Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 538/2016-T
Data da decisão: 2024-02-08  IRC  
Valor do pedido: € 161.463,03
Tema: IRC. Encargos financeiros. Aquisição e alienação de participações sociais. Empréstimos às participadas. – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

(proferida na sequência do acórdão do TCAS de 11 de Janeiro de 2023, Proc. nº 97/17.4BCLSB)

 

I. Relatório

 

  1. A sociedade A... SGPS, SA (doravante apenas “Requerente”), pessoa coletiva nº..., com sede em ..., Rua ..., nº ...,  ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a) e 10º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante apenas “RJAT”), bem como do disposto nos artigos 1º e 2º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, no qual é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas "Requerida" ou “AT”).
  2. No respetivo pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicitou ao Conselho Deontológico do CAAD a designação dos Árbitros, nos termos do disposto nos artigos 6º, nº 1 e 11º do RJAT.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26/09/2016, tendo as Partes sido notificadas, em 10/11/2016, dos árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD.
  4. Após aceitação por parte dos árbitros designados, o presente Tribunal Arbitral considerou-se constituído no dia 25/11/2016, em conformidade com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, todos do RJAT (com a redação introduzida pelo art. 228.º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
  5. Em 09/03/2017, foi realizada a Reunião do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto no artigo 18.º do RJAT, no âmbito da qual foi produzida a prova testemunhal arrolada pelas Partes, e a decisão anunciada para 25/05/2017.
  6. As partes apresentaram alegações escritas.
  7. No âmbito do pedido de pronúncia arbitral por si apresentado, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, Juros compensatórios e Juros de Mora nº 2016..., de 22.02.2016, relativa ao exercício de 2012, da qual resultou o apuramento de um montante a pagar de € 161.463,03, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 11/05/2016.
  8. Peticionou igualmente o pagamento de uma indemnização pelos encargos suportados e a incorrer com a garantia prestada para suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do ato de liquidação em crise.
  9. Por fim, peticionou a condenação da Requerida no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver.
  10. A Requerente invoca em síntese o seguinte:
  1. Nem do relatório inspetivo, nem da liquidação, constam as operações de cálculo e apuramento, tão pouco os fundamentos de facto e de Direito, que presumivelmente estarão subjacentes à matéria coletável que serviu de base à liquidação (€ 1.027.019,38), pelo que a liquidação contestada padece de vício de falta de fundamentação, por violação dos artigos 77º nº 1 e 2 da LGT e 268º nº 3 da CRP (cfr. artigo 153º nº 2 do CPA);
  2. Ou, pelo menos, padece de erro de cálculo e apuramento, ou seja, de erro de quantificação da matéria coletável e, consequentemente, de erro de quantificação da liquidação;
  3. No que respeita às prestações suplementares efetuadas, as mesmas não configuram empréstimos concedidos, sendo antes instrumentos de capital próprio;
  4. Invoca ainda que têm um regime jurídico próprio, sendo distintas dos mútuos ou suprimentos e não podem ser remuneradas;
  5. Ao realizá-las, o sócio espera que o reforço dos capitais próprios da participada se reflita numa maior rentabilidade dos negócios e na valorização das partes de capital detidas;
  6. Na esfera das participadas beneficiárias das prestações suplementares, estas são contabilizadas nos capitais próprios e não no passivo;
  7. Relativamente à questão dos suprimentos não remunerados, concedidos às suas participadas, entende que os empréstimos concedidos, que não foram remunerados no exercício de 2012, serão remunerados a partir do ano em que as beneficiárias estejam financeiramente estabilizadas e os respetivos projetos de negócio tenham atingido o nível de maturidade necessário (o que ocorrerá, em regra, em 10 anos para projetos de energia hídrica e em 6 anos para projetos de energia fotovoltaica);
  8. Estes suprimentos não remunerados visam maximizar o retorno financeiro da Requerente e aumentar a rentabilidade das subsidiárias, com a consequente valorização das partes de capital detidas;
  9. Tanto os dividendos, como as mais-valias estão sujeitas a tributação na esfera do sócio;
  10. As partes de capital foram relevadas contabilisticamente de acordo com o Método da Equivalência Patrimonial, sendo que os resultados e outros factos ocorridos nas sociedades participadas são refletidos na própria A...;
  11. Os suprimentos podem ser remunerados ou não, dependendo do acordo estabelecido entre as partes, ou do que for deliberado em assembleia geral de sócios (conforme regime legal consignado nos artigos 243º a 245º do CSC);
  12. A AT não tem razão quando afirma que “parte dos gastos de financiamento incorridos pela A... não geraram qualquer influxo direto, mensurável e evidente no exercício da sua atividade”, pois não estabeleceu nem demonstrou qualquer relação de imputação específica e inequívoca entre os empréstimos remunerados obtidos a montante e os suprimentos não remunerados e prestações suplementares realizadas a jusante;
  13. Os encargos financeiros suportados, para serem fiscalmente aceites nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 23º do CIRC, não têm necessariamente de originar ou estar relacionados com a geração de proveitos ou de lucros;
  14. A AT não demonstrou em que medida os empréstimos remunerados, obtidos junto da Banca e dos acionistas, foram contraídos “com o fim de libertar meios financeiros para as sociedades participadas”;
  15. As prestações suplementares efetuadas às participadas traduziram-se em efetivas entradas de dinheiro, não tendo constituído “operações de cosmética contabilística”;
  16. A impossibilidade de imputação dos financiamentos obtidos a montante, aos empréstimos concedidos a jusante, resultam essencialmente do facto de, a montante, a Requerente também possuir fundos próprios (provenientes dos serviços de gestão prestados às participadas, dos dividendos recebidos, das mais-valias obtidas, etc.) e, a jusante, outras carências de tesouraria (gastos com pessoal, F.S.E., impostos, segurança social, etc);
  17. É impossível pressupor (como a AT fez) que os financiamentos obtidos junto da Banca e acionistas serviram especificamente para concessão de empréstimos e prestações suplementares às suas subsidiárias – e muito menos determinar em que medida isso poderia ter sucedido;
  18. Os encargos financeiros suportados pela Requerente não podem ascender ao montante de € 1.360.308,35, pois tal verba inclui indevidamente encargos fiscais, designadamente Imposto do Selo e serviços bancários sem qualquer relação com qualquer operação financeira bancária e que, de resto, foram contabilizados em contas distintas da conta 69 – Juros suportados (nas contas 68 – Impostos Indiretos e 62 – FSE, respetivamente);
  19. Nesse âmbito, a AT considerou juros de leasing automóvel e juros compensatórios no cálculo dos encargos financeiros suportados, que nunca poderiam estar relacionados com quaisquer suprimentos ou prestações suplementares efetuadas às participadas;
  20. A correção padece de erro nos pressupostos de facto e de errónea quantificação, devendo ser anulada nos termos do artigo 100.º, nº. 1, do CPPT;
  21. O cálculo do valor desconsiderado como gasto pela AT não está correto nem tem base legal, pois baseia-se numa fórmula de cálculo sem qualquer sustentáculo legal, tendo em vista “apurar o custo efetivo do capital por si utilizado”, cuja lógica de raciocínio não se entende;
  22. A AT propugna uma avaliação indireta da matéria coletável, de forma totalmente ilegítima, por força do princípio da tributação do rendimento real em sede de IRC (previsto nos artigos 104º nº. 2 da CRP e 17º do CIRC);
  23. A taxa efetiva de custo do financiamento alheio computada pela AT em 5,81% está erradamente quantificada, uma vez que, para efeitos do cálculo do saldo médio anual de financiamento alheio (computado em € 23.411.847,89), a AT desconsiderou o saldo das locações financeiras (por considerar que não se tratam de empréstimos obtidos, mas antes de aquisições de ativos fixos tangíveis), mas incoerentemente, considerou os juros dessas mesmas locações no total dos gastos de financiamento suportados (que calculou em € 1.360.308,35), o que deturpa completamente os cálculos de forma deliberada e dolosa, no intuito de prejudicar o contribuinte e maximizar a correção;
  24. A AT omite na sua fórmula de quantificação os empréstimos remunerados concedidos pela Requerente às suas participadas, bem como os respetivos proveitos financeiros, omitindo assim que os financiamentos remunerados obtidos junto da Banca e dos acionistas poderão ter servido para realizar esses empréstimos remunerados;
  25. A AT ignora os empréstimos obtidos pela Requerente junto das suas participadas sem remuneração, que foram superiores, em 2012, aos empréstimos concedidos não remunerados, o que demonstra a impossibilidade prática de imputar uns a outros;
  26. A metodologia utilizada pela AT, para desconsiderar parte dos gastos financeiros suportados pela A... que respeitam aos financiamentos não remunerados concedidos às suas participadas, está completamente errada, pois a AT presumiu que tais financiamentos deveriam ser remunerados a uma taxa média de 5,81% (correspondente à taxa média calculada para o financiamento obtido), ou seja, que a Requerente deveria ter tido proveitos financeiros de € 342.463,70;
  27. A AT deveria, ao invés de corrigir custos, acrescer proveitos à Requerente, aplicando o regime dos preços de transferência (artigo 63º do CIRC), e efetuando o ajustamento correlativo nas sociedades participadas, para que estas beneficiassem de idêntico custo fiscalmente dedutível ou ter aplicado a cláusula geral anti-abuso prevista no nº. 2 do artigo 38º da LGT;
  28. Invoca a Requerente, quanto à correção dos encargos financeiros não dedutíveis, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, que o montante relevado pela AT, de € 1.017.844,65, está errado;
  29. O procedimento adotado pela AT resulta num duplo acréscimo da mesma rubrica de encargos financeiros, num total de € 526.232,24, em manifesto erro de cálculo e ostensivo prejuízo do contribuinte;
  30. Isso, em conjunto com os € 150.713,25 de encargos financeiros já acrescidos pelo próprio contribuinte e que não foram tidos em conta pela AT, representa um acréscimo total de € 676.945,49;
  31. O valor dos ativos remunerados considerado pela AT, no montante de € 8.227.253,45, não é o que está registado na contabilidade da Requerente;
  32. Esta correção, por ter sido efetuada com base na Circular 7/2004, carece de suporte legal, pelo que não podia ser acrescido qualquer montante a título de encargos financeiros, apurados nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, no apuramento do seu Resultado Tributável;
  33. A doutrina administrativa da AT não tem caráter juridicamente vinculativo para os contribuintes e entidades decisoras como os tribunais, pois não é lei, somente a própria AT está vinculada àquelas orientações, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 68º-A da LGT;
  34. A aplicação “cega” da fórmula constante daquela Circular conduz ao apuramento de um montante de encargos financeiros sem qualquer aderência à realidade nos casos em que a SGPS adquire participações sociais financiando-se através de aumentos de capital por entradas em dinheiro ou em espécie, não suportando a SGPS qualquer encargo financeiro com tais aquisições;
  35. Quanto à correção respeitante a encargos com a alienação de participações sociais, a Requerente invoca que respeita a uma comissão relacionada com a sua atividade, no montante de € 38.164,23, a qual foi paga à sociedade sul-africana G... pela venda da participação que detinha na sociedade sul-africana B...;
  36. Coincidindo essa atividade com o seu objeto estatutário, a AT procedeu a uma errada interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC;
  37. As correções relativas à derrama e aos Pagamentos Especiais por Conta enfermam também de falta de fundamentação;
  38. A Requerente terá que ser ressarcida dos encargos suportados com a garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal referente à dívida em causa.
  1. Proferida a Decisão Arbitral em 25 de Maio de 2017, as partes foram notificadas do arquivamento do processo a 8 de Julho de 2017, ficando o tribunal dissolvido nessa data, nos termos do art. 23º do RJAT.
  2. A Requerente interpôs, junto da Secção de CT do TCAS, impugnação do Acórdão proferido, e, junto do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, recurso por oposição de acórdãos, para uniformização de jurisprudência.
  3. No que se refere à acção interposta perante o STA, alegou-se contradição entre a decisão arbitral e os acórdãos do STA de 19/4/2017 (Proc. nº 0925/16) e de 24/9/2014 (Proc. nº 0779/12), e ainda o acórdão do TCAN de 16/4/2015 (Proc. nº 215/09.6BEMDL).
  4. O STA proferiu, em 24 de Março de 2021, Acórdão no Proc. nº 794/17.4BALSB, com trânsito em julgado em 15 de Abril de 2021.
  5. Nele decidiu-se que apenas uma questão suscitava eventuais problemas de contradição com o acórdão-fundamento do STA de 19/4/2017 (Proc. nº 0925/16), isto é, a questão da indispensabilidade dos custos incorridos nos casos específicos de SGPS, ou por sociedade tributada pelo RETGS a favor das suas subsidiárias, sem remuneração.
  6. Reconhecendo-se que em ambas as decisões era convocado o art. 23º, 1 do CIRC, o STA concluiu não haver identidade substancial entre os dois julgamentos, requisito essencial para que pudesse prosseguir-se para uma decisão uniformizadora – decidindo não conhecer do mérito do recurso.
  7. No que se refere à impugnação interposta junto do TCAS, ela assentou em alegada omissão de pronúncia:
    1. quanto ao acréscimo de Euro 342.463,70 (ao resultado fiscal de 2012 do Grupo C...), relativo a encargos financeiros com financiamentos alegadamente não indispensáveis (artigo 23º nº 1 do CIRC),
    2. quanto a juros compensatórios e
    3. a juros de mora, e ainda
    4. no segmento em que aquela decisão apreciou a correcção/redução dos PEC's, dedutíveis à colecta do Grupo no exercício de 2012.
  8. O TCAS proferiu, em 11 de Janeiro de 2023, acórdão no Proc. nº 97/17.4BCLSB, com trânsito em julgado em 26 de Janeiro de 2023.
  9. Esse acórdão julgou improcedente, no segmento referente ao acréscimo de € 342.463,70 (IRC/RETGS 2012), relativo a encargos financeiros com prestações suplementares e suprimentos não remunerados às participadas, o pedido de impugnação de decisão arbitral interposto pela Recorrente daquele Acórdão arbitral, ao abrigo dos artigos 26º e 27º do RJAT.
  10. Logo, no segmento referente ao acréscimo de € 342.463,70 (IRC/RETGS 2012), relativo a encargos financeiros com prestações suplementares e suprimentos não remunerados às participadas, a Decisão Arbitral do Proc. nº 538/2016, de 25 de Maio de 2017, transitou em julgado em 26 de Janeiro de 2023.
  11. A Requerente veio a interpor novo recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 538/2016-T, no segmento em que se reportou ao acréscimo de € 342.463,70 (IRC/RETGS 2012), relativo a encargos financeiros com prestações suplementares e suprimentos não remunerados às participadas, invocando oposição entre o ali decidido e o decidido no acórdão arbitral proferido no processo n.º 277/2016-T.
  12. O STA proferiu decisão sumária em 17 de Outubro de 2023 sobre a questão prévia da tempestividade do recurso para uniformização de jurisprudência, com trânsito em julgado em 2 de Novembro de 2023.
  13. A decisão sumária foi no sentido da não-admissão do recurso, por intempestividade – estabelecendo o STA que o prazo de 30 dias para interpor recurso se conta, não do trânsito em julgado do acórdão impugnado (regra geral do art. 152º, 1 do CPTA), mas da notificação da decisão arbitral (norma especial do art. 25º, 3 do RJAT), sendo que essa notificação ocorrera já em 2017.
  14. Voltando ao acórdão proferido pelo TCAS em 11 de Janeiro de 2023, no Proc. nº 97/17.4BCLSB, (com trânsito em julgado em 26 de Janeiro de 2023), essa decisão deu razão à Impugnante em dois pontos:
    1. omissão de pronúncia quanto à questão dos juros compensatórios;
    2. omissão de pronúncia quanto à questão dos juros de mora.

 

Especificamente:

A. Omissão de pronúncia quanto à questão dos juros compensatórios

  1. A Impugnante sustentou que o acórdão contestado sofreria de omissão de pronúncia quanto aos juros compensatórios, porquanto teriam sido suscitadas questões de facto e de direito quanto aos juros em causa que não teriam sido analisadas, e que poderiam determinar a ilegalidade desses juros compensatórios. Para a Impugnante, a ilegalidade dos juros compensatórios, em violação dos arts. 102° do CIRC e 35º da LGT, decorreria da circunstância de lhes faltar o pressuposto atinente ao nexo de causalidade entre o comportamento do contribuinte e o retardamento da liquidação, à censurabilidade do seu comportamento, seja a título de dolo, seja a título de negligência – sendo que, no seu entender, o que se terá verificado foi “uma mera discordância de interpretações legais entre a AT e o contribuinte”.
  2. A Impugnada entendeu que o Tribunal Arbitral conhecera da questão relativa aos juros compensatórios, apenas tendo concluído que se trataria de questão prejudicada pela decisão quanto à liquidação do imposto, da qual os juros compensatórios são acessórios, até porque os juros são calculados e liquidados com base naquela liquidação – e concretamente, tendo o Tribunal Arbitral concluído pela não-ilegalidade da liquidação do imposto, pela manutenção das correcções à liquidação do IRC, pela sua não-anulação, daí decorre necessariamente a não-ilegalidade, a não-anulação e a manutenção na ordem jurídica dos referidos juros compensatórios.
  3. Relativamente à omissão de pronúncia quanto à questão dos juros compensatórios, o acórdão do TCAS de 11 de Janeiro de 2023 deu razão à Impugnante, não havendo referência desenvolvida a juros compensatórios na decisão arbitral – e não se podendo retirar um juízo implícito de legalidade dos juros compensatórios fundado na simples legalidade da liquidação do imposto. Dado que a Impugnante alega que tudo não passou de uma divergência de interpretações, o TCAS entende que a decisão arbitral deveria ter fundamentado a legalidade da liquidação de juros compensatórios num juízo de censurabilidade da actuação do contribuinte, dado a responsabilidade por juros compensatórios ter a natureza de uma reparação civil e, por isso, depender do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte. Assim, o TCAS admite que um tal juízo de censurabilidade (por dolo ou negligência) possa ser afastado pela demonstração, por recurso a prova e a regras de experiência, de que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, o que sucederia caso o retardamento da liquidação se tivesse ficado a dever, por exemplo, a uma divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária, como a Impugnante alegou, ou a erro desculpável do contribuinte.
  4. Conclui o Acórdão do TCAS de 11 de Janeiro de 2023 que, relativamente à questão da (i)legalidade dos juros compensatórios, a Decisão Arbitral de 25 de Maio de 2017 omitiu a devida pronúncia, gerando a correspondente nulidade (parcial) e a necessidade de apreciar a questão cujo conhecimento foi omitido e não se mostrava prejudicado.

B) Omissão de pronúncia quanto à questão dos juros de mora.

  1. A Impugnante sustentou que o acórdão contestado sofreria de omissão de pronúncia quanto aos juros de mora, porquanto teriam sido suscitadas questões de facto e de direito quanto aos juros em causa que não teriam sido analisadas, e que poderiam determinar a ilegalidade desses juros. Para a Impugnante, a ilegalidade dos juros de mora, em violação dos arts. 109° do CIRC e 44º da LGT, decorreria da circunstância de não ter ocorrido qualquer atraso no pagamento do imposto por parte da Impugnante – e somente um atraso na liquidação (não no pagamento); atraso que, quando muito, acarretaria juros compensatórios, não juros de mora.
  2. A Impugnada entendeu que o Tribunal Arbitral conhecera da questão relativa aos juros de mora, apenas tendo concluído que se trataria de questão prejudicada pela decisão quanto à liquidação do imposto, da qual os juros de mora são acessórios, até porque os juros são calculados e liquidados com base naquela liquidação – e concretamente, tendo o Tribunal Arbitral concluído pela não-ilegalidade da liquidação do imposto, pela manutenção das correcções à liquidação do IRC, pela sua não-anulação, daí decorre necessariamente a não-ilegalidade, a não-anulação e a manutenção na ordem jurídica dos referidos juros de mora.
  3. Relativamente à omissão de pronúncia, quanto à questão dos juros de mora, o acórdão do TCAS de 11 de Janeiro de 2023 deu razão à Impugnante, não havendo qualquer referência a juros de mora na decisão arbitral – e não se podendo retirar um juízo implícito de legalidade dos juros de mora fundado na simples legalidade da liquidação do imposto. No entender do TCAS, o argumento da Requerente /Impugnante quanto à natureza dos juros deveria ter sido explicitamente ponderado, visto que, a ser verdade o que alegou (que o atraso se teria dado na liquidação e não no pagamento), a natureza dos juros em causa seria diferente, devendo levar-se em conta que o regime dos juros de mora é bastante mais gravoso que o dos juros compensatórios. Conclui o Acórdão do TCAS de 11 de Janeiro de 2023 que, relativamente à questão da (i)legalidade dos juros de mora, a Decisão Arbitral de 25 de Maio de 2017 omitiu a devida pronúncia, gerando a correspondente nulidade (parcial) e a necessidade de apreciar a questão cujo conhecimento foi omitido e não se mostrava prejudicado.
  4. Conclui o acórdão proferido pelo TCAS em 11 de Janeiro de 2023, no Proc. nº 97/17.4BCLSB:

Numa síntese daquilo que ficou dito, face a todo o decidido, a impugnação ora em apreciação só em parte procede, significando isto que apenas quanto aos juros compensatórios e aos juros de mora se aceita que o acórdão arbitral tenha efetivamente omitido a pronúncia que lhe competia, devendo nessa parte ser declarada a nulidade correspondente e ordenada a remessa dos autos ao CAAD para os termos que subsequentemente se impõem. No mais, mantém-se inalterado o acórdão.

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em julgar parcialmente procedente a presente impugnação da decisão arbitral, declarando-se a nulidade parcial do acórdão impugnado, em concreto nos segmentos respeitantes aos juros compensatórios e de mora, ordenando-se a remessa dos autos ao CAAD para apreciação das questões relativamente às quais a pronúncia foi omitida.”

  1. Por Despachos de 29 de Novembro de 2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foram substituídos o árbitro-presidente e os árbitros-adjuntos do tribunal arbitral coletivo, tendo os novos árbitros comunicado a sua aceitação.
  2. Cumpre assim, ao tribunal arbitral, reconstituído na sua nova composição, dar cumprimento ao acórdão proferido pelo TCAS em 11 de Janeiro de 2023, no Proc. nº 97/17.4BCLSB, apreciando as questões relativamente às quais a pronúncia foi omitida na Decisão Arbitral de 25 de Maio de 2017, nomeadamente:
    1. a questão dos juros compensatórios;
    2. a questão dos juros de mora.
  3. O texto que segue constitui reedição parcial do acórdão arbitral anteriormente proferido neste processo, com as alterações necessárias para dar cumprimento ao decidido no acórdão do TCAS de 11 de Janeiro de 2023, Proc. nº 97/17.4BCLSB.

 

II. Saneamento

 

O tribunal é competente e está regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estando devidamente representadas.

O meio processual é o próprio.

Não há nulidades, exceções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. Matéria de facto considerada assente

 

No que se refere à factualidade trazida aos autos por ambas as Partes, considera o Tribunal como provados, em função da prova testemunhal e documental produzida, os seguintes factos, com relevância para a decisão final:

  1. A Requerente exerce a atividade de gestão de participações sociais detidas em diversas sociedades portuguesas e estrangeiras (sedeadas em Espanha, França, África do Sul, Malta e Holanda), todas operando no setor das energias renováveis: hídrica, eólica, fotovoltaica, biomassa, cogeração e termosolar (cfr. Pág. 4 do Relatório de Inspeção Tributária);
  2. A partir de 01/01//2012, a Requerente passou a ser tributada pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), previsto no artigo 69º do Código do IRC, sendo a sociedade dominante do grupo;
  3. A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, em sede de IRC, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2015..., o qual teve início em 23/06/2015 e conclusão em 03/11/2015 (cfr. Pág. 3 do Relatório de Inspeção Tributária) e no âmbito do qual foram promovidas correções em sede de IVA e de IRC;
  4. As correções efetuadas em sede de IRC ascenderam ao montante global de € 564.395,48, decompostas como se segue:
  • Encargos financeiros não dedutíveis nos termos do nº. 1 do artigo 23º do CIRC, referentes a empréstimos a participadas, no montante de € 342.463,70;
  • Encargos financeiros não dedutíveis nos termos do nº 2 do artigo 32º do EBF, relacionados com participações sociais, no montante de € 183.768,54;
  • Encargos não dedutíveis nos termos do nº. 1 do artigo 23º e do n.º 2 do artigo 46º do CIRC, inerentes à alienação de partes de capital, no montante de € 38.163,24.
  1. Após a concretização das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, no aludido montante de € 564.395,48, da soma algébrica dos resultados das entidades que integram o Grupo de que a Requerente é a sociedade dominante, para efeitos de IRC, passou a apurar-se um lucro tributável de € 1.077.437,60, ao invés dos € 513.042,12 declarados pelo Grupo;
  2. O montante da correção referido em D) foi apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária do seguinte modo:

 

  1. A Requerente inscreveu, no campo 303, do Quadro 9, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo, a título de prejuízos fiscais dedutíveis, o montante de € 50.418,22, respeitando € 40,30 à sociedade “D..., Lda” (contribuinte n.º...), € 22.883,42 à sociedade “E..., Lda” (contribuinte n.º ...) e € 27.494,49 à sociedade “F..., Lda” (contribuinte n.º ...);
  2. Os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que os prejuízos fiscais declarados pela Requerente, no exercício de 2012, cumpriam com os requisitos de dedutibilidade definidos na alínea a), do n.º 1, do artigo 71.º do CIRC, tendo deduzido ao Lucro Tributável apurado em função das correções efetuadas (de € 1.077.437,60) o montante desses prejuízos fiscais;
  3. No que se refere aos encargos financeiros referentes a empréstimos concedidos pela Requerente às suas participadas, foram os mesmos corrigidos pelos Serviços de Inspeção Tributária de acordo com o seguinte procedimento (Cfr. Relatório de Inspecção Tributária):
  • Cálculo do saldo médio de financiamento alheio anual da Requerente (junto da Banca, ... e H... e das participadas);
  • Apuramento dos gastos com financiamento suportados pela Requerente nos períodos em análise;
  • Determinação da taxa do custo efetivo de financiamento alheio da Requerente;
  • Cálculo do saldo médio de financiamento anual não remunerado às sociedades participadas;
  • Aplicação da taxa de custo efetivo do capital alheio ao valor do financiamento efetuado às referidas sociedades;
  • Desconsideração como gasto fiscal do valor assim determinado;
  1. Em face das correções referidas, foi desconsiderado pelos Serviços de Inspeção Tributária um total de Gastos Financeiros de € 342.463,70, quando haviam sido declarados pela Requerente, na sua Declaração Modelo 22 de IRC, Gastos no montante de € 1.360.308,35;
  2. Os Fluxos de Caixa das Atividades Operacionais em 2012 da Requerente apresentaram um saldo positivo de € 2.056.097,22, conforme se constata do Quadro 04-C da Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2012, abaixo reproduzido:

 

  1. Os Fluxos de Caixa das Atividades de Investimento apresentaram um saldo excedentário de € 364.454,34, enquanto que os Fluxos de Caixa das Atividades de Financiamento apresentaram um saldo negativo de € 1.995.433,41 (Cfr. Quadro 04-C da Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2012);
  2. Relativamente aos gastos financeiros considerados para efeitos de cálculo dos encargos financeiros afetos a participações sociais, os Serviços de Inspeção Tributária, baseados na doutrina emanada da Circular 7/2004, relevou os gastos financeiros declarados pela Requerente deduzidos dos que considerou deverem ser desconsiderados para efeitos fiscais, por se encontrarem associados a empréstimos concedidos às suas participadas sem qualquer remuneração (os quais ascenderam ao montante de € 1.017.844,65);
  3. Em face do entendimento exposto em M), os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que, dos aludidos € 1.017.844,65, € 334.481,79 não seriam fiscalmente dedutíveis em virtude de se considerarem afetos a participações sociais;
  4. Atendendo a que a Requerente havia acrescido a este título o montante de € 150.713,25, foi acrescido pelos Serviços de Inspeção Tributária o montante global de € 183.768,54, com referência a encargos financeiros afetos a participações sociais (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária);
  5. Os Serviços de Inspeção Tributária não aceitaram como gasto fiscal do exercício de 2012 o montante de € 38.163,24, referente a encargos contabilizados pela Requerente com comissões pagas à sociedade sul-africana G... Limited, associadas à alienação da participada B..., sociedade também sedeada na África do Sul, no montante de € 30.450,00 (registados na conta # 62213) e a serviços jurídicos prestados na África do Sul pela sociedade “J...”, no montante de € 7.713,24;
  6. A Requerente concede empréstimos às suas participadas, sob a forma de suprimentos ou de prestações suplementares, sem debitar quaisquer juros ou encargos, durante um período variável, que poderá ir até 10 anos (cfr. depoimentos das testemunhas da Requerente e pedido arbitral);
  7. A Requerente desconsiderou 40% de parte dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais;
  8. O acréscimo a que a Requerente procedeu, no montante de € 150.713,25, não resultou de qualquer estudo dos financiamentos obtidos ou da aferição se terão ou não sido destinados à aquisição de partes de capital, não estando relacionado com o cumprimento do disposto no artigo 23º nº. 1 do CIRC ou no artigo 32º nº. 2 do EBF;
  9. Na sequência da ação inspetiva acima referida, foi emitida a Liquidação Adicional de IRC nº 2016..., de 22.02.2016, com referência ao exercício de 2012, bem como, a respetiva Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016..., da qual resultou um montante de imposto a pagar de € 161.463,03, com data limite de pagamento voluntário em 11.05.2016;
  10. A Requerente procedeu à apresentação de duas garantias, para efeitos da suspensão do processo de execução instaurado para cobrança da dívida de IRC em crise, quais sejam, as fianças prestadas pelas sociedades “H... SGPS, S.A.” e “I..., SGPS, S.A.”, a favor da Requerente, naquele processo (Cf. cópias que foram juntas como Doc. n.º 26 com o pedido arbitral).

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão final.

 

  1. Motivação da Decisão

 

Antes de mais, importa referir que os Tribunais, aqui se incluindo os Tribunais Arbitrais, não têm que apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, tal como se constata a título exemplificativo do Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA, de 07/06/1995, proferido no recurso nº 5239.

De facto, as questões invocadas pelas partes não se confundem com os argumentos, as razões ou as motivações produzidas. Questões, nomeadamente para efeito do disposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, são apenas as de fundo e que integram a matéria decisória, isto é, as que se relacionem com o pedido, a causa de pedir e as exceções (vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2005, proferido no recurso n.º 05S2137 ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25/09/2012, proferido no recurso n.º 05073/11).

Ora, a Requerente invocou, ao longo da sua extensa p.i., inúmeros argumentos que não implicam necessariamente uma pronúncia expressa por parte do Tribunal, apesar de terem sido relevados para a decisão final.

Assim e tendo em consideração o que acima expôs, as questões que se relacionam diretamente com o pedido formulado pela Requerente são as seguintes:

  1. Falta de fundamentação e erro de quantificação da matéria coletável subjacente ao ato de liquidação;
  2. Ilegalidade da correção que desconsiderou os encargos financeiros suportados com empréstimos e prestações suplementares da Requerente às suas participadas;
  3. Ilegalidade da correção que desconsiderou os encargos financeiros relacionados com participações sociais;
  4. Ilegalidade da correção que desconsiderou os encargos inerentes à alienação de partes de capital;
  5. Pedido de indemnização por garantia indevida.
  6. Juros compensatórios e juros de mora.

 

São estas as questões a decidir.

 

VI. Do Direito

 

A) Falta de fundamentação e erro de quantificação da matéria coletável subjacente ao ato de liquidação

 

Invoca a Requerente que o ato de liquidação em crise padece de falta de fundamentação ou, pelo menos, de erro de cálculo e apuramento, alegando ainda a existência de fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário.

Vejamos então.

Para que se possa fazer uma análise adequada deste vício, tal como o mesmo vem alegado pela Requerente, importa evidenciar que esta última foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, em sede de IRC, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2015... .

Este procedimento, tal como resulta provado e não foi contestado pela Requerente, teve início no dia 23/06/2015 e conclusão em 03/11/2015, com a prática dos respetivos atos inspetivos. No âmbito do mesmo, foram efetuadas as correções em sede de IVA e de IRC melhor identificadas no Relatório de Inspeção Tributária validamente notificado à Requerente.

Ora, da leitura do referido Relatório de Inspeção Tributária resulta evidenciado que as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, no que tange ao IRC do exercício de 2012 da Requerente, ascenderam ao montante total de € 564.395,48. Daí resultou o apuramento de um lucro tributável de € 1.077.437,60, com referência à totalidade do Grupo de que a Requerente é a sociedade dominante, ao invés dos € 513.042,12 anteriormente declarados pelo mesmo Grupo.

A referida correção de € 564.395,48 foi efetuada da forma a seguir descrita e não contestada por ambas as Partes:

 

Acresce ter ficado igualmente patente que a Requerente inscreveu, no campo 303, do Quadro 9, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo, a título de prejuízos fiscais dedutíveis do Grupo, o montante total de € 50.418,22. Deste valor, € 40,30 respeitaram à sociedade “D..., Lda” (contribuinte n.º ...), € 22.883,42 à sociedade “E..., Lda” (contribuinte n.º...) e, por fim, € 27.494,49 à sociedade “F..., Lda” (contribuinte n.º ...). Factos que resultam dos autos e não foram igualmente contestados.

Em face disso, os Serviços de Inspeção Tributária, ao aceitarem o montante dos prejuízos fiscais declarados pela Requerente, neste exercício de 2012, por cumprirem com os requisitos constantes da alínea a), do n.º 1, do artigo 71.º do CIRC, foi aquele montante de € 50.418,22 deduzido ao Lucro Tributável apurado em consequência das correções efetuadas e que se cifrou, como se viu, no montante de € 1.077.437,60.

Desses cálculos resulta o apuramento de uma Matéria Tributável, por referência ao exercício de 2012, de € 1.027.019,38, tal como está evidenciado na Liquidação Adicional de IRC nº 2016..., ora em crise.

Ora, a jurisprudência tem desde sempre sufragado o entendimento de que o ato administrativo – aqui se incluindo o ato em matéria tributária - se encontra suficientemente fundamentado quando do mesmo é possível extrair o respetivo percurso cognoscitivo. É também isso que resulta do disposto nos artigos 63.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Nas palavras do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferidas no Acórdão de 11.12.2007, proferido no recurso n.º 615/04, “o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte”.

Ainda de acordo com o mesmo STA, no Acórdão de 10.02.2010, proferido no processo nº 01122/09, considerou-se que “a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é; quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”.

Também a título exemplificativo, cite-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.02.2012, proferido no processo n.º 00881/08.0BEBRG, que alinhou no mesmo sentido, considerando que “Se da impugnação da liquidação resulta que o contribuinte percebeu as razões que determinaram o ato, então este deve considerar-se fundamentado”.

O dever de fundamentação dos atos administrativos ou tributários visa essencialmente, por um lado, inteirar o respetivo destinatário das razões ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido e, por outro lado, permitir o controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determina decisão concreta.

“(…) o imperativo de fundamentação expressa (...) desempenha, assim, tipicamente, um papel de garantia funcional, com a pretensão de assegurar a racionalidade e a controlabilidade dos momentos característicos da função administrativa, daqueles em que os órgãos da Administração tomam decisões de autoridade que produzem modificações jurídicas no mundo externo (…)” (cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Coimbra, 1992, p. 215).

Posto isto, os valores acima referidos são facilmente compreensíveis e decorrem das correções constantes do Relatório de Inspeção Tributária e das próprias Declarações de Rendimentos apresentadas pelas várias sociedades que integram o Grupo C..., quanto ao exercício de 2012.

De resto e sem necessidade de qualquer outra consideração ou cálculo, bastaria ao Requerente apurar a diferença entre o valor que resultava do Relatório de Inspeção Tributária (€ 1.077.437,60) e o valor constante do ato de liquidação contestado (€ 1.027.019,38), que é de € 50.418,22, para concluir que essa diferença correspondia precisamente ao valor dos prejuízos fiscais declarados pelo Grupo C... .

Pelo que, desde logo no que se refere ao cálculo da Matéria Tributável inscrita no ato de liquidação ora em crise, afigura-se-nos que o mesmo não enferma do vício que lhe é apontado pela Requerente.

O mesmo sucedendo, refira-se, quanto às demais correções efetuadas pela AT, na medida em que é por demais evidente que as mesmas decorrem diretamente das correções efetuadas ao IRC do exercício de 2012 e que se encontram plasmadas no respetivo Relatório de Inspeção Tributária validamente notificado à Requerente. Sem sequer ser necessário presumi-lo.

Idêntico entendimento aplica-se às correções da derrama e dos Pagamentos Especiais por Conta, neste exercício de 2012, pois o ato de liquidação emitido resulta, também nessa parte, dos elementos declarativos das várias sociedades que compõem o Grupo C... no ano de 2012 e das próprias correções realizadas pelos Serviços de Inspeção Tributária.

Por fim, quanto à questão da dúvida sobre a quantificação do facto tributário, nos termos do disposto no artigo 100º, nº 1, do CPPT, considera-se que, por tudo o que foi acima dito, tal vício também não poderá proceder.

Mas acrescente-se que nesta matéria sempre consideraríamos, tal como fez o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 15.02.2012, proferido no processo n.º 00881/08.0BEBRG, que a dúvida que implica a anulação do ato de liquidação não pode considerar-se fundada se assentar “na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. (…) O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se ser fundada aquela dúvida”.

A verdade é que a Requerente não carreou para os autos qualquer elemento probatório suscetível de gerar a dúvida quanto aos cálculos efetuados pela AT, nomeadamente, porquanto estes últimos são facilmente explicados, como se constatou.

Assim, improcedem os vícios invocados, relativos a falta de fundamentação e dúvida sobre a quantificação dos fatos tributários.

 

B) Encargos financeiros suportados com empréstimos e prestações suplementares às participadas

 

Passemos agora à análise da questão de saber se, à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC, poderiam ter sido corrigidos os gastos financeiros incorridos pela Requerente com suprimentos e prestações suplementares efetuadas às suas participadas, sem que fossem debitados quaisquer juros ou encargos.

Antes de mais, importa fazer referência ao regime legal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), pois, assumindo a Requerente esta forma jurídica, a aferição do cumprimento da norma prevista no artigo 23.º do CIRC terá que ser feita tendo em consideração esse aspeto. Ora, as SGPS foram criadas através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, no contexto da integração de Portugal no mercado comum europeu, tendo por objetivo dotar as empresas portuguesas de mecanismos, nomeadamente de natureza fiscal, que lhes permitissem concorrer com as suas homónimas europeias.

Para além disso, o intuito foi estimular a criação de grupos económicos, dotando-os de instrumentos que permitissem a gestão centralizada e especializada de participações sociais.

De facto, o objeto social das SGPS é, exclusivamente, a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas. Essa participação é considerada indireta quando não tenha caráter ocasional e abranja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Tal não invalida que as SGPS possam também exercer outras atividades, como a prestação de serviços técnicos de administração e de gestão das sociedades participadas, nomeadamente, quando constituem a sociedade-mãe de um grupo de empresas ou, em situações excecionais, a aquisição de imóveis.

Por regra, às SGPS encontra-se vedada a possibilidade de concessão de crédito, exceto se o fizerem relativamente a sociedades dominadas, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais, ou a sociedades em que detenham uma Participação Tipificada ou uma Participação Excecionada (nos termos definidos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88.

Ora, a atividade das SGPS é, como se constatou, a gestão de participações sociais, ainda que tal possa também envolver o financiamento e a aquisição, administração e alienação das próprias participadas. Mas, embora se admita a possibilidade das SGPS financiarem, a verdade é que não têm por escopo financiar ou prestar serviços. Não é essa a sua essência.

Deste modo, o financiamento de uma participada pode, em última instância ou em abstrato, servir também o interesse da própria participante, a SGPS, na medida em que seja potencialmente gerador de rendimentos na esfera desta última. Todavia, no imediato, essas operações de financiamento, tal como sucedeu com as que foram realizadas pela Requerente no exercício em causa, visam por regra reforçar os capitais das participadas e incrementar os seus resultados individuais.

E isto é tão mais verdade pelo facto, inequivocamente confirmado pela Requerente e pelas próprias testemunhas por si arroladas, de que existe sempre um período de maturação da própria dívida, que poderá ser de 4, 5 ou 10 anos. Período esse durante o qual as participadas não têm capacidade para pagar, mas em que, salvo melhor opinião, terá que ser ajustado o valor do financiamento na esfera da entidade beneficiária.

Só assim não seria se acaso fosse impossível estabelecer um nexo de causalidade entre os encargos suportados com o financiamento das participadas e os proveitos obtidos individualmente, por cada uma das entidades financiadas. Sendo possível fazê-lo, como é o caso, as sociedades participadas deverão balancear tais custos com os respetivos proveitos (caso estes existam). Certo é que deverão ser tidos em consideração no apuramento do resultado líquido das participadas, no exercício em que forem debitados.

De facto, a Requerente poderia debitar tais juros às participadas, ainda que os mesmos apenas viessem a ser pagos posteriormente.

Caso contrário, não está a ser dado cumprimento à exigência legal prevista no artigo 70.º do Código do IRC, de que as sociedades que se encontram sujeitas ao RETGS, como é o caso, estão obrigadas ao apuramento do lucro tributável de cada uma dessas sociedades na respetiva declaração periódica de rendimentos.

De facto, nos termos do disposto no artigo 70.º do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos (idêntica à redação atual dessa mesma norma), o apuramento do resultado do Grupo é efetuado “através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.

Não se vislumbram motivos para que não seja assim, nem qualquer justificativo, perante tal imperativo legal, para que seja a Requerente a assumir em exclusivo os gastos financeiros decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares por si realizados, subtraindo os montantes em causa aos seus próprios resultados. Ainda que, em face da aplicação do regime de tributação previsto naquele artigo 70.º do Código do IRC, o efeito seja idêntico, quer o custo seja imputado à esfera da participante ou da participada.

A propósito desta questão, acompanhamos a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.04.2012, no processo n.º 05251/11, na qual se considerou o seguinte: “Como se não encontra em causa, a ora recorrida constitui a sociedade dominante de um grupo de sociedades, todas elas sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (doravante RETGS), contido nos art.ºs 63.º e segs do CIRC (redacção do Dec-Lei n.º198/2001, de 3 de Julho), tendo neste exercício de 2006 vindo a optar pela tributação por este regime, o qual veio a substituir, com alterações, o anterior regime de tributação pelo lucro consolidado, previsto no então art.º 59.º do CIRC, em que a matéria colectável de todas essas sociedades é determinado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo – cfr. n.º1 do art.º 64.º - sendo também certo, que a ora recorrida tinha por objecto social a «Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários», o que, como em parte bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo”, por inerência, na sociedade dominante, efectuar investimentos financeiros inerentes às aquisições de acções ou quotas das empresas participadas, pelo que no exercício em que forem atribuídos lucros à sociedade detentora das participações, ou que as participações venham a ser alienadas, os correspondentes montantes obtidos virão a ser considerados proveitos do exercício, pelo que os encargos suportados decorrentes da titularidade daquelas participações sociais, cuja alienação determina os correspondentes ganhos/perdas em imobilizações, ou os lucros a si atribuídos pelas sociedades participadas, são considerados proveitos do exercício, pelo que sendo susceptíveis de gerarem lucros e/ou mais-valias na alienante, no futuro, não poderão ser desconsideradas ab initio, num juízo de indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, em suma, o enquadramento dos lucros tributáveis de todas as empresas nesse perímetro de consolidação inerente ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades pressupõe a observância do requisito relativo à totalidade dos rendimentos das sociedades pertencentes ao grupo estarem sujeitas ao regime geral de tributação e ser calculado pela sociedade dominante, nos termos do disposto nos n.ºs 3, alínea a) e 8.º, alínea a) do citado art.º 63.º e 64.º, n.º1.

Como nesta parte, igualmente, bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, a deliberação do conselho de administração da sociedade dominante, em a vincular à realização de prestações acessórias de capital com o regime das prestações suplementares de capital, não foi refutado pela AT no relatório do exame à escrita efectuado e nem foi ao seu abrigo que tais custos foram desconsiderados (podendo sê-lo, por força do disposto no art.º 210.º, n.º1 do CSC, já que as mesmas só são possíveis se o contrato de sociedade o permitir, o que não era o caso(3)), mas sim porque tais montantes, necessários para adquirir tais participações financeiras, são de imputar na esfera jurídica das sociedades dominadas que não na sociedade dominante, como autónomas que são, com objecto autónomo de determinação da matéria colectável, tendo personalidade e capacidade jurídica distintas que a sua relação de domínio não afecta ou anula.

Como se refere naquela decisão, “Ora, não obstante a ora recorrida também englobar no seu objecto social a gestão de participações em outras sociedades, não se encontram aqui em causa essas participações em si mesmas, mas sim os seus acessórios, ou sejam, os encargos financeiros relativos aos empréstimos bancários contraídos e que foram aplicados nessas associadas, directamente para o prosseguimento normal das actividades destas, e que é onde, desde logo, directamente, os normais efeitos irão ter lugar (susceptibilidade de gerarem lucros), numa relação causal ou de dependência, pelo que tais encargos eram a estas sociedades que directamente deveriam ser imputados que não à sociedade dominante, sob pena de passarem a ser imputadas a esta os efeitos dos exercícios das actividades na prossecução do objecto social dessas participadas, passando a haver um assunção de passivo de umas por outra, com resultados fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado às sociedades que deles necessitam, para o exercício das suas actividades, já que mesmo no domínio da determinação do lucro tributável deste regime especial de tributação, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, nos termos do disposto no art.º 64.º, n.º1 do CIRC.

A não ser assim, desrespeitando estas regras do apuramento do lucro tributável, nos termos gerais, designadamente da imputação dos custos elegíveis para cada uma delas, de forma autónoma e independente, então não faria sentido que a lei mandasse apurar o lucro tributável de cada uma delas na respectiva declaração periódica de rendimentos desse exercício, bastando apurar o relativo à sociedade dominante com tais componentes positivas e negativas de todas essas associadas, de forma unitária e global, despersonalizando todas essas sociedades associadas, designadamente ao nível da sua autonomia comercial e fiscal, o que a lei, designadamente nas citadas normas, não veio a estabelecer.

Por outro lado, como bem se pronuncia a inspecção tributária, no respectivo relatório, a norma do art.º 31.º do EBF (na republicação do Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, alterada pelo art.º 45.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2002, aqui aplicável), determinava que às SGPS e às SCR era aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 5 do art.º 46.º do CIRC, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 4 do seu art. 45.º, ou seja, que os lucros distribuídos pelas sociedades participadas às sociedades participantes, eram deduzidos na base tributável do apuramento do lucro tributável destas, bem como beneficiavam da diferença entre as menos e mais-valias realizadas desde que fossem objecto de reinvestimento, o que no caso implicava que tais encargos dos empréstimos suportados pela ora recorrida deixariam (ou poderiam deixar, no caso das mais valias) de ter reflexos ao nível dos proveitos que a título de lucro lhe pudessem vir a ser distribuídos, ao contrário do que parece defender o M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida, onde não vimos que com a aplicação de tal regime imanente daquele art.º 31.º do EBF determinasse a caducidade do regime geral de tributação em IRC, sendo certo que as invocadas normas dos n.ºs 3 e 8 do art.º 63.º do CIRC, o não impõem, todas elas inseridas no Capítulo III do mesmo Código sob a epígrafe, Determinação da matéria colectável, em cujas secções I a VI, determinam a concreta forma de apuramento da matéria colectável de acordo com as diversas situações que, em cada uma delas, são subsumidas, desta forma, não podendo deixar de existir, na esfera da ora recorrida, a falta do balanceamento ou matching entre os custos suportados com esses encargos e os respectivos proveitos (ou podendo não haver, no tocante às mais valias), o que impediria que tal custo pudesse ser considerado um custo fiscal na mesma sociedade.

Ainda que tais prestações a favor das associadas seja de qualificar como imobilizado financeiro, como invoca a recorrida – cfr. sua conclusão 4ª - não são em si tais prestações que aqui estão directamente em causa, mas sim os encargos financeiros incorridos na sua obtenção, o que, de qualquer modo, possa afastar a qualificação desses montantes da disciplina geral dos custos contida no art.º 23.º do CIRC, nem se percebendo a referência à exclusão da tributação das mais valias cujos encargos conexos não constituiriam custos fiscais, ao arrimo do art.º 32º do EBF – cfr. sua conclusão 16.ª - quando tal norma se reporta aos Clubes de investidores, que não às SGPS, que antes encontra regulamentação na anterior norma do seu art.º 31.º, com o seu campo de aplicação acima analisado.

É certo que, no anterior regime da tributação pelo lucro consolidado previsto no então art.º 59.º do CIRC, esta constituía uma excepção à regra da tributação em IRC segundo a individualidade própria da cada uma, sendo a tributação efectuada dentro do grupo de que faziam parte, conferindo assim ao grupo de sociedades personalidade tributária autónoma englobalizante da das sociedades integrantes(4) ...IRC calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo ... cfr. n.º1 do mesmo art.º 59.º - regime então condicionado à autorização do Ministro das Finanças e algo diverso do actualmente vigente neste RETGS, pois que, ainda que o lucro tributável seja calculado pela sociedade dominante, é o resultante da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo – n.º1 do art.º 64.º - todas estas sujeitas ao regime geral de tributação em IRC – art.º 63.º, n.º3, alínea a) – a que depois haverá lugar à correcção em relação aos lucros distribuídos, que constitui a colecta única a pagar, não havendo lugar a tal pedido de autorização mas tão só de comunicação dessa opção à DGCI, nos termos do n.º7 do mesmo art.º 63.º do mesmo CIRC.

Porém, até ao momento do apuramento do lucro tributável, pela sociedade dominante, nesse grupo de empresas localizadas nesse perímetro de consolidação, nas suas relações com terceiros, quer no cumprimento do objecto social de cada uma delas, tudo se passa como constituindo cada uma dessas sociedades uma pessoa jurídica distinta e diversa de cada uma das outras desse grupo, não sendo nesta vertente, afectadas pela relação de domínio existente em relação à sociedade dominante, todas elas sujeitas ao regime geral de tributação em IRC, e como tal, sujeitas às regras gerais do apuramento da matéria colectável dos art.ºs 15.º e segs do CIRC, designadamente no que à qualificação dos custos tange, prevista no seu art.º 23.º, e a relação de causalidade entre certo custo e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, ainda que tal causalidade não tenha de ser do tipo conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com esse custo, mas antes uma relação que tenha em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica à finalidade da obtenção maximizada de resultados(5) pretendidos obter”.

Mas também se analisarmos esta questão exclusivamente à luz do disposto na norma prevista na alínea c) do artigo 23.º do CIRC, não podemos deixar de concluir pela obrigatoriedade de relevação dos custos nas esferas dos seus beneficiários.

Neste ponto, teremos que fazer referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30/05/2012, proferido no processo n.º 0171/11, em que foi Relatora a Conselheira Fernanda Maçãs, no qual a questão decidenda consistia precisamente em saber se, à luz daquela norma, deveriam ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e impostos de selo de empréstimos bancários contraídos, ainda que originassem prejuízo e que não fossem estritamente necessários para a obtenção dos ganhos da entidade pagadora. Entre esta última e as empresas beneficiadas existia uma relação de domínio total.

A decisão então proferida foi a que ora parcialmente se transcreve: “Dispõe o predito normativo legal «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…».

Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.

A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.

Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.

Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais”.

Idêntica conclusão terá que ser tirada no caso vertente, sendo também certo que, por força do facto de o eventual retorno com os suprimentos só ocorrer alguns anos após a injeção de capital, no imediato, nem sequer ficou demonstrada a indispensabilidade de tais encargos com a atividade da Requerente.

De resto, se os empréstimos concedidos pela Requerente fossem remunerados, a questão da contabilização provavelmente não se colocaria, pois não existiriam dúvidas quanto à sua imputação na esfera das sociedades participadas.

Por fim, o Tribunal considera ainda que ficaram algumas questões por esclarecer, por parte da Requerente.

Do depoimento da testemunha Q..., responsável pela contabilidade da Requerente desde o ano 1995, decorre não ser possível estabelecer uma conexão direta entre os financiamentos obtidos pela Requerente e os financiamentos concedidos, tal como a própria Requerente asseverou, pelo que não se pode afirmar perentoriamente que os primeiros não se destinaram a suportar os segundos, sobretudo quando alguns dos elementos contabilísticos apresentados pela Requerente parecem atestar o contrário. Nomeadamente, o Mapa de Fluxos de Caixa referente aos movimentos financeiros de 2012, que espelha, por exemplo, que os Fluxos de Caixa das Atividades de Financiamento são deficitários em cerca de € 1.995.433,41, ou seja, que a Requerente concedeu um valor de financiamento largamente superior ao que recebeu.

Assim, o Tribunal formou a convicção de que os encargos financeiros em causa não estão diretamente relacionados com a atividade própria da Requerente, não podendo ser aceite a sua dedutibilidade na esfera desta última, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC, pelo que andou bem a Autoridade Tributária ao corrigir os respetivos montantes. Em consequência, improcede o pedido arbitral nesta parte, mantendo-se a liquidação de IRC agora contestada.

 

C) Encargos financeiros relacionados com participações sociais

 

Neste ponto, cumpre aferir se a correção do acréscimo respeitante a encargos financeiros relacionados com participações sociais, efetuada pela AT no exercício de 2012, é legalmente admissível.

Para se decidir esta questão, importa salientar que a Requerente desconsiderou 40% dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.

Por seu lado, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que, da totalidade dos encargos relevados pela Requerente, no montante de € 1.017.844,65, não poderia ser aceite fiscalmente o montante de € 334.481,79 por se considerar afeto a participações sociais. Assim, por ter sido acrescido pela Requerente o montante de € 150.713,25, foi nestes termos acrescido ao Resultado Tributável do ano de 2012 e ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 32.º, do EBF, o montante de € 183.768,54.

Esta correção sustentou-se, unicamente, no entendimento plasmado na Circular nº 7/2004, da Direção dos Serviços do IRC.

Vejamos então se tem fundamento tal correção.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na redação em vigor à data dos factos, “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.

Já a referida Circular n.º 7/2004 postula o seguinte: “(...)quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”.

Ora, nesta matéria, a Jurisprudência, quer dos tribunais arbitrais, quer dos tribunais administrativos e fiscais, tem sido unânime em considerar ilegal o entendimento fixado na aludida Circular nº 7/2004, não apenas por consagrar a utilização de um método de imputação indireta, mas, também, porquanto o apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis não pode ser efetuado por Circular ou Instrução Administrativa.

Disso são exemplos, em sede arbitral, as decisões proferidas nos processos nºs 21/2012-T, 24/2012-T, 292/2015-T, 295/2015-T, 738/2014-T, 69/2016-T ou 663/2015-T.

De igual modo, veja-se as decisões proferidas pelo STA (processo n.º 0227/16, de 08/03/2017) ou pelo TCAN (processos n.ºs 00997/12.8BEPRT, de 14/03/2013, n.º 00946/09.0BEPRT, de 15/01/2015).

De facto, todas as decisões acima identificadas consideraram, de forma unânime, que a Circular n.º 7/2004 padece do vício de inconstitucionalidade formal, por violação dos princípios da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República.

A título exemplificativo, refira-se a decisão plasmada naquele Acórdão TCAN, proferido no processo n.º 00946/09.0BEPRT, de 15/01/2015, à qual se adere:

Em Portugal vigora o princípio da legalidade tendo como corolário segundo a doutrina clássica o princípio da tipicidade fechada sendo a matéria de incidência tributária de reserva relativa de Lei da Assembleia da República. No caso presente a lei não estabelece critérios de afectação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado ”direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado.

Os contribuintes não estão obrigados a seguir os procedimentos vertidos na Circular 7/2004 de 30.3.2004 (doravante designada por circular 7/2004) pois aos mesmos apenas estão vinculados os funcionários tributários perante a sua tutela e nada mais.

Não podemos concordar com o enunciado na Circular 7/2004 no seu ponto 7 onde se refere “dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria”: devido ao desenvolvimento e sofisticação dos sistemas de informação de gestão disponíveis no mercado, deveria privilegiar-se o método de afectação directa e só na impossibilidade de utilização do mesmo ; é que se avançaria como método alternativo o preconizado na Circular 7/2004».

De facto e aqui acompanhamos o que foi decidido pelo CAAD, no Acórdão n.º 277/2016-T: “Na verdade, não há o mínimo suporte legal para, em vez de determinar casuisticamente se existe ou não afetação dos recursos financeiros geradores dos encargos à aquisição de determinadas partes de capital, imputar os encargos, «em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição». Ora este método só corresponderia ao legalmente exigido para determinar os encargos não dedutíveis, se se provasse que, de facto, os financiamentos a que se referem os encargos financeiros tivessem sido afetados da forma aí prevista e, designadamente, no que concerne às participações sociais, tivessem sido utilizados proporcionalmente para as adquirir. Mas, para além dessa falta de prova da correspondência entre a realidade e o critério de imputação utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nem sequer é aventada na referida Circular qualquer explicação para ser utilizada fórmula indicada e não outra”.

Efectivamente, mesmo que o método de apuramento vertido na Circular em causa seja, por vezes, mais favorável do que seria a mera aplicação dos elementos fornecidos pelo próprio contribuinte, a verdade é que se trata de um método indireto e que utiliza uma presunção, em evidente violação também do princípio da tributação pelo lucro real, plasmado no artigo 103.º da CRP.

Assim, não estando estabelecido um critério estanque, para efeitos da relevação destes encargos, o critério utilizado pelo contribuinte não é suscetível de censura.

Pelo que carece de fundamento esta correção, devendo ser anulada.

 

D) Encargos financeiros relacionados com a alienação de partes de capital

 

Neste ponto e como se aludiu, os Serviços de Inspeção Tributária não aceitaram como gasto fiscal do exercício de 2012 o montante de € 38.163,24, referente a encargos contabilizados pela Requerente com comissões pagas à sociedade sul-africana G... Limited, associadas à alienação da participada B..., sociedade também sedeada na África do Sul, no montante de € 30.450,00 (registados na conta # 62213) e a serviços jurídicos prestados na África do Sul pela sociedade “J...”, no montante de € 7.713,24.

Segundo invoca a Requerida, fazendo apelo ao que a este propósito consideraram os Serviços de Inspeção Tributária, que “Estes encargos, que se cifraram em € 38.163,24, concorreram para o apuramento do Resultado Tributável do ano de 2012 como componente negativa, uma vez que foram registados como Gastos pela Requerente. A alienação da participada B... gerou para a A... uma mais-valia de € 438.700,00 no ano de 2012, que não foi tributada por força da aplicação do regime fiscal da SGPS consignado no artigo 32º, nº. 2 do EBF, tendo sido deduzida pelo sujeito passivo no campo 767 do quadro 07 da declaração Modelo 22 relativa a 2012”.

Depois e no que toca ao quadro legal invocado para fundamentar esta correção, considera a Requerida que: “Porém, estipula o artigo 46º do CIRC no seu nº. 2, o seguinte: «As mais-valias e as menosvalias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções (…)». Isto significa que os encargos no montante de € 38.163,24, tratando-se de encargos inerentes à venda da B..., não foram aceites como gasto para efeitos fiscais no ano de 2012, tendo sido portanto acrescidos ao Resultado Tributável daquele exercício, como aliás decidiu o tribunal arbitral no âmbito do Processo n.º 277/2016-T”.

No entanto e uma vez mais, não acompanhamos o que foi decidido naquele Acórdão Arbitral, porque entendemos que a fundamentação utilizada pela AT, para justificar esta correção, padece de um erro de apreciação das normas a aplicar.

De facto, preceitua o n.º 2, do artigo 46.º, do CIRC, que: “As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções (…)”.

Mas tal norma visa apenas consagrar a forma de cálculo das mais e das menos-valias obtidas pelas SGPS, não tem qualquer interferência na aferição da dedutibilidade do custo relativo aos encargos com a aquisição de partes sociais. Para se fazer esta análise, teria a AT que se socorrer, apenas e só, da norma constante do artigo 23.º do Código do IRC.

E, nessa medida, e também em coerência com tudo o que se disse acima, consideramos que o pagamento da comissão e dos serviços jurídicos em causa está relacionado com a atividade de gestão de partes de capital, exercida pela Requerente enquanto SGPS.

O enquadramento que a AT fez desta questão é incorreto, porque baseado numa norma – o n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC - que não tem a faculdade de definir os termos da dedutibilidade e imprescindibilidade do custo e do seu, maior ou menor, contributo para a manutenção da fonte produtora. Pelo que  esta correção padece de vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 46.º, n.º 2 e 23.º nº 1, ambos do CIRC.

A liquidação em crise deverá, assim, ser anulada nesta parte, procedendo o pedido também nesta parte.

 

E) Pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Tal como ficou demonstrado nos autos, a requerente teve que proceder à constituição de garantias, para suspensão do processo de execução instaurado para cobrança da dívida referente ao ato de liquidação em crise, quais sejam as duas fianças melhor identificadas e cuja cópia foi junta ao pedido arbitral como Doc. n.º 26.

Deste modo, na parte em que lhe foi dada razão, no âmbito do presente pedido arbitral, reconhecendo-se a ilegalidade do procedimento adotado pela AT e, em consequência, a ilegalidade do ato de liquidação em crise, terá a Requerente que ser ressarcida, a final, dos encargos suportados com a prestação daquela garantia.

Só assim será assegurada, como impõe o artigo 100.º da LGT, a imediata e plena reconstituição da situação que existiria, caso não tivesse sido cometida tal ilegalidade.

Para além disso, estabelece o n.º 1 do artigo 53.º da LGT que “1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. E o seu n.º 2 que “O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.

Ainda segundo o n.º 3 da mesma norma, “A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente”, determinando, por fim, o n.º 4 que “A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

Nestes termos, deverá ser reconhecido o direito da Requerente ao pagamento da indemnização devida, nos termos previstos no artigo 53.º da LGT, pelos encargos suportados com a prestação da referida garantia, na proporção do vencimento da presente ação.

 

F) Juros compensatórios e juros de mora.

 

Lembremos que está em causa, no presente processo, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, juros compensatórios e juros de mora nº 2016..., de 22.02.2016, relativa ao exercício de 2012, da qual resultou o valor de € 161.463,03 a pagar, e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 11.05.2016.

Dos € 161.463,03 a pagar, € 15.731,06 correspondem a juros compensatórios e € 155,10 a juros de mora.

1) É de assinalar que, ao longo do processo, só a Requerente aborda o tema dos juros compensatórios (arts. 731ss PPA, 376ss Alegações) e dos juros de mora (arts. 745ss PPA, 379ss. Alegações), sendo a Requerida omissa quanto a esses dois pontos, quer na sua Resposta, quer em Alegações.

Vamos desconsiderar os argumentos da Requerente que assentam no pressuposto da ilegalidade da liquidação do imposto, porque essa matéria já está resolvida, contra a pretensão da Requerente, por decisões transitadas em julgado do TCAS e do STA.

Sucede que, subsidiariamente, a Requerente usou outros argumentos em apoio da ideia de que tais juros não seriam devidos: a inexistência de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do sujeito passivo e o retardamento da liquidação do imposto, bem como a censurabilidade ético-pessoal de tal comportamento, a título de dolo ou negligência – invocando em seu apoio o Acórdão do STA, 2ª Secção, de 16.12.2010, Proc. 0587/10, em cujo sumário se pode ler que “A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). II – Nesse contexto, e em face do preceituado nos artigos 35.° da LGT e 89.° do CIVA, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte. III – Consistindo a culpa na omissão reprovável de um dever de diligência, que tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência, aptidão e conhecimento de um bonus pater familia”; ou o Acórdão do STA, 2º Secção, de 23.10.2002, processo n.º 01145/02, segundo o qual «I - Os juros compensatórios decorrentes do atraso na liquidação do respectivo imposto (art.º 90° do CIRS, art.º 80° do CIRC e art.º 89° do CIVA) pressupõem a existência de culpa (dolo ou negligência) do contribuinte pelo atraso ou falta da liquidação. II - A eventual impugnação da liquidação destes, quando autonomamente liquidados, se fundamentada em factos autónomos, não depende e muito menos necessariamente da impugnação da liquidação do imposto respectivo. III - Verificando-se porventura que o eventual atraso na liquidação se ficou antes a dever a mera e compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte ou a erro desculpável deste, não são devidos aqueles juros.”.

Ora, a verdade é que, como a Requerente assinala, a AT não suscitou essas questões, não as alegou nem as provou, seja no procedimento inspectivo, seja no processo arbitral.

Na ausência de prova do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e uma actuação do contribuinte que fosse susceptível de um juízo de censura ético-pessoal, deixam de estar preenchidos os requisitos de que depende a legalidade de juros compensatórios: lembremos que os arts. 102º, 1 do CIRC e 35º, 1 da LGT reclamam, para que acresçam juros compensatórios ao montante de imposto devido, que o atraso na liquidação seja devido a facto imputável ao sujeito passivo.

Os juros compensatórios têm um carácter sancionatório, e são devidos pelo sujeito passivo com o propósito essencial de ressarcir a Administração pelo atraso na liquidação do imposto que a ele seja imputável, apontando para o caso mais frequente em que o contribuinte entrega a declaração de rendimentos fora dos prazos legais, prejudicando a liquidação atempada do imposto – compensando a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente.

Há que reconhecer que, no que respeita ao tema central da liquidação do imposto, o presente processo, e os procedimentos que o antecederam, revelaram apreciável complexidade, sendo plausível que o retardamento da liquidação se tenha ficado a dever a compreensíveis dúvidas, dificuldades ou divergências razoáveis de critérios quanto à qualificação e enquadramento da situação tributária, caso em que o facto determinante, ainda que imputável ao contribuinte, pode considerar-se como constituindo um erro desculpável, insusceptível de ocasionar o direito a juros compensatórios – como especificamente sucederá quando a lei apresente dificuldades de interpretação e a opção realizada pelo contribuinte, ainda que defensável, tenha sido posta em causa, com ou sem sucesso, pela Administração.

No caso vertente, o atraso na liquidação ficou a dever-se, não a um comportamento omissivo e censurável do sujeito passivo, mas a um procedimento inspectivo desencadeado pela Autoridade Tributária e que conduziu a uma diferente qualificação jurídica dos factos tributários.

Neste condicionalismo, não podendo imputar-se à culpa da Requerente a inexactidão em que incorreu a Requerente, não se mostra justificado o pagamento de juros compensatórios por atraso na liquidação do imposto.

2) Quanto aos juros de mora, a Requerente usou o argumento subsidiário de que terá procedido ao pagamento e de que o terá feito dentro do prazo, alegando que a AT teria conhecimento oficioso desse pagamento atempado, e dele se teria produzido prova testemunhal – afirmação que a Requerida não contestou.

Ora os juros de mora são devidos por atrasos no pagamento, como estabelecem os arts. 109º e 110º do CIRC e 44º da LGT, e não por atrasos na liquidação.

Novamente, a AT não suscitou essas questões, não as alegou nem as provou, seja no procedimento inspectivo, seja no processo arbitral, pelo que não podem descortinar-se os fundamentos para que acresçam juros de mora ao montante de imposto devido.

Neste condicionalismo, não se tendo sequer alegado, nem provado, a falta de pagamento pontual do imposto liquidado, não se mostra justificado o pagamento de juros de mora.

 

V. Decisão

 

Em face do exposto, decide-se:

  1. julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando, com os fundamentos acima invocados, a liquidação de IRC e de juros compensatórios em crise, referente ao exercício de 2011, quanto à correção relativa ao acréscimo de encargos financeiros com a aquisição de participações sociais, no montante de € 183.768,54, e quanto à correção referente ao acréscimo de encargos com a alienação de participações sociais, no montante de € 38.163,24.
  2. julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, não anulando, e mantendo na ordem jurídica, a liquidação quanto à correção de encargos financeiros com financiamentos de participadas, no montante de € 342.463,70.
  3. julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando as liquidações de juros compensatórios e de juros de mora, num montante de € 15.886,16 (€ 15.731,06 de juros compensatórios e € 155,10 de juros de mora), a deduzir do montante total apurado de imposto a pagar, de € 161.463,03.
  4. condenar ambas as partes no suporte das custas, na proporção do respectivo decaimento.

 

Valor do processo:

 

Fixa-se o valor do processo em € 161.463,03, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e do Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do nº 1, do artigo 29.º, do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas:

 

Fixa-se o valor das custas do processo em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar por ambas as partes na proporção do decaimento na presente ação, que se fixa em 50% para a Requerente e em 50% para a Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024

 

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

 

 

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira

 

 

 

                                                          Sérgio Santos Pereira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 538/2016-T

Tema: IRC. Encargos financeiros. Aquisição e alienação de participações sociais. Empréstimos às participadas.

 

*Substituída pela decisão arbitral de 08 de fevereiro de 2024

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

  1. A sociedade A... SGPS, SA (doravante apenas “Requerente”), pessoa coletiva nº..., com sede em ..., nº ...,  ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a) e 10º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante apenas “RJAT”), bem como do disposto nos artigos 1º e 2º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, no qual é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas "Requerida" ou “AT”).
  2. No respetivo pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicitou ao Conselho Deontológico do CAAD a designação dos Árbitros, nos termos do disposto nos artigos 6º, nº 1 e 11º do RJAT.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26/09/2016, tendo as Partes sido notificadas, em 10/11/2016, dos árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD.
  4. Após aceitação por parte dos árbitros designados, o presente Tribunal Arbitral considerou-se constituído no dia 25/11/2016, em conformidade com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, todos do RJAT (com a redação introduzida pelo art. 228.º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
  5. Em 09/03/2017, foi realizada a Reunião do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto no artigo 18.º do RJAT, no âmbito da qual foi produzida a prova testemunhal arrolada pelas Partes, e a decisão anunciada para 25/05/2017.
  6. As partes apresentaram alegações escritas.
  7. No âmbito do pedido de pronúncia arbitral por si apresentado, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, Juros compensatórios e Juros de Mora nº 2016..., de 22.02.2016, relativa ao exercício de 2012, da qual resultou o apuramento de um montante a pagar de € 161.463,03, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 11/05/2016.
  8. Peticionou igualmente o pagamento de uma indemnização pelos encargos suportados e a incorrer com a garantia prestada para suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do ato de liquidação em crise.
  9. Por fim, peticionou a condenação da Requerida no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver.
  10. A Requerente invoca em síntese o seguinte:
  1. Nem do relatório inspetivo, nem da liquidação, constam as operações de cálculo e apuramento, tão pouco os fundamentos de facto e de Direito, que presumivelmente estarão subjacentes à matéria coletável que serviu de base à liquidação (€ 1.027.019,38), pelo que a liquidação contestada padece de vício de falta de fundamentação, por violação dos artigos 77º nº 1 e 2 da LGT e 268º nº 3 da CRP (cfr. artigo 153º nº 2 do CPA);
  2. Ou, pelo menos, padece de erro de cálculo e apuramento, ou seja, de erro de quantificação da matéria coletável e, consequentemente, de erro de quantificação da liquidação;
  3. No que respeita às prestações suplementares efetuadas, as mesmas não configuram empréstimos concedidos, sendo antes instrumentos de capital próprio;
  4. Invoca ainda que têm um regime jurídico próprio, sendo distintas dos mútuos ou suprimentos e não podem ser remuneradas;
  5. Ao realizá-las, o sócio espera que o reforço dos capitais próprios da participada se reflita numa maior rentabilidade dos negócios e na valorização das partes de capital detidas;
  6. Na esfera das participadas beneficiárias das prestações suplementares, estas são contabilizadas nos capitais próprios e não no passivo;
  7. Relativamente à questão dos suprimentos não remunerados, concedidos às suas participadas, entende que os empréstimos concedidos, que não foram remunerados no exercício de 2012, serão remunerados a partir do ano em que as beneficiárias estejam financeiramente estabilizadas e os respetivos projetos de negócio tenham atingido o nível de maturidade necessário (o que ocorrerá, em regra, em 10 anos para projetos de energia hídrica e em 6 anos para projetos de energia fotovoltaica);
  8. Estes suprimentos não remunerados visam maximizar o retorno financeiro da Requerente e aumentar a rentabilidade das subsidiárias, com a consequente valorização das partes de capital detidas;
  9. Tanto os dividendos, como as mais-valias estão sujeitas a tributação na esfera do sócio;
  10. As partes de capital foram relevadas contabilisticamente de acordo com o Método da Equivalência Patrimonial, sendo que os resultados e outros factos ocorridos nas sociedades participadas são refletidos na própria A...;
  11. Os suprimentos podem ser remunerados ou não, dependendo do acordo estabelecido entre as partes, ou do que for deliberado em assembleia geral de sócios (conforme regime legal consignado nos artigos 243º a 245º do CSC);
  12. A AT não tem razão quando afirma que “parte dos gastos de financiamento incorridos pela A... não geraram qualquer influxo direto, mensurável e evidente no exercício da sua atividade”, pois não estabeleceu nem demonstrou qualquer relação de imputação específica e inequívoca entre os empréstimos remunerados obtidos a montante e os suprimentos não remunerados e prestações suplementares realizadas a jusante;
  13. Os encargos financeiros suportados, para serem fiscalmente aceites nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 23º do CIRC, não têm necessariamente de originar ou estar relacionados com a geração de proveitos ou de lucros;
  14. A AT não demonstrou em que medida os empréstimos remunerados, obtidos junto da Banca e dos acionistas, foram contraídos “com o fim de libertar meios financeiros para as sociedades participadas”;
  15. As prestações suplementares efetuadas às participadas traduziram-se em efetivas entradas de dinheiro, não tendo constituído “operações de cosmética contabilística”;
  16. A impossibilidade de imputação dos financiamentos obtidos a montante, aos empréstimos concedidos a jusante, resultam essencialmente do facto de, a montante, a Requerente também possuir fundos próprios (provenientes dos serviços de gestão prestados às participadas, dos dividendos recebidos, das mais-valias obtidas, etc.) e, a jusante, outras carências de tesouraria (gastos com pessoal, F.S.E., impostos, segurança social, etc);
  17. É impossível pressupor (como a AT fez) que os financiamentos obtidos junto da Banca e acionistas serviram especificamente para concessão de empréstimos e prestações suplementares às suas subsidiárias – e muito menos determinar em que medida isso poderia ter sucedido;
  18. Os encargos financeiros suportados pela Requerente não podem ascender ao montante de € 1.360.308,35, pois tal verba inclui indevidamente encargos fiscais, designadamente Imposto do Selo e serviços bancários sem qualquer relação com qualquer operação financeira bancária e que, de resto, foram contabilizados em contas distintas da conta 69 – Juros suportados (nas contas 68 – Impostos Indiretos e 62 – FSE, respetivamente);
  19. Nesse âmbito, a AT considerou juros de leasing automóvel e juros compensatórios no cálculo dos encargos financeiros suportados, que nunca poderiam estar relacionados com quaisquer suprimentos ou prestações suplementares efetuadas às participadas;
  20. A correção padece de erro nos pressupostos de facto e de errónea quantificação, devendo ser anulada nos termos do artigo 100.º, nº. 1, do CPPT;
  21. O cálculo do valor desconsiderado como gasto pela AT não está correto nem tem base legal, pois baseia-se numa fórmula de cálculo sem qualquer sustentáculo legal, tendo em vista “apurar o custo efetivo do capital por si utilizado”, cuja lógica de raciocínio não se entende;
  22. A AT propugna uma avaliação indireta da matéria coletável, de forma totalmente ilegítima, por força do princípio da tributação do rendimento real em sede de IRC (previsto nos artigos 104º nº. 2 da CRP e 17º do CIRC);
  23. A taxa efetiva de custo do financiamento alheio computada pela AT em 5,81% está erradamente quantificada, uma vez que, para efeitos do cálculo do saldo médio anual de financiamento alheio (computado em € 23.411.847,89), a AT desconsiderou o saldo das locações financeiras (por considerar que não se tratam de empréstimos obtidos, mas antes de aquisições de ativos fixos tangíveis), mas incoerentemente, considerou os juros dessas mesmas locações no total dos gastos de financiamento suportados (que calculou em € 1.360.308,35), o que deturpa completamente os cálculos de forma deliberada e dolosa, no intuito de prejudicar o contribuinte e maximizar a correção;
  24. A AT omite na sua fórmula de quantificação os empréstimos remunerados concedidos pela Requerente às suas participadas, bem como os respetivos proveitos financeiros, omitindo assim que os financiamentos remunerados obtidos junto da Banca e dos acionistas poderão ter servido para realizar esses empréstimos remunerados;
  25.  A AT ignora os empréstimos obtidos pela Requerente junto das suas participadas sem remuneração, que foram superiores, em 2012, aos empréstimos concedidos não remunerados, o que demonstra a impossibilidade prática de imputar uns a outros;
  26. A metodologia utilizada pela AT, para desconsiderar parte dos gastos financeiros suportados pela A... que respeitam aos financiamentos não remunerados concedidos às suas participadas, está completamente errada, pois a AT presumiu que tais financiamentos deveriam ser remunerados a uma taxa média de 5,81% (correspondente à taxa média calculada para o financiamento obtido), ou seja, que a Requerente deveria ter tido proveitos financeiros de € 342.463,70;
  27. A AT deveria, ao invés de corrigir custos, acrescer proveitos à Requerente, aplicando o regime dos preços de transferência (artigo 63º do CIRC), e efetuando o ajustamento correlativo nas sociedades participadas, para que estas beneficiassem de idêntico custo fiscalmente dedutível ou ter aplicado a cláusula geral anti-abuso prevista no nº. 2 do artigo 38º da LGT;
  28. Invoca a Requerente, quanto à correção dos encargos financeiros não dedutíveis, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, que o montante relevado pela AT, de € 1.017.844,65, está errado;
  29. O procedimento adotado pela AT resulta num duplo acréscimo da mesma rubrica de encargos financeiros, num total de € 526.232,24, em manifesto erro de cálculo e ostensivo prejuízo do contribuinte;
  30. Isso, em conjunto com os € 150.713,25 de encargos financeiros já acrescidos pelo próprio contribuinte e que não foram tidos em conta pela AT, representa um acréscimo total de € 676.945,49;
  31. O valor dos ativos remunerados considerado pela AT, no montante de € 8.227.253,45, não é o que está registado na contabilidade da Requerente;
  32. Esta correção, por ter sido efetuada com base na Circular 7/2004, carece de suporte legal, pelo que não podia ser acrescido qualquer montante a título de encargos financeiros, apurados nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, no apuramento do seu Resultado Tributável;
  33. A doutrina administrativa da AT não tem caráter juridicamente vinculativo para os contribuintes e entidades decisoras como os tribunais, pois não é lei, somente a própria AT está vinculada àquelas orientações, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 68º-A da LGT;
  34. A aplicação “cega” da fórmula constante daquela Circular conduz ao apuramento de um montante de encargos financeiros sem qualquer aderência à realidade nos casos em que a SGPS adquire participações sociais financiando-se através de aumentos de capital por entradas em dinheiro ou em espécie, não suportando a SGPS qualquer encargo financeiro com tais aquisições;
  35. Quanto à correção respeitante a encargos com a alienação de participações sociais, a Requerente invoca que respeita a uma comissão relacionada com a sua atividade, no montante de € 38.164,23, a qual foi paga à sociedade sul-africana G... pela venda da participação que detinha na sociedade sul-africana B...;
  36. Coincidindo essa atividade com o seu objeto estatutário, a AT procedeu a uma errada interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC;
  37. As correções relativas à derrama e aos Pagamentos Especiais por Conta enfermam também de falta de fundamentação;
  38. A Requerente terá que ser ressarcida dos encargos suportados com a garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal referente à dívida em causa.

 

II. Saneamento

 

O tribunal é competente e está regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estando devidamente representadas.

O meio processual é o próprio.

Não há nulidades, exceções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. Matéria de facto considerada assente

 

No que se refere à factualidade trazida aos autos por ambas as Partes, considera o Tribunal como provados, em função da prova testemunhal e documental produzida, os seguintes factos, com relevância para a decisão final:

  1. A Requerente exerce a atividade de gestão de participações sociais detidas em diversas sociedades portuguesas e estrangeiras (sedeadas em Espanha, França, África do Sul, Malta e Holanda), todas operando no setor das energias renováveis: hídrica, eólica, fotovoltaica, biomassa, cogeração e termosolar (cfr. Pág. 4 do Relatório de Inspeção Tributária);
  2. A partir de 01/01//2012, a Requerente passou a ser tributada pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), previsto no artigo 69º do Código do IRC, sendo a sociedade dominante do grupo;
  3. A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, em sede de IRC, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2015..., o qual teve início em 23/06/2015 e conclusão em 03/11/2015 (cfr. Pág. 3 do Relatório de Inspeção Tributária) e no âmbito do qual foram promovidas correções em sede de IVA e de IRC;
  4. As correções efetuadas em sede de IRC ascenderam ao montante global de € 564.395,48, decompostas como se segue:
  • Encargos financeiros não dedutíveis nos termos do nº. 1 do artigo 23º do CIRC, referentes a empréstimos a participadas, no montante de € 342.463,70;
  • Encargos financeiros não dedutíveis nos termos do nº 2 do artigo 32º do EBF, relacionados com participações sociais, no montante de € 183.768,54;
  • Encargos não dedutíveis nos termos do nº. 1 do artigo 23º e do n.º 2 do artigo 46º do CIRC, inerentes à alienação de partes de capital, no montante de € 38.163,24.
  1. Após a concretização das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, no aludido montante de € 564.395,48, da soma algébrica dos resultados das entidades que integram o Grupo de que a Requerente é a sociedade dominante, para efeitos de IRC, passou a apurar-se um lucro tributável de € 1.077.437,60, ao invés dos € 513.042,12 declarados pelo Grupo;
  2. O montante da correção referido em D) foi apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária do seguinte modo:

 

 

  1. A Requerente inscreveu, no campo 303, do Quadro 9, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo, a título de prejuízos fiscais dedutíveis, o montante de € 50.418,22, respeitando € 40,30 à sociedade “D..., Lda” (contribuinte n.º ...), € 22.883,42 à sociedade “E..., Lda” (contribuinte n.º ...) e € 27.494,49 à sociedade “F...Unipessoal, Lda” (contribuinte n.º...);
  2. Os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que os prejuízos fiscais declarados pela Requerente, no exercício de 2012, cumpriam com os requisitos de dedutibilidade definidos na alínea a), do n.º 1, do artigo 71.º do CIRC, tendo deduzido ao Lucro Tributável apurado em função das correções efetuadas (de € 1.077.437,60) o montante desses prejuízos fiscais;
  3. No que se refere aos encargos financeiros referentes a empréstimos concedidos pela Requerente às suas participadas, foram os mesmos corrigidos pelos Serviços de Inspeção Tributária de acordo com o seguinte procedimento (Cfr. Relatório de Inspecção Tributária):
  • Cálculo do saldo médio de financiamento alheio anual da Requerente (junto da Banca, ... e H... e das participadas);
  • Apuramento dos gastos com financiamento suportados pela Requerente nos períodos em análise;
  • Determinação da taxa do custo efetivo de financiamento alheio da Requerente;
  • Cálculo do saldo médio de financiamento anual não remunerado às sociedades participadas;
  • Aplicação da taxa de custo efetivo do capital alheio ao valor do financiamento efetuado às referidas sociedades;
  • Desconsideração como gasto fiscal do valor assim determinado;
  1. Em face das correções referidas, foi desconsiderado pelos Serviços de Inspeção Tributária um total de Gastos Financeiros de € 342.463,70, quando haviam sido declarados pela Requerente, na sua Declaração Modelo 22 de IRC, Gastos no montante de € 1.360.308,35;
  2. Os Fluxos de Caixa das Atividades Operacionais em 2012 da Requerente apresentaram um saldo positivo de € 2.056.097,22, conforme se constata do Quadro 04-C da Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2012, abaixo reproduzido:

 

  1. Os Fluxos de Caixa das Atividades de Investimento apresentaram um saldo excedentário de € 364.454,34, enquanto que os Fluxos de Caixa das Atividades de Financiamento apresentaram um saldo negativo de € 1.995.433,41 (Cfr. Quadro 04-C da Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2012);
  2. Relativamente aos gastos financeiros considerados para efeitos de cálculo dos encargos financeiros afetos a participações sociais, os Serviços de Inspeção Tributária, baseados na doutrina emanada da Circular 7/2004, relevou os gastos financeiros declarados pela Requerente deduzidos dos que considerou deverem ser desconsiderados para efeitos fiscais, por se encontrarem associados a empréstimos concedidos às suas participadas sem qualquer remuneração (os quais ascenderam ao montante de € 1.017.844,65);
  3. Em face do entendimento exposto em M), os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que, dos aludidos € 1.017.844,65, € 334.481,79 não seriam fiscalmente dedutíveis em virtude de se considerarem afetos a participações sociais;
  4. Atendendo a que a Requerente havia acrescido a este título o montante de € 150.713,25, foi acrescido pelos Serviços de Inspeção Tributária o montante global de € 183.768,54, com referência a encargos financeiros afetos a participações sociais (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária);
  5. Os Serviços de Inspeção Tributária não aceitaram como gasto fiscal do exercício de 2012 o montante de € 38.163,24, referente a encargos contabilizados pela Requerente com comissões pagas à sociedade sul-africana G... Limited, associadas à alienação da participada B..., sociedade também sedeada na África do Sul, no montante de € 30.450,00 (registados na conta # 62213) e a serviços jurídicos prestados na África do Sul pela sociedade “J...”, no montante de € 7.713,24;
  6. A Requerente concede empréstimos às suas participadas, sob a forma de suprimentos ou de prestações suplementares, sem debitar quaisquer juros ou encargos, durante um período variável, que poderá ir até 10 anos (cfr. depoimentos das testemunhas da Requerente e pedido arbitral);
  7. A Requerente desconsiderou 40% de parte dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais;
  8. O acréscimo a que a Requerente procedeu, no montante de € 150.713,25, não resultou de qualquer estudo dos financiamentos obtidos ou da aferição se terão ou não sido destinados à aquisição de partes de capital, não estando relacionado com o cumprimento do disposto no artigo 23º nº. 1 do CIRC ou no artigo 32º nº. 2 do EBF;
  9. Na sequência da ação inspetiva acima referida, foi emitida a Liquidação Adicional de IRC nº 2016..., de 22.02.2016, com referência ao exercício de 2012, bem como, a respetiva Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016..., da qual resultou um montante de imposto a pagar de € 161.463,03, com data limite de pagamento voluntário em 11.05.2016;
  10. A Requerente procedeu à apresentação de duas garantias, para efeitos da suspensão do processo de execução instaurado para cobrança da dívida de IRC em crise, quais sejam, as fianças prestadas pelas sociedades “H... SGPS, S.A.” e “I..., SGPS, S.A.”, a favor da Requerente, naquele processo (Cf. cópias que foram juntas como Doc. n.º 26 com o pedido arbitral).

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão final.

 

  1. Motivação da Decisão

 

Antes de mais, importa referir que os Tribunais, aqui se incluindo os Tribunais Arbitrais, não têm que apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, tal como se constata a título exemplificativo do Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA, de 07/06/1995, proferido no recurso nº 5239.

De facto, as questões invocadas pelas partes não se confundem com os argumentos, as razões ou as motivações produzidas. Questões, nomeadamente para efeito do disposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, são apenas as de fundo e que integram a matéria decisória, isto é, as que se relacionem com o pedido, a causa de pedir e as exceções (vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2005, proferido no recurso n.º 05S2137 ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25/09/2012, proferido no recurso n.º 05073/11).

Ora, a Requerente invocou, ao longo da sua extensa p.i., inúmeros argumentos que não implicam necessariamente uma pronúncia expressa por parte do Tribunal, apesar de terem sido relevados para a decisão final.

Assim e tendo em consideração o que acima expôs, as questões que se relacionam diretamente com o pedido formulado pela Requerente são as seguintes:

  1. Falta de fundamentação e erro de quantificação da matéria coletável subjacente ao ato de liquidação;
  2. Ilegalidade da correção que desconsiderou os encargos financeiros suportados com empréstimos e prestações suplementares da Requerente às suas participadas;
  3. Ilegalidade da correção que desconsiderou os encargos financeiros relacionados com participações sociais;
  4. Ilegalidade da correção que desconsiderou os encargos inerentes à alienação de partes de capital;
  5. Pedido de indemnização por garantia indevida.

 

São estas as questões a decidir.

 

VI. Do Direito

 

           A) Falta de fundamentação e erro de quantificação da matéria coletável subjacente ao ato de liquidação

 

Invoca a Requerente que o ato de liquidação em crise padece de falta de fundamentação ou, pelo menos, de erro de cálculo e apuramento, alegando ainda a existência de fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário.

Vejamos então.

Para que se possa fazer uma análise adequada deste vício, tal como o mesmo vem alegado pela Requerente, importa evidenciar que esta última foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, em sede de IRC, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2015... .

Este procedimento, tal como resulta provado e não foi contestado pela Requerente, teve início no dia 23/06/2015 e conclusão em 03/11/2015, com a prática dos respetivos atos inspetivos. No âmbito do mesmo, foram efetuadas as correções em sede de IVA e de IRC melhor identificadas no Relatório de Inspeção Tributária validamente notificado à Requerente.

Ora, da leitura do referido Relatório de Inspeção Tributária resulta evidenciado que as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, no que tange ao IRC do exercício de 2012 da Requerente, ascenderam ao montante total de € 564.395,48. Daí resultou o apuramento de um lucro tributável de € 1.077.437,60, com referência à totalidade do Grupo de que a Requerente é a sociedade dominante, ao invés dos € 513.042,12 anteriormente declarados pelo mesmo Grupo.

A referida correção de € 564.395,48 foi efetuada da forma a seguir descrita e não contestada por ambas as Partes:

 

Acresce ter ficado igualmente patente que a Requerente inscreveu, no campo 303, do Quadro 9, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo, a título de prejuízos fiscais dedutíveis do Grupo, o montante total de € 50.418,22. Deste valor, € 40,30 respeitaram à sociedade “D..., Lda” (contribuinte n.º ...), € 22.883,42 à sociedade “E..., Lda” (contribuinte n.º...) e, por fim, € 27.494,49 à sociedade “F... Unipessoal, Lda” (contribuinte n.º...). Factos que resultam dos autos e não foram igualmente contestados.

Em face disso, os Serviços de Inspeção Tributária, ao aceitarem o montante dos prejuízos fiscais declarados pela Requerente, neste exercício de 2012, por cumprirem com os requisitos constantes da alínea a), do n.º 1, do artigo 71.º do CIRC, foi aquele montante de € 50.418,22 deduzido ao Lucro Tributável apurado em consequência das correções efetuadas e que se cifrou, como se viu, no montante de € 1.077.437,60.

Desses cálculos resulta o apuramento de uma Matéria Tributável, por referência ao exercício de 2012, de € 1.027.019,38, tal como está evidenciado na Liquidação Adicional de IRC nº 2016..., ora em crise.

Ora, a jurisprudência tem desde sempre sufragado o entendimento de que o ato administrativo – aqui se incluindo o ato em matéria tributária - se encontra suficientemente fundamentado quando do mesmo é possível extrair o respetivo percurso cognoscitivo. É também isso que resulta do disposto nos artigos 63.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Nas palavras do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferidas no Acórdão de 11.12.2007, proferido no recurso n.º 615/04, “o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte”.

Ainda de acordo com o mesmo STA, no Acórdão de 10.02.2010, proferido no processo nº 01122/09, considerou-se que “a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é; quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”.

Também a título exemplificativo, cite-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.02.2012, proferido no processo n.º 00881/08.0BEBRG, que alinhou no mesmo sentido, considerando que “Se da impugnação da liquidação resulta que o contribuinte percebeu as razões que determinaram o ato, então este deve considerar-se fundamentado”.

O dever de fundamentação dos atos administrativos ou tributários visa essencialmente, por um lado, inteirar o respetivo destinatário das razões ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido e, por outro lado, permitir o controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determina decisão concreta.

“(…) o imperativo de fundamentação expressa (...) desempenha, assim, tipicamente, um papel de garantia funcional, com a pretensão de assegurar a racionalidade e a controlabilidade dos momentos característicos da função administrativa, daqueles em que os órgãos da Administração tomam decisões de autoridade que produzem modificações jurídicas no mundo externo (…)” (cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Coimbra, 1992, p. 215).

Posto isto, os valores acima referidos são facilmente compreensíveis e decorrem das correções constantes do Relatório de Inspeção Tributária e das próprias Declarações de Rendimentos apresentadas pelas várias sociedades que integram o Grupo C..., quanto ao exercício de 2012.

De resto e sem necessidade de qualquer outra consideração ou cálculo, bastaria ao Requerente apurar a diferença entre o valor que resultava do Relatório de Inspeção Tributária (€ 1.077.437,60) e o valor constante do ato de liquidação contestado (€ 1.027.019,38), que é de € 50.418,22, para concluir que essa diferença correspondia precisamente ao valor dos prejuízos fiscais declarados pelo Grupo C... .

Pelo que, desde logo no que se refere ao cálculo da Matéria Tributável inscrita no ato de liquidação ora em crise, afigura-se-nos que o mesmo não enferma do vício que lhe é apontado pela Requerente.

O mesmo sucedendo, refira-se, quanto às demais correções efetuadas pela AT, na medida em que é por demais evidente que as mesmas decorrem diretamente das correções efetuadas ao IRC do exercício de 2012 e que se encontram plasmadas no respetivo Relatório de Inspeção Tributária validamente notificado à Requerente. Sem sequer ser necessário presumi-lo.

Idêntico entendimento aplica-se às correções da derrama e dos Pagamentos Especiais por Conta, neste exercício de 2012, pois o ato de liquidação emitido resulta, também nessa parte, dos elementos declarativos das várias sociedades que compõem o Grupo C... no ano de 2012 e das próprias correções realizadas pelos Serviços de Inspeção Tributária.

Por fim, quanto à questão da dúvida sobre a quantificação do facto tributário, nos termos do disposto no artigo 100º, nº 1, do CPPT, considera-se que, por tudo o que foi acima dito, tal vício também não poderá proceder.

Mas acrescente-se que nesta matéria sempre consideraríamos, tal como fez o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 15.02.2012, proferido no processo n.º 00881/08.0BEBRG, que a dúvida que implica a anulação do ato de liquidação não pode considerar-se fundada se assentar “na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. (…) O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se ser fundada aquela dúvida”.

A verdade é que a Requerente não carreou para os autos qualquer elemento probatório suscetível de gerar a dúvida quanto aos cálculos efetuados pela AT, nomeadamente, porquanto estes últimos são facilmente explicados, como se constatou.

Assim, improcedem os vícios invocados, relativos a falta de fundamentação e dúvida sobre a quantificação dos fatos tributários.

          

B) Encargos financeiros suportados com empréstimos e prestações suplementares às participadas

 

Passemos agora à análise da questão de saber se, à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC, poderiam ter sido corrigidos os gastos financeiros incorridos pela Requerente com suprimentos e prestações suplementares efetuadas às suas participadas, sem que fossem debitados quaisquer juros ou encargos.

Antes de mais, importa fazer referência ao regime legal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), pois, assumindo a Requerente esta forma jurídica, a aferição do cumprimento da norma prevista no artigo 23.º do CIRC terá que ser feita tendo em consideração esse aspeto. Ora, as SGPS foram criadas através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, no contexto da integração de Portugal no mercado comum europeu, tendo por objetivo dotar as empresas portuguesas de mecanismos, nomeadamente de natureza fiscal, que lhes permitissem concorrer com as suas homónimas europeias.

Para além disso, o intuito foi estimular a criação de grupos económicos, dotando-os de instrumentos que permitissem a gestão centralizada e especializada de participações sociais.

De facto, o objeto social das SGPS é, exclusivamente, a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas. Essa participação é considerada indireta quando não tenha caráter ocasional e abranja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Tal não invalida que as SGPS possam também exercer outras atividades, como a prestação de serviços técnicos de administração e de gestão das sociedades participadas, nomeadamente, quando constituem a sociedade-mãe de um grupo de empresas ou, em situações excecionais, a aquisição de imóveis.

Por regra, às SGPS encontra-se vedada a possibilidade de concessão de crédito, exceto se o fizerem relativamente a sociedades dominadas, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais, ou a sociedades em que detenham uma Participação Tipificada ou uma Participação Excecionada (nos termos definidos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88.

Ora, a atividade das SGPS é, como se constatou, a gestão de participações sociais, ainda que tal possa também envolver o financiamento e a aquisição, administração e alienação das próprias participadas. Mas, embora se admita a possibilidade das SGPS financiarem, a verdade é que não têm por escopo financiar ou prestar serviços. Não é essa a sua essência.

Deste modo, o financiamento de uma participada pode, em última instância ou em abstrato, servir também o interesse da própria participante, a SGPS, na medida em que seja potencialmente gerador de rendimentos na esfera desta última. Todavia, no imediato, essas operações de financiamento, tal como sucedeu com as que foram realizadas pela Requerente no exercício em causa, visam por regra reforçar os capitais das participadas e incrementar os seus resultados individuais.

E isto é tão mais verdade pelo facto, inequivocamente confirmado pela Requerente e pelas próprias testemunhas por si arroladas, de que existe sempre um período de maturação da própria dívida, que poderá ser de 4, 5 ou 10 anos. Período esse durante o qual as participadas não têm capacidade para pagar, mas em que, salvo melhor opinião, terá que ser ajustado o valor do financiamento na esfera da entidade beneficiária.

Só assim não seria se acaso fosse impossível estabelecer um nexo de causalidade entre os encargos suportados com o financiamento das participadas e os proveitos obtidos individualmente, por cada uma das entidades financiadas. Sendo possível fazê-lo, como é o caso, as sociedades participadas deverão balancear tais custos com os respetivos proveitos (caso estes existam). Certo é que deverão ser tidos em consideração no apuramento do resultado líquido das participadas, no exercício em que forem debitados.

De facto, a Requerente poderia debitar tais juros às participadas, ainda que os mesmos apenas viessem a ser pagos posteriormente.

Caso contrário, não está a ser dado cumprimento à exigência legal prevista no artigo 70.º do Código do IRC, de que as sociedades que se encontram sujeitas ao RETGS, como é o caso, estão obrigadas ao apuramento do lucro tributável de cada uma dessas sociedades na respetiva declaração periódica de rendimentos.

De facto, nos termos do disposto no artigo 70.º do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos (idêntica à redação atual dessa mesma norma), o apuramento do resultado do Grupo é efetuado “através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.

Não se vislumbram motivos para que não seja assim, nem qualquer justificativo, perante tal imperativo legal, para que seja a Requerente a assumir em exclusivo os gastos financeiros decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares por si realizados, subtraindo os montantes em causa aos seus próprios resultados. Ainda que, em face da aplicação do regime de tributação previsto naquele artigo 70.º do Código do IRC, o efeito seja idêntico, quer o custo seja imputado à esfera da participante ou da participada.

A propósito desta questão, acompanhamos a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.04.2012, no processo n.º 05251/11, na qual se considerou o seguinte: “Como se não encontra em causa, a ora recorrida constitui a sociedade dominante de um grupo de sociedades, todas elas sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (doravante RETGS), contido nos art.ºs 63.º e segs do CIRC (redacção do Dec-Lei n.º198/2001, de 3 de Julho), tendo neste exercício de 2006 vindo a optar pela tributação por este regime, o qual veio a substituir, com alterações, o anterior regime de tributação pelo lucro consolidado, previsto no então art.º 59.º do CIRC, em que a matéria colectável de todas essas sociedades é determinado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo – cfr. n.º1 do art.º 64.º - sendo também certo, que a ora recorrida tinha por objecto social a «Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários», o que, como em parte bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo”, por inerência, na sociedade dominante, efectuar investimentos financeiros inerentes às aquisições de acções ou quotas das empresas participadas, pelo que no exercício em que forem atribuídos lucros à sociedade detentora das participações, ou que as participações venham a ser alienadas, os correspondentes montantes obtidos virão a ser considerados proveitos do exercício, pelo que os encargos suportados decorrentes da titularidade daquelas participações sociais, cuja alienação determina os correspondentes ganhos/perdas em imobilizações, ou os lucros a si atribuídos pelas sociedades participadas, são considerados proveitos do exercício, pelo que sendo susceptíveis de gerarem lucros e/ou mais-valias na alienante, no futuro, não poderão ser desconsideradas ab initio, num juízo de indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, em suma, o enquadramento dos lucros tributáveis de todas as empresas nesse perímetro de consolidação inerente ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades pressupõe a observância do requisito relativo à totalidade dos rendimentos das sociedades pertencentes ao grupo estarem sujeitas ao regime geral de tributação e ser calculado pela sociedade dominante, nos termos do disposto nos n.ºs 3, alínea a) e 8.º, alínea a) do citado art.º 63.º e 64.º, n.º1.

Como nesta parte, igualmente, bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, a deliberação do conselho de administração da sociedade dominante, em a vincular à realização de prestações acessórias de capital com o regime das prestações suplementares de capital, não foi refutado pela AT no relatório do exame à escrita efectuado e nem foi ao seu abrigo que tais custos foram desconsiderados (podendo sê-lo, por força do disposto no art.º 210.º, n.º1 do CSC, já que as mesmas só são possíveis se o contrato de sociedade o permitir, o que não era o caso(3)), mas sim porque tais montantes, necessários para adquirir tais participações financeiras, são de imputar na esfera jurídica das sociedades dominadas que não na sociedade dominante, como autónomas que são, com objecto autónomo de determinação da matéria colectável, tendo personalidade e capacidade jurídica distintas que a sua relação de domínio não afecta ou anula.

Como se refere naquela decisão, “Ora, não obstante a ora recorrida também englobar no seu objecto social a gestão de participações em outras sociedades, não se encontram aqui em causa essas participações em si mesmas, mas sim os seus acessórios, ou sejam, os encargos financeiros relativos aos empréstimos bancários contraídos e que foram aplicados nessas associadas, directamente para o prosseguimento normal das actividades destas, e que é onde, desde logo, directamente, os normais efeitos irão ter lugar (susceptibilidade de gerarem lucros), numa relação causal ou de dependência, pelo que tais encargos eram a estas sociedades que directamente deveriam ser imputados que não à sociedade dominante, sob pena de passarem a ser imputadas a esta os efeitos dos exercícios das actividades na prossecução do objecto social dessas participadas, passando a haver um assunção de passivo de umas por outra, com resultados fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado às sociedades que deles necessitam, para o exercício das suas actividades, já que mesmo no domínio da determinação do lucro tributável deste regime especial de tributação, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, nos termos do disposto no art.º 64.º, n.º1 do CIRC.

A não ser assim, desrespeitando estas regras do apuramento do lucro tributável, nos termos gerais, designadamente da imputação dos custos elegíveis para cada uma delas, de forma autónoma e independente, então não faria sentido que a lei mandasse apurar o lucro tributável de cada uma delas na respectiva declaração periódica de rendimentos desse exercício, bastando apurar o relativo à sociedade dominante com tais componentes positivas e negativas de todas essas associadas, de forma unitária e global, despersonalizando todas essas sociedades associadas, designadamente ao nível da sua autonomia comercial e fiscal, o que a lei, designadamente nas citadas normas, não veio a estabelecer.

Por outro lado, como bem se pronuncia a inspecção tributária, no respectivo relatório, a norma do art.º 31.º do EBF (na republicação do Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, alterada pelo art.º 45.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2002, aqui aplicável), determinava que às SGPS e às SCR era aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 5 do art.º 46.º do CIRC, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 4 do seu art. 45.º, ou seja, que os lucros distribuídos pelas sociedades participadas às sociedades participantes, eram deduzidos na base tributável do apuramento do lucro tributável destas, bem como beneficiavam da diferença entre as menos e mais-valias realizadas desde que fossem objecto de reinvestimento, o que no caso implicava que tais encargos dos empréstimos suportados pela ora recorrida deixariam (ou poderiam deixar, no caso das mais valias) de ter reflexos ao nível dos proveitos que a título de lucro lhe pudessem vir a ser distribuídos, ao contrário do que parece defender o M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida, onde não vimos que com a aplicação de tal regime imanente daquele art.º 31.º do EBF determinasse a caducidade do regime geral de tributação em IRC, sendo certo que as invocadas normas dos n.ºs 3 e 8 do art.º 63.º do CIRC, o não impõem, todas elas inseridas no Capítulo III do mesmo Código sob a epígrafe, Determinação da matéria colectável, em cujas secções I a VI, determinam a concreta forma de apuramento da matéria colectável de acordo com as diversas situações que, em cada uma delas, são subsumidas, desta forma, não podendo deixar de existir, na esfera da ora recorrida, a falta do balanceamento ou matching entre os custos suportados com esses encargos e os respectivos proveitos (ou podendo não haver, no tocante às mais valias), o que impediria que tal custo pudesse ser considerado um custo fiscal na mesma sociedade.

Ainda que tais prestações a favor das associadas seja de qualificar como imobilizado financeiro, como invoca a recorrida – cfr. sua conclusão 4ª - não são em si tais prestações que aqui estão directamente em causa, mas sim os encargos financeiros incorridos na sua obtenção, o que, de qualquer modo, possa afastar a qualificação desses montantes da disciplina geral dos custos contida no art.º 23.º do CIRC, nem se percebendo a referência à exclusão da tributação das mais valias cujos encargos conexos não constituiriam custos fiscais, ao arrimo do art.º 32º do EBF – cfr. sua conclusão 16.ª - quando tal norma se reporta aos Clubes de investidores, que não às SGPS, que antes encontra regulamentação na anterior norma do seu art.º 31.º, com o seu campo de aplicação acima analisado.

É certo que, no anterior regime da tributação pelo lucro consolidado previsto no então art.º 59.º do CIRC, esta constituía uma excepção à regra da tributação em IRC segundo a individualidade própria da cada uma, sendo a tributação efectuada dentro do grupo de que faziam parte, conferindo assim ao grupo de sociedades personalidade tributária autónoma englobalizante da das sociedades integrantes(4) ...IRC calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo ... cfr. n.º1 do mesmo art.º 59.º - regime então condicionado à autorização do Ministro das Finanças e algo diverso do actualmente vigente neste RETGS, pois que, ainda que o lucro tributável seja calculado pela sociedade dominante, é o resultante da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo – n.º1 do art.º 64.º - todas estas sujeitas ao regime geral de tributação em IRC – art.º 63.º, n.º3, alínea a) – a que depois haverá lugar à correcção em relação aos lucros distribuídos, que constitui a colecta única a pagar, não havendo lugar a tal pedido de autorização mas tão só de comunicação dessa opção à DGCI, nos termos do n.º7 do mesmo art.º 63.º do mesmo CIRC.

Porém, até ao momento do apuramento do lucro tributável, pela sociedade dominante, nesse grupo de empresas localizadas nesse perímetro de consolidação, nas suas relações com terceiros, quer no cumprimento do objecto social de cada uma delas, tudo se passa como constituindo cada uma dessas sociedades uma pessoa jurídica distinta e diversa de cada uma das outras desse grupo, não sendo nesta vertente, afectadas pela relação de domínio existente em relação à sociedade dominante, todas elas sujeitas ao regime geral de tributação em IRC, e como tal, sujeitas às regras gerais do apuramento da matéria colectável dos art.ºs 15.º e segs do CIRC, designadamente no que à qualificação dos custos tange, prevista no seu art.º 23.º, e a relação de causalidade entre certo custo e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, ainda que tal causalidade não tenha de ser do tipo conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com esse custo, mas antes uma relação que tenha em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica à finalidade da obtenção maximizada de resultados(5) pretendidos obter”.

Mas também se analisarmos esta questão exclusivamente à luz do disposto na norma prevista na alínea c) do artigo 23.º do CIRC, não podemos deixar de concluir pela obrigatoriedade de relevação dos custos nas esferas dos seus beneficiários.

Neste ponto, teremos que fazer referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30/05/2012, proferido no processo n.º 0171/11, em que foi Relatora a Conselheira Fernanda Maçãs, no qual a questão decidenda consistia precisamente em saber se, à luz daquela norma, deveriam ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e impostos de selo de empréstimos bancários contraídos, ainda que originassem prejuízo e que não fossem estritamente necessários para a obtenção dos ganhos da entidade pagadora. Entre esta última e as empresas beneficiadas existia uma relação de domínio total.

A decisão então proferida foi a que ora parcialmente se transcreve: “Dispõe o predito normativo legal «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…».
Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.

A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.
As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.

Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.

Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais”.

Idêntica conclusão terá que ser tirada no caso vertente, sendo também certo que, por força do facto de o eventual retorno com os suprimentos só ocorrer alguns anos após a injeção de capital, no imediato, nem sequer ficou demonstrada a indispensabilidade de tais encargos com a atividade da Requerente.

De resto, se os empréstimos concedidos pela Requerente fossem remunerados, a questão da contabilização provavelmente não se colocaria, pois não existiriam dúvidas quanto à sua imputação na esfera das sociedades participadas.

Por fim, o Tribunal considera ainda que ficaram algumas questões por esclarecer, por parte da Requerente.

Do depoimento da testemunha Q..., responsável pela contabilidade da Requerente desde o ano 1995, decorre não ser possível estabelecer uma conexão direta entre os financiamentos obtidos pela Requerente e os financiamentos concedidos, tal como a própria Requerente asseverou, pelo que não se pode afirmar perentoriamente que os primeiros não se destinaram a suportar os segundos, sobretudo quando alguns dos elementos contabilísticos apresentados pela Requerente parecem atestar o contrário. Nomeadamente, o Mapa de Fluxos de Caixa referente aos movimentos financeiros de 2012, que espelha, por exemplo, que os Fluxos de Caixa das Atividades de Financiamento são deficitários em cerca de € 1.995.433,41, ou seja, que a Requerente concedeu um valor de financiamento largamente superior ao que recebeu.

Assim, o Tribunal formou a convicção de que os encargos financeiros em causa não estão diretamente relacionados com a atividade própria da Requerente, não podendo ser aceite a sua dedutibilidade na esfera desta última, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC, pelo que andou bem a Autoridade Tributária ao corrigir os respetivos montantes. Em consequência, improcede o pedido arbitral nesta parte, mantendo-se a liquidação de IRC agora contestada.

 

 

            C) Encargos financeiros relacionados com participações sociais

 

Neste ponto, cumpre aferir se a correção do acréscimo respeitante a encargos financeiros relacionados com participações sociais, efetuada pela AT no exercício de 2012, é legalmente admissível.

Para se decidir esta questão, importa salientar que a Requerente desconsiderou 40% dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.

Por seu lado, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que, da totalidade dos encargos relevados pela Requerente, no montante de € 1.017.844,65, não poderia ser aceite fiscalmente o montante de € 334.481,79 por se considerar afeto a participações sociais. Assim, por ter sido acrescido pela Requerente o montante de € 150.713,25, foi nestes termos acrescido ao Resultado Tributável do ano de 2012 e ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 32.º, do EBF, o montante de € 183.768,54.

Esta correção sustentou-se, unicamente, no entendimento plasmado na Circular nº 7/2004, da Direção dos Serviços do IRC.

Vejamos então se tem fundamento tal correção.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na redação em vigor à data dos factos, “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.

Já a referida Circular n.º 7/2004 postula o seguinte: “(...)quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”.

Ora, nesta matéria, a Jurisprudência, quer dos tribunais arbitrais, quer dos tribunais administrativos e fiscais, tem sido unânime em considerar ilegal o entendimento fixado na aludida Circular nº 7/2004, não apenas por consagrar a utilização de um método de imputação indireta, mas, também, porquanto o apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis não pode ser efetuado por Circular ou Instrução Administrativa.

Disso são exemplos, em sede arbitral, as decisões proferidas nos processos nºs 21/2012-T, 24/2012-T, 292/2015-T, 295/2015-T, 738/2014-T, 69/2016-T ou 663/2015-T.

De igual modo, veja-se as decisões proferidas pelo STA (processo n.º 0227/16, de 08/03/2017) ou pelo TCAN (processos n.ºs 00997/12.8BEPRT, de 14/03/2013, n.º 00946/09.0BEPRT, de 15/01/2015).

De facto, todas as decisões acima identificadas consideraram, de forma unânime, que a Circular n.º 7/2004 padece do vício de inconstitucionalidade formal, por violação dos princípios da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República.

A título exemplificativo, refira-se a decisão plasmada naquele Acórdão TCAN, proferido no processo n.º 00946/09.0BEPRT, de 15/01/2015, à qual se adere:

Em Portugal vigora o princípio da legalidade tendo como corolário segundo a doutrina clássica o princípio da tipicidade fechada sendo a matéria de incidência tributária de reserva relativa de Lei da Assembleia da República. No caso presente a lei não estabelece critérios de afectação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado ”direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado.

Os contribuintes não estão obrigados a seguir os procedimentos vertidos na Circular 7/2004 de 30.3.2004 (doravante designada por circular 7/2004) pois aos mesmos apenas estão vinculados os funcionários tributários perante a sua tutela e nada mais.

Não podemos concordar com o enunciado na Circular 7/2004 no seu ponto 7 onde se refere “dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria”: devido ao desenvolvimento e sofisticação dos sistemas de informação de gestão disponíveis no mercado, deveria privilegiar-se o método de afectação directa e só na impossibilidade de utilização do mesmo ; é que se avançaria como método alternativo o preconizado na Circular 7/2004».

De facto e aqui acompanhamos o que foi decidido pelo CAAD, no Acórdão n.º 277/2016-T: “Na verdade, não há o mínimo suporte legal para, em vez de determinar casuisticamente se existe ou não afetação dos recursos financeiros geradores dos encargos à aquisição de determinadas partes de capital, imputar os encargos, «em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição». Ora este método só corresponderia ao legalmente exigido para determinar os encargos não dedutíveis, se se provasse que, de facto, os financiamentos a que se referem os encargos financeiros tivessem sido afetados da forma aí prevista e, designadamente, no que concerne às participações sociais, tivessem sido utilizados proporcionalmente para as adquirir. Mas, para além dessa falta de prova da correspondência entre a realidade e o critério de imputação utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nem sequer é aventada na referida Circular qualquer explicação para ser utilizada fórmula indicada e não outra”.

Efectivamente, mesmo que o método de apuramento vertido na Circular em causa seja, por vezes, mais favorável do que seria a mera aplicação dos elementos fornecidos pelo próprio contribuinte, a verdade é que se trata de um método indireto e que utiliza uma presunção, em evidente violação também do princípio da tributação pelo lucro real, plasmado no artigo 103.º da CRP.

Assim, não estando estabelecido um critério estanque, para efeitos da relevação destes encargos, o critério utilizado pelo contribuinte não é suscetível de censura.

Pelo que carece de fundamento esta correção, devendo ser anulada.

         

            D) Encargos financeiros relacionados com a alienação de partes de capital

 

Neste ponto e como se aludiu, os Serviços de Inspeção Tributária não aceitaram como gasto fiscal do exercício de 2012 o montante de € 38.163,24, referente a encargos contabilizados pela Requerente com comissões pagas à sociedade sul-africana G... Limited, associadas à alienação da participada B..., sociedade também sedeada na África do Sul, no montante de € 30.450,00 (registados na conta # 62213) e a serviços jurídicos prestados na África do Sul pela sociedade “J...”, no montante de € 7.713,24.

Segundo invoca a Requerida, fazendo apelo ao que a este propósito consideraram os Serviços de Inspeção Tributária, que “Estes encargos, que se cifraram em € 38.163,24, concorreram para o apuramento do Resultado Tributável do ano de 2012 como componente negativa, uma vez que foram registados como Gastos pela Requerente. A alienação da participada B... gerou para a A... uma mais-valia de € 438.700,00 no ano de 2012, que não foi tributada por força da aplicação do regime fiscal da SGPS consignado no artigo 32º, nº. 2 do EBF, tendo sido deduzida pelo sujeito passivo no campo 767 do quadro 07 da declaração Modelo 22 relativa a 2012”.

Depois e no que toca ao quadro legal invocado para fundamentar esta correção, considera a Requerida que: “Porém, estipula o artigo 46º do CIRC no seu nº. 2, o seguinte: «As mais-valias e as menosvalias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções (…)». Isto significa que os encargos no montante de € 38.163,24, tratando-se de encargos inerentes à venda da B..., não foram aceites como gasto para efeitos fiscais no ano de 2012, tendo sido portanto acrescidos ao Resultado Tributável daquele exercício, como aliás decidiu o tribunal arbitral no âmbito do Processo n.º 277/2016-T”.

No entanto e uma vez mais, não acompanhamos o que foi decidido naquele Acórdão Arbitral, porque entendemos que a fundamentação utilizada pela AT, para justificar esta correção, padece de um erro de apreciação das normas a aplicar.

De facto, preceitua o n.º 2, do artigo 46.º, do CIRC, que: “As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções (…)”.

Mas tal norma visa apenas consagrar a forma de cálculo das mais e das menos-valias obtidas pelas SGPS, não tem qualquer interferência na aferição da dedutibilidade do custo relativo aos encargos com a aquisição de partes sociais. Para se fazer esta análise, teria a AT que se socorrer, apenas e só, da norma constante do artigo 23.º do Código do IRC.

E, nessa medida, e também em coerência com tudo o que se disse acima, consideramos que o pagamento da comissão e dos serviços jurídicos em causa está relacionado com a atividade de gestão de partes de capital, exercida pela Requerente enquanto SGPS.

O enquadramento que a AT fez desta questão é incorreto, porque baseado numa norma – o n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC - que não tem a faculdade de definir os termos da dedutibilidade e imprescindibilidade do custo e do seu, maior ou menor, contributo para a manutenção da fonte produtora. Pelo que  esta correção padece de vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 46.º, n.º 2 e 23.º nº 1, ambos do CIRC.

A liquidação em crise deverá, assim, ser anulada nesta parte, procedendo o pedido também nesta parte.

 

            E) Pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Tal como ficou demonstrado nos autos, a requerente teve que proceder à constituição de garantias, para suspensão do processo de execução instaurado para cobrança da dívida referente ao ato de liquidação em crise, quais sejam as duas fianças melhor identificadas e cuja cópia foi junta ao pedido arbitral como Doc. n.º 26.

Deste modo, na parte em que lhe foi dada razão, no âmbito do presente pedido arbitral, reconhecendo-se a ilegalidade do procedimento adotado pela AT e, em consequência, a ilegalidade do ato de liquidação em crise, terá a Requerente que ser ressarcida, a final, dos encargos suportados com a prestação daquela garantia.

Só assim será assegurada, como impõe o artigo 100.º da LGT, a imediata e plena reconstituição da situação que existiria, caso não tivesse sido cometida tal ilegalidade.

Para além disso, estabelece o n.º 1 do artigo 53.º da LGT que “1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. E o seu n.º 2 que “O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.

Ainda segundo o n.º 3 da mesma norma, “A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente”, determinando, por fim, o n.º 4 que “A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

Nestes termos, deverá ser reconhecido o direito da Requerente ao pagamento da indemnização devida, nos termos previstos no artigo 53.º da LGT, pelos encargos suportados com a prestação da referida garantia, na proporção do vencimento da presente ação.

 

V. Decisão

 

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se, com os fundamentos acima invocados, a liquidação de IRC e de juros compensatórios em crise, referente ao exercício de 2011, quanto à correção relativa ao acréscimo de encargos financeiros com a aquisição de participações sociais, no montante de € 183.768,54 e quanto à correção referente ao acréscimo de encargos com a alienação de participações sociais, no montante de € 38.163,24. Consequentemente, deve a liquidação manter-se quanto à correção de encargos financeiros com financiamentos de participadas, no montante de € 342.463,70.

 

 Valor do processo:

Fixa-se o valor do processo em € 161.463,03, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e do Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do nº 1, do artigo 29.º, do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas:

Fixa-se o valor das custas do processo em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar por ambas as partes na proporção do decaimento na presente ação, que se fixa em 60% para a Requerente e em 40% para a Requerida.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 25 de maio de 2017

 

Os árbitros

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

(Diogo Bonifácio)

 

 

 

(Luis M. S. Oliveira