Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 506/2016-T
Data da decisão: 2017-04-03  IRC  
Valor do pedido: € 118.763,40
Tema: IRC – Dedução do pagamento especial por conta nas tributações autónomas
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz, Rui Ferreira Rodrigues e Rui Manuel Correia Pinto, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

1.1 “A…, SGPS, S.A.”, doravante designado por «Requerente», contribuinte n.º…, com sede social no…, …, n.º…, …, concelho da Amadora, requereu a constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 17 de agosto de 2016, tem por objeto o despacho de indeferimento da Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), por delegação, de 18 de maio de 2016, proferido no processo n.º …2016… respeitante ao procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) e a consequente anulação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2012…, de 13 de junho de 2012, do ano de 2011, resultante da autoliquidação efetuada na declaração modelo 22 (declaração n.º…), com a consequente restituição do montante de 118 763,40 €. 

 

1.3 A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.4 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 09 de setembro de 2016.

 

1.5 Os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitros do tribunal arbitral coletivo, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.6 Em 25 de outubro de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.7 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 10 de novembro de 2016.

 

1.8 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 10 de novembro de 2016, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.9 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.10 Em 12 de dezembro de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por exceção (incompetência absoluta do tribunal arbitral por violação das regras de competência material) e impugnação, pugnando, respetivamente, pela absolvição da instância, ou, subsidiariamente, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.11 Na mesma data apresentou o processo administrativo bem como quatro documentos no mesmo referidos.

 

1.12 Em 04 de janeiro de 2017 a Requerente veio responder à exceção invocada, pugnando pela improcedência da mesma.

 

1.13 Por despacho de 09 de janeiro de 2017 foi designada, para o dia 18 do mesmo mês, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual seria inquirida a testemunha arrolada pela Requerente e prestadas alegações orais pelas Partes.

 

1.14 Na referida reunião procedeu-se à inquirição de B…, testemunha arrolada pela Requerente bem como às alegações orais das Partes.

 

1.15 Foi inicialmente designada a data de 20 de março de 2017, depois transferida para 5 de abril de 2017, para a prolação do respetivo acórdão arbitral.

 

 

 

2. Saneamento

Defendendo-se por exceção, a Requerida vem dizer que o pedido de pronúncia arbitral se dirige, ainda que de forma mediata, à declaração de ilegalidade de um ato de autoliquidação de um imposto, no caso, o IRC.

E que a sindicância deste tipo de atos apenas é admitida se, em momento prévio, os mesmos tiverem sido impugnados administrativamente, nos termos do artigo 131.º do CPPT, pelo que o mesmo não poderá ser apreciado em sede arbitral.

Que a alínea a), n.º 2 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, exclui do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», sem que no referido texto seja mencionado o mecanismo de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária. 

  Assim, constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, tenham sido precedidas da reclamação prevista no referido artigo 131.º do CPPT.

Pelo que, caso se pretenda incluir na autorização concedida o procedimento administrativo da revisão oficiosa, tal formulação afigura-se manifestamente ilegal.

Conclui pela incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

A Requerente, na sua resposta à exceção invocada, vem dizer que a regra aplicável, quer para a impugnação judicial quer para a arbitragem, tem em vista a sujeição ao crivo da AT de todos os atos sobre os quais esta ainda não se pronunciou nem teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade de se pronunciar antes de uma entidade terceira – tribunal judicial ou arbitral – o fazer quanto à sua legalidade.

Que a jurisprudência do STA vai no sentido de considerar que o pedido de revisão do ato tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.

Pelo que excluir a jurisdição arbitral, apenas porque o meio utilizado não foi efetivamente a reclamação graciosa, seria violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Refere ainda que a faculdade de recurso aos meios judiciais ou arbitrais vem conferida expressamente na notificação de indeferimento do pedido de revisão.

Conclui pela improcedência da exceção de incompetência absoluta em razão da matéria, devendo o Tribunal Arbitral declarar-se competente para apreciar e decidir a questão suscitada na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, sob pena de violação do disposto nos artigos 266.º, 267.º, 268.º, n.º 4 e 20.º da CRP.

 

Porque a exceção dilatória invocada poderá constituir obstáculo ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, cfr. artigos 576.º, n.º 2 e 278.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, deverá a mesma ser oficiosa e prioritariamente conhecida – artigos 578.º e 608.º, n.º 1 do mesmo código.

Para a Requerida, o Tribunal deve declarar-se incompetente em razão da matéria, devendo ser absolvida da instância nos termos do disposto nos artigos 2.º, al. a) da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, artigos 96º, al. a), 99º, nº 1, 278º, nº 1 al. a) e 577, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29, nº 1, al. e) do RJAT.

Tal entendimento radica do facto de o pedido de pronúncia arbitral vir formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação de IRC, relativo ao ano de 2011, formulado nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131.º do CPPT, pelo que, atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2,º, alínea a), da portaria supra citada, verifica-se a incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido.

A questão da competência do CAAD já foi amplamente discutida no Acórdão do Tribunal Arbitral proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 6 de julho de 2012, com o qual concordamos, pelo que seguiremos o sentido e conclusões desta decisão.

Aí se refere que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que AT se vinculou àquela jurisdição, e que estão concretizados na Portaria n.º 112A/2011, de 22 de março, uma vez que o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, já que, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação prevista na Portaria atrás referida, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (sublinhado nosso).

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete.”

No que respeita, em concreto, aos atos de autoliquidação, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, “Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.” O n.º 3 acrescenta, contudo, que “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º”. Assim, a impugnação direta do ato de autoliquidação só pode fazer-se sem prévia reclamação graciosa nos casos em que tiver sido efetuada “de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária”, como resulta do preceituado no artigo 131.º, n.º 3, do CPPT.

No caso em apreço, não se está perante uma situação deste tipo, não tendo sequer sido alegadas quaisquer orientações que a Administração Tributária e Aduaneira tivesse emitido com respeito à forma como as autoliquidações foram efetuadas, pelo que tem de concluir-se que a impugnação dos atos de autoliquidação estava dependente de prévia reclamação graciosa.

Com efeito a ratio do n.º 1 do artigo 131.º do CPTT (reclamação graciosa necessária prévia como condição de procedibilidade de impugnação judicial) justifica-se por a administração tributária não ter tido previamente possibilidade de tomar posição sobre a autoliquidação, efetuada pelo contribuinte por sua própria iniciativa[1].  

Mas, para este efeito, terá o pedido de revisão oficiosa previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária a mesma virtualidade que a reclamação graciosa?

Cremos que sim.

Com efeito é manifesta a equiparação do pedido de revisão do ato tributário à reclamação graciosa sobre atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamentos por conta, uma vez que aquele serve o propósito de filtragem administrativa já referido[2].

Esta interpretação vem sendo defendida pela jurisprudência arbitral, de forma pacífica e consistente, conforme decisões proferidas, entre outras, nos processos arbitrais n.ºs 199/2016-T, de 09-12-2016; 843/2015-T, de 07-05-2015; 670/2015-T, de 11-07-2016; 427/2015-T, de 26-01-2016; 203/2015-T, de 17-11-2015; 249/2014-T, de 09-12-2014; 299/2013-T, de 10-10-2014; 210/2013-T, de 11-07-2016; 117/2013-T, de 17-05-2013; 73/2012-T, de 23-10-2012; 48/2012-T, de 06-07-2012.

Nesta conformidade improcede a invocada exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

2.2 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.3 O processo não enferma de nulidades.

 

2.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

 

3. Posição das Partes

3.1 Da Requerente

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

A Requerente incorporou, através de fusão com efeitos a 1 de janeiro de 2013, a sociedade “C…, SGPS, SA”, NIPC: …, operação mediante a qual, esta última se extinguiu e transmitiu todos os seus direitos e obrigações para a Requerente, que anteriormente girava sob a firma “D…, SGPS, SA”.

Nos termos do artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais, com a inscrição e fusão no registo comercial extinguiu-se a sociedade incorporada, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante.

Deste modo a Requerente (sociedade incorporante) encontra-se legitimada para a submissão do pedido de pronúncia arbitral, porquanto se enquadra na defesa dos direitos originados na esfera da sociedade incorporada “C…, SGPS, SA”.

Esta, foi a sociedade dominante de grupo de sociedades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto no artigo 69.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

Assim, no período de tributação de 2011, o perímetro do “Grupo E…” era composto pelas sociedades “F…, SA”, “G…, SA”, “H…, SA”, “I…, SA”, “J…, “K…, Ld.ª e ainda pela “C…, SA”, enquanto sociedade dominante.

Em 29 de maio de 2012, esta última sociedade submeteu, por via eletrónica, a declaração de rendimentos de IRC modelo 22 (declaração n.º…) respeitante ao exercício de 2011, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo código, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, tendo procedido a autoliquidação de harmonia com o disposto na alínea a) do artigo 89.º e n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

No quadro 10, campo 356 da declaração foi inscrito o montante de 118 763,40 €, respeitante aos pagamentos especiais por conta, previstos no artigo 106.º do CIRC, e determinados nos termos do n.º 12 do mesmo artigo, relativamente às sociedades do Grupo e no campo 365 do mesmo quadro foi inscrito o montante de 449 173,85 €, respeitante a tributações autónomas previstas no artigo 88.º do mesmo código, sendo apurado imposto (IRC) a recuperar no montante de 83 967,52 €.

Porém, face ao disposto no artigo 90.º do CIRC e nas normas tributárias que regulam cada uma das deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, entende a Requerente que o montante relativo aos “créditos fiscais” decorrentes dos PEC’s efetuados e suscetíveis de dedução no período de 2011, no montante de 118 763,40 €, deverão ser deduzidos à coleta do IRC formada pelas tributações autónomas referente ao mesmo período.

Tal entendimento baseia-se no facto de considerar que as tributações autónomas integram o conceito de coleta do IRC, apurada nos termos do artigo 90.º, devendo usufruir de igual tratamento, nomeadamente ao nível das deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo.

Que o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, alterado pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30-03, com natureza interpretativa, impeditivo de à liquidação das tributações autónomas serem efetuadas quaisquer deduções, consiste num preceito novo cuja aplicação terá de se limitar aos novos casos, pelo que qualquer interpretação autêntica na parte que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, ofende, de forma manifesta, o princípio constitucional da não retroatividade plasmado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

Termina, pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação do despacho de indeferimento da Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), por delegação, de 18 de maio de 2016, proferido no processo n.º …2016…respeitante ao procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) e a consequente anulação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2012…, de 13 de junho de 2012, do ano de 2011, resultante da autoliquidação efetuada na declaração modelo 22 (declaração n.º…), com a consequente restituição do montante de 118 763,40 €. 

 

 

3.2 Da Requerida

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que as tributações autónomas, pese embora se tratar de uma coleta em IRC, distinguem-se por incidir não sobre lucros mas sobre despesas incorridas pelo sujeito passivo ou por terceiros que com ele tenham relações. 

Em face da sua teleologia, as tributações autónomas, enquanto instrumento fiscal anti-abuso, esvaziar-se-iam de qualquer conteúdo prático-tributário na eventualidade de se acolher a tese defendida pela Requerente.

Que a lei e a sua interpretação não se compaginam com meras aparências ou juízos valorativos construídos ao redor das conveniências das teses de quem as defende, sem que se tenha presente a hermenêutica da teleologia do normativo em apreço.

A admissibilidade de uma interpretação desta estirpe permitiria uma inadmissível limitação de conformação da iniciativa do legislador, que ao criar as tributações autónomas o fez com um propósito que pertence ao plano das evidências, como sejam: a luta contra a evasão fiscal; a intenção de tributar rendimentos de terceiros cujo acréscimo de rendimento se subtrairia à tributação; e a penalização, pela via fiscal, do pagamento de rendimentos considerados excessivos face à conjuntura de crise económica de que, ainda hoje, existem resquícios.

Pelo que, permitir devaneios interpretativos que redundariam na admissibilidade de deduções de PEC’s à coleta das tributações autónomas – à semelhança daquilo que a lei permite à coleta do IRC – como pretende a Requerente, amputa inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a sua criação pelo legislador.

Pelo que, não merecendo censura os atos tributários impugnados pela Requerente, devem os mesmos permanecer válidos na ordem jurídica.

 

 

 

4.Fundamentação

 4.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

4.1.1 A Requerente incorporou, através de fusão com efeitos a 1 de janeiro de 2013, a sociedade “C…, SGPS, SA”, NIPC:…, operação mediante a qual, esta última se extinguiu e transmitiu todos os seus direitos e obrigações para a Requerente, que anteriormente girava sob a firma “D…, SGPS, SA”, cfr. doc. n.º 3.

 

4.1.2 A“C…, SGPS, SA”. foi a sociedade dominante de grupo de sociedades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto no artigo 69.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

 

4.1.3 No período de tributação de 2011, o perímetro do “Grupo E…” era composto pelas seguintes sociedades:

Sociedade dominante:

“C…, SGPS, SA”, com o NIPC …

Sociedades dominadas:

“F…, SA”, com o NIPC…;

“G…, SA”, com o NIPC…;

“H…, SA”, com o NIPC…;

“I…, SA”, com o NIPC…;

“J…, com o NIPC…;

“K…, Lda., com o NIPC… .

 

4.1.4 Em 29 de maio de 2012, a “C…, SGPS, SA”, enquanto sociedade dominante, submeteu, por via eletrónica, a declaração de rendimentos de IRC modelo 22 (declaração n.º…) respeitante ao exercício de 2011, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo código, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, cfr. doc. n.º 4.

 

4.1.5 A liquidação foi efetuada pela sociedade declarante na referida declaração (autoliquidação), de harmonia com o disposto na alínea a) do artigo 89.º e n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

 

4.1.6 Na mesma declaração (Quadro 10, Campo 356) foi inscrito o montante de 118 763,40 €, respeitante aos pagamentos especiais por conta, previstos no artigo 106.º do CIRC, e determinados nos termos do n.º 12 do mesmo artigo, relativamente às sociedades do Grupo, cfr. doc.s n.ºs 5 e 6:

 

 

Períodos de tributação

Sociedade

PEC pago

Último ano de utilização

Documento

2007

K…

4 841,54

2011

Documento 3

2008

K…

5 123,52

2012

Documento 3

2009

K…

8 912,54

2013

Documento 3

2010

K…

9 785,68

2014

Documento 3

2011

C…

90 100,12

2015

Documento 4

Total

-----------------------------

118 793,40

-----------------------

-------------------------------

 

 

4.1.7 No mesmo quadro 10, campo 365, foi inscrito o montante de 449 173,85 €, respeitante a tributações autónomas previstas no artigo 88.º do mesmo código.

 

4.1.8 Sendo apurado imposto (IRC) a recuperar no montante de 83. 967,52 €.

 

4.1.9 Em 24 de março de 2016, a Requerente solicitou a revisão oficiosa do ato tributário supra, nos termos da alínea c), n.º 1 do artigo 54.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) na redação em vigor à data, com as consequências legais, designadamente a restituição do montante de 118. 763,40 €, cfr. processo administrativo junto aos autos.

 

4.1.10 Por despacho da Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), por delegação, de 28 de abril de 2016, proferido no processo n.º …2016… respeitante ao procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT, foi projetado o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quanto à questão de mérito, sendo a Requerente notificada para, no prazo de 15 dias, se pronunciar, querendo, nos termos do artigo 60.º da LGT, cfr. doc. n.º 4 do PA.

 

4.1.11 Direito esse que a Requerente optou por não exercer, pelo que, por despacho de 18 de maio de 2016 da mesma entidade, foi proferido despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

4.1.12 O qual foi notificado à Requerente através do ofício n.º…, de 19 do mesmo mês de maio e registado no mesmo dia (registo n.º RM …PT), pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT e alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, presume-se efetuada em 23 de Maio de 2016, cfr. doc. n.º 2 da p.i. e n.º 4 do PA.

 

 

4.2 Factos não provados

Inexistem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

4.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos e nas posições assumidas pelas Partes.

A testemunha arrolada pela Requerente – Dr. B…– demonstrou conhecimento acerca da matéria em discussão nos presentes autos, nomeadamente quanto aos dados constantes da declaração de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 2011, revelando-se o seu depoimento esclarecido, assertivo, consistente e espontâneo, resultado de um discurso fluído e sem dificuldades de recordar, expressar e contextualizar os factos afirmados. Porém o depoimento não trouxe aos autos qualquer circunstância a valorar na instrução dos mesmos uma vez que a matéria controvertida é essencialmente de direito.

 

 

 

5. Matéria de Direito (fundamentação)

A questão controvertida, que constitui o thema decidendum, reside em saber se o montante pago a título de pagamento especial por conta pode ser deduzido à coleta produzida pelas tributações autónomas.

São as seguintes as questões a apreciar:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada;

- Do aditamento do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, efetuado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março; e 

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

5.1 Da (i)legalidade da liquidação impugnada

Porque a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objeto do acórdão arbitral, aliás douto, proferido no Processo n.º 122/2016-T, de 04-11-2016, no qual são transcritos excertos de decisões arbitrais sobre a matéria (Processos n.ºs 781/2015-T, de 04-05-2016 e 113/2015-T, de 30-12-2015) e referida jurisprudência do tribunal constitucional, administrativo e arbitral bem como alguma doutrina sobre a mesma temática, que subscrevemos na íntegra, passamos à transcrição parcial do referido acórdão:

 

A tributação autónoma tal como decorre da própria designação consiste numa forma de tributação que, não obstante se encontrar prevista nos códigos de impostos sobre o rendimento, designadamente no IRC, é materialmente distinta daqueles. Desde logo, tem um facto tributário diverso, dado que não se refere, em rigor, ou pelo menos à primeira vista, à perceção de rendimento, mas a certas despesas. Este entendimento é confirmado pela jurisprudência do tribunal constitucional[3], administrativo[4] e arbitral[5], assim como pela doutrina[6]. Depois, contrariamente ao IRC no seu regime geral, as tributações autónomas não têm uma natureza periódica e não são de formação sucessiva, mas aproximam-se mais dos impostos de prestação única, dada a circunstância de o seu facto gerador, isto é, as despesas sobre que incidem, surgirem de forma isolada no tempo.

 

Verifica-se, no entanto, que tal como decorre da decisão arbitral de 4/5/2016, proferida no processo do CAAD n.º 781/2015-T, que «Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC».

 

Mesmo num contexto em que se ultrapasse a questão de saber se a tributação autónoma incide ou não sobre o rendimento, e aceitando que existiria um nexo lógico entre a perceção daquele e a verificação de certas despesas (sobre que incidiria a tributação autónoma), ainda assim, seria admissível, reconhece-se, que o regime da tributação autónoma seria distinto do regime geral aplicável no âmbito do IRC. Isto é, que não se extrapolasse da inclusão formal da tributação autónoma no âmbito do IRC que esta forma de tributação estaria sujeita ao regime geral da tributação dos rendimentos obtidos ao longo do exercício.

 

Especialmente num contexto em que o sistema se caracteriza, precisamente, por um certo dualismo[7].

 

Como decorre do próprio epíteto autónoma aposto ao vocábulo tributação, as regras subjacentes à tributação dessas receitas são distintas, por isso é que a tributação é autónoma. Decorre das regras aplicáveis à tributação autónoma que as despesas sobre que incide, não só não são refletidas no lucro tributável, na medida em que são excluídas daquele, não tendo, assim, qualquer reflexo na coleta do IRC referente ao regime geral de tributação do lucro, como, também, para além disso, estão sujeitas a uma taxa distinta. É, portanto, legítimo que se atenda às suas especificidades.

 

Admitimos serem corretas as seguintes afirmações, contidas na decisão do CAAD proferida no já citado processo n.º 781/2015-T, em tudo idêntico ao que agora se decide:

«No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais do que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes, seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º)»;

 

«O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui as quantias relativas a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016»;

 

«Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC».

 

Todavia, o facto de a tributação autónoma ser liquidada no mesmo momento em que é feita a liquidação nos termos do regime geral e de, em última análise, por ocasião da determinação do montante de imposto a pagar em sede de IRC, a liquidação referente à tributação autónoma e a relativa ao regime geral de IRC confluírem, pode ser entendido como uma expressão meramente técnica e de conveniência. Não pondo, por conseguinte, em causa a existência de dois momentos distintos de liquidação. Aliás, a liquidação, enquanto procedimento, envolve mais do que a determinação do montante de imposto a pagar, compreendendo toda uma sucessão de atos que, no caso da tributação autónoma, é totalmente distinta daquela que se verifica no âmbito das regras gerais. Nessa medida, o argumento estritamente literal de que o artigo 90.º do CIRC faria uma referência genérica à liquidação e que, por essa razão, se imporia, nos termos do 90.º, n.º 2 do CIRC, uma dedução das despesas, poderá deixar margem para que se considerem as especificidades das tributações autónomas e sobretudo a dinâmica e sistemática das várias disposições do CIRC.

 

No caso da dedução do PEC, como é pretendido no caso concreto, surgiria uma situação verdadeiramente inconveniente que se traduziria no facto de existirem duas normas antiabuso que se anulariam mutuamente.

 

Como é sabido, o PEC foi introduzido no ordenamento para fornecer à Administração Fiscal um mecanismo adicional de combate à evasão fiscal. Não se trata, portanto, de um pagamento por conta normal, dado que se calcula com base no volume de negócios, podendo até ser devido na ausência de lucros, o que evidencia o seu carácter antiabuso.

 

Na prática permitir-se-ia deduzir a um pagamento que tem em vista prevenir o abuso, outro que prosseguiria exatamente o mesmo fim. Maximizar-se-ia nesta situação o paradoxo que já decorreria da efetivação das deduções constantes do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC.

 

Subscrevemos na íntegra, a propósito do que acabámos de aventar, o excerto da decisão do CAAD proferida no processo n.º 781/2015-T, e que passamos a transcrever.

«Mas também não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta, que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, poder-se-ia aventar uma interpretação restritiva, relativamente ao pagamento especial por conta, no sentido de não ser dedutível à colecta das tributações autónomas, como se entendeu na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T, que invoca ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º».

 

Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.

 

Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.

 

Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.

 

No mesmo sentido, ou seja, pela indedutibilidade do montante pago a título de pagamento especial por conta à coleta produzida pelas tributações autónomas, podem-se ver-se, ainda, as decisões arbitrais do CAAD proferidas nos seguintes processos: 34/2016-T, de 26-09-2016; 19/2016-T, de 25-10-2016; 784-T/2015, de 13-05-2016; 783-T/2015, de 01-07-2016; 780-T/2015, de 20-06-2016; 670/2015-T, de 11-07-2016; 535/2015-T, de 27-04-2016; 736/2015-T, de 14-06-2016; 750/2015-T, de 20-07-2016; e 785/2015-T, de 09-08-2016.

 

 

 

5.2 Do aditamento do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, efetuado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março

O artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterou o artigo 88.º do CIRC, relativo às taxas de tributação autónoma, aditando-lhe o n.º 21 com a seguinte redação: «21 — A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado».

Por outro lado, o artigo 135.º da mesma lei atribui a este preceito natureza interpretativa.

A questão que se coloca é a de saber se a referida norma é inovadora ou interpretativa, como refere aquele artigo.

Em caso afirmativo, seria aplicável, apenas, a factos ocorridos a partir da data de entrada em vigor, ou seja, a 01 de abril de 2016, por força do disposto no artigo 218.º da referida lei, conjugado com o n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária «as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor (tempus regit actus), não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos». 

Sendo certo que, se aplicada a factos anteriores, a referida norma seria inconstitucional uma vez que a retroatividade autêntica ou própria (e não a imprópria, inautêntica ou retrospetividade) é proibida por força do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.    

Mas tendo natureza interpretativa, integra-se na lei interpretada, cfr. n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil, ficando salvos os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.

Porém, como refere João Baptista Machado[8], «para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelos menos incerta; e que a solução definida pelo nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora».

Destarte para o Tribunal Arbitral o referido n.º 21.º do artigo 88.º do CIRC não configura uma norma inovadora, pelo que poderá aplicar-se às situações anteriores sem que se verifique uma verdadeira retroatividade, porque a aplicação da norma originária, ou melhor, a sua inexistência, in casu, efetuada à luz do quadro legal em vigor levaria à mesma solução que a consagrada pelo legislador da norma posterior. 

Convocando de novo o acórdão arbitral de 04 de novembro de 2016, prolatado no Processo n.º 122/2016-T, por subscrevermos na íntegra o aí decidido sobre a aplicação do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC bem como a sua natureza interpretativa, passamos a transcrever o seguinte excerto:

«(…) o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

 

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

 

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

 

Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e em 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.

 

Ao contrário do que sucede com os benefícios fiscais que dependem da realização de investimentos, não há, no que concerne a dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.

 

Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição: segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções.

 

Aliás, foi precisamente com este sentido que foi elaborado o modelo 22 de declaração de IRC e foi aplicando o regime agora explícito no n.º 21 do artigo 88.º que a Requerente preencheu as declarações que se referem nos autos, sem qualquer contradição perceptível.

 

Mas, sendo assim, como defende a Requerente, o obstáculo à aplicação do regime que resulta deste n.º 21 do artigo 88.º será apenas a sua eventual inconstitucionalidade, designadamente à face da regra da proibição de impostos com natureza retroactiva que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

 

O Tribunal Constitucional tem adoptado uma interpretação restritiva do alcance desta proibição de impostos que tenham natureza retroactiva, entendendo que o «legislador da revisão constitucional de 1997, que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente» (acórdãos n.º 18/2011, de 12012011, que segue jurisprudência adoptada no acórdão n.º 399/2010).

 

As normas que prevêem os pagamentos especiais por conta não eram, em princípio, normas de incidência de IRC, mas sim sobre a sua liquidação e pagamento, pelo que, nessa medida, não estarão abrangidas pela proibição constitucional de retroactividade. Mas, antes da redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao n.º 3 do artigo 93.º, na inviabilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta no período a que se reportam e nos períodos subsequentes, aquelas normas podiam acabar por criar uma situação de incidência de IRC, autónoma em relação a qualquer outro facto tributário, se não viesse a ser permitido o reembolso nos termos do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, que dependia do preenchimento de condições.

 

No entanto, com a redacção dada ao referido n.º 3 do artigo 93.º pela Lei n.º 2/2014, deixaram de ser exigidas essas condições para o reembolso, pelo que os pagamentos especiais por conta apenas implicam, por si mesmos, o pagamento definitivo de imposto quando o sujeito passivo não diligenciar no sentido de obter o reembolso, no prazo previsto.

 

E, mesmo nesta hipótese, estar-se-á perante um facto tributário complexo de formação sucessiva, que é constituído pelo volume de negócios no ano a que se reportam os pagamentos especiais por conta conjugado com a inviabilidade de dedução nos períodos previstos na lei e o não reembolso nos termos previstos no artigo 93.º, n.º 3, do CIRC».

 

«Assim, terá de se concluir que a interpretação autêntica que se faz no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, não ofende o princípio da não retroactividade na criação de impostos, entendido como reportando-se apenas à retroactividade autêntica, reportada a factos tributários que se completaram e produziram todos os seus efeitos no passado.

Porém, aquela regra da irretroactividade das normas que criem impostos não esgota as preocupações constitucionais de segurança jurídica, impostas pelo princípio do Estado de direito democrático, como ensina CASALTA NABAIS:

«O princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, está longe, porém, de ter sido totalmente absorvido por esse novo preceito constitucional. É certo que ele deixou de servir de balança na ponderação dos bens jurídicos em presença quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade verdadeira ou própria. Quando tal acontecer, a solução está agora ditada, urbi et orbi, na Constituição, não podendo os órgãos seus aplicadores, sem violação dela, proceder a uma ponderação casuística.

 

Mas o princípio em causa tem inequivocamente um lastro bem maior. É que ele também serve de critério de ponderação em situações de retroactividade imprópria, inautêntica ou falsa, bem como em situações em que, não se verificando qualquer retroactividade, própria ou imprópria, há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado».

 

No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo do CAAD n.º 113/2015-T.

 

Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no que concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas».

 

A propósito da questão da lei interpretativa e no sentido de reforçar a posição subscrita através da adesão ao excerto do acórdão que acabámos de transcrever, acolhemos também, o que se escreveu na decisão arbitral de 30/06/2016, proferida no processo do CAAD n.º 769/2015-T a esse mesmo respeito:

“ Pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o legislador introduziu o n.º 21 ao art. 88.º do CIRC, com a seguinte redacção:

A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no art. 89.º e tem por base os valores e taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

No art. 135.º da referida Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o legislador determinou que a norma em causa terá carácter interpretativo.

A verificar-se que, de facto, o novo n.º 21 do art. 88.º do CIRC tem carácter interpretativo, as disposições aí contidas integrarão a norma interpretada desde o seu início de vigência, pelo que este tribunal terá que concluir pela não dedução do PEC aos montantes devidos a título de tributações autónomas, indeferindo a pretensão da Requerente. Isso mesmo resultaria da aplicação ao caso concreto do art. 13.º do Código Civil que “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de natureza análoga”.

 

Antes de mais, há que referir que, embora em matéria fiscal os princípios constitucionais da legalidade e da proibição da retroactividade da lei, previstos no art. 103.º da CRP, imponham algumas restrições ao legislador, entende este tribunal que não existe uma proibição constitucional genérica de leis fiscais interpretativas.

 

A admissibilidade constitucional de leis interpretativas em matéria fiscal tal como relativamente a quaisquer normas de natureza fiscal deverá ser aferida em função das matérias sobre as quais versam e do respectivo conteúdo normativo uma vez que a proibição constitucional da retroactividade da lei fiscal se cinge às matérias de incidência (objectiva, subjectiva, temporal e territorial) do imposto.

 

Como defendem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “A constitucionalidade das normas tributárias retroactivas tem de ser aferida em termos diferentes consoante elas digam respeito aos elementos materiais que concorrem para a definição do tipo normativo tributário (incidência, isenções e taxa) ou a outras matérias (garantia dos contribuintes, procedimento de liquidação e de cobrança). A proibição constante do art. 103.º, n.º 3, da CRP, diz respeito apenas às primeiras. A conformidade constitucional das segundas tem de ser equacionada à luz dos princípios materiais da segurança jurídica e da tutela da confiança que enformam o Estado de direito (art. 2.º da CRP)”.

 

Partindo-se da admissibilidade teórica de leis interpretativas em matéria fiscal, cumpre analisar se, no caso em apreço, não obstante a declaração expressa do legislador, estamos efectivamente perante uma lei interpretativa.

 

Baptista Machado conclui que “a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas”. Nestes casos, não há verdadeira retroactividade na aplicação da lei interpretativa porque a interpretação da norma originária efectuada à luz do quadro legal em vigor levaria à mesma solução que a consagrada pelo legislador em norma posterior.

 

Considera-se, assim, que, para qualificar uma lei como interpretativa, deverão verificar-se os seguintes requisitos:

(i) haver uma questão controvertida ou incerta na lei em vigor; e

(ii) o legislador consagrar uma solução interpretativa que resolve a incerteza a que chegariam o intérprete ou o julgador com base no normativo vigente anteriormente à alteração legislativa.

 

Aplicando estes critérios à situação em apreço, somos levados a concluir que estamos, realmente, perante uma lei interpretativa. Na verdade, a matéria regulada pelo novo n.º 21 do art. 88.º do CIRC era controversa e incerta (tendo dado origem aos processos arbitrais elencados pela própria Requerente), correspondendo a solução consagrada a uma das interpretações plausíveis a que o julgador chegaria, como efectivamente chegou, por exemplo, na decisão arbitral proferida no proc. 113/2015-T, de 30-12-2015. A solução não deixa de ser uma solução plausível e fundamentada que encontrou aderência jurisprudencial prévia.

 

Contra este entendimento não procederá a alegação da Requerente de que, para se estar perante uma efectiva lei interpretativa seria necessária uma corrente jurisprudencial que impusesse determinada solução ao legislador. E esta alegação não procede porquanto, como refere Baptista Machado “(…) Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. (…) Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.”

 

Face a tudo o que vem exposto supra, resta concluir pelo carácter interpretativo do n.º 21 do art. 88.º do CIRC, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que, sendo directamente aplicável à situação em apreço, de acordo com o art. 13.º do Código Civil, implicará o indeferimento da pretensão da Requerente por determinar expressamente a referida norma que ao montante de tributações autónomas não serão efectuadas quaisquer deduções».

 

Concluímos, por conseguinte, que o legislador ao incluir o n.º 21 no artigo 88.º do CIRC, se limitou a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes.

Nessa medida dispensa-se a aplicação retroativa da referida norma (n.º 21 do artigo 88.º do CIRC).

 

 

 

5.3 Do pedido de juros indemnizatórios -

Estando este pedido dependente da procedência do pedido anterior, improcedendo aquele, improcede também este, não havendo qualquer condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

***

 

 

6. Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a) Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa;

b) Julgar improcedente o pedido de revogação do despacho da Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), por delegação, de 18 de maio de 2016, proferido no processo n.º …2016… respeitante ao procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, mantendo-o na ordem jurídica;

c) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 2012…, de 13 de junho de 2012, do ano de 2011, resultante da autoliquidação efetuada na declaração modelo 22 (declaração n.º…);

d) Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao reembolso do montante de 118. 763,40 € e, consequentemente, prejudicado o direito a juros indemnizatórios; e

e) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo arbitral, no montante de 3. 060,00 €, cfr. n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

 

7. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do RCPAT, fixa-se ao processo o valor de 118. 763,40 €.

 

 

 

8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3. 060,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 03 de abril de 2017.

 

 

 

O Árbitro Presidente,

 

(José Baeta de Queiroz – vencido, conforme voto que se segue)

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

O Árbitro Adjunto,

 

(Rui Manuel Correia Pinto)

 

Voto de vencido

 

A jurisprudência produzida pelos tribunais arbitrais que funcionam no âmbito do CAAD tem entendido, quase unanimemente, que as tributações autónomas integram o IRC, com base em argumentação de que também o presente acórdão se não afastou.

E, se não fosse como se vem decidindo, não haveria norma legal que suportasse a respectiva liquidação, e as tributações autónomas teriam de se considerar inconstitucionais, por violação do nº 3 do artigo 103º da Constituição.

Por outro lado, o que aos tribunais primacialmente interessa é o modo como o legislador configurou as coisas, e não os conceitos doutrinários, que ele nem sempre tem em conta. E o legislador, no caso, ao incluir as tributações autónomas no artigo 90º do CIRC, optou indubitavelmente por considerá-las IRC.

Por sua vez, os pagamentos especiais por conta nem por serem especiais deixam de ser pagamentos por conta. Ou seja, adiantamentos do imposto que a final se liquide, ao qual devem ser deduzidos os pagamentos já efectuados, créditos resultantes de um empréstimo que o contribuinte foi forçado a fazer ao Estado – sejam eles especiais ou não.

É verdade que estes pagamentos especiais por conta visam tributar as empresas que sistematicamente apresentam prejuízos fiscais, e não as que evidenciam resultados fiscais positivos. Mas tal não é obstáculo ao que vimos afirmando.

Assim, no nosso entender, a colecta encontrada mediante a liquidação efectuada nos termos do artigo 90º nº 1 inclui as tributações autónomas, e o nº 2 do mesmo artigo, na sua alínea c), manda deduzir ao montante apurado, que é um só, o “pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106º”.

Não vemos como esta norma possa legitimamente interpretar-se senão literalmente. Todos os elementos a que se atende para a interpretação das leis, designadamente, a intenção do legislador, ou a unidade do sistema, de nada valem se o resultado a que se chega não tem expressão bastante na letra da lei. E essa letra, no caso, é clara e não comporta, a nosso ver, senão um sentido.

É verdade que numerosa jurisprudência dos tribunais arbitrais fez da norma uma interpretação restritiva, considerando não dedutíveis os pagamentos especiais por conta. Tal jurisprudência assenta, em resumo, na consideração de que, tendo os pagamentos especiais por conta sido introduzidos para tributar as empresas que sistematicamente apresentam prejuízos fiscais; e assumindo as tributações autónomas um efeito dissuasor e compensatório, perseguindo a evasão fiscal por transferência de rendimentos – o sistema sairia defraudado se se permitisse a utilização dos pagamentos especiais por conta para extinguir a dívida resultante das tributações autónomas.

Dai que tais intérpretes se tenham sentido autorizados a fazer uma interpretação restritiva – o legislador disse mais do que queria ao admitir a dedução à colecta resultante das tributações autónomas dos pagamentos especiais por conta.

Porém, com toda a consideração pelos membros dos tribunais que assim entenderam, bem como pela douta argumentação que expandiram, não acompanhamos o assim decidido, pelas razões já sinteticamente expostas. A nosso ver, tal interpretação atende mais ao elemento sistemático e à intenção atribuída ao legislador do que à letra da lei, nada nos fazendo crer que o legislador se manifestou incorrectamente, e nada recomendando, consequentemente, a interpretação restritiva.

 

Cumpre, porém, atentar em que o artigo 133º da lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, introduziu no artigo 88º do CIRC um novo nº 21, deste teor:

“A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

E o artigo 135º da dita lei afirmou a natureza interpretativa do transcrito nº 21 do artigo 88º.

Sucede que as nossas doutrina e jurisprudência sustentam, desde há muito, que não basta a uma norma, para ser interpretativa, a afirmação do legislador em tal sentido.

Verdade que, no caso, há uma controvérsia jurisprudencial que, em princípio, justificaria uma intervenção interpretativa do legislador. Verdade é, também, que a nova norma, afirmada como interpretativa, vai no sentido de uma das correntes jurisprudenciais pré-existentes, ou seja, já antes alguns julgadores tinham chegado à interpretação agora feita pelo legislador.

Mas veja-se o que em 1997 escreveu o Professor Oliveira Ascensão: “não basta que em relação a um ponto duvidoso surja uma lei posterior que consagre uma das interpretações possíveis para que a lei seja interpretativa” (apud Saldanha Sanches, “Lei interpretativa e retroactividade em matéria fiscal”, in FISCALIDADE, nº 1, pág. 87). Ao que acrescenta o Professor Saldanha Sanches: “É necessário que haja uma efectiva controvérsia, conhecida pelos destinatários da norma, sobre a incerteza da interpretação”.

Este ponto parece-nos relevante. É que os destinatários da norma não são, prima facie, os juristas, os julgadores, mas os cidadãos em geral, todos obrigados ao pagamento de impostos e todos vinculados à lei, cujo desconhecimento não podem invocar.

Ora, a interpretação a que chegaram aqueles tribunais arbitrais não está ao alcance de qualquer cidadão, sem sequer de qualquer jurista, mas só de um fiscalista altamente especializado, capaz de conjugar vários elementos, sejam eles histórico, sistemático e outros, interpretativos, razoavelmente ignorados da maioria das pessoas, destinatários da lei, e nem sequer atingíveis pelos mais empenhados em entendê-la.

Ou seja: o cidadão comum, o bonus pater familias, mesmo que empresário, investidor ou gerente, não conhecendo, nem tendo que conhecer, a jurisprudência dos tribunais arbitrais, contava, antes da lei dita interpretativa, com a possibilidade de dedução à colecta, nela incluídas as tributações autónomas, dos pagamentos especiais por conta. Era isso o que lia na lei então existente.

O que vale por dizer que a norma interpretativa “(…) por não corresponder a qualquer coisa com que o contribuinte devesse ou pudesse contar, vem constituir pelo seu carácter imprevisível um comportamento lesivo da segurança jurídica” (Saldanha Sanches, obra e local citados, pág. 86).

Mais: para o Autor cujo ensinamento temos vindo a acompanhar, “(…) não nos parece que a lei interpretativa possa ter lugar em matéria fiscal (…) a [IV] revisão constitucional veio impedir os efeitos retroactivos de qualquer norma em matéria fiscal. Incluindo os provocados por lei interpretativa” (obra e local citados, pág. 88).

E, para quem pense que esta posição possa ter sido meramente circunstancial, reportada ao ano de 2000, em que foi escrito o artigo que temos vindo a referir, é ver o MANUAL DE DIREITO FISCAL do mesmo professor, em cuja edição de 2007 se lê, a págs. 195, que “(…) mesmo quando estamos perante uma lei verdadeiramente interpretativa, e não uma daquelas que o legislador designa de interpretativa “para tornar menos perceptível a retroactividade da lei”, (…) estamos, em todas estas situações, perante casos abrangidos pela proibição constitucional da retroactividade”.

Mais assim é para quem, como nós, entende que a letra da lei anterior à lei do orçamento para 2016 não comportava a interpretação depois adoptada pelo legislador, pois era unívoco o sentido que dessa letra se retirava: os pagamentos especiais por conta eram dedutíveis à colecta apurada nos termos do nº 1 do artigo 90º, incluísse esta, ou não, tributações autónomas. Ou seja, que o nº 21 do artigo 88º do CIRC não é uma verdadeira norma interpretativa. Como, aliás, logo indicia o modo como o legislador procedeu: em vez de dar à norma supostamente ambígua uma nova redacção, agora inequívoca, criou uma outra norma, nova - o nº 21 do artigo 88º do CIRC -, em colisão com o artigo 90º, que não pode deixar de ser a “norma interpretada”. E, se o falado nº 21º do artigo 88º do CIRC fosse uma verdadeira norma interpretativa, seria desconforme com o artigo 103º nº 3 da Constituição.

 

Acrescente-se, por último, que não nos parece rigorosa a afirmação, comummente feita, segundo a qual as leis interpretativas não são inovadoras, porque se limitam a consagrar um dos sentidos possíveis da lei interpretada.

Na verdade, para que uma lei possa dizer-se interpretativa é imprescindível a pré-existência de uma lei interpretável com vários sentidos – por assim dizer, duas normas de sentido divergente numa só norma.

Ora, sendo assim, a lei interpretativa, ao optar por um dos sentidos admissíveis da interpretada, afastando o outro, como que o revoga.

Dizendo de outro modo: havia dois incisos na norma, um deles é eliminado da ordem jurídica, sobrevivendo o outro.

Por isso dizemos que as leis interpretativas não deixam de ser inovadoras e, consequentemente, susceptíveis de trair a legítima confiança de quem contasse com a interpretação da lei interpretada repudiada pela interpretativa.

Mais ainda, é da natureza das leis interpretativas terem aplicação retroactiva, pois não se limitam a afastar uma das interpretações da lei interpretada ex nunc, fazem-no ex tunc.

 

Eis, em rápida súmula, as razões por que não acompanhamos o decidido e por que, consequentemente, julgaríamos procedente o pedido.

 

                                    

(José Baeta de Queiroz)

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, II volume, anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 407

[2] Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, anotado, Almedina, 2016, pág.s 96/99. 

[3]  Cfr. Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e Acórdão 197/2016, processo n.º 465/2015, de 13/04/2016.

[4]  Cfr. Acórdão 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012, entre outros

[5]  Cfr. Acórdão 535/2015-T de 27/04/2016; Acórdão n.º 697/2014-T, de 13/05/ 2015, entre outros.

[6] Cfr. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2019, pp. 2020203; José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 8.ª edição, almedina, Coimbra, 2015, p. 542; Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Lições, 2015, pp. 237 e ss.

[7] Saldanha Sanches considera que a introdução de tributações autónomas conferiu ao sistema uma natureza dual. Ver Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 406408.

[8] «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», Almedina, pág. 247