Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 494/2016-T
Data da decisão: 2017-02-07  IRC  
Valor do pedido: € 4.439.649,45
Tema: IRC - Competência dos tribunais arbitrais; Renovação do ato em execução de julgado; Caso julgado; Falta de fundamentação; Caducidade do direito de liquidação.
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Cristina Aragão Seia e o Senhor Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-11-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, S. A., (anteriormente denominada B… S.A.), pessoa colectiva n.º…, com sede em…, Apartado…, …, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de «ilegalidade de um acto de liquidação adicional notificado à Requerente em que a Entidade Requerida, findo há mais de dois anos uma inspecção tributária e sem notificar qualquer fundamentação, determinou agora a liquidação de imposto adicional na linha denominada de “resultado da liquidação”». A liquidação em causa tem o n.º 2016 … e reporta-se a IRC do período de 2011.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-09-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 19-10-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-11-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, enviando duas vezes a resposta, com algumas diferenças.

Nas respostas apresentadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral e defende que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 22-12-2016 foi decidido dispensar reunião e que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

Nas suas alegações a Requerente questiona a tempestividade da Resposta apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

A Requerente suscita a questão prévia da intempestividade da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. Questão da intempestividade da Resposta

 

Por despacho de 05-12-2015, foi prorrogado o prazo para Resposta até ao dia 21-12-2016, ao abrigo do artigo 569.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Por email enviado nesse dia 21-12-2016, recebido no CAAD às 23:59 horas, deu entrada uma Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, com 47 páginas, que está incompleta, não tendo, designadamente assinaturas, para além de o texto não estar em formato pdf, segundo informação do CAAD que e confirmada pelas Partes.

No dia 22-12-2016, às 00:12 horas, foi recebida no CAAD outra Resposta, em formato pdf, com assinaturas e algumas diferenças e uma explicação no email, nestes termos: «Por lapso o ficheiro submetido não é a versão em PDF, pelo que se remete a versão correcta, solicitando a sua junção aos autos».

Esta segunda Resposta é intempestiva, pelo que não será considerada, valendo como tal a primeira, já que, apesar de não assinada, a sua autoria é confirmada.

 

 

3. Matéria de facto relevante para a apreciação da excepção da incompetência

 

3.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e acordo das Partes, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Foi efectuada uma inspecção à Requerente, anteriormente denominada B…, S.A e, anteriormente, C…, S.A, relativa ao exercício de 2011, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere além do mais, seguinte:

I.-4.2.3 Resultado da liquidação

Por aplicação do n.º 1 do art.º 92.º do Código do IRC, resulta que a coleta de IRC apurada após as deduções das al. a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, se calculada sem o efeito dos benefícios fiscais não enumerados no n.º 2 do art.º 92.º do CIRC e de 27.570.952,81 Euro sendo que 90% do seu valor ascende a 24.813.857,53 Euro, superior em 1.934.667,72 Euro ao valor apurado com o efeito dos benefícios fiscais.

Em conclusão, na determinação do Imposto de IRC a pagar pelo grupo … com referência ao período de 2011, esta em falta o montante de 1.934.667,72 Euro correspondente a parte em que a liquidação de imposto é inferior à que se apura nos termos do n.º 1 do artigo 92º do CIRC. (ver ponto lll-2.3).

Na sequência do exercício do direito de audição, a correção inicialmente proposta foi alterada, nomeadamente em resultado do ajustamento à utilização de benefício fiscal, para 2.086.114,61 Euro.

(...)

III.2.3 Resultado da Liquidação: 2.086.114,61 Euro

Dispõe o art.º 92.º do CIRC no seu n.º 1, que “Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art. 90. º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e d) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais, dos regimes previstos no n.º 13 do art.º 43.º e do art.º 75.º”.

O mesmo artigo no seu n.º 2 indica que, “Excluem-se do disposto no número anterior, os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial ll (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. "

Das verificações efetuadas na presente inspeção resulta demonstrado que o lucro tributável apurado pelo grupo nos termos do n.º 1 do art.º 70º do CIRC, na sua declaração de rendimentos submetida pela sociedade dominante, se apresenta influenciado dos seguintes benefícios fiscais elegíveis para o limite a que se refere o artigo 92.º do CIRC:

  1. Relativamente à Majoração de donativos: 101.641,40 Euro

Somatório dos campos 406 do Anexo D de cada sociedade que integra o RETGS

  1. Relativamente aos donativos: 430.810,62 Euro

Somatório das contas SNC … Donativos de cada sociedade que integra o RETGS

  1. Relativamente a majoração das quotizações: 311.700,97 Euro

Somatório dos campos 407 do Anexo D de cada sociedade que integra o RETGS

  1. Relativamente à majoração de depreciações por reavaliação fiscal: 2.692.902,84 Euro

Valor calculado tendo por base o somatório dos valores inscritos por cada sociedade que integra o RETGS no campo 720 da declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC no total de 1.795.268,56 Euro.

Considerando que o valor acrescido corresponde a 40% do acréscimo do gasto com depreciações não aceite fiscalmente nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, temos que o acréscimo total do gasto fiscal com depreciações por reavaliações fiscais foi 4.488.171,40 Euro do qual 60% correspondente a um benefício fiscal (2.692.902,84 Euro).

Na determinação da coleta de IRC o grupo deduziu benefícios fiscais à coleta, apurada nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC (matéria coletável x taxa do art.º 87.º), correspondentes a SIFIDE (4.847.076,19 Euro), Contratos de Investimento (11.799.720,18 Euro) e RFAI (3.794.235,87 Euro).

Concretizando agora a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC temos que:

Resulta assim demonstrado que a coleta de IRC apurada após as deduções das al. a) e Io) do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, se calculada sem o efeito dos benefícios fiscais não enumerados no n.º 2 do art.º 92.º do CIRC e de 27.570.952,81 Euro sendo que 90% do seu valor ascende a 24.813.857,53 Euro, superior em 1.934.667,72 Euro ao valor apurado com o efeito dos benefícios fiscais.

Em conclusão, na determinação do Imposto de IRC a pagar pelo grupo B… com referência ao período de 2011, esta em falta o montante de 1.984.667,72 Euro correspondente à parte em que a liquidação de imposto e inferior a que se apura nos termos do n.º1 do artigo 92.º do CIRC.

Na sequência do exercício do direito de audição, a correção inicialmente proposta foi alterada, nomeadamente em resultado do ajustamento à utilização de benefício fiscal, para 2.086.114,61.

(...)

IX – Direito de audição

 (...)

IX. 3 Resultado da liquidação

O sujeito passivo contesta a correção, proposta no ponto lll.2.3. do projeto de relatório, relativa ao resultado da liquidação, argumentando que ao preencher as condições exigidas para poder beneficiar de RFAI, deverá ser-lhe concedido um crédito de imposto “abatível até 25% da colecta do IRC".

Considera que esta atribuição que lhe é concedida pelo RFAI não deve ter em consideração o limite de utilização de benefícios fiscais previsto no art.º 92.º do CIRC.

Resumindo, o enquadramento vai no sentido de que o limite de dedução específico previsto na legislação que regula o RFAI devera prevalecer face ao limite geral de utilização de benefícios fiscais previstos no artigo 92º do CIRC.

De acordo com o seu entendimento, o CIRC dispõe o regime regra para o sector das relações que disciplina (lei geral), o legislador, em diploma próprio e autónomo (Lei n.º 10/2009 de 10 de março) estabeleceu, de forma completa e expressa, toda a disciplina para um círculo mais restrito de situações, mais concretamente para o RFAI. Neste caso o conflito entre as duas normas terá de ser suprido através da aplicação do critério da especialidade segundo o qual a lei especial prevalece sobre a lei geral.

Assim, para a determinação do limite máximo dedutível do benefício do RFAI em determinado período, seria de aplicar a norma especial, ou seja, a prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do RFAI pelo que as alterações legislativas ocorridas na norma do resultado da liquidação não devem ser aplicáveis ao caso concreto, pois, o limite de dedução à coleta do benefício corresponderá, em todo o caso, a 25% do montante da coleta do período, conforme expressamente definido na Lei n.º 10/2009 de 10 de março.

Outra interpretação seria “publicidade enganadora”.

Nos parágrafos 22.º, 23.º e 24.º do Direito de Audição refere que apesar de não concordar com os cálculos da AT, dá conta de um erro de cálculo por não se ter considerado a majoração das depreciações por reavaliação de ativos fixos tangíveis na B… e na D… na totalidade e apenas em 25%, apurando-se um valor de correção relativa ao resultado da liquidação superior em 38.434,06 Euro.

Da análise aos argumentos trazidos nesta fase pela sociedade dominante temos que:

1. Relativamente à pretensão de que o limite de dedução específico previsto na legislação que regula o RFAI deverá prevalecer face ao limite geral de utilização de benefícios fiscais previstos no artigo 92.º do CIRC:

a. O art.º 92.º do CIRC foi introduzido pelo Orçamento do Estado para 2005 e segundo o seu relatório, foi criado como ‹‹limite a redução da taxa efetiva de tributação por utilização de benefícios fiscais»;

b. E como a epígrafe do artigo indica visa condicionar o resultado da liquidação consoante sejam utilizados determinados benefícios fiscais;

c. Este mecanismo opera na fase da liquidação e estabelece uma relação entre o imposto liquidado com e sem benefícios fiscais:

d. Estabelece o art.º 92.º do CERC Resultado da liquidação “1- Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90. º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se 0 sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º 2 -- Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SlFIDE ll);

c) Os benefícios fiscais as zonas francas previstos nos artigos 33º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19. º, 32º, 32º-A e 42º do Estatuto dos Benefícios Fiscais; ”

e. Conforme e dado verificar o RFAI não está previsto nas exclusões registadas no n.º 2 do art.º 92º do CIRC, em vigor em 2011, pelo que, é-lhe aplicável o disposto no n.º 1 da mesma norma;

f. Relativamente à conflitualidade entre as normas, considera-se que tendo âmbitos e objetivos diferentes, o RFAI e o art.º 92º do CIRC, não existe conflitualidade entre os dois normativos até porque são aplicados em fases diferentes, em que primeiramente se aplica as normas do RFAI para apurar o montante do benefício e posteriormente, na fase da autoliquidação do IRC, em que se apura o montante de "coleta mínima" resultante dos Benefícios Fiscais, tendo em consideração o disposto no art.º 92º do CIRC;

g. Sendo que a não dedutibilidade do RFAI num período de tributação por insuficiência de coleta não invalida, nos termos do n.º 3 do art.º 3.º do diploma, que a importância ainda não deduzida possa sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro períodos de tributação seguintes;

2. Relativamente ao erro de cálculo manifestado pelo contribuinte e à utilização do benefício fiscal decorrente da utilização da derrama estadual no cálculo da coleta:

a. Concordamos com a posição do contribuinte e, no recálculo realizado para a aplicação do art. º 92º do CIRC, temos em conta as objeções apresentadas e que terão impacto na correção que mais abaixo se apresenta.

b. Desta forma inclui-se no presente relatório o Anexo IV derivado do Anexo III com os efeitos das correções decorrentes do exercício do Direito de Audição prévia;

 

RECALCULO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS

Controlo do benefício fiscal por dedução à coleta

Grupo B…, SA

Face ao exposto, a correção inicialmente proposta foi alterada em resultado do exercido do Direito de Audição, pelo que a correção será de 2.086.114,61 Euro.

  1. Na sequência dessa inspecção, a Requerente foi notificada da liquidação n.º 2014…, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

  1. A Requerente impugnou a liquidação n.º 2014 … do exercício de 2011, fraccionando-a mediante:

– a dedução de um pedido de pronúncia arbitral, que correu termos no CAAD sob o n.º 702/2014, cujo objecto foi a parte da liquidação influenciada pela correcção de € 2.086.114,61, relativa à aplicação do artigo 92.º do CIRC, identificada na liquidação como «resultado da liquidação»;

– a apresentação de uma reclamação graciosa, em 04-11-2014, que teve como objecto a parte da liquidação influenciada pela correcção no montante de € 4.480.834,92 respeitante ao crédito ao investimento resultante do RFAI;

  1. A reclamação graciosa referida foi parcialmente deferida, na sequência do que a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação n.º 2015 … em que, por aplicação do regime do “resultado da liquidação”, previsto no artigo 92.º do CIRC, foi indicado o montante de € 2.284.780,12 (n.º 15), nos termos que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

  1. No referido processo arbitral n.º 702/2014-T foi proferida decisão em 05-05-2015, sendo julgado improcedente o pedido (documento que consta do processo administrativo com a denominação «PA 6 – Acórdão Processo. 702-2014-T»);
  2. Na sequência do indeferimento parcial da reclamação graciosa, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que veio a dar origem ao processo n.º 400/2015-T;
  3. Neste processo arbitral n.º 400/2015-T foi proferido, em 10-12-2015, o acórdão cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se decidiu:

«a) Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2014…, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014 … e 2014…, relativas ao exercício de 2011, nas partes correspondentes à correcção relativa ao RFAI;

b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º … 2014…, na parte em que manteve as referidas liquidações de IRC e juros compensatórios;

c) Anular as liquidações e decisão referidas»;

  1. A decisão proferida no processo arbitral n.º 400/2015-T não foi impugnada nem objecto de recurso;
  2. Em 11-04-2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2016…, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

  1. A liquidação referida foi acompanhada da Demonstração de liquidação de juros que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere o seguinte:

  1. A notificação da liquidação impugnada foi também acompanhada da Demonstração de acerto de contas que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere o seguinte:

  •  A Requerente foi notificada da liquidação n.º 2016 … sem qualquer outra fundamentação, para além da que consta da notificação e demonstrações de liquidação de juros e de acerto de contas;
  • A Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira um pedido de certidão da fundamentação da liquidação impugnada, que foi indeferido pelo despacho cuja cópia consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que manifesta concordância com uma informação em que se refere, além do mais, o seguinte:

3. Analisado o pedido ora formulado pela Contribuinte, aqui Requerente, somos a verificar que o mesmo tem como base uma liquidação (corretiva), efetuada por força do disposto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT"), face a decisão judicial de natureza anulatória contemplada no âmbito dos autos n.º P - 400/2015 - T, que correram seus termos junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD").

4. Essa decisão, que, consabido fundamenta a referida “liquidação corretiva", foi devidamente notificada à Contribuinte, aqui Requerente.

5. Ou seja, na presente situação, a Contribuinte, aqui Requerente, já tem na sua posse todos os elementos que conduziram ao ajustamento corretivo ora trazido à colação, a ponto de poder saber que, não obstante os montantes então consagrados a título de benefício fiscal, os mesmos acabam por não se demonstrarem materialmente relevantes atenta a aplicação do mecanismo previsto no art.º 92º do CIRC, levando a que, no caso concreto, o imposto então liquidado permaneça tal e qual o tinha sido na primitiva “liquidação".

Mais:

6. De qualquer modo, mesmo se tratando de um ato praticado à luz do referido art.º 100.º da LGT, ainda assim assistiria sempre à Contribuinte, ora Requerente, a faculdade de fazer uso dos meios previstos no art.º 95º -A do CPPT ou no art.º 176.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA");

  • A Requerente apresentou uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos relativa à falta de notificação da fundamentação, em que se concluiu que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria informar a Requerente de que não possui outra informação além da que lhe facultou;
  • A Requerente efectuou o pagamento da quantia indicada na liquidação n.º 2014 … (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  • Em 26-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a decisão arbitral proferida no processo n.º 702/2014-T tivesse transitado em julgado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca a força de caso julgado dessa decisão (artigo 76.º da Resposta), mas a Requerente, no artigo 26.º das alegações, diz que está pendente recurso dessa decisão no Tribunal Constitucional (processo n.º 486/15, 3.ª Secção).

Não se provou que a Requerente tivesse pago qualquer quantia na sequência da liquidação impugnada.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

 

3. Excepção da incompetência

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência material deste tribunal arbitral por entender que a liquidação impugnada foi emitida em execução do acórdão proferido no processo arbitral n.º 400/2015-T e que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não têm competência para apreciar matéria atinente à execução de julgados.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– o que está em causa na presente acção arbitral é a concretização duma liquidação correctiva que introduz, como impõe o artigo 92.º, um limite legal à utilização de benefícios fiscais, não tendo sido efectuada, como pretende a Requerente, qualquer liquidação adicional respeitante a IRC do exercício de 2011;

– ao contrário do que a Requerente pretende fazer crer, a questão da aplicação do artigo 92º do CIRC, a título de “resultado da liquidação”, foi objecto de correcção em sede inspectiva e manteve-se em todas as liquidações respeitantes ao exercício de 2011, efectuadas para efeitos da concretização das decisões proferidas em sede administrativa e judicial, pois assim o impõe o referido preceito legal;

– com efeito, o art. 92.º do CIRC, introduzido pela Lei do Orçamento do Estado para 2005, insere-se no capítulo referente à forma de liquidação de imposto e foi criado tendo em vista limitar os efeitos potencialmente negativos que os benefícios fiscais possam ter sobre a liquidação de imposto, donde, no essencial, tal artigo pretende criar um tecto mínimo de IRC a pagar, em cada ano, por via da limitação de utilização dos benefícios fiscais;

– como decorre da redacção do artigo 92.º, n.º 1 do CIRC, este normativo manda comparar duas grandezas, e daí operar um possível quantitativo a título de "resultado da liquidação", isto é, uma limitação global aos benefícios fiscais;

– qualquer liquidação reportada à utilização de benefícios fiscais em sede de IRC exige a aplicação desta metodologia de cálculo, sendo que o n.º 1 do artigo 92.º do CIRC remete para o processo de liquidação normal do IRC mas encontra-se influenciado pelos benefícios fiscais que o sujeito passivo teria direito a usufruir;

– assim, carece em absoluto de suporte legal e factual a argumentação da Requerente quando defende que a liquidação contestada cria imposto novo a outro título - resultado da liquidação, demostrando-se, indubitavelmente, que a liquidação emitida nada contém de inovador, visando apenas concretizar a decisão do Tribunal arbitral que determinou um aumento do montante dos benefícios fiscais que a Requerente teria direito a usufruir no exercício de 2011;

– a razão de ser da discordância da Requerente para com a liquidação ora contestada prende-se a concretização de uma decisão judicial que lhe foi favorável, mas que aplicou, na sua opinião de forma inovadora, o limite legal à utilização de benefícios fiscais constante do artigo 92.º;

– manifestando a sua discordância em relação à forma como a decisão foi executada em vários artigos do pedido arbitral (art. 26.º, 27.º, 28.º, 30.º, 37.º, 49.º, 53.º);

– a pretensão da Requerente prende-se, tão só, com a apreciação, em sede arbitral, da execução duma decisão que determinou a procedência dum pedido de anulação duma liquidação, mas tal pretensão extravasa a competência do Tribunal arbitral;

– a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT;

– inexiste, no entanto, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, que são poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade;

– ainda que aqueloutros pedidos constituíssem, hipoteticamente, consequência, a nível de execução, de uma declaração de ilegalidade de atos de liquidação;

– não se inserem, pois, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, nem as relacionadas com a execução de julgados, carecendo o Tribunal Arbitral de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como foi concretizada uma decisão arbitral ou qualquer outra;

– nos termos do nº 1 do art. 24º do RJAT a execução de julgados cabe, em primeira linha, à AT que deve “nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários…” promover os actos jurídicos e materiais necessários à execução do julgado;

– a existir qualquer litígio entre a AT e os sujeitos passivos no que se refere à falta de execução ou à forma como a decisão é executada, como acontece in casu, a competência para a sua resolução compete aos tribunais tributários, no âmbito do processo previsto nos artigos 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), uma vez que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em sede de execução de julgados.

 

A Requerente apresentou as seguintes conclusões, sobre a questão da incompetência:

 

B) Pede a requerente neste processo arbitral que seja apreciada a legalidade de um acto de liquidação adicional de imposto (IRC no caso) e correspondentes juros compensatórios, pelo que sem necessidade de mais considerações é óbvio que a sua pretensão e respectiva causa de pedir estão abrangidas no âmbito da competência atribuída à arbitragem tributária (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

C) Pela negativa agora, a requerente não se queixa, não é essa a causa de pedir da sua pretensão, de ter sido violada qualquer vinculação resultante de uma anterior decisão, arbitral ou judicial, ou que estivesse por cumprir uma tal decisão. Dito de outro modo, a sua causa de pedir não assenta na violação de vinculações resultantes de anterior decisão arbitral ou num seu incumprimento.

D) O que diria um tribunal tributário se numa acção de execução de julgados a requerente aparecesse a queixar-se que imposto novo (que nunca tinha aparecido em anterior liquidação) carecia de fundamentação, tinha sido liquidado sem audição prévia, etc, tal e qual como faz nesta arbitragem? Basta pensar um segundo neste cenário (o pretendido pela AT) para de imediato se perceber que, e muito bem, o tribunal tributário teria de considerar o meio processual de execução de julgados como impróprio para o julgamento desta pretensão da requerente tal como configurada na sua petição inicial. Em rigor, o que a AT pretende, a coberto de dizer estarmos perante uma “liquidação correctiva” é furtar-se ao escrutínio pelos Tribunais tributários e arbitrais de actos de aplicação e interpretação da lei consubstanciados nas novas liquidações com novo imposto a novo título que a AT determine após uma decisão judicial ou arbitral favorável ao contribuinte que não se pronunciou nem se tinha de pronunciar sobre esse novo imposto sob esse novo título (entre o mais, por inexistente à data).

E) A requerente não percebeu ainda, porque a AT não o apontou, de que norma resultaria a incompetência deste Tribunal Arbitral. Admitindo que essa norma seja o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT (não obstante nenhum apoio aí se encontrar para o pretendido pela AT), mais não se quer deixar de concluir que a interpretação desse artigo no sentido propugnando pela AT viola o direito constitucional à tutela jurisdicional (artigo 20.º da Constituição) e, mais particularmente ainda, o direito constitucional à impugnação dos actos administrativos lesivos (artigo 268.º, n.º 4 da Constituição). Donde a sua inconstitucionalidade.

F) É, pois, manifestamente infundada a arguição de incompetência arbitral suscitada pela AT.

G) A AT é incapaz de demonstrar que não há imposto adicional (e correspondentes juros compensatórios). Pela razão simples de que tal é indemonstrável. Mas isso não a impede de repetir, até à exaustão, ao longo da sua contestação, que não há liquidação adicional de imposto, que a liquidação em crise se limitaria em obediência a anterior decisão arbitral a corrigir o que estava mal.

H) Não se vai maçar este Tribunal outra vez com a evidenciação do óbvio: que há liquidação adicional que, por inexistir anteriormente, não foi nem podia ter sido objecto de qualquer processo judicial ou arbitral (ver artigos 9.º, 15.º, 20.º e segs e 38 e segs, do pedido de pronúncia arbitral – PPA).

I) Mas cirurgicamente não se quer deixar de apontar para o erro (ou falácia) em que incorre sistematicamente a AT quando traz à colação a terminologia de “liquidação correctiva” ou de “liquidação corrigida”. As liquidações correctivas ou corrigidas só não são susceptíveis de impugnação judicial quando correspondam ao conceito de liquidações que executam anterior decisão (administrativa ou judicial) de anulação total ou parcial de imposto e correspondentes juros. Isso mesmo é ressalvado pela jurisprudência e doutrina, incluindo a citada pela AT na sua contestação, como se viu supra.

 

Como se refere na notificação da liquidação impugnada, ela foi emitida em execução do acórdão arbitral proferido no processo n.º 400/2015-T, em que a decisão foi favorável à Requerente.

A própria Requerente reconhece que assim é, ao dizer no artigo 23.º das suas alegações:

 

23. Um primeiro, o processo n.º 400/2015-T cuja decisão a liquidação em crise diz estar a executar (e está, e quanto a isso a requerente não tem razão de queixa; faz é mais do que isso, e o que faz mais não estava nem deixava de estar coberto pela decisão arbitral invocada – é praeter decisão arbitral), tratou de apreciar e acabou por anular o afastamento pela Inspecção tributária de créditos fiscais obtidos ao abrigo do RFAI.

 

Assim, o que a Requerente censura à liquidação impugnada é que, para além de ter executado a referida decisão arbitral (aumentando, no n.º 12 da liquidação, o montante de benefícios fiscais de € 21.769.826,02 para € 25.963.889,37, em sintonia com o decidido no processo arbitral n.º 400/2015-T), nela foi alterado também o n.º 13, relativo ao «Resultado da liquidação», que passou a ser de € 6.478.843,47, quando na liquidação n.º 2015 … era de € 2.284.780,12 e na que foi objecto do processo n.º 400/2015-T esse valor era de € 2.086.114,61.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre situações deste tipo na vigência do regime anterior ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (2004) foi-se consolidando no sentido de que, se no âmbito da execução de julgado é praticado um novo acto que, para além dar execução à decisão exequenda, contém um conteúdo inovador, sobre o qual não proferiu decisão o julgado exequendo, os vícios de que possa enfermar o acto nesta parte inovatória não podiam ser apreciados no processo de execução, tendo a sua impugnação de ser efectuada em processo impugnatório autónomo. ( [1] )

Mas, mesmo nos casos em que o novo acto apenas dava execução ao decidido, o interessado podia optar pela sua impugnação autónoma, o que estava ínsito no n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, que expressamente previa que, nos casos em que era instaurado processo de execução, mas estivesse pendente recurso de anulação ou de declaração de nulidade dos actos de execução, seria feita a sua apensação ao processo de execução.

No regime do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ocorreu um alargamento do âmbito do processo de execução de julgado, passando a admitir-se nele, para além da declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, também a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal (artigo 179.º, n.º 2, do CPTA).

Mas, mesmo depois da entrada em vigor do CPTA, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo continuou a ser no sentido de que «o processo executivo tende a conferir efectividade prática ao respectivo título, a que por inteiro se subordina, não servindo para se obterem pronúncias declarativas sobre questões novas e independentes» e que qualquer vício do acto emitido em execução era «declarável em processo a instaurar para o efeito, mas não configura uma infidelidade ao acórdão exequendo». ( [2] )

A fundamentação desta jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo pode considerar-se duvidosa à face do regime do CPTA, como bem evidenciam, desde logo, os sete votos de vencido que foram emitidos.

Mas, as dúvidas sérias que se suscitam relativamente a esta jurisprudência maioritária reportam-se à decidida inadmissibilidade de utilização do processo de execução de julgados e consequente obrigatoriedade de utilização de meio impugnatório autónomo para sindicar a legalidade dos actos praticados em execução que enfermem de vícios que não apreciados pela decisão exequenda e não sobre a possibilidade de optar pela impugnação autónoma, quando o interessado apenas pretende discutir a legalidade do conteúdo inovador dos actos praticados em execução do julgado, possibilidade esta que sempre foi permitida e resulta do teor literal das normas que prevêem a possibilidade de impugnação contenciosa.

Isto é, a crítica que se pode fazer a esta jurisprudência é por impor impugnação autónoma para apreciar vícios exclusivos do novo acto e não por a proibir.

É certo que, no novo regime de execução de julgados, pode aventar-se que haja uma repartição do campo de aplicação do processo de execução de julgado e do processo de impugnação de actos, nos casos em que é praticado um novo acto visando dar execução a um julgado anulatório, como se referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA nestes termos:

 

 A nova referência aos "actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal vai mais longe, permitindo ao exequente deduzir também, logo no início ou no decurso do processo de execução, pedido de anulação dos eventuais actos administrativos supervenientes que configurem uma recusa disfarçada de executar, por virem dar uma cobertura formal, mas ilegítima, à situação existente na ausência da execução da sentença.

Até aqui, a jurisprudência entendia que estes actos só podiam ser fiscalizados no âmbito de um processo autónomo de impugnação. Agora, há que distinguir. Quando o exequente alegue que o acto foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, mantendo, sem fundamento válido, a situação ilegal existente, o exequente está a colocar uma questão que ainda é de inexecução da sentença, pelo que, como tal, deve ser apreciada e decidida no processo executivo. Só deverão ser, pelo contrário, objecto de impugnação autónoma os actos aos quais o exequente impute ilegalidades que devam ser subsumidas a tipos diferentes de vícios, próprios desses actos. (negrito nosso)( [3] )

 

Esta solução tem o alcance de fazer com que, sempre que, no âmbito de um processo dirigido à execução de uma decisão proferida por um tribunal administrativo, o requerente alegue que um acto administrativo superveniente foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o juiz fique constituído no dever de verificar se assim é, e portanto, se esse acto deve ou não ser qualificado como um acto de inexecução da sentença exequenda, para o efeito de ser anulado no âmbito do próprio processo de execução. Deste modo se consagra, neste particular, um princípio de plenitude do processo de execução, que tem por consequência que, sempre que alegue que o acto administrativo entretanto praticado não passa de uma execução meramente formal ou aparente da sentença, que, na realidade, mantém, em fundamento válido, a situação ilegalmente constituída pelo acto anulado, o interessado coloca uma questão que ainda é de inexecução da sentença e que, como tal, pode e deve ser objecto da dedução de um incidente a apreciar no âmbito do processo executivo. Quando, pelo contrário, o interessado impute ao acto renovatório ilegalidades que já envolvam aspectos novos, a apreciação de tais vícios já não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação. ( [4] )

 

Desta jurisprudência e doutrina conclui-se que, quer antes quer depois do regime de execução de julgados previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não é vedada aos interessados na anulação de um acto administrativo praticado a título de execução de julgado a possibilidade de o impugnarem autonomamente, quando lhe pretendem imputar vícios próprios que não resultam de desconformidade com o julgado exequendo ou insuficiência dos actos praticados em execução. Pelo contrário, a jurisprudência e doutrina dominantes até são no sentido de que, quando estão em causa vícios próprios do novo acto e o interessado não lhe imputa o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o meio adequado é a impugnação autónoma.

É a esta luz que há que apreciar a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

No caso em apreço, o acórdão proferido no processo n.º 400/2015-T apenas de pronunciou no sentido da ilegalidade da liquidação que dele era objecto, por nela não ter sido considerado o benefício fiscal do RFAI, nada referindo sobre a aplicação do regime do «resultado da liquidação».

A Autoridade Tributária e Aduaneira deu a devida execução ao acórdão, pois incluiu no n.º 12 da liquidação ora impugnada o acréscimo referente àquele benefício fiscal.

Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira alterou também o montante de € 2.284.780,12 do «resultado da liquidação» indicado no n.º 14 da liquidação n.º 2014…, que passou a ser de € 6.478.843,47 no n.º 15 da liquidação n.º 2016… .

A Requerente não imputa à liquidação impugnada qualquer deficiência ou insuficiência em dar execução ao julgado, nem alega que o acto foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, mantendo, sem fundamento válido, a situação ilegal existente, pelo que não está a colocar uma questão que de inexecução da decisão arbitral.

Inclusivamente, a Requerente nem sequer defende que, para além daquela alteração do valor do RFAI, devesse ser praticado qualquer outro acto ou operação de execução, nomeadamente de pagamento de qualquer quantia.

Pelo contrário, a Requerente afirma reiteradamente e de várias formas que considera perfeitamente executado o julgado e não pretende questionar a forma como a Autoridade Tributária e Aduaneira lhe deu execução, mas sim e apenas pretende impugná-la quanto à parte relativa ao «resultado da liquidação» que não foi objecto de apreciação no processo n- 400/2015-T:

– «Pretende a ora requerente que seja declarada a ilegalidade parcial do acto de liquidação supra identificado e correspondentes juros compensatórios (cfr. Doc. n.º 1) – e que seja consequentemente anulado nessa parte –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, (...) mais concretamente no que concerne à parte do referido acto de liquidação no montante de € 4.194.063,35, que reflecte um aumento (adição) da contribuição da linha do resultado da liquidação para o total do imposto liquidado (artigos 16.º e 17.º do pedido de pronúncia arbitral)

– «A requerente nenhuma queixa tem de violação do caso julgado da precedente decisão arbitral. (...) a matéria coberta pelo caso julgado da precedente decisão arbitral não foi atingida pela liquidação que aqui se contesta; pelo contrário, a AT executou o que se impunha em face da precedente decisão arbitral, repondo os benefícios fiscais cuja existência aí se discutia» (artigo 50.º do pedido de pronúncia arbitral);

– «a requerente não se queixa, não é essa a causa de pedir da sua pretensão, de ter sido violada qualquer vinculação resultante de uma anterior decisão, arbitral ou judicial, ou que estivesse por cumprir uma tal decisão», «a sua causa de pedir não assenta na violação de vinculações resultantes de anterior decisão arbitral ou num seu incumprimento»; (artigo 10.º das alegações)

– «Um primeiro, o processo n.º 400/2015-T cuja decisão a liquidação em crise diz estar a executar (e está, e quanto a isso a requerente não tem razão de queixa; faz é mais do que isso, e o que faz mais não estava nem deixava de estar coberto pela decisão arbitral invocada – é praeter decisão arbitral), tratou de apreciar e acabou por anular o afastamento pela inspecção tributária de créditos fiscais obtidos ao abrigo do RFAI»; (artigo 23.º das alegações).

 

Os vícios que a Requerente imputa à nova liquidação são os seguintes:

  1. Falta de fundamentação;
  2. Preterição do direito de audição prévia;
  3. Inadmissibilidade de alteração do «resultado da liquidação» por constituir um aditamento superveniente às conclusões e correcções de uma inspecção externa;
  4. Caducidade do direito de liquidação.

 

Como se vê, nenhum destes vícios tem a ver com o decidido no acórdão exequendo, pois nele não se tomou posição sobre qualquer das questões suscitadas, apenas se tendo considerado ilegal a posição que a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou no processo inspectivo e na liquidação n.º 2014…, no sentido de a Requerente não reunir as condições previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RFAI, relativamente à actividade de produção de energia com utilização de biomassa.

Para além disso, interpretando o pedido de pronúncia arbitral e considerando o valor indicado para a causa, conclui-se que a ilegalidade quantitativa que a Requerente imputa à indicação do valor de € 6.478.843,47 como «resultado da liquidação» na liquidação impugnada, nem sequer assenta no entendimento de que o valor a considerar deva ser o que constava da liquidação n.º 2014 … (€ 2.086.114,61), mas, antes, em aquele valor ser considerado o superior ao valor € 2.284.780,12, que consta da liquidação n.º 2015 …, que nem sequer foi objecto do processo n.º 400/2015-T. ( [5] )

Assim, não invocando a Requerente qualquer desconformidade entre o julgado e o executado, nem pretendendo que seja praticada qualquer operação jurídica ou material de execução, nem alegando que a nova liquidação mantém sem fundamento válido a situação ilegal, antes imputando ao acto renovatório ilegalidades que já envolvem aspectos novos, «a apreciação de tais vícios já não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação», como se defende na doutrina citada, neste ponto convergente com a jurisprudência do STA.

Esse meio autónomo de impugnação de actos de liquidação é, nos tribunais tributários, o processo de impugnação judicial.

Assim, correspondendo o âmbito do processo arbitral, quanto à impugnação de actos de liquidação, ao âmbito do processo de impugnação judicial, como resulta do n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, ( [6] ) e enquadrando-se a pretensão da Requerente na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, tem de se concluir que o processo arbitral é meio adequado à impugnação da liquidação em causa, na parte em que a Requerente a pretende impugnar.

Consequentemente, não ocorre a incompetência deste Tribunal Arbitral, pelo que improcede, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4. Excepção do caso julgado

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca a excepção do caso julgado, formado sobre a decisão arbitral proferida no processo n.º 702/2014-T.

A excepção do caso julgado ocorre quando se repete uma causa (idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir) depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (artigos 580.º, n.º 1, e 582.º do CPC).

No caso em apreço, não se provou que a decisão arbitral proferida no processo n.º 702/2014-T tenha transitado em julgado, pois a Requerente alega que está pendente recurso no Tribunal Constitucional e a Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou qualquer prova de que o trânsito em julgado tivesse ocorrido.

Por isso, não se prova que se verifique um dos requisitos da excepção do caso julgado, que é a existência de uma decisão anterior que já não admita recurso ordinário.

Improcede, assim, a excepção de caso julgado.

 

 

5. Matéria de direito

 

5.1. Vício de falta de fundamentação

 

5.1.1. Ordem de conhecimento de vícios

 

O primeiro vício imputado pela Requerente à liquidação impugnada é o de falta de fundamentação.

O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, aplicável aos processos arbitrais tributários, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

O vício de falta de fundamentação é um vício de forma que, em caso de anulação, não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com supressão do vício.

No entanto, embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, em situações em que a falta de fundamentação afecte a própria possibilidade de o tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do acto impugnado, quanto aos seus pressupostos de facto ou de direito. Na verdade, a apreciação dos vícios de violação de lei depende da averiguação dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, pelo que o desconhecimento exacto da motivação da decisão pode ser um obstáculo intransponível à apreciação dos vícios de violação de lei. ( [7] )

 

5.1.2. Irrelevância de fundamentação a posteriori

 

Num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações.

Por outro lado, sendo o conhecimento da fundamentação necessário para assegurar com efectividade o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, assegurado pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP, para aferir da suficiência da fundamentação tem de se atender apenas ao teor do acto impugnado e às remissões que dele constem expressamente, como impõe o n.º 3 do mesmo artigo, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Assim, como é jurisprudência pacífica, a fundamentação relevante é apenas a contemporânea do acto, que antecede ou acompanha o acto e que dele conste directamente ou por remissão, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, inclusivamente a que é invocada no processo de impugnação contenciosa.

No caso em apreço, a fundamentação da liquidação impugnada é a que consta do texto do documento n.º 1 através do qual foi efectuada a notificação, em que se remete para a fundamentação da decisão arbitral proferida no processo n.º 400/2015-T, para além da demonstração da liquidação de juros compensatórios e da demonstração de acerto de contas, em que se constata que ocorreu estorno da liquidação anterior, que é a n.º 2015… .

É, assim, à face da fundamentação que consta da liquidação n.º 2016 … e documentos que a acompanham, bem como do que consta da decisão arbitral proferida no processo n.º 400/2015-T, que há que aferir a suficiência da fundamentação.

 

5.1.3. Questão da suficiência da fundamentação

 

O direito à fundamentação dos actos administrativos, de que os actos de liquidação são um tipo especial, tem suporte no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

O artigo 77.º da LGT concretiza o conteúdo da fundamentação dos actos tributários estabelecendo, além do mais, que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [8] )

As referidas normas reportam-se aos actos administrativos e tributários, que são, definidos pelo Código do Procedimento Administrativo de 2015, vigente ao tempo em que foi praticada a liquidação impugnada, como «as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta».

No específico caso dos actos tributários, trata-se das decisões que são tomadas no âmbito de procedimentos tributários, constituídos por uma «sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários», designadamente os arrolados nos artigos 54.º, n.º 1, da LGT e 44.º do CPPT.

Na sequência de uma decisão jurisdicional arbitral anulatória de uma liquidação, a Administração Tributária poderá voltar a ter poder para efectuar uma nova liquidação sem contrariar o julgado, mas esses poderes já não são os de declaração autónoma dos direitos tributários, conferidos por lei para prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da CRP), que detinha ao praticar o acto anulado, mas sim os que derivam da obrigatoriedade de retirar as consequências jurídicas da decisão judicial anulatória (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), que se devem traduzir na «plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade» (artigo 100.º, da LGT), designadamente através da prática de actos dos tipos indicados no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

Isto é, na medida em que um acto de liquidação dá execução a uma decisão jurisdicional, em cumprimento do dever de execução que é imposto à Administração Tributária pelos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, não se está perante uma actividade de natureza declarativa, mas sim executiva, pelo que não lhe são aplicadas todas as regras que se prevêem para o procedimento tributário destinado a declarar os direitos dos contribuintes.

Designadamente, quanto à fundamentação do acto de liquidação praticado em execução de julgado, não são exigidos todos elementos de fundamentação indicados no artigo 77.º, n.º 2, da LGT, pois, na medida em que uma liquidação praticada em execução de julgado executa a decisão exequenda, a fundamentação desta liquidação é irrelevante, pois decorre da Constituição e da lei (artigos 205.º, n.º 2, da CRP. 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT), o dever de executar o que foi decidido nos precisos termos em que foi decidido, independentemente do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a correcção do decidido, sobre quais as disposições legais que sustentam o sentido da decisão e sobre a qualificação adequada dos factos tributários.

Assim, um acto de liquidação praticado em execução de julgado anulatório, cujo conteúdo é total ou parcialmente determinado pelo decidido na decisão exequenda, apenas tem de ser fundamentado se tiver alguma parte inovatória, pois apenas em relação a ela é relevante a vontade da Administração.

No entanto, em face da garantia constitucional do direito à tutela judicial efectiva (artigo 20.º, nº 1, da CRP), é imprescindível que o novo acto contenha a informação necessária para o destinatário poder desencadear os mecanismos de impugnação, o que, no caso em que é determinado um valor global resultante de várias parcelas, impõe que o destinatário se possa aperceber das razões por que cada uma delas foi incluída, para além das operações aritméticas necessárias.

Assim, tendo em conta que, quanto aos actos de liquidação praticados em execução de julgado, a fundamentação visa apenas proporcionar ao contribuinte a informação necessária para exercer o seu direito de impugnação contenciosa (em processo impugnatório ou em processo de execução de julgado), a suficiência da fundamentação, em face da sua natureza instrumental em relação à apreciação contenciosa da legalidade da actuação da Administração Tributária, deve ser apurada em face da concreta situação do destinatário do acto e da possibilidade ou não de impugnação com informação suficiente.

Por isso, para aferir da suficiência da fundamentação, há que atender à situação concreta do destinatário, inclusivamente tendo em conta a informação que detém sobre a situação em causa quando é notificado e a forma como exerceu o seu direito de impugnação, na linha do que entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 11-11-1998, processo n.º 020168 ( [9] ) em que decidiu que «é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário, nomeadamente ao alegar e concluir no recurso dele interposto, demonstra ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar». ( [10] )

Assim, em concreto, na linha da referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a questão de saber se a liquidação impugnada está suficientemente fundamentada não se consubstancia em saber se satisfaz as exigências indicadas no artigo 77.º, n.º 2, da LGT para as decisões proferidas em procedimentos destinados a declarar os direitos dos contribuintes, mas sim em apurar se os elementos informativos fornecidos pela liquidação permitiam a um destinatário normal, colocado na situação em que a Requerente se encontrava, designadamente com o conhecimento proporcionado por anteriores intervenções procedimentais e processuais, aperceber-se da razão por que a Autoridade Tributária e Aduaneira inscreveu no n.º 15 da liquidação impugnada o calor de 6.478.843,47 a título de «Resultado da liquidação» (é este o único ponto da liquidação impugnada que é questionado pela Requerente no presente processo).

No caso em apreço, em que já havia sido discutida pela Requerente, na sequência da inspecção, a questão da aplicação do artigo 92.º do CIRC com o denominado «resultado da liquidação», que foi objecto de discussão no processo n.º 702/2014-T e é referida no pedido de pronúncia arbitral que veio a dar origem ao processo n.º 400/2015- T (artigo 11.º desse pedido de pronúncia arbitral, junto a este processo como documento n.º 7) é manifesto que a Requerente não podia deixar de se aperceber que aquele valor indicado no n.º 15 da liquidação impugnada se baseava na aplicação do artigo 92.º do CIRC.

Na verdade, no Relatório da Inspecção Tributária para que se remete e se dá como reproduzido no acórdão proferido no processo n.º 400/2015-T, inclui-se, além do mais, um quadro, reproduzido na alínea f) da matéria de facto aí fixada, em que são indicados os benefícios fiscais por dedução à colecta e a sua limitação derivada do artigo 92.º do CIRC, quadro este que aqui se repete:

E, de facto, a Requerente reconhece que percebeu que a referência na liquidação impugnada àquele valor indicado como «resultado da liquidação» constituía aplicação do artigo 92.º do CIRC, dizendo mesmo, no artigo 32.º do pedido de pronúncia arbitral, que «a linha (hoje numerada como 15) do resultado da liquidação tem que ver com o artigo 92.º do CIRC, artigo este também ele legalmente denominado de “resultado da liquidação”, já ela sabia e sempre soube».

Assim, o que a Requerente refere não se ter apercebido é apenas «a fundamentação em concreto do concreto (e real) aumento, no concreto montante de € 4.194.063,35, do dito resultado da liquidação, na citada liquidação de IRC n.º 2016…, de 11 de Abril de 2016, porquanto desde logo o próprio artigo não prevê de modo algum ajustamentos de 100% aos benefícios fiscais declarados».

O referido valor de € 4.194.063,35 é o valor do RFAI que estava em causa no processo n.º 400/2015-T, como se constata pelo que a Requerente explica no artigo 19.º do pedido de pronúncia arbitral que deu origem a esse processo, cuja cópia consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral do presente processo. A parte restante do valor que estava em causa nesse processo n.º 400/2015-T respeitava a € 245.586,10 de juros compensatórios, como a Requerente também explicou naquele artigo 19.º.

Assim, no contexto em que foi efectuada a notificação, conhecendo a Requerente o Relatório da Inspecção Tributária que foi elaborado na acção inspectiva referente ao exercício de 2011 (junta pela Requerente como documento n.º 8 com o pedido de pronúncia arbitral e dado como reproduzido no acórdão proferido no processo n.º 400/2015-T) e a decisão arbitral proferida no processo n.º 400/2015-T, é de concluir que era perfeitamente possível à Requerente aperceber-se das razões de ter sido efectuado aquele aumento de € 4.194.063,35 a título de «resultado da liquidação», em relação ao valor que constava da liquidação anterior, n.º 2015… .

Na verdade, a Requerente sabia que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendia que o benefício fiscal do RFAI estava sujeito ao limite que resulta do artigo 92.º do CIRC (como defendera no Relatório da Inspecção Tributária) e que o limite máximo de utilização de benefícios fiscais por dedução à colecta, resultante da aplicação do artigo 92.º do CIRC, já tinha sido atingido mesmo sem o benefício fiscal do RFAI que no processo n.º 400/2015-T se entendeu poder usufruir, pois já foi referido nesse quadro o «impacto indevido de BF previstos no CIRC,92» no montante de € 2.086.114,61.

Por isso, assim, não era difícil para a Requerente aperceber-se das razões por que foi aumentado o valor do «resultado da liquidação» na medida em que aumentou o valor do benefício fiscal do RFAI.

Com efeito, se a Autoridade Tributária e Aduaneira entendia que, já mesmo sem esse benefício fiscal do RFAI no montante de € 4.194.063,35, cujo direito veio a ser reconhecido à Requerente no processo n.º 400/2015-T, o montante de benefícios fiscais por dedução à colecta excedia o limite permitido pelo artigo 92.º do CIRC, é evidente que qualquer aumento dos benefícios fiscais sujeitos a esse regime tinha de se traduzir num aumento do «impacto indevido de BF previstos no CIRC,92» (na terminologia utlizada no nesse quadro), isto é, um aumento do «resultado da liquidação» (na terminologia utilizada no n.º 15 da liquidação impugnada).

No que concerne aos juros compensatórios, constata-se que foi mantido o seu montante pela liquidação impugnada, em relação à liquidação n.º 2014…, sendo explicitado na «Demonstração de liquidação de juros» enviada à Requerente, que se refere na alínea J) da matéria de facto fixada.

A Requerente manifesta não perceber porque é que se mantiveram os juros compensatórios no mesmo montante, apesar de ter sido anulada a liquidação n.º 2014…, na parte correspondente a esses juros.

Efectivamente, o que consta dos autos não permite concluir que a Requerente estivesse em condições de perceber qual a razão ou razões por que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que deveriam ser mantidos os juros compensatórios, apesar da anulação da liquidação nessa parte, decidida no acórdão proferido no processo n.º 400/2015-T.

Por isso, a liquidação impugnada enferma de vício de falta de fundamentação, na parte relativa à liquidação de juros compensatórios, o que justifica a sua anulação na parte respectiva, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

5.2. Questão da preterição de direito de audição prévia

 

O artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária concretiza o direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, assegurado pelo artigo 267.º, n.º 5, da CRP, estabelecendo que há «direito de audição antes da liquidação».

O n.º 3 daquele artigo 60.º estabelece que «tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado».

No caso em apreço, a Requerente teve oportunidade de se pronunciar, antes da liquidação impugnada, sobre o regime do artigo 92.º do CIRC, designadamente no âmbito do processo n.º 702/2014-T e procedimento inspectivo que esteve subjacente à liquidação n.º 2014… .

Em execução de julgado, quando não é proferida decisão sobre matérias novas, a possibilidade de participação dos contribuintes na formação da decisão executiva do julgado já ocorreu antes, no próprio processo em que for proferida a decisão exequenda, pelo que não se justificaria uma nova audição, como se conclui da regra do n.º 3 do artigo 60.º da LGT.

É isso que sucede no caso em apreço, pois a Requerente já se havia pronunciado no procedimento tributário sobre a questão da aplicação do regime do «resultado da liquidação», que foi a única alteração à liquidação anterior que a Autoridade Tributária e Aduaneira concretizou na execução, para além da alteração do montante dos benefícios fiscais, que resulta directamente da decisão anulatória.

Assim, não tendo havido em execução do julgado a formação da vontade da Administração Tributária sobre qualquer questão não colocada previamente à apreciação da Requerente, nomeadamente a da aplicação do regime do «resultado da liquidação», não ocorreu preterição do direito de audição.

 

5.3. Questão da proibição de aditamento superveniente às conclusões e correcções de uma inspecção externa

 

A Requerente defende, em suma, que a lei não prevê, em momento algum, a possibilidade de reanalisar, modificar ou promover aditamentos, de texto ou numéricos, formal ou, menos ainda, informal e implicitamente, a quaisquer relatórios de inspecção finalizados, concluídos, fechados (e com eles, fechado também o procedimento inspectivo em causa), nem tão-pouco prevê a possibilidade de praticar quaisquer actos adicionais que se consubstanciem na invocação superveniente de novos títulos para realizar correcções no âmbito dos mesmos factos objecto de análise na inspecção anteriormente concluída e fechada.

Designadamente, a Requerente defende que a Autoridade Tributária e Aduaneira no procedimento de inspecção externa que realizou podia ter corrigido o abatimento ao imposto no montante de € 4.194.063,35, invocando cumulativa ou subsidiariamente - dois (ou mais) títulos que entendesse pertinentes: (i) o crédito de imposto não existe (na leitura do RFAI que a AT dele faça) pelo que este abatimento é indevido; e (ii) as regras do resultado da liquidação (na leitura, também, que a AT delas faça) não permitem este abatimento. Ou vice-versa: (i) as regras do resultado da liquidação não o permitem e (ii) em qualquer caso o crédito de imposto não existe.

A actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira foi levada a cabo ao abrigo das normas que lhe impõem a execução espontânea de decisões arbitrais, designadamente o artigo 100.º da LGT e o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

Ao dar execução às decisões arbitrais, a Autoridade Tributária e Aduaneira não está a exercer o poder procedimental de proferir decisões de natureza administrativa e tributária tendo em vista a prossecução dos interesses públicos que está legal e constitucionalmente incumbida de prosseguir, mas está antes a dar cumprimento ao dever de acatar as decisões jurisdicionais, que lhe impõe o artigo 204.º da CRP e aquelas normas da LGT e do RJAT.

Na sequência da decisão judicial anulatória, a Administração poderá voltar a ter poder para conformar novamente a situação regulada no acto anulado, nos casos em que é viável a renovação do acto, sem ofensa do julgado anulatório. Porém, esses poderes já não são os de conformação autónoma da situação jurídica que detinha ao praticar o acto, conferidos para o desempenho da sua missão de prossecução do interesse público em conformidade com a sua interpretação da legalidade, mas sim poderes dependentes e limitados que derivam da obrigatoriedade de retirar as consequências jurídicas da decisão judicial anulatória, que lhe impõe reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.

Por isso, não tem de ser instaurado qualquer procedimento inspectivo relativo à execução de julgado, nem qualquer novo procedimento de liquidação ( [11] ), pois o poder/dever que exerce ao efectuar nova liquidação em execução espontânea de julgado é-lhe concedido pela decisão jurisdicional exequenda.

No âmbito da execução de decisão anulatória, cabe a Autoridade Tributária e Aduaneira, além do mais, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito» e «liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral», pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode e deve realizar todas as operações que sejam necessárias para concretizar tal reconstituição.

Assim, na sequência de uma decisão jurisdicional que anulou uma liquidação por indevidamente não ter reconhecido ao sujeito passivo o direito a um benefício fiscal, a Autoridade Tributária e Aduaneira está obrigada a reconstituir a situação que existiria se ele tivesse sido ab initio reconhecido, com todas as consequências que desse reconhecimento derivam.

Por isso, havendo uma disposição legal que prevê uma limitação global da relevância dos benefícios fiscais, como sucede com o artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, a reconstituição da situação que existiria se o benefício fiscal tivesse sido inicialmente reconhecido, implica que seja apurado também se a limitação aos benefícios fiscais é ou não de aplicar, pois se esse reconhecimento inicial tivesse ocorrido, este apuramento devia ser efectuado.

O âmbito deste poder/dever está explicitado no artigo 173.º, n.º 1, do CPTA, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na parte em que impõe à administração, no âmbito do dever de reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, o dever de «dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele acto, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado».

Assim, no âmbito da execução de julgado a Autoridade Tributária e Aduaneira não está limitada pelo que decidiu ou podia ter decidido no procedimento tributário que antecedeu o acto anulado, pois é recolocada juridicamente no momento em que deveria ter praticado o acto em conformidade com o julgado, devendo praticar o novo acto como o deveria ter praticado inicialmente sem a ilegalidade.

Tendo o dever de praticar em execução do acórdão proferido no processo n.º 400/2015-T um acto de liquidação em que seja reconhecido ao sujeito passivo o benefício fiscal do RFAI na medida em que foi decidido no acórdão arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira tinha o dever de actuar na execução do julgado da forma como deveria ter actuado se tivesse reconhecido esse benefício fiscal nessa medida nos momentos em que concluiu o procedimento inspectivo e emitiu a liquidação n.º 2014…, inclusivamente decidindo na execução, como deveria decidir nesses anteriores momentos, se estão reunidas as condições para relevância desse benefício fiscal no exercício em causa, à face do regime do artigo 92.º do CIRC ( [12] ).

Por isso, não ocorreu aditamento legal às conclusões e correcções da inspecção externa.

 

5.4. Caducidade do direito de liquidação

 

A Requerente defende que ocorreu a caducidade do direito de liquidação, por a liquidação de IRC impugnada respeitar ao exercício de 2011 e ter sido emitida em 11-04-2016 e notificada em 16-05-2016, mais de quatro anos sobre o início do prazo de caducidade iniciado em 01-02-2012.

O artigo 101.º do CIRC estabelece que «a liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária».

O artigo 45.º da LGT estabelece que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro» e que este prazo se conta «nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário» (n.ºs 1 e 4).

O artigo 46.º da LGT prevê várias situações de suspensão desse prazo, inclusivamente derivadas de inspecção externa, pelo que o termo do prazo de jurídico de caducidade de quatro anos pode não coincidir com o que resulta da aplicação linear do calendário.

No entanto, no caso em apreço, não se está perante uma situação a que se apliquem estas regras, pois está-se no âmbito de execução de julgado, que tem regras próprias sobre o tempo durante o qual podem (e devem) ser praticados os actos de execução.

Na verdade, resulta do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT que «até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários» a Autoridade Tributária e Aduaneira deve praticar os actos necessários para dar execução a uma decisão arbitral favorável ao sujeito passivo.

E, entre os actos que podem e devem ser praticados nesse período, incluem-se, por força do disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art. 24.º do RJAT, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito» e de «liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral».

          Assim, durante o período de execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, a Administração, na sequência de anulação do acto, tem um poder/dever de liquidar autónomo e diferente do que tinha antes de praticar a liquidação que foi jurisdicionalmente anulada, pois este poder surge ex novo com o trânsito em julgado da decisão arbitral, tem limitações derivadas da autoridade da decisão anulatória e tem um período de tempo próprio para ser exercido.

          Durante este período de execução espontânea de julgados, a Administração Tributária, ao efectuar uma nova liquidação, não está a exercer o seu poder autónomo de praticar actos tributários, no âmbito do procedimento tributário próprio para essa prática, estando, antes, por força do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alíneas b) e d), do RJAT (e em sintonia com o artigo 100.º da LGT), a exercer um poder/dever de executar o julgado que emana da decisão anulatória, poder esse a exercer no âmbito do procedimento especial de execução espontânea de julgados, regido, em primeira linha, pelas suas regras próprias, visando o restabelecimento da «situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

          Por isso, o procedimento com vista à execução de uma decisão arbitral tem prazos e regras específicas de preclusão, que não são as que se aplicam à actividade autónoma da administração no âmbito de procedimentos tributários de liquidação de tributos. ( [13] )

          Isto é, estando a Administração Tributária, ao executar as decisões arbitrais, a concretizar um poder/dever autónomo em relação ao poder/dever geral de liquidar tributos, não está condicionada pelas limitações temporais que a lei estabelece para exercício deste último poder/dever, mas sim pelos limites temporais próprios da execução de julgados.

          Assim, na sequência de anulação contenciosa de um acto de liquidação, por vício que não obsta à renovação do acto, a Administração Tributária poderá e deverá praticar, dentro do prazo de execução espontânea, um novo acto de liquidação expurgado do vício que foi fundamento da anulação, independentemente do decurso ou não do prazo de caducidade que valia para o exercício do primitivo poder autónomo de praticar o acto de liquidação. Mas, apenas durante esse período legal de execução espontânea a Administração Tributária fica investida pela decisão anulatória no poder de praticar esse acto de liquidação. Não há, aqui, expectativas de segurança jurídica do sujeito passivo que mereçam protecção derivadas do decurso do primitivo prazo de caducidade do direito de liquidação, pois esta execução é corolário da decisão do processo arbitral em que foi parte e, por isso, a eventual prática de novo acto de liquidação durante o período de execução espontânea é algo com que o sujeito passivo deve contar.

          Estabelecendo o n.º 1 do artigo 24.º do RJAT que o poder/dever de dar execução à decisão arbitral tem de ser exercido «até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários», é este o termo que define a caducidade do direito de liquidar no âmbito da execução de julgado. ( [14] )

          O prazo de execução espontânea de decisões arbitrais que não se limitam ao dever de pagamento de uma quantia em dinheiro, é de 90 dias, como resulta do preceituado no artigo 175.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPPT.

          Trata-se de um prazo procedimental, como esclarece actualmente o n.º 1 do artigo 175.º do CPTA, que se conta desde o «termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação», momento a partir do qual a Administração Tributária está vinculada pela decisão arbitral, como resulta do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT. Como à execução das decisões arbitrais se aplicam «normas sobre o processo nos tribunais administrativos» (artigo 146.º, n.º 1, do CPPT), aplicar-se-ão à contagem do prazo as regras que se aplicam à execução de julgados nos tribunais administrativos, em que há suspensão de prazos em sábados, domingos e feriados, nos termos do artigo 87.º, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo.

          No caso em apreço, a decisão arbitral proferida no processo n.º 400/2015 foi enviada em 10-12-2015, pelo que se considera recebida em 14-12-2015 (primeiro dia útil subsequente ao 3.º dia), de harmonia com a regra do artigo 39.º, n.º 1, do CPPT.

          Poderia ter sido dela interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias a constar daquela notificação (nos termos do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT e do n.º 1 do artigo 152.º do CPTA).

          Considerando a suspensão em férias judiciais (artigo 17.º-A do RJAT), o prazo de 30 dias referido terminou em 26-01-2016.

          O prazo procedimental de 90 dias terminou em 13-06-2016.

          Como a nova liquidação foi emitida em 11-04-2016 e notificada em 16-05-2016, não ocorreu esgotamento do prazo durante o qual a Administração Tributária podia praticar o novo acto.

          Pelo exposto, não ocorreu a caducidade do direito de liquidação, pelo que improcede este vício imputado pela Requerente à liquidação impugnada.

 

 

6. Reembolso do montante de € 4.439.649,45 e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que lhe seja reconhecido o direito ao reembolso deste montante € 4.439.649,45 (€ 4.194.063,35 em imposto e € 245.586,10 em juros compensatórios).

Não se provou que a Requerente tivesse pago qualquer quantia na sequência da liquidação impugnada, designadamente do imposto novo que a Requerente defende ter sido criado pela liquidação n.º 2016… .

O único pagamento que a Requerente provou ter efectuado ocorreu em 05-08-2014 e reporta-se à liquidação n.º 2014… (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral), cuja legalidade foi apreciada no processo n.º 400/2015-T, na parte ao benefício fiscal do RFAI.

Não estado em causa no presente processo restabelecer a situação que existiria se não tivesse ocorrido a ilegalidade que justificou a anulação parcial decidida naquele processo, está afastada a possibilidade de apreciar a questão de saber se daquela decisão deve ou não resultar, em execução de julgado, direito a reembolso, decisão essa que, aliás, a Requerente até defende estar perfeitamente executada.

 

De qualquer forma, não há nexo de causalidade entre a liquidação impugnada, n.º 2016…, e o pagamento efectuado em 2014, pelo que da anulação desta liquidação não pode resultar direito a reembolso, pois não foi esta a causa de o pagamento ter sido efectuado.

Por outro lado, como resulta da apreciação que se fez dos vícios imputados à liquidação impugnada, apenas se considera procedente o relativo à fundamentação da manutenção dos juros compensatórios na liquidação impugnada. Trata-se de um vício de forma, que não obsta, em execução do presente acórdão, a renovação do acto com supressão do vício, pelo que da procedência do pedido de pronúncia arbitral com fundamento neste vício de forma não resulta necessariamente direito a reembolso.

No que concerne a juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, apenas prevê o respectivo, nos casos de impugnação administrativa ou contenciosa, quando se determine «que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, não se demonstrou qualquer vício da liquidação impugnada que se consubstancie em erro que tenha nexo de causalidade com qualquer pagamento que a Requerente tenha efectuado.

Por outro lado, o direito de indemnização, previsto no artigo 22.º da CRP, não tem necessariamente de ser assegurado pela lei ordinária através do pagamento de juros indemnizatórios e, neste caso, a lei não o reconhece.

Assim, improcedem estes pedidos, sem prejuízo do que vier a ser decidido em execução do presente acórdão.

 

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente a questão da incompetência;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apenas na parte em que é imputado vício de falta de fundamentação à manutenção na liquidação n.º 2016 … dos juros compensatórios que eram indicados na liquidação n.º 2014…;
  3. Anular a liquidação n.º 2016… por vício de falta de fundamentação apenas na parte relativa aos juros compensatórios;
  4. Julgar improcedentes os restantes vícios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de anulação da liquidação n.º 2016…, na parte restante;
  5. Julgar improcedentes os pedidos de reembolso de quantia e de juros indemnizatórios e absolver deles a Autoridade Tributária e Aduaneira, sem prejuízo do que vier a ser decidido em execução de julgado.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.439.649,45.

 

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 55.998,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente A…, S.A..

 

 

Lisboa, 07-02-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Cristina Aragão Seia)

 

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 



[1]              Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 17-10-1996, processo n.º 34542, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-04-1999, página 6902, em que se entendeu que «no caso de anulação por vício de forma por falta – a fundamentação, nada impede que a Administração pratique novo acto de conteúdo idêntico, agora expurgado do vício apontado. É admissível a impugnação pela via de recurso contencioso dos actos praticados em desconformidade: com o julgado, só se impondo a apreciação da sua legalidade no processo executivo quando este, porventura, tenha sido desencadeado, o que constitui uma faculdade concedida ao interessado como resulta quer do nº 1 do art. 5º, quer do nº 1 do art. 7º, ambos do Dec-Lei nº 256-A/77, de 17/6, de onde decorre que ele o "pode" usar»;

– de 19-01-1997, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, processo n.º 27517, publicado em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 3, página 12, em que se entendeu que:

I – A eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do acto nada obstando a que, em execução dessa pronúncia, a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.

      II – Os vícios supervenientes do novo acto deverão ser conhecidos através dos meios comuns de reacção contenciosa.

– de 29-1-1998, processo n.º 42342, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-12-2001, página 539, em que se entendeu que

V - No processo de execução de julgado a ilegalidade do novo acto só poderá ser apreciada com referência ao vício que levou à sentença anulatória.

VI – Tudo se reconduz, por isso a saber se foi ou não violado o caso julgado.

VII – Os vícios supervenientes do novo acto terão de ser apreciados em sede própria: o recurso contencioso.

– de 7-7-2005, processo n.º 30230A, em que se entendeu que

– A eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do acto nada obstando a que, em execução dessa pronúncia a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.

II – Os vícios supervenientes do novo acto deverão ser conhecidos através dos meios comuns de reacção contenciosa.

[2] Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2006, processo n.º 1A/02, com nove votos a favor e sete contra.

[3] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, páginas 827-828.

[4] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, páginas 503-504.

[5] A Requerente indica na parte final do pedido de pronúncia arbitral que o valor do imposto que contesta é de € 4.194.063,35, para além de € 245.586,10 de juros compensatórios.

Aquele valor de € 4.194.063,35 corresponde à diferença entre o valor de € 6.478.843,47 indicado como «resultado da liquidação» na liquidação impugnada e o montante do «resultado da liquidação» que consta da liquidação n.º 2015…, que é de € 2.284.780,12.

[6]              Com as excepções previstas na Portaria n.º 112-a/2011, de 22 de Março, que não se verificam no caso em apreço.

[7]              Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 22-09-1994, processo n.º 32702; de 03-10-1995, processo n.º 35128, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 7245; de 03-11-1999, processo n.º 41885; de 05-06-2000, do Pleno, processo n.º 43085; de 28-03-2001, processo n.º 29685, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21-07-2003, página 2455; de 17-11-2010, processo n.º 1051/09.

[8]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 04-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 06-06-1999, processo n.º 42142; de 9-02-2000, processo n.º 44018; de 28-03-2000, processo n.º 29197; de 16-03-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

[9] Publicado em Apêndice ao Diário da República de 18-5-2001, página 163.

[10] Na mesma linha, entendeu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-06-2013, proferido no processo n.º 0867/13, que «O dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática».

[11]            Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-07-2016, proferido no processo n.º 0658/16, em que se entendeu que «a obrigação que impende sobre a administração fiscal decorrente do artigo 100º da LGT -A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei- (cfr. artigo 205º, n.º 2 da CRP) não implica que se elabore um novo procedimento conducente a uma liquidação ou até a uma nova liquidação. Bastará, para que se cumpra o julgado, que o funcionário da Administração Tributária responsável pelo processo executivo, como no caso dos autos, proceda ao cálculo do novo imposto a pagar em conformidade com o mesmo julgado e disso dê conhecimento ao interessado, expurgando, assim, dos autos, o valor indevidamente considerado».

[12]            Ou, inclusivamente, se a sua relevância deveria ser recusada por outro fundamento que não seja incompaginável com a decisão exequenda, para quem adopte a jurisprudência maioritária adoptada no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01-A/2006.

( [13] )       Como se entendeu no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 07-02-2006, processo n.º 048140, o procedimento administrativo relativo à execução de julgado é «um procedimento com vista à execução da decisão judicial, com prazos próprios e regras específicas de preclusão. Este procedimento administrativo prévio à execução (judicial) é um procedimento administrativo especial (...) dentro do qual é admissível a prática pela Administração de um acto válido de conteúdo idêntico».

                Na mesma linha, escreveu-se no acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 2-7-1996, processo n.º 030778, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-03-1999, página 4864, que «decorre do regime da execução traçado pelo DL 256-A/77 que existe um novo processo decisório perante a Administração activa, agora virado para a execução da sentença, com prazos próprios».

[14] É essencialmente neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre as liquidações correctivas ou liquidações corrigidas, que se destinam a corrigir erros parciais de liquidações anteriores assinalados em impugnações administrativas ou contenciosas.

Com efeito o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a caducidade do direito de liquidação a atender reporta-se ao acto inicial anulado, podendo as liquidações em que se efectua a correcção ser praticadas depois do termo do prazo de caducidade do direito de efectuar a liquidação inicial.

Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:

– de 08-10-2014, processo n.º 0114/11, em que se entendeu que «relativamente a uma liquidação que resulta da revisão de anterior acto de liquidação por iniciativa da administração (revisão oficiosa) e a favor do sujeito passivo, efectuada ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT, não pode falar-se de caducidade do direito à liquidação se, em relação àquele acto anterior não subsistem dúvidas quanto ao exercício do respectivo direito dentro do prazo da caducidade»;

– de 15-6-2016, processo n.º 01471/15, em que se entendeu que «a existência de uma "liquidação corrigida", ou seja, de uma liquidação em que os serviços competentes da AT procedem à correcção de anterior acto da mesma natureza, por exemplo, por efeito de deferimento parcial de reclamação graciosa, não releva para se assumir a eventual ultrapassagem do prazo de caducidade, porque o momento a atender deve ser o da emissão da liquidação inicial e não a data do acto que a corrija» e que «de outro modo ficaria a Administração tributária, uma vez reconhecida administrativamente a ilegalidade (parcial) daquela liquidação, impossibilitada de concretizar a revisão ou reforma do acto de liquidação anteriormente praticado e

reconhecidamente ilegal, sendo essa revisão ou reforma favorável ao contribuinte».