Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 489/2016-T
Data da decisão: 2017-01-27  Selo  
Valor do pedido: € 11.740,90
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS. Propriedade Vertical
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DECISÃO ARBITRAL

1.    RELATÓRIO

Em 29 de julho de 2016, A…, com o NIF … e residente na Avenida …, n.º … –…, …-…, em Lisboa (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 95.º, n.º 2, alínea a), da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2015 e ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, concelho de Lisboa, sob o artigo…, no valor global de € 11 740,90 (onze mil, setecentos e quarenta euros e noventa cêntimos).

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas, relativas às primeiras e segundas prestações de cada uma das liquidações impugnadas (€ 7 756,17), acrescidas de juros indemnizatórios que calcula em € 40,98 à data do pedido, assim como a condenação da AT no pagamento das custas processuais, atribuindo ao processo o valor económico de € 11 781,88.

 

1.1.  Síntese da posição das Partes

a.    Da Requerente:

Como fundamentos do pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2015 e ao imóvel identificado no pedido de pronúncia arbitral, invoca a Requerente as seguintes razões de facto e de direito:

1.    O prédio urbano de que a Requerente é proprietária compreende doze andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi apurado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do IMI;

2.    Os diversos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente têm um VPT que varia entre € 42 690,00 e € 114 340,00, correspondendo o seu somatório à quantia de € 1 174 090,00;

3.    A AT liquidou o Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, à taxa de 1% sobre o VPT total do prédio, embora tendo por referência cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, no valor de € 11 740,90, repartido em três prestações anuais;

4.    É entendimento da Requerente, contrariamente à posição adotada pela AT, que o VPT a ter em conta para aferir da incidência do Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, não pode ser o VPT global dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação, dos prédios em propriedade total;

5.     A incidência do Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, é determinada pela conjugação de dois fatores: a afetação habitacional e o VPT constante da matriz, igual ou superior a € 1 000 000,00;

6.    O n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, determina a aplicação subsidiária do disposto no CIMI às matérias relativas à verba 28.1, da TGIS; deste modo, o VPT a considerar será o de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, tal como consta da matriz, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI, em atenção ao princípio da universalidade do VPT;

7.    Também em sede de IMI, regime pelo qual se rege o Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, é efetuada uma liquidação anual para cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, a pagar em uma ou mais prestações, consoante o respetivo valor;

  1. De acordo com a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T, só haveria lugar a incidência do novo imposto do selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente tivesse um VPT superior a € 1 000 000,00, não podendo a AT utilizar um critério diferente do que foi estabelecido pelo legislador em sede de IMI.

 

b.   Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo, defendendo a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.    A sujeição a Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o VPT do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00;

2.    O conceito de prédio consta do artigo 2.º, n.º 1, do CIMI, estatuindo o seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio, preceito normativo do qual decorre que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é uma realidade diversa de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas (prédios);

3.    O artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais e, quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao seu cálculo, será o inscrito na caderneta predial como “valor patrimonial total”;

4.    A tese defendida pela Requerente carece de sustentação legal, pois nas situações previstas na verba nº 28.1, da TGIS, o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, como é o caso dos prédios em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente em que, apesar de o IMI ser liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente, para efeitos de Imposto do Selo releva o prédio na sua totalidade, pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédios;

5.    Assim, resulta do facto de o Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, incidir sobre a propriedade de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, claramente, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que suscetíveis de utilização independente:

6.    A tributação em sede de Imposto do Selo, Verba 28.1, da TGIS, obedece ao critério de adequação, na medida em que visa tributar a riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, num contexto de crise económica, em que se procurou um máximo de eficácia com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes, o que legitima a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual não é censurável face ao princípio da proporcionalidade;

7.    Perante o que, entende a AT, se mantêm integralmente válidas e legais as notas de cobrança do Imposto do Selo, verba 28, da TGIS, impugnadas nos presentes autos, devendo o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, por as mesmas configurarem uma correta aplicação da lei aos factos, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.

Em anexo à Resposta, apresentou a AT um requerimento em que pediu a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, bem como da produção de alegações escritas, por não ter sido requerida a produção de prova adicional, não terem sido invocadas exceções, se encontrarem fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão e estar em causa matéria exclusivamente de direito.

 

2.    SANEAMENTO

2.1.  O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 4 de novembro de 2016, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2.2.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2.3.  O processo não padece de vícios que o invalidem e não há exceções a apreciar.

2.4.  A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado, e a respetiva procedência, dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, no caso concreto, a verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo.

2.5.  As Partes prescindiram da realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como da produção de Alegações, quer orais, quer escritas.

 

3.      FUNDAMENTAÇÃO

3.1 MATÉRIA DE FACTO

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta pela Requerente e do processo administrativo (PA) junto aos pela Requerida, fixa-se como segue:

a.    Quer à data da produção do facto tributário (31 de dezembro de 2015), quer à data da emissão das liquidações impugnadas (5 de abril de 2016), a Requerente era proprietária do prédio urbano em propriedade total, composto por 12 andares ou divisões de utilização independente, todas destinadas a habitação, inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Lisboa (Serviço de Finanças de Lisboa…), sob o artigo…, com o valor patrimonial total de € 1 174 090,00 (conforme a cópia da caderneta predial anexa à p. i.);

b.    Nenhum dos andares ou divisões de utilização independente do prédio identificado tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00, variando entre € 114 340,00 (3.º E) e € 42 690,00 (AF E);

c.    Relativamente ao prédio identificado, foi a Requerente notificada pela AT da emissão das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial tributário de cada um dos andares ou divisões de utilização independente, constando de cada documento de cobrança o “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1 174 090,00”, conforme o quadro infra:

Nota de cobrança

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2016 …

… …U-… AF D

€ 72 880,00

€ 728,80

2016 …

… …U-… AF E

€ 42 690,00

€ 426,90

2016 …

… …U-… C/V E

€ 100 890,00

€ 1 008,90

2016 …

… …U-… C/VFT

€ 94 990,00

€ 949,90

2016 …

… …U-… R/C D

€ 113 180,00

€ 1 131,80

2016 …

… …U-…R/C E

€ 101 930,00

€ 1 019,30

2016 …

… …U-… 1.º D

€ 101 930,00

€ 1 019,30

2016 …

… …U-… 1.º E

€ 113 180,00

€ 1 131,80

2016 …

… …U-… 2.º D

€ 101 930,00

€ 1 019,30

2016 …

… …U-… 2.º E

€ 113 180,00

€ 1 131,80

2016 …

… …U-… 3.º D

€ 102 970,00

€ 1 029,70

2016 …

…  …U-… 3.º E

€ 114 340,00

€ 1 143,40

 

d.    A Requerente procedeu ao pagamento das primeiras e segundas prestações das liquidações identificadas nos autos, em 29 de abril de 2016 e 26 de julho de 2016, respetivamente, conforme os comprovativos juntos à p. i., pela quantia total de € 7 756,17;

e.    Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.2  DO DIREITO

a.    A questão decidenda

A principal questão trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo, nos termos da verba n.º 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, é determinada pelo Valor Patrimonial Tributário (VPT) que corresponde a cada uma das suas partes economicamente independente e com afetação habitacional, como defende, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, conforme a interpretação dada pela AT à referida norma.

b.   Do mérito das liquidações Imposto do Selo do ano de 2015

A verba 28.1, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aplicável às liquidações impugnadas, estabelece a sujeição a Imposto do Selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos habitacionais ou de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

Os conceitos de prédio urbano e de prédio urbano habitacional encontram-se definidos no CIMI, de aplicação subsidiária às matérias relativas à verba 28, da TGIS, por força da remissão efetuada pelo n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo.

Prédio é, na definição do artigo 2.º, do CIMI, “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (n.º 1) e, ainda, as frações autónomas dos prédios constituídos sob o regime de propriedade horizontal (n.º 4).

Os prédios podem ser rústicos, urbanos ou mistos, sendo os prédios urbanos definidos, de modo residual, pelo artigo 4.º, do CIMI, como sendo todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do que se dispõe quanto aos prédios mistos.

No artigo 6.º, n.º 1, do CIMI, veio o legislador estatuir sobre as várias espécies de prédios urbanos, classificando-os como a) habitacionais, b) comerciais, industriais ou para serviços, c) terrenos para construção e, d) outros, delimitando, nos n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.

Prédios habitacionais são, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º, do CIMI, os edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação.

No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios em regime de propriedade total, rege o artigo 7.º, do CIMI, reportando-se o n.º 2 deste artigo aos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais do que de uma das classificações do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, o que não é o caso do prédio da Requerente, cujos andares ou divisões de utilização independente se destinam, todos eles, a habitação.

De acordo com o artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do CIMI, “Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.”.

E é esta a única norma do Código do IMI em que se faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto, pois que cada andar ou parte suscetível de utilização independente “é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário” (artigo 12.º, n.º 3, do CIMI).

Tendo em conta o disposto no n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI, e, em obediência à norma de incidência da verba 28.1, da TGIS, a qual determina que a matéria tributável consiste no “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, a AT emitiu liquidações individualizadas para cada andar ou divisão de utilização independente, tendo por referência o suposto “valor global” do prédio, por este ser superior a € 1 000 000,00.

Ora, não existindo no Código do IMI qualquer norma que faça referência a um “valor global” dos prédios não constituídos sob o regime da propriedade horizontal, mormente quando integrem, exclusivamente, andares ou divisões de utilização independente destinadas a habitação e, não tendo, na situação em apreço nos presentes autos, nenhum dos andares ou divisões de utilização independente e afetação habitacional um VPT de valor igual ou superior a € 1 000 000,00, nada autoriza a AT a adotar o critério (misto) utilizado na emissão das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, diferente do estabelecido pelo legislador.

Por outro lado, como bem observa a Requerente, o que se julga resultar da ratio legis subjacente à regra da verba 28, da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, é que o legislador tenha querido tributar a propriedade, usufruto e direito de superfície de unidades habitacionais de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, enquanto índice de elevada capacidade contributiva. Porém, como decorre da factualidade provada, nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e de afetação habitacional do prédio de que a Requerente é proprietária tem um VPT igual ou superior ao que vem definido na norma de incidência.

De resto, é jurisprudência consolidada, quer dos tribunais arbitrais tributários, quer do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito da redação inicial da verba 28.1, da TGIS (de que não se vê razão para divergências para as situações abrangidas pela redação atual) e à qual se adere, de que, “I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” – cfr. o sumário do recente Acórdão do STA, de 30/11/2016, Processo n.º 01097/16, disponível em http://www.dgsi.pt e demais jurisprudência nele citada.

Pelos motivos expostos, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errada interpretação da norma de incidência da verba n.º 28.1, da TGIS, é forçoso concluir que as liquidações impugnadas não poderão manter-se na ordem jurídica.

 

c.    Do pedido de juros indemnizatórios

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

São, assim, requisitos cumulativos do direito a juros indemnizatórios: “ – que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”[1]

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada a errada interpretação e aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

4.    DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º, do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

a.        Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;

b.      Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo do ano de 2015, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respetivo pagamento até à da emissão das notas de crédito.

 

VALOR DO PROCESSO:De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 11 740,90 (onze mil, setecentos e quarenta euros e noventa cêntimos), equivalente ao valor das liquidações impugnadas.

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Lisboa, 27 de janeiro de 2017.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] Cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 472.