Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 479/2016-T
Data da decisão: 2017-01-12  Selo  
Valor do pedido: € 35.016,30
Tema: IS – Verba 28 da TGIS; Terrenos para construção
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Decisão arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

1        Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A… NIPC[1]… ,registado na CMVM[2] sob o nº…, gerido e administrado pela sociedade gestora B…, SA, também registada na CMVM sob o nº…, com sede na Rua … nº…, …-… – Lisboa, área do … Serviço de Finanças, apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[3], sendo requerida a AT[4], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2015, incidentes sobre a propriedade de dois imóveis (terrenos para construção) inscritos na matriz predial urbana da freguesia de … sob os artigo … e … área do … Serviço de Finanças do concelho de Lisboa, conforme documentos de cobrança 2016…,no montante de € 16 771,30 e 2016… no montante de €18 245,00, respetivamente, tudo no valor global de € 35 016,30.

2         Que o pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 01/08/2016.

3        Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 19/10/2016, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.

4        O tribunal foi constituído em 14/11/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5        Com o seu pedido, visa o requerente, a anulação de imposto do selo, referente ao ano de 2015, conforme notas de cobrança já referidas, respeitantes aos imóveis já identificados cujo VPT[6] de cada um é superior a € 1 000 000,00, previsto na verba 28.1 da TGIS[7].

6        Suporta o seu ponto de vista, em síntese, na inconstitucionalidade da norma da verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e ainda por duplicação de coleta.

7        Não obstante a inscrição matricial dos prédios como terrenos para construção, da sua potencialidade de edificação não se poderá aferir uma maior capacidade contributiva do seu titular, dado que se está em presença de um mero fator de produção que ao ser tributado discrimina, de forma negativa, relativamente a outras empresas que exerçam outra atividade económica.

8        Veja-se o caso de uma empresa que possua terrenos para construção com VPT igual ou superior a €1 000 000,00, cuja edificação se destine a edifícios para serviços, industria ou comércio, estes não seriam tributados pela aludida verba 28.1 da TGIS.

9         Mesmo no caso dos terrenos para construção habitacional, com VPT igual ou superior a €1 000 000,00, mas cujas unidades a edificar venham a ter um VPT inferior àquele montante, com as edificações realizadas o terreno deixaria de ser tributado.

10    Considera ser bem patente que o IS[8] liquidado ao requerente ao abrigo da verba 28.1 da TGIS viola não só o princípio da igualdade como trata diferentemente contribuintes que se encontram em situações económicas idênticas, sendo uma solução legal arbitrária.

11    Concluindo ainda haver duplicação de coleta uma vez que sobre o mesmo VPT incidem IS e IMI[9], impostos de natureza idêntica, relativamente ao mesmo período e ao mesmo titular, solicitando o reembolso dos impostos pagos indevidamente acrescidos de juros indemnizatórios.

12    Na sua resposta a AT, também síntese, vem dizer que, que as liquidações de IS aqui postas em crise resultam da aplicação direta da norma legal que faz incidir o imposto sobre os terrenos para construção com destino a edificação habitacional, desde que o VPT, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, como é o caso.

13    Entende que as liquidações não violam o princípio constitucional da igualdade sendo a tributação do património um dos meios da sua concretização, devendo, nesse sentido, ser observado nas diversas dimensões tais como a proibição do arbítrio, da discriminação e da diferenciação.

14    Na sua perspetiva a solução legislativa plasmada na verba 28.1 da TGIS está conforme a CRP[10], da sua aplicação não resultam tratamentos diferenciados de contribuintes que preencham os pressupostos de facto e de direito constantes da sua previsão.

15    O aparecimento da norma ocorreu numa situação de grandes dificuldades para o País, em especial as contas públicas, que levou o legislador a tomar medidas extraordinárias, chamando ao esforço coletivo franjas da sociedade, que revelassem riqueza patrimonial com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00.

16    O TC[11], nas suas decisões mais recentes, proclama que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for igual e diferente o que for diferente, impedindo apenas discriminações arbitrárias e irrazoáveis.

17    Considera não haver duplicação de coleta, dado que a tributação em sede de IMI e em sede de IS, são tributos diferentes.

18     Concluindo que, na hipótese de procedência do pedido, não serão devidos juros indemnizatórios, uma vez que a AT, à data dos factos, fez a aplicação da lei em vigor, não se podendo falar em erro imputável aos serviços.

 

II - SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Na resposta a AT suscitou a dispensa de reunião prevista no artigo 18º do RJAT, tendo, em 13/12/2016, o tribunal proferido o seguinte despacho: “Na resposta é suscitada a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como da produção de alegações, assim, notifique-se a requerente, para em 10 dias, querendo, pronunciar-se quanto às pretensões aduzidas pela requerida”.

Em 16/12/2016 veio o requerente anuir ao proposto nas condições constantes do seu requerimento, vindo o tribunal, em despacho de 17/12/2016, considerar reunidas as condições para proferir decisão.

Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

 

1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

a)      Saber se a verba 28.1 da TGIS, na redação em vigor à data dos factos está em conformidade com os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da justiça e da imparcialidade.

b)      Em caso afirmativo se há ou não duplicação de coleta.

c)      Procedendo o pedido, haverá ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pela da AT.

 

 

2- Matéria de Facto

 

a)     O requerente, em 31/12/2015 era proprietário de dois prédios urbanos “terrenos para construção, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de …, área do … de serviço de finanças do concelho de Lisboa, sob os artigos … e … .

b)      Ambos têm valores patrimoniais superiores a € 1 000 000,00, sendo o VPT do artigo … de € 1 677 130,00 e o VPT do artigo 2818 de € 1 824 500,00.

c)      No lote correspondente ao artigo … foi autorizada pela CM[12] de Lisboa a construção de um edifício com área de 4 683 m2 destinado à habitação.

d)      No lote correspondente ao artigo … foi autorizado, pela mesma câmara, a construção de um edifício com 5339m2 destinado à habitação.

e)      Foi com base nos dados referidos que os terrenos foram avaliados e inscritos ma respetiva matriz e que a 31/12/2015, tinham como destino a construção com afetação habitacional.

f)       As liquidações operadas pela AT recaíram sobre os respetivos VPT e foram oportunamente notificadas para pagamento em 3 prestações, tendo o requerente, à data do pedido, pago as duas primeiras prestações.

g)      Sobre o VPT dos aludidos prédios, recaiu, no ano de 2015, também o IMI.

h)       Os fatos descritos estão provados por documentos juntos aos autos e consideramos serem os relevantes para a apreciação do mérito da causa.

 

3        – Matéria de Direito

 

 

3.1 – Da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS

 

Face à matéria de facto provada, a primeira questão a decidir é saber se a norma contida na verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei 83-C/2013, é, ou não, conforme com os princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, invocados pelo requerente e formulados no nº 2 do artigo 266º, bem como dos artigos 13º e 104º nº3, todos da CRP.

Transcrevemos os normativos constitucionais invocados:

“Artigo 266º, nº 2 - Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa- fé”.

“Artigo 13º 1- Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

                     2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”

“Artigo 104º, nº 3 – A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”

É à luz destes normativos que iremos aferir se a verba 28, 28.1 da TGIS, na redação da Lei 83-C/2013, está ou não em conformidade com a CRP, transcrevendo-se: “28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI:

28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…1%”.

 

O requerente sustenta o seu ponto de vista, quanto à matéria da constitucionalidade em quatro pontos, a saber:

“ A discriminação fiscal negativa dispensada a empresas que exercem regularmente a atividade de compra de terrenos para construção e para revenda.

A discriminação fiscal negativa dos terrenos com afetação habitacional relativamente aos terrenos com diferente afetação (comercial, industrial, serviços ou outra).

A discriminação fiscal negativa dos terrenos para construção de habitação cujo VPT seja igual ou superior a € 1 000 000,00, mas relativamente aos quais esteja prevista a edificação apenas com unidades habitacionais de valor inferior a € 1 000 000,00.

A discriminação fiscal negativa dos terrenos com afetação habitacional relativamente aos prédios afetos a serviços de alojamento a hóspedes”.

 

Em todos eles, é dado maior enfase ao princípio da igualdade.

  A ratio do aparecimento da verba 28 da TGIS, conforme exposição de motivos da respetiva proposta de lei, foi a prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, que vinha a exigir diminuição da despesa e a introdução de medidas fiscais com vista ao combate ao défice. Procurando-se que essas medidas fiscais abrangessem os vários tipos de rendimento, por forma a garantir uma repartição de sacrifícios. Uma dessas medidas foi a criação da verba 28 da TGIS, cuja conformidade constitucional, na sua redação inicial foi afirmada pelo TC no Acórdão nº 590/2015 de 11 de Novembro onde se concluiu que o legislador pretendeu tributar a propriedade de habitações de luxo por ser reveladora de capacidade contributiva adequada. A nova redação, visou a tributação de terrenos para construção com destino habitacional cujo VPT seja igual ou superior a € 1 000 000,00, calculado segundo as regras do CIMI[13].

O legislador, como já se disse, procurou uma justa repartição dos sacrifícios com vista ao cumprimento do programa de ajustamento, alargando a tributação a rendimentos e setores da sociedade que tivessem maior capacidade contributiva, tais como, o agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias bem como dos rendimentos obtidos ou transferidos para os paraísos fiscais. A criação da verba 28 da TGIS sobre os terrenos para construção de afetação habitacional, tem de ser entendida nesse âmbito de ajustamento e de repartição de sacrifícios pelos diferentes setores da população.

O princípio da igualdade fiscal exige tributação igual ao que é igual e desigual ao que seja desigual e dele não resulta a inibição do legislador em determinar quais os factos que quer tributar em detrimento de outros, resulta é que lhe está vedado o arbítrio. No caso em apreço, o legislador considerou ser necessária a tributação de prédios urbanos habitacionais e dos terrenos para construção com afetação habitacional, no âmbito do esforço de consolidação orçamental, na medida em que ser proprietário de imóveis de VPT superior a € 1 000 000,00, com destino habitacional, revela um maior indicador de riqueza, suscetível de fundar um contributo acrescido, com vista ao desiderato da consolidação orçamental. Ao mesmo tempo permitiu repartir os sacrifícios com os que vivem do rendimento do trabalho ou pensões. Não tributar outros terrenos para construção cuja afetação não seja a habitação, como por exemplo (comercial, industrial, serviços ou outra) tem de ser entendido como uma opção de política económica que, no entender do legislador, levaria não a uma consolidação mas a um agravamento orçamental.

Os direitos e princípios constitucionais têm todos a mesma dignidade e valor, mas, para que se cumpra a constituição, em determinadas circunstâncias, há direitos e princípios que cedem para que a constituição se cumpra. Assim aconteceu com a tributação dos terrenos para construção com afetação habitacional, com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, que como já se referiu, surgiu num contexto de grave crise económica e das finanças públicas, entendendo o legislador que a sua propriedade é reveladora de capacidade contributiva adequada ao aumento das receitas fiscais do Estado.

A conformidade da verba 28.1, na sua redação inicial, com a CRP já foi afirmada pelo TC no seu Acórdão 590/2015 e não se vislumbra que a nova redação, dada pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro possa ter alterado essa conformidade.

O requerente refere dois processos do CAAD em que foi acolhida a inconstitucionalidade da norma, nomeadamente no que respeita a situações em que os terrenos para construção tenham VPT igual ou superior a €1 000 000,00, mas que as construções previstas, o seu VPT, venha a ser inferior, não acompanhamos esta posição que, do ponto de vista deste tribunal, não passa de situação hipotética que a verificar-se não preencheria a previsão da norma e, portanto, não seria tributada.

Concluindo-se por isso que os factos tributários constantes da verba 28.1 da TGIS, não foram escolhidos de forma arbitrária, respeitam os princípios da legalidade, da justiça da igualdade e imparcialidade estando a opção legislativa perfeitamente justificada e em conformidade com a CRP.

 

 

3.2 – Duplicação de coleta

 

 

O nº 1 do artigo 205º do CPPT[14] diz-nos que há duplicação de coleta, quando estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro, de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo. Como o requerente bem refere, o facto tributário sobre que incidiram o IMI e o IS foi exatamente o mesmo e foi tributado por impostos e valores distintos, daí não estarmos perante uma duplicação de coleta, quanto muito estaremos em presença de uma dupla tributação, fenómeno que as diferentes legislações ficais sempre admitiram e admitem, o mesmo facto tributário, poder dar origem a mais que um imposto nesta perspetiva improcede o pedido de duplicação de coleta.

 

 

3.3 – Pedido de pagamento de juros indemnizatórios

 

 

Tendo em conta o referido nos pontos 3.1 e 3.2 torna-se desnecessário apreciar esta matéria.

 

 

 

IV DECISÃO

 

 

Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:

 

a)      Declarar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo as liquidações de IS, nele postas em crise.

b)      Fixar o valor do processo € 35 016,30 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[15], artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT[16].

c)      Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 1 836,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo do requerente.

 

Notifique.

 

 

Lisboa, 12 de Janeiro de 2017

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

 

O árbitro

 

 

 Arlindo José Francisco

 

 

 

 

 



[1] Acrónimo de Número de identificação fiscal de Pessoa Coletiva

[2] Acrónimo de Comissão do Mercado de Valores Mobiliários

[3] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[4] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Valor Patrimonial tributário

[7] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo

[8] Acrónimo de Imposto do Selo

[9] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis

[10] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa

[11] Acrónimo de Tribunal Constitucional

[12] Acrónimo de Câmara Municipal

[13] Acrónimo de Código de Imposto Municipal sobre Imóveis

[14] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[15] Acrónimo de Código de Processo Civil

[16] Acrónimo de Regulamento de Custas Nos Processos de Arbitragem Tributária