Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 512/2016-T
Data da decisão: 2017-04-06  IMT  
Valor do pedido: € 1.293,93
Tema: IMT - Isenção prevista no artigo 270.º do CIRE - Insolvência de pessoa singular
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Decisão Arbitral

 

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 25.08.2016, o Requerente A…, S.A., NIPC …, com sede na …, n.º…, freguesia de …, Porto, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de nulidade ou anulação  da liquidação  de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante “IMT”), datada de 16.12.2015, no valor de 1293,93 €, relativa à compra  efetuada do  prédio urbano, destinado a habitação, sito na rua “…”, n.º…, freguesia de … e Município de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … .

 

A Requerente, alegando ter pago o imposto em causa, peticiona, ainda, o reembolso de tal  quantia, acrescida de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 18-11-2016.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

  1. A liquidação adicional ora em apreço decorre da aplicação pretensamente indevida ao Demandante do benefício de isenção de IMT, previsto no n.º 2, do artigo 270.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante “CIRE”).

 

  1. Todavia, os diversos elementos interpretativos da norma em causa, confluem para a conclusão de que, em sede de plano insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do art.º 270 do CIRE abrange os imóveis transmitidos por venda ou permuta, mesmo quando essa transmissão não surge integrada na transmissão de empresa ou estabelecimento.

 

  1. Sendo por demais evidente que o ato de liquidação adicional do IMT que ora se reclama, decorre, como vimos de demonstrar, de uma errada interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, enfermando, por isso, do vício do erro sobre os pressupostos de direito.

 

  1. Por outro lado, o ato em causa não indica e inexiste qualquer dispositivo legal e aplicável que fundamente e legitime a quantificação dos montantes apurados e a liquidação do tributo em causa, nem foram indicadas quaisquer razões justificativas da liquidação agora impugnada.

 

  1. O ato impugnado enferma assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pelo que foram frontalmente violados o art. 268º/3 da CRP, os arts. 124º e 125º do CPA e o art. 77º da LGT.

 

  1. A Administração Tributária violou as legítimas expectativas e garantias da Demandante anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroatividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica previstos, entre outros, nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103.º, n.º 3, da CRP.

 

  1. Com efeito, a interpretação da Administração Tributária aplicada a um facto tributário passado, inteiramente decorrido ao abrigo de lei antiga, constitui uma violação do princípio da proteção da confiança, na vertente da segurança jurídica.

 

  1. Nesta medida, verifica-se claramente um erro de direito por parte da Autoridade Tributária, visto que induziu em erro o Demandante quando reconheceu a isenção do IMT a liquidar previamente à celebração da escritura pública.

 

  1. Acresce que o princípio da boa-fé consagrado no n.º 2, do artigo 59.º, da Lei Geral Tributária, pressupõe por parte da Administração Tributária um dever de atuação segundo a boa fé. 

 

  1. Na verdade, a presunção de atuação de boa fé é corolário daquele dever de atuação segundo o princípio da boa fé, que é constitucionalmente imposto a toda a Administração, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 266.º, da C.R.P.

 

  1. Acresce ainda que, a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida, tratando-se de um ato constitutivo de direitos, por aplicação conjugada do disposto nos arts. 141º, nº 1, do CPA e 58.º do CPTA.

 

  1. Assim, a revogação de tal ato administrativo foi concretizada para além do prazo de um ano em que era legalmente possível, nos termos dos artigos 136.º e 141.º do CPA aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea c), da LGT e art. 2.º, alínea d), do CPPT.

 

  1. Nesta medida, verifica-se a ilegalidade da revogação, já que o ato revogatório, com efeitos ex tunc, ocorreu mais de um ano depois do ato concedente da redução a um quinto do Imposto de Selo a liquidar, em clara violação do disposto no art. 141º do CPA.

 

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

  1. Em causa, nos presentes autos, está a existência dos pressupostos de isenção de IMT prevista no n.º 2, do art.270.º, do CIRE.

 

  1. Alega o Requerente que, tendo a aquisição do prédio sido efetuada no âmbito da liquidação de determinada massa insolvente, a mesma está abrangida pela isenção de IMT prevista no n.º 2, do 270º, do CIRE, mas tal interpretação não tem qualquer suporte legal, como de seguida se passa a demonstrar.

 

  1. O atual n.º 2, do artigo 270.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas prevê que «Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. (Redacção do Art.º 234º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

 

  1. Esta isenção, já anteriormente prevista, abrange todos os atos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva de o insolvente ser uma empresa ou  estabelecimento.

 

  1. A redação anterior do n.º 2 do artigo 270 º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas era a seguinte: «2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.»

 

  1. No âmbito da interpretação da redação anterior o entendimento jurisprudencial tem sido uniforme no sentido de que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência.

 

  1. Do cotejo das duas redações do n.º 2 do referido artigo, verifica-se que o legislador apenas acrescentou a isenção referente às transmissões da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de recuperação de empresas.

 

  1. A liquidação impugnada é legal e conforme a Constituição, não se mostrando violados os múltiplos princípios constitucionais que o Autor invocou.

 

  1. No caso em apreço, estamos perante a aquisição de um imóvel, ainda que em processo de insolvência, mas que não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de atividade empresarial alguma, mas que era propriedade de uma pessoa singular com destino a habitação.

 

  1. Pelo que não estão reunidos os pressupostos legalmente previstos para a isenção de IMT em razão da sua transmissão ter sido efetuada num processo de insolvência de pessoa singular.

 

  1. Por último, alega o Autor que a revogação do benefício fiscal é ilegal por violação dos artigos 140.º e 141.º do CPA.

 

  1. Contudo também aqui improcedem os fundamentos invocados pois que, não se verificando os pressupostos legais para o Autor poder beneficiar da isenção de IMT, nos termos do nº2 do art. 270º do CIRE, a administração tributária não podia deixar de liquidar o imposto devido, desde que respeitado o prazo de caducidade, que, nos termos do art. 35.º do CIMT, conjugado com o art. 45.º, n.º 1, in fine, da LGT, é de oito anos a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre apreciar e decidir se se verificam as ilegalidades que a seguir se indicam:

a)  Ilegalidade da Liquidação por violação do disposto no artigo 270º, nº 2, do CIRE.

b) Ilegalidade da Liquidação por a mesma constituir a revogação ilegal do ato de concessão de benefício fiscal efetuada para além do prazo de um ano.

c) Ilegalidade da liquidação por violação dos princípios da segurança jurídica, proteção da confiança e da boa-fé e da proibição da retroatividade da lei fiscal.

d) Ilegalidade da liquidação com base no vício de falta de fundamentação.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

8.Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 5 de Março de 2014, o demandante adquiriu por compra e pelo preço de € 110.900,00 (cento e dez mil noventa e novecentos euros) o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, n.º…, freguesia de … e Município de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º…, no âmbito do processo de insolvência de B…, que correu termos no … Juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora, sob o n.º …/11…TBEVR.

 

  1. Previamente à referida aquisição, o Reclamante apresentou perante o competente Serviço de Finanças a declaração para liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), tendo a liquidação sido emitida com o valor de € 0,00, constando da mesma o seguinte:

Benefícios (…) Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Transmissões integradas no âmbito da liquidação da massa insolvente (art. 270º, nº 2 do D-L 53/04)

 

  1. Em 8 de Outubro de 2015, o Demandante foi notificado pelo ofício n.º…, de 06.10.2015, remetido pelo Serviço de Finanças de Amadora -…, para, querendo, exercer o direito de audição prévia ao projeto de liquidação adicional de IMT, no valor de € 1293,93.

 

  1. Da mesma notificação consta que, não sendo exercido o direito de audição prévia no indicado prazo de 20 dias, o projeto de decisão se tornaria definitivo, devendo liquidar o IMT no prazo de 30 dias, contado da data em que o projeto de decisão se tornasse definitivo.

 

 

  1. Desta notificação consta, ainda, a referência à instrução IMT/… /2015, a taxa de imposto de 2%, a parcela a abater (924,07 €) e a coleta de 1293,93 €.

 

  1. Em 16.12.2015 a Requerida procedeu à liquidação adicional de IMT, convertendo em definitivo o projeto de liquidação, com valor de 1293,93 € a pagar até 27.12.2015, constando da mesma, no campo “Descrição”, designadamente, o seguinte:

liquidação adicional correctiva de IMT, registo nº …/2014 de 13.02.2014, pois foi atribuída isenção indevidamente, relativa à transmissão efetuada do art. Nº …, destinado a habitação, da União das freguesias de … e da …, concelho de Évora.

Para efeitos da isenção de IMT, prevista no nº 2 do  artº  270 do CIRE, só os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimento desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação  ou praticados no âmbito da liquidação da messa insolvente.

Deste modo não estão abrangidos por esta previsão legal os insolventes que sejam pessoas singulares e não exerçam uma atividade industrial, comercial ou agrícola

  1. Em 15 Janeiro de 2016, o Reclamante procedeu ao pagamento perante a Autoridade Tributária do referido imposto e respetivos juros.

 

  1. Em 23 de Março de 2016 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IMT ora impugnada.

 

  1. Em 22 de Junho de 2016, a Demandante foi notificada, pelo ofício remetido pelo Serviço de Finanças de Amadora - …, para exercer o direito de audição prévia e tomar conhecimento do projeto de decisão e da sua fundamentação concluindo pelo indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

  1. Em 23 de Julho de 2016, o Demandante foi notificado, pelo ofício remetido Serviço de Finanças de Amadora - …, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

Com interesse para a decisão da causa, no âmbito da matéria de facto alegada, inexistem factos não provados, sendo de notar não resultar dos autos que o imóvel transmitido tenha integrado o património de empresa, o que, aliás, não foi sequer alegado.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar não ocorrer discordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

10. Ilegalidade da Liquidação por violação do disposto no artigo 270º, nº 2, do CIRE.

 

Entende o Requerente que a aquisição efetuada preenche os pressupostos legais da isenção prevista no art. 270º, nº 2, do CIRE, ao invés do que é entendido pela Requerida.

 

Este artigo 270.º do CIRE estabelece, na redação atual, o seguinte:

 

“1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as

seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de

pagamentos ou de recuperação:

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do

seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens

aos credores.

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de

imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta

integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou

praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”

 

 

O Supremo Tribunal Administrativo decidiu no acórdão proferido no processo 0949/11, de 30.05.2012 quedeve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.[1]

 

Este entendimento tem sido perfilhado pela subsequente  jurisprudência do STA.[2]

No caso especifico de aquisição de imóveis, não integrantes do ativo de empresa, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-07-2013, proc. 0765/13, concretizou este entendimento, entendendo que “terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência”, posição que se acompanha, nos termos expostos pelo douto acórdão e cujo entendimento  tem, também, sido perfilhada pela jurisprudência arbitral.[3]

 

Assim, conclui-se que a isenção prevista no art. 270º, nº 2, do CIRE, não é aplicável à aquisição do imóvel em causa nos presentes autos, improcedendo a alegada ilegalidade por violação da norma em causa.

 

11. Ilegalidade da Liquidação por a mesma constituir a revogação ilegal do ato de concessão de benefício fiscal efetuada para além do prazo de um ano.

 

Entende ainda o Requerente que a liquidação consubstancia a revogação ilegal dum benefício fiscal constituído na sua esfera jurídica e que o art. 141 do Código de Procedimento Administrativo veda a possibilidade de revogação[4]

Porém, acontece que o  beneficio fiscal em causa  é automático, não dependendo de qualquer ato administrativo de reconhecimento por parte da administração. Na verdade, não existe previsão legal de ato administrativo de reconhecimento da isenção em questão [5] [6]

Assim sendo, como é bom de ver, a liquidação em causa não constitui revogação de um  ato administrativo anterior, sendo inaplicáveis ao caso dos autos quer o artigo  141º do Código de Procedimento Administrativo, quer o art. 14º, nº 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, cuja aplicação  também pressupõe a existência de ato administrativo de reconhecimento do benefício fiscal.[7]

No nosso entendimento, à situação sub judice é aplicável o art. 31º, nº 2, do Código de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, que dispõe que:

“- Quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional.” 
 

Por sua vez dispondo o nº 3 do mesmo artigo que “ A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir(…)”

 

É este o regime especifico que o CIMT[8] prevê para a alteração de liquidação em que se cometeu erro de facto ou de direito com prejuízo para o Estado na primitiva liquidação, com salvaguarda, naturalmente, dos casos de benefícios fiscais dependentes de reconhecimento em que, por ato administrativo prévio tenha havido reconhecimento do mesmo, que, como já vimos, não é o caso dos autos.

 

Termos em que, se conclui que a liquidação em causa não consubstancia revogação ilegal dum benefício fiscal.

 

12.Ilegalidade da liquidação por violação dos princípios da segurança jurídica, proteção da confiança e da boa-fé e da proibição da retroatividade da lei fiscal.

 

Sobre esta temática escreve Sérgio Vasques:

 “(…) se este princípio da segurança jurídica, radicado no art. 2º da Constituição da República, se dirige a todas as áreas de intervenção legislativa e da prática da administração, é evidente que no domínio tributário ele reveste redobrada acuidade, desde logo porque os tributos representam uma ablação coactiva do património. Ao planear a sua actividade e ao gerir o seu dia-a-dia, famílias e empresas precisam de confiar na lei tributária e nas orientações da administração, fundando nestas muitas das decisões cujos efeitos económicos se prolongam no tempo”( Manual  Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 290).

 

 

Por sua vez, diz-nos Casalta Nabais que “Uma ponderação a que ainda haverá que proceder no caso de a administração ou de o próprio legislador, através da imposição retroactiva duma interpretação correcta da lei fiscal, pretender recuperar impostos não cobrados em virtude de a anterior interpretação ilegal da administração os excluir da zona de incidência ou de os atirar para os benefícios fiscais. Também a um tal venire contra factum proprium o princípio da protecção da confiança impõe limites” (Direito Fiscal, Almedina, 3ª Edição, 2005, pág. 150).

 

Afigura-se-nos que a violação do princípio da segurança jurídica pela administração, nos casos em que se consubstancia numa conduta contraditória, lesiva da confiança suscitada no contribuinte, acaba por redundar na violação do princípio da boa-fé reconhecido nos arts. 59º, nº 1, e 68º da LGT e constitucionalmente consagrado no art. 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

 

A este respeito, considerou o STA no acórdão de 28-01-2009, proferido no processo 0699/08[9]:

 

“Embora tenha o seu domínio primacial de aplicação no que   toca aos actos praticados no exercício de poderes discricionários,     a    verdade é      que    tem    vindo  a ser colocada a possibilidade, nomeadamente, do princípio   da  boa fé   ser     aplicado   no caso  de  actos praticados no exercício de poderes vinculados, já que o texto do artigo  266.º da CRP   não deixa entrever qualquer  restrição   à   sua    aplicação    a qualquer    tipo    de   actividade administrativa –(…).
Todavia, no confronto entre os princípios da legalidade e da boa fé deve ser     ponderada cada situação em concreto por forma a poder concluir-se se da prevalência    do primeiro, em sentido estrito, resulta uma flagrante injustiça para o contribuinte,    acarretando-lhe um desproporcionado e intolerável prejuízo.
Só neste último caso, a violação do princípio da boa fé, na sua dimensão de protecção da confiança dos particulares e enquanto integrante do bloco de legalidade, em sentido lato, deve revestir efeitos invalidantes do acto tributário praticado.

 

No caso concreto, há que observar que a menção na liquidação de que a transmissão em causa se encontrava isenta de IMT é  suscetível de  criar no contribuinte o convencimento de que tal isenção existia e de que não teria a obrigação de suportar o imposto em causa mas também é certo,  como vimos, que a própria lei prevê a existência de erros de direito praticados nas  liquidações em prejuízo do Estado, e a possibilidade de tal erro ser retificado através de liquidação adicional.

 

Por outro lado, a lei prevê nos arts. 59º, nº 1, al. e) e 68º, da Lei Geral Tributária, o mecanismo, que o Requerente não utilizou, adequado a provocar a tomada de posição vinculante   da administração fiscal antes da ocorrência do facto tributário.[10]

Nestas circunstâncias, não se podem ter por violados os princípios em questão.

 

Acrescente-se que, sempre seria de considerar que da tributação em causa não resulta para o Requerente, nas palavras do no acórdão do STA de 28-01-2009, proferido no processo 0699/08 acima citado, “uma flagrante injustiça” nem um “desproporcionado e intolerável prejuízo”, na medida em que a mesma resulta apenas da aplicação correta da lei ao caso concreto, no respeito pelos princípios da legalidade e da igualdade.

Com efeito, conforme se considerou neste acórdão:

“(…) no caso “sub judicio”, sendo de realçar que não foram liquidados juros moratórios, a liquidação (…), sendo justificada por razões de interesse publico e de acordo com regras de incidência tributária que são uniformemente aplicáveis a todos os contribuintes em iguais circunstâncias.
Desta forma, ao invés de poder constituir uma flagrante injustiça para as recorrentes, o acto tributário de liquidação realizado teve um contributo de reposição da igualdade entre esses contribuintes
.”

 

Pelas razões expostas, entende o Tribunal que o ato tributário impugnado não é violador dos princípios da segurança e certeza jurídicas e da boa-fé.

 

É ainda manifesto não ter ocorrido qualquer violação ao princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, uma vez que dos autos  apenas resulta que, no caso, na liquidação inicial foi praticado erro de direito em desfavor da Requerida, inexistindo aplicação retroativa de qualquer norma jurídica.

 

Termos em que se decide que a liquidação em causa não violou os referidos princípios constitucionais. 

 

13.Ilegalidade da liquidação com base no vício de falta de fundamentação.

 

O Requerente alega ainda que o ato em causa não indica qualquer dispositivo legal e aplicável que fundamente e legitime a quantificação dos montantes apurados e a liquidação do tributo em causa, nem foram indicadas quaisquer razões justificativas da liquidação agora impugnada e que o ato impugnado enferma assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente.

Todavia, também este vício se não verifica.

Com efeito foi o próprio requerente que, ciente da incidência objetiva e do facto tributário apresentou a competente declaração para efeitos do imposto em causa, tendo-se considerado, erradamente, nessa primeira liquidação ocorrer a isenção prevista no art. 270º, nº 2, do CIRE, o que pressupõe a ocorrência da  incidência objetiva.

Na segunda liquidação consta da mesma, de forma sucinta mas suficiente, congruente e claras, as razões porque a Requerida considerou inexistir o direito à mencionada isenção e, em consequência, procedeu à liquidação.

Assim sendo, julga-se também improcedente o alegado vício de falta de fundamentação do ato tributário de liquidação.

 

14. Assim, improcede o pedido de declaração de nulidade ou de anulação do ato tributário, e, em consequência, o pedido de restituição do imposto pago, bem como de juros indemnizatórios.

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente improcedente o pedido, mantendo-se a liquidação na ordem jurídica.

 

 

Valor da ação: € 1293,93 (mil duzentos e noventa e três euros e noventa e três cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pelo Requerente, no valor de 306.00 € (trezentos e seis euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 6.04.2017

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 



[1] disponível in http://www.dgsi.pt, sublinhado nosso.

[2] Cfr. acórdão do STA de 15 de Fevereiro de 2017, proferida no processo 0793/16 e demais acórdãos deste tribunal aí referidos. (também disponível in http://www.dgsi.pt)

[3] Cfr, designadamente, as  decisões  arbitrais proferida nos processos 649/2015-T de  26 de Setembro de 2016,   517/2016-T de 11.01.2017, 514/2015-T de 15 de fevereiro de 2017.(disponíveis in https://www.caad.org.pt/jurisprudencia/tributario/)

[4] Na numeração à data do facto tributário. Atual artigo 14º, nº 4 deste diploma.

[5] Como escreve Jorge Lopes de Sousa “Como resulta do preceituado no nº 1 deste art. 65º, na falta de disposição legal que preveja o benefício automático, é necessário o seu reconhecimento. No entanto, como decorre da definição de benefício fiscal automático que consta do art. 4º, nº 1, do EBF, não é necessário que essa disposição legal refira expressamente esse automatismo, bastando que ele resulte de a lei atribuir direta e imediatamente o benefício, sem fazer depender a sua relevância de prévio reconhecimento, o que significa que, na prática, se estará perante um benefício automático, sempre que a lei não previr a necessidade de reconhecimento” (Código de Procedimento e  Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 2006, págs. 508-509)

[6] Também no sentido de se tratar de benefício fiscal de reconhecimento automático veja-se a decisão arbitral proferida no processo 517/2016-T de 11.01.2017.

[7] Neste ponto não se acompanha o decidido no âmbito do processo arbitral 517/2016-T de 11.01.2017.

[8] À semelhança do que está estabelecido para outros impostos (Cfr. arts. 89º, nº 2, b) e 92º, nº 1 do CIRS, 99º, nº 2, al. c) e 101º do CIRC, 115º, nº 1, al. c) 1 116º, nº 1, do CIMI.)

[9] Que pode ser consultado no sítio da internet “www.dgsi.pt”.

[10] Nas palavras de Saldanha Sanches “quando o sujeito passivo obtém uma informação vinculativa segunda a qual ao facto se aplica o regime x, não pode a Administração, mesmo que posteriormente se convença de que a decisão está errada(…)”  (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Edição, 2007, pág. 205).