até ao seu reembolso, nos termos acima determinados;

c)                               Julgar improcedente o pedido arbitral relativo às restantes liquidações;

d)                             Condenar as partes nas custas do processo na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em € 1.389,10 a parte a cargo da Requerente e em € 2.282,90 a parte a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 183.185.00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Abril de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Raquel Franco)

 

 

 

 

 



[1] Cfr., p. ex., Acórdãos 49/2013-T de 18 de Setembro de 2013, 53/2013-T de 2 de Outubro, 231/2013-T de 3/2/2014, Processo nº 7/2014-T, de 3 de Julho, 56/2014-T de 31 de Julho, 210/2014-T de 30 de Julho, Processo nº 125/2015-T, de 12 de Outubro, todos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt) e o Acórdão do STA de 9 de abril de 2014, P1870/2013, a que se seguiram vários outros de teor semelhante, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.

[2] Cfr., p. ex., as decisões dos processos arbitrais 156/2016T, 142/2016T, 524/2015T, 578/2015T, 467/2015T, e 290/2016T, todas disponíveis em www.caad.org.pt.

[3] Cfr. processos 459/2016T e 481/2016T, também disponíveis em www.caad.org.pt.

[4] Cfr. neste sentido, o acórdão proferido no processo 156/2016T, já citado.

[5] Cfr. por ex., nesse sentido, a situação de facto subjacente ao processo arbitral 490/2016T do CAAD, disponível em www.caad.org.pt.