Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 496/2016-T
Data da decisão: 2017-07-06  IRC  
Valor do pedido: € 432.232,01
Tema: IRC – Artigo 88º do CIRC - Não aceitação como gasto e tributação autónoma.
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Decisão arbitral

Os árbitros, Conselheira Maria Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Prof. Dr. Luís Meneses Leitão e Dr. Paulo Lourenço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A…, Lda, pessoa coletiva nº…, com sede social na Avenida …, nº…, …, …-… Porto, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.° e 10.° do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional do IRC referente ao exercício de 2012 (liquidação n.º 2016 …), bem como dos respetivos juros compensatórios (liquidações n.º 2016 … e 2016 …).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08 de agosto de 2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo a Exma. Senhora Conselheira Maria Fernanda Maçãs, o Prof. Dr. Luís Meneses Leitão e o Dr. Paulo Lourenço, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 19 de outubro de 2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 07 de novembro de 2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 14 de dezembro de 2016, a Requerente foi notificada para identificar os factos alegados a que pretendia ouvir as testemunhas arroladas, o que fez através de requerimento apresentado no dia 21 de dezembro de 2016.

O tribunal, constatando a inexistência de razão justificativa para a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, determinou, por despacho do dia 3 de janeiro de 2017, a respetiva dispensa e determinou o dia 19 de janeiro de 2017 para a inquirição das testemunhas.

A Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações nos dias 03 de fevereiro de 2017 e 20 de fevereiro de 2017, respetivamente.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e a exceção invocada pela Requerida, referente à inimpugnabilidade da liquidação de IRC nº 2012 …, foi expressamente reconhecida pela Requerente, não havendo, por essa razão, necessidade de a apreciar.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

Segundo o Relatório de Inspeção, que é fundamento da liquidação ora impugnada, a AT entende que os pagamentos efetuados pela Requerente à sociedade B…, SA, no montante de € 1 071 231,96 (um milhão e setenta e um mil duzentos e trinta e um euros e noventa e seis cêntimos), devem ser tributados autonomamente à taxa de 35%, em conformidade com o disposto no nº 8 do artigo 88º do Código do IRC, para além de não poderem ser aceites como gastos da atividade.

 

2.1. Factos provados

Consideram-se provados e de interesse para a boa decisão da causa os seguintes factos:

A) A Requerente é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste no exercício da atividade de comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia;

B) Através da ordem de serviço nº 012015 …, a Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva em relação ao exercício de 2011, efetuada pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças do Porto;

C) A ordem de serviço foi emitida com o objetivo de comprovar e verificar as operações subjacentes aos pagamentos efetuados, no ano de 2011, no montante de € 1 071 231,96 (um milhão e setenta e um mil duzentos e trinta e um euros e noventa e seis cêntimos), a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado;

D) Os pagamentos foram concretamente efetuados à sociedade B…, SA, pessoa coletiva com sede social em …, …, no Panamá, país constante da lista a que se refere a Portaria que enumera os países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada;

E)  A Requerente foi notificada, no dia 07 de outubro de 2015, para apresentar cópia dos cheques da conta nº…, do C… e para discriminar as operações subjacentes aos pagamentos ou, em alternativa, para conceder à Autoridade Tributária a faculdade de consultar os documentos acima indicados;

F)  A Requerente entregou uma declaração a autorizar a Autoridade Tributária a consultar ou a solicitar junto da entidade bancária as cópias dos cheques acima mencionados, os quais foram depositados numa conta titulada por D…;

G) Em 30 de novembro de 2015, a Requerente foi novamente notificada para apresentar cópia de eventuais contratos celebrados com a B…, SA, bem como das faturas que deram origem à devolução das mercadorias e dos documentos justificativos da abertura de crédito, no ano de 2011, a favor da empresa anteriormente referida;

H)No dia 12 de janeiro de 2016, a Requerente voltou a ser notificada para apresentar os comprovativos do envio e do transporte dos bens constantes emitidas a favor da B…, SA, bem como das reservas dos relógios que estiveram na base dos adiantamentos efetuados por esta entidade;

I)   A empresa E…, Lda não emitiu faturação à Requerente relativamente ao transporte das mercadorias para o armazém e do armazém para as instalações da Requerente;

J)   A empresa E…, Lda não emitiu faturação à Requerente relativamente ao armazenamento das mercadorias;

K)Os documentos arquivados na contabilidade da Requerente e a declaração da empresa E…, Lda mencionam que os relógios ficaram armazenados durante mais de um ano nas instalações desta última, enquanto que a guia de transporte nº…, da F…, também arquivada, refere que os relógios foram devolvidos ao Porto, provenientes de … .

 

2.2. Factos não provados

Não obstante a prova testemunhal, a Requerente não logrou demonstrar a efetiva existência das operações em causa, não havendo outros factos relevantes que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes, no teor dos documentos juntos aos autos e no PA.

 

3. Matéria de direito

Está em causa nos presentes autos apenas a questão de avaliar se a liquidação adicional n.º 2016 … e as liquidações n.º 2016 … e n.º 2016 …, referentes, as duas últimas, aos respetivos juros compensatórios têm ou não fundamento legal.

A Requerida invoca a este respeito o disposto no artigo 88º, nº8 do CIRC, o qual, na redação vigente à data dos factos, dispunha que ficam sujeitas a tributação autónoma “as despesas correspondentes às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado".

Esta disposição deve ser conjugada com o disposto no anterior artigo 65º, hoje artigo 23º-A, nº1, r) do CIRC, que determina que não são aceites como custos: “as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado”.

Nestes casos, o artigo 65º, nºs 3 e 4, hoje artigo 23º-A, nº8 CIRC, determina que a Autoridade Tributária notifique o sujeito passivo para produção da prova anteriormente referida, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias. Esta notificação servirá, igualmente, para afastar a sujeição do sujeito passivo à tributação autónoma. Assim, caso não seja feita a prova mencionada, estes pagamentos não serão aceites como custos e serão sujeitos a tributação autónoma.

Ora, como bem salientou a Requerida, a Requerente não conseguiu efetuar manifestamente essa prova. Estando em causa pagamentos no valor avultado de € 1.071.231,96 a uma entidade, a B…, S.A., sedeada num território sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, esperar-se-ia que a Requerente apresentasse uma prova convincente da justificação destas operações. A Requerente, no entanto, não o fez. Declarou não existirem quaisquer contratos, referiu que a entidade panamiana lhe fazia adiantamentos consideráveis para "reserva de mercadorias" e juntou faturas de devolução de mercadorias de montante muito inferior, mas nunca entregou qualquer correspondência relativa ao negócio. Ao mesmo tempo, não conseguiu demonstrar cabalmente através de guias de transporte e das faturas de armazenamento o que referiu relativamente à guarda dos relógios por período tão prolongado e o seu envio e devolução.

Os testemunhos prestados em sede de audiência de julgamento também não foram esclarecedores para este Tribunal Arbitral relativamente à realização efetiva da operação e ao seu cariz normal e não exagerado.

Assim, tem que se concluir que o sujeito passivo não produziu a prova a que estaria obrigado pelo anterior artigo 65º e 88º, nº8 do CIRC. É um facto que a jurisprudência deste Centro de Arbitragem tem entendido que não está a AT dispensada de colaborar nessa prova, até pelo dever de fundamentação das suas decisões (cfr. os Acórdãos 10/2012-T e 146/2013-T e, na doutrina ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, "A dedutibilidade dos gastos na jurisprudência tributária do CAAD" na Newsletter do CAAD, nº1, 2015, pp. 25-28).

Neste caso, no entanto, a Requerida fez três notificações à Requerente para esclarecer os factos, pediu elementos ao C… e ainda recolheu dados na E…, Lda. Os dados que recolheu demonstraram que a conta para onde foram feitos os pagamentos não era titulada pela referida B…, SA, mas por D…, que não havia notas de encomenda e troca de correspondência a solicitar a reserva dos bens e que o transitário não tem instalações adequadas ao armazenamento de mercadorias de tão elevado valor, não se compreendendo por isso que as mesmas lá permanecessem sem ser faturadas ou expedidas por mais de um ano, só sendo devolvidas posteriormente.

Entendemos por isso que a Autoridade Tributária cumpriu o dever de fundamentação a que estava obrigada, tendo sido a Requerente que não conseguiu fazer a prova que lhe competia da veracidade e do carácter normal e não exagerado dessas operações.

Não se verifica, desta forma, qualquer divergência entre a fundamentação da Requerente nos autos e a que acompanhou a liquidação, nem tão pouco assiste razão à Requerente na alegada violação do direito a um processo equitativo.    

Por esse motivo, não se vislumbram razões válidas para impugnar a tributação autónoma e o acerto de contas efetuado legitimamente pela Requerida, pelo que a Requerente o deverá pagar.

 

5. Decisão

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional n.º 2016 … e das liquidações n.º 2016 … e n.º 2016 …, referentes aos juros compensatórios, absolvendo-se a Requerida do pedido.

 

6. Valor do processo

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 315º do CPC, na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se o valor do processo em € 432.232,01.

 

7. Custas

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do artigo 4.º do RCPAT, fixa-se o montante das custas em € 7038 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as quais ficam integralmente a cargo da Requerente.

 

Registe e notifique.

                                                           ***

 

Lisboa, 6 de julho de 2017

 

Os Árbitros,

 

Maria Fernanda Maçãs

 

 

Luís Menezes Leitão

 

 

Paulo Lourenço