Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 536/2016-T
Data da decisão: 2017-02-20  IRC  
Valor do pedido: € 545.453,24
Tema: IRC - Tributações autónomas - Interpretação autêntica. Constitucionalidade. SIFIDE
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. Luís Baptista, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25-11-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua … n.º…–…, …,  doravante designada por “A…” ou “Requerente”, veio apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral tendo em vista a anulação da decisão da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2014 e a anulação da autoliquidação e reembolso do imposto pago relativamente a agravamento de tributações autónomas e a montante indevidamente pago respeitante a SIFIDE, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-09-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-11-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 25-11-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 11-01-2017 dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidiu-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Não são suscitadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

3.      A Requerente é uma sociedade de direito português, a qual prossegue, no âmbito do seu objecto social, a actividade principal de gestora de participações sociais;

4.      A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de IRC, cujo período de tributação coincide com o ano civil.

5.      No que se refere ao exercício fiscal de 2014, a Requerente era a sociedade dominante do perímetro de entidades que integravam o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), o qual era composto pelas seguintes entidades:

►B…, S.A. (doravante “B…”), com o NIF…;

►C…, S.A. (doravante “C…”), com o NIF…;

►D…, S.A. (doravante “D…”), com o NIF…;

►E…, SGPS, S.A. (doravante “E…”), com o NIF…;

►F…, S.A. (doravante “F…”), com o NIF…;

►G…, S.A. (doravante “G…”), com o NIF…;

►H…, S.A. (doravante “H…”), com o NIF…;

►I…, S.A. (doravante “I…”), com o NIF…;

►J…, Lda. (doravante “J…”), com o NIF…;

►K…, SGPS, S.A. (doravante “K…”), com o NIF…;

►L…, SGPS, S.A. (doravante “L…”), com o NIF…;

►M…, S.A. (doravante “M…”), com o NIF …;

►N…, SGPS, S.A. (doravante “N…”), com o NIF…;

►O…, S.A. (doravante “O…”), com o NIF…;

►P…, SGPS, S.A. (doravante “P…”), com o NIF…;

►Q…, SGPS, S.A. (doravante “Q…”, com o NIF…;

►R…, Lda. (doravante “R…”), com o NIF…;

►S…, SGPS, S.A. (doravante “S…”), com o NIF…;

►T…, S.A. (doravante “T…”), com o NIF…;

►U…, S.A. (doravante “U…”), com o NIF…;

►V…, S.A. (doravante “V…”), com o NIF…;

►W…, S.A. (doravante “W…”), com o NIF …;

►X…, S.A. (doravante “X…”), com o NIF…;

►Y…, S.A. (doravante “Y…”), com o NIF …;

►Z…, SGPS, S.A. (doravante “Z…”), com o NIF… .

6.      Na qualidade de sociedade dominante, a Requerente procedeu, em 29-05-2015, à entrega da Declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, que conduziu à liquidação n.º 2015…, na qual foi liquidado o montante de € 481.170,07 a título de tributações autónomas (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

7.      Às tributações autónomas referidas foi aplicada taxa agravada, nos termos do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, por o Grupo ter apresentado prejuízos fiscais;

8.      Parte das sociedades do grupo, individualmente consideradas, não apuraram prejuízos fiscais, designadamente as seguintes:

9.      No final do exercício de 2014, a Requerente dispunha do montante de € 1.549.377,25 de benefício fiscal do SIFIDE, susceptível de dedução;

10.  Não foi efectuada dedução de qualquer montante do SIFIDE à colecta derivada de tributações autónomas;

11.   A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

12.   Através do ofício n.º…, de 19-04-2016, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

§ IV.I. Do cálculo de imposto

§ IV.I.I. Do agravamento da taxa de tributação autónoma

§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

No dia 29 de maio de 2015, a Contribuinte, ora Reclamante, enquanto sociedade dominante no âmbito do RETGS, procedeu à entrega da declaração de rendimentos de consolidação do grupo fiscal, nos termos do art.º 70.º e do art.º 117.º, ambos do CIRC.

Essa declaração de rendimentos, por seu turno, conduziu a liquidação n.º 2015 … de 12 de agosto de 2015, com um valor de imposto a reembolsar de € 2.910.715,93 (dois milhões, novecentos e dez mil, setecentos e quinze euros e noventa e três cêntimos), aqui sob contestação.

Da referida declaração (e liquidação), a título de tributação autónoma, no âmbito do RETGS, consta o montante de € 481.170,07 (quatrocentos e oitenta e um mil, cento e setenta euros e sete cêntimos), o qual, segundo diz a própria Contribuinte, aqui Reclamante, foi erradamente considerado em excesso, não obstante o determinado por força do agravamento de taxa previsto no n.º 14 do art.º 88.º do CIRC.

A Contribuinte, ora Reclamante, refere que a norma que impõe o agravamento da taxa de tributação autónoma, ainda que nas situações sob a alçada do RETGS, tem como pressuposto de aplicação a existência de prejuízo fiscal na sociedade que incorre na despesa e encargo sujeita a tributação autónoma e não ao nível do próprio Grupo fiscal em que aquela se insere.

A Contribuinte, aqui Reclamante, apresenta detalhadamente a quantia paga a título de tributação autónoma, conforme o disposto no art.º 88.º, do CIRC, para cada uma das sociedades integrantes do Grupo, demonstrando que, pelo erro descrito anteriormente, existe uma distorção no imposto a pagar.

De seguida, a Contribuinte, ora Reclamante, afirmando que sempre seguiu as instruções dadas pela Administração Tributária relativamente ao modo de apuramento da tributação autónoma no âmbito do RETGS, designadamente, o disposto na Informação Vinculativa n.º 2011…, de 30 de março de 2012, considera que este tipo de informações não têm força obrigatória sobre os sujeitos passivos, isto é, vincula unicamente a própria Administração.

Além disso, acrescenta que este entendimento não encontra reflexo no ordenamento jurídico-fiscal e, se no âmbito do RETGS se consagra um regime diferenciado da regra geral, também no que respeita a tributação autónoma o procedimento deveria ser o mesmo.

Refere, em resumo, que, para efeitos da aplicação ou não de um agravamento de taxa em sede de tributação autónoma, o que releva é o resultado fiscal da própria entidade onde recaem as despesas e encargos objeto de tributação autónoma e não o do grupo fiscal onde aquela se insere.

Posto isto, a Contribuinte, aqui Reclamante, entende que, não obstante existir uma situação de prejuízo fiscal ao nível do RETGS, não lhe deve ser aplicado o agravamento da taxa de tributação autónoma nos termos do n.º 14 do art.º 88.º, do CIRC, visto que as sociedades que incorreram nas despesas e encargos autonomamente tributados não apresentavam, para o período, qualquer prejuízo fiscal.

No sentido de reforçar esta visão, a Reclamante junta em anexo a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 239/2014-T, de 01 de setembro de 2014, na qual se declara que o regime de agravamento das taxas encontra-se previsto apenas relativamente à determinação do lucro tributável; aos pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta; à dedução de prejuízos fiscais; e aos gastos de financiamento líquidos.

Deste modo, conforme diz, porque não lhe sendo aplicado o agravamento em 10 pontos percentuais, a tributação autónoma deverá então efetuar-se por via das taxas normais e, assim, em vez da importância de € 481.170,07 (quatrocentos e oitenta e um mil, cento e setenta euros e sete cêntimos), inicialmente declarada (e liquidada), deveria esta quedar-se apenas pelo valor global de € 416.886,91 (quatrocentos e dezasseis mil, oitocentos e oitenta e seis euros e noventa e um cêntimos).

Requer assim a anulação e consequente restituição, do valor de € 64.285,16 (sessenta e quatro mil, duzentos e oitenta e cinco euros e dezasseis cêntimos), correspondente à diferença entre o montante inicialmente apurado (€ 481.170,07) e aquele que deveria resultar (€ 416.886,91).

§ IV.I.I.II. Da apreciação

Em nosso entender, a questão a descortinar neste ponto respeita a conhecer se o pressuposto do "prejuízo fiscal" a que alude o n.º 14 do art.º 88.º do CIRC, no caso do RETGS, se deve repercutir a este ou se a situação concreta da sociedade que incorre no respetivo gasto/despesas, individualmente considerada.

Começamos desde já por dizer, dirimindo por completo a questão que, a este título, e com natureza interpretativa, veio o art.º 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterar a redação do art.º 88.º do CIRC, esclarecendo que "(...) quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69. º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º".

Se dúvidas existiam, ficam então estas perentoriamente esclarecidas no sentido em que o que releva é, afinal, o "prejuízo fiscal" apurado ao nível sim do RETGS e não da esfera individual da entidade que incorre nas despesas e encargos conduzidos ao regime da tributação autónoma previsto no art.º 88.º do CIRC.

Não tem portanto qualquer razão a Contribuinte, aqui Reclamante.

Prosseguindo:

Como se não bastasse o atrás referido, igualmente se diga que, relativamente a esta matéria, ainda existe uma Informação Vinculativa, conforme e, aliás, mencionado pela própria Contribuinte, aqui Reclamante.

Trata-se da ficha doutrinária decorrente do processo n.º 2011…, o qual correu seus termos junto da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC), tendo esse mesmo entendimento obtido Despacho concordante por parte do Sub-Diretor Geral, de 30 de março de 2012.

Neste capítulo não resta outra alternativa a estes Serviços senão manter o entendimento ali vertido pois, como é sabido, a Administração Tributária possui uma estrutura hierarquizada nos termos da al. a) do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 31/12, entendendo-se que as normas emitidas superiormente são aplicadas por toda a estrutura, não havendo margem para qualquer discricionariedade.

Com efeito, a letra do n.º 14 do art.º 68.º, da LGT, dispõe ainda que: "A administração tributária, em relação ao objecto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial”.

Embora se possa entender que esta norma diz respeito unicamente ao caso concreto objeto da informação prestada, não faria qualquer sentido que a Administração Tributária adotasse posições distintas para factos de natureza idêntica e que versam sobre a mesma matéria sob pena de total incoerência perante a lei e os contribuintes, o que seguramente colocariam em causa qualquer relação de confiança.

Não obstante, o RETGS representar um regime, opcional, de caráter especial em virtude da estrutura empresarial de determinados sujeitos passivos, servindo unicamente para determinar um método de apuramento do lucro tributável e, no caso de se verificarem prejuízos fiscais, estes influenciarão a taxa aplicável em sede de tributação autónoma.

Este entendimento revela coerência por parte do legislador: a criação da figura da tributação autónoma tem como objetivo evitar que os sujeitos passivos recorram frequentemente a um determinado tipo de despesas, situadas num "zona cinzenta” entre o fim empresarial e o fim privado, com o intuito de fazer diminuir a receita fiscal.

Deste modo, não se vislumbra como poderia ser de outra forma, pois articulando o disposto naquele n.º 14 do art.º 88.º com o n.º 1 do art.º 70.º, ambos do CIRC, claramente que os prejuízos fiscais são apurados pela sociedade dominante através da apresentação da “autoliquidação”.

Consabido, “autoliquidação" não quer dizer mais do que o apuramento de imposto e outras obrigações a entregar ou a receber por parte do sujeito passivo, isto é, procura-se obter o quantum cujo procedimento encontra-se estabelecido no art.º 70.º e corresponde à "soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais”.

Ora,

Considerar que o valor de referência para determinar a taxa aplicável na tributação autónoma seja a de cada empresa do Grupo, equivale a criar um "sistema especial" dentro do próprio RETGS, já por si uma situação especial, o que, evidentemente, não é sustentável e vai contra o disposto no CIRC.

Concluindo, neste ponto, é por demais evidente que o pedido da Contribuinte, ora Reclamante, não pode ser declarado procedente.

§ IV.I.II. Da dedução de benefício fiscal à coleta de tributação autónoma

§ IV.I.II.I. Dos argumentos da Reclamante

No que concerne ao período de tributação em apreço, a Contribuinte, aqui Reclamante, apurou um valor de € 1.774.415,53 (um milhão, setecentos e setenta e quatro mil, quatrocentos e quinze euros e cinquenta e três cêntimos) no âmbito do benefício fiscal respeitante ao Sistema Fiscal de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE).

Do total desse montante, transitou, por sua vez, para outros períodos, a quantia de € 1.549.377,25 (um milhão, quinhentos e quarenta e nove mil, trezentos e setenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos).

Por insuficiência da coleta de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, a Contribuinte, aqui Reclamante, viu-se impossibilitada de proceder à dedução deste benefício e, nesses termos, portanto, pretende fazê-lo agora ao montante apurado em sede de tributação autónoma.

Segundo diz a Contribuinte, ora Reclamante, esta operação torna-se possível na medida em que considera que o imposto apurado em sede de tributação autónoma integra a coleta apurada no âmbito do IRC, sendo passível de dedução tal como sucede no art.º 90.º, do CIRC.

À semelhança do ponto anterior, a Contribuinte, aqui Reclamante, anexa jurisprudência com o intuito de demonstrar a prevalência desse seu entendimento.

§ IV.I.II.II. Da apreciação

Nesta parte o thema decidendum gira em torno de conhecer se à coleta de tributação autónoma podem ser deduzidas quantias respeitantes a benefícios fiscais, maxime o SIFIDE.

Começamos desde já por dizer, dirimindo por completo a questão, que, a este título, e com natureza interpretativa veio o art.º 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterar a redação do art.º 88.º do CIRC, esclarecendo que à coleta de tributação autónoma não são efetuadas quaisquer deduções.

Se dúvidas haviam ficam, então, perentoriamente esclarecidas no sentido em que não pode ser promovida qualquer dedução nos termos a que alude a Contribuinte, ora Reclamante.

Não tem portanto qualquer razão a Contribuinte, aqui Reclamante.

Sem prescindir,

Começamos por determinar qual a natureza da tributação autónoma uma vez que a Contribuinte, ora Reclamante, argumenta que esta é parte integrante da coleta de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC), sendo, portanto, passível de dedução dos benefícios fiscais nos termos do art.º 90.º do CIRC.

Os tributos públicos são tradicionalmente divididos em três categorias: os impostos, as taxas e as contribuições, sendo que os primeiros são desde logo caraterizados pela sua natureza unilateral, servindo o propósito de angariação de receita.

Admite-se que possam igualmente servir propósitos de ordenação social e orientação de comportamentos, ainda que de forma indireta, como é o caso da tributação autónoma uma vez que é exigida sem qualquer contrapartida.

Ao incidir sobre factos que assumem a natureza de "despesa" e não de “rendimento", revela uma certa independência material em relação ao imposto sobre o rendimento (em sentido estrito), sendo, aliás, apurada de forma autónoma, pouco importando se apresenta ou não rendimento tributável no fim do período, salvo no que respeita ao agravamento de taxa nas situações em que as despesas são incorridas.

A sua inserção no CIRC deveu-se sobretudo a questões de simplificação, já que ao seu apuramento estão subjacentes despesas que contribuem para determinação do imposto a pagar no final do período.

54. Com esta tipologia, sublinhadamente antiabuso e intencional de combate à fraude e evasão fiscais ancorado no principio da capacidade contributiva (por conexão com o princípio da tributação do rendimento real das empresas), o legislador fiscal procurou promover, tanto quanto possível, a redução do uso dessas despesas que afetam de maneira negativa a coleta e, consequentemente, a receita fiscal em sede de impostos sobre o rendimento.

55. Ao invés do que sucede ao nível da intrínseca cédula de IRC, a tributação autónoma de despesas e encargos, por seu turno, mais não é do que uma realidade instrumental e acessória à obtenção do resultado daquele imposto sobre o rendimento, na justa medida em que foi em função (e proteção) do mesmo que se deu azo à conceção da tributação autónoma e em que, contas feitas, se radica a sua própria raison d'être.

Continuando:

56. A tributação autónoma busca a sua incidência objetiva em despesas e encargos e não em rendimentos (da entidade onerada), distanciando-se, por isso, do IRC em sentido estrito, embora, esteja instrumental e universalmente ligada a este para efeitos de caráter operacional e funcional.

57. Como traço revelador dessa nuance sublinhamos a mudança legislativa concretizada na atual alínea a) do n.º 1 do atual art.º 23.º-A do CIRC onde, reforçando a posição aqui defendida, se acrescentou a expressão "incluindo as tributações autónomas", o que equivale a dizer por outras palavras que, por um lado, a tributação autónoma integra o imposto principal em sentido lato, mas, por outro, e distinta daquele em sentido estrito.

58. Outro exemplo: no art.º 12.º,24 do mesmo código, desde logo é aí realçada a relação de "operacionaIidade" e de "funcionaIidade" entre a tributação do rendimento e a tributação autónoma de certas despesas ou encargos, sem prejuízo de reiterar a distância entre essas mesmas figuras.

Nestes termos,

59. Conforme resulta dos termos expressos na sua própria petição inicial, a Contribuinte, ora Reclamante, contesta parcialmente o ato de "liquidação" e, em consequência, requer então que as importâncias que lhe cabem como "crédito" de imposto por força do aproveitamento do benefício fiscal respeitante ao SIFIDE sejam por sua vez deduzidas à coleta que é então determinada e apurada por via da tributação autónoma de algumas determinadas despesas e encargos.

Ora,

60. Justamente porque é nosso entendimento que a coleta apurada em sede de tributação autónoma não pode - nem deve - ser confundida com a coleta que resulta no estrito âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o argumento da Contribuinte, ora Reclamante, não pode ser procedente.

61. No que concerne à tributação autónoma prevista no art.º 88.º, do CIRC, facilmente se vê que esta é apurada de forma distinta e autónoma face ao processamento do IRC em sentido estrito, à luz do preceituado no art.º 90.º do mesmo código, sendo este inerente ao núcleo da estrita tributação do rendimento e não ao da tributação de determinadas das despesas como sucede no plano da tributação autónoma.

62. Embora ambos se encontrem inseridos no apuramento ao nível do âmbito mais lato da tributação das empresas, constituem, contudo, procedimentos manifestamente distintos e individualizados, pois um diz respeito à estrita coleta de IRC, e o outro à coleta em sede de tributação autónoma.

63. Não se pode olvidar o espírito que presidiu à estatuição da tributação autónoma e dos benefícios fiscais, realidades distintas e com interesses imediatos e mediatos igualmente díspares a ponto de impedirem a sua respetiva convergência, sobretudo no que tange à dedução à primeira da importância respeitante a estes últimos.

Por isso,

64. Medindo os interesses em contenda não merece proceder a pretensão formulada pela Reclamante, visto que o exercício do direito ao benefício SIFIDE não é absoluto, pois ele próprio é acolhido de limites, incluindo materiais, conforme adiante melhor o demonstraremos.

65. O denominado benefício fiscal SIFIDE permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, e é promovido em relação aos encargos incorridos com investimento em investigação e desenvolvimento (I&D), na parte que não tenha igualmente aproveitado de auxílio financeiro por parte do Estado.

66. Este benefício é consubstanciado num crédito fiscal suscetível de ser aproveitado para os termos e efeitos de dedução desse valor na própria coleta (estrita) de IRC (ou de outras realidades cuja tributação igualmente parte a partir do lucro tributáveI), sem prejuízo dessa quantia, em caso de insuficiência de coleta, ser "transportado" para exercícios posteriores.

67. À luz do regime do SIFIDE, no n.º 1 do art.º 4.º, sob a epígrafe “Âmbito da dedução", refere que os sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas” residentes em Portugal que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, comercial, industrial ou de serviços e, bem como, os não residentes com estabelecimento estável em Portugal podem proceder à dedução do respetivo valor ao montante apurado nos termos do disposto no art.º 90.º do CIRC, que referia nos seguintes termos:

(...)

Assim,

Do confronto entre as duas normas mencionadas, facilmente se descortina que as quantias decorrentes daquele benefício fiscal são passíveis de dedução aos montantes apurados nos termos daquele art.º 90.º do CIRC, e até à sua concorrência, sempre na "liquidação" respeitante ao período de tributação onde se insere o reconhecimento contabilístico dos gastos a coberto do benefício.”

Ou seja, para os termos e efeitos do SIFIDE, a dedução é efetuada ao montante apurado naqueles precisos termos, isto ê, à estrita coleta de IRC conexa com o lucro tributável e apurada nos termos do art.º 90.º e não à coleta que resulta das realidades autonomamente tributadas nos termos do art.º 88.º, cujos procedimentos de apuramento são, repita-se, distintos.

Não se podem confundir, portanto, ademais quando resulta manifestamente claro que um é autónomo face ao outro, implicando que, a luz do SIFIDE, o referido "montante apurado nos termos do art.º 90.º não compreenda por sua vez o "montante que resulta do art.º 88.º do ClRC" (a coleta de tributação autónoma).

O legislador fiscal considerou-os como autónomos e distintos, quando, no SIFIDE, restringido ao perímetro do rendimento, apenas se reportou ao disposto no art.º 90.º, isto é, ao apuramento em concreto no âmbito do IRC stricto sensu e a outras figuras cujo ponto de partida seja o lucro tributável e que revelem a mesma identidade ao nível do sujeito ativo da relação jurídico-tributária.

De acordo com a jurisprudência já firmada, a autonomia desta realidade prende-se essencialmente com os factos sobre os quais incide e às especificidades do seu apuramento, mas já não, juridicamente, em relação as restantes parcelas do IRC, uma vez que nesta ótica a tributação autónoma não deixa de ser, ainda assim, IRC na sua conceção mais ampla.”

Por sua vez, o n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, dita a forma de proceder à liquidação do imposto, enumerando, exaustivamente e por ordem, todas as deduções permitidas à coleta apurada nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, e esta liquidação é a que tem por base a matéria coletável definida nos termos do art.º 15 do regime do SIFIDE, ou seja, os valores que traduzem este benefício fiscal são deduzidos "aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência”.

A coleta a que se refere esta norma quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte, é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação, sendo o crédito em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas a coleta com base na matéria coletável.

Efetivamente, a coleta de IRC está - e ao contrário da de tributação autónoma - dependente da obtenção de um resultado positivo por parte da empresa, e resulta da aplicação ao mesmo da taxa devida, pelo que não está previsto, em momento algum, entrar em linha de conta com as tributações autónomas que, como o próprio nome indica, são autónomas, ou seja, independentes do resultado obtido pela empresa, e sempre devidas na sua totalidade, uma vez que o Código não prevê quaisquer deduções às mesmas.”

76. Portanto, por aqui entendemos que o valor que decorre do SIFIDE não pode de maneira alguma servir de dedução à coleta que resulta do espetro da tributação autónoma do elenco previsto no art.º 88.º, visto que, para estes efeitos, a coleta apurada no âmbito do art.º 90.º não é equivalente à coleta que por sua vez resulta do agregado das realidades sob o jugo da tributação autónoma.

77. Permitir que o valor apurado na coleta em sede de tributação autónoma fosse passível de aproveitar do efeito “da dedução" das quantias relativas ao crédito fiscal que decorre do SIFIDE, conduziria ao confronto direto com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à aquisição e utilização de certos bens e serviços de consumo ou uso misto.

78. Mais, por não se inscrever na estrita cédula da concreta tributação do rendimento, mas no da ótica inversa (a da despesa), a tributação autónoma e a respetiva coleta não aproveitam de benefícios fiscais cuja enfatização se verifica ao nível do rendimento” e não no da despesa, como sucede nos conhecidos casos respeitantes aos benefícios fiscais tais como o aqui em apreço.

79. Carece de absoluta razoabilidade admitir, nesses termos, qualquer dedução à coleta que resulta da tributação autónoma, quando a lei desde logo igualmente não permite que o valor da mesma possa ser deduzido ao lucro tributável do período.

80. Por conseguinte, seria um paradoxo promover o esvaziamento da coleta de tributação autónoma por força da sua redução por aproveitamento de quantias concedidas por razões e interesses que ab initio brigam com os propósitos da estatuição da primeira, beneficiando fiscalmente precisamente aqueles a que o legislador quis "penalizar" por intermédio de um mecanismo (acessório) que tributa despesa, eliminando ou reduzindo por via indireta qualquer vantagem fiscal que seja no estrito perímetro da tributação do rendimento e, em consequência, na respetiva coleta e receita final sob pena de “fraude à lei”.

81. Mais grave, seria aceitar fiscalmente essa dedução quando, nos termos da lei, o próprio legislador fez questão de sublinhar cautelas quanto à convivência entre os benefícios fiscais e a verificação de determinadas despesas e encargos, tal como sucedeu, por exemplo, no n.º 2 do referido art.º 88.º do CIRC.

Alias,

82. Na esteira da mais recente jurisprudência arbitral, considerou-se que “(...) não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas" tendo-se ”(...) assim como certo que as tributações autónomas não constituem lRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC".

83. Igualmente e entendido que "(...) visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.”

84. Mais: "(...) as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis para os termos e efeitos do apuramento da base tributável de IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável'.

85. Tanto mais que, recorde-se, sendo a tributação autónoma um regime excecional no enquadramento jurídico-constitucional da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento real, o regime deve ser então objeto de uma interpretação restritiva, pois seria contrário ao espirito do sistema permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do citado art.º 90.º, fosse retirado à tributação autónoma esse caráter antiabusivo que presidiu à sua implementação no âmbito do próprio sistema do IRC.

86. Cumpre ainda sublinhar, à cautela, que tão pouco é legítimo dizer que a matriz antiabuso tributação autónoma não obsta ao impedimento da dedução do valor do benefício a coleta daquela, tal como sucede com outras disposições específicas antiabuso disseminadas pelos diversos códigos tributários.

Com efeito,

87. Ao invés do que acontece ao nível da tributação autónoma, de natureza antiabuso, de ação "indireta", nas disposições antiabuso, “diretas” (quer na cláusula geral antiabuso” quer nas sniper approach) o correlativo trato fiscal pela ocorrência dos factos legalmente previstos encontra-se circunscrito ao chamamento à base tributável; o legislador fiscal entendeu que a atuação destas seria preconizada no âmbito do patamar da determinação da matéria coletável e não, a jusante, na fase de apuramento da coleta.

88.Nas normas antiabuso "diretas", tanto a censura fiscal como o seu sancionamento são diretamente prescritos no capítulo da matéria coletável, sendo aí que o legislador fiscal cristalizou, por um lado, a sua censura e, por outro, o respetivo sancionamento.

89. É o que sucede, por exemplo, ao nível das normas legalmente previstas em sede de "preços de transferência", de "subcapitalização", etc.

90. Não temos dúvidas: a admitir-se a dedução do benefício fiscal do SIFIDE à coleta de tributação autónoma da mesma forma que sucede com a estrita coleta de IRC ou de outras figuras tributárias imediatamente conexas com o rendimento, mais não se estaria do que a afastar a diretriz sancionatória que presidiu à consagração do regime daquela.

91. Seria uma contradição que esta tributação autónoma (apuradas num contexto de comportamentos eventualmente abusivos) se esgotasse pela dedução decorrente de uma despesa (benefícios fiscais) que o Estado suporta com vista a induzir ao investimento e consequente desenvolvimento dos próprios Estados e das empresas.

92. Recorde-se o que já foi dito, a dedução no âmbito do benefício fiscal SIFIDE não é de exercício absoluto, pois o seu regime e norteado por limites de natureza formal, temporal e material, sendo que este último impede a eliminação ou mitigação da coleta apurada sob a alçada do mecanismo antiabuso que postula a autonomia da tributação de determinadas realidades (de despesa e não de rendimento), a ponto de, em consequência, igualmente impedir a menor oneração fiscal pelo custeio de realidades que o legislador fiscal considerou como potencialmente litigantes.

Destarte,

93. Nesta parte, atento o exposto, considerando o impedimento da dedução requerida, deve improceder o pedido ora formulado pela Contribuinte, ora Reclamante, com todas as consequências legais que ao caso caibam.

§ V. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido de acordo com o teor do “quadro-síntese" desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.

13.  A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 18-05-2016, proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que manifesta concordância com a Informação n.º …-… /2016, cujo teor se dá como reproduzido, em que se remete para a fundamentação do projecto de decisão.

14.  Em 01-09-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo.

Não é controvertida a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

 

3.1. Questão do agravamento das tributações autónomas previsto no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC

 

3.1.1. Termos em que se coloca a questão

 

O artigo 88.º do CIRC prevê várias tributações autónomas em IRC com as respectivas taxas.

No seu n.º 14 estabelece-se o seguinte:

 

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

 

A questão que é objecto do presente processo é a de saber se, quando é aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os prejuízos fiscais relevantes para determinar este agravamento de taxas de tributação autónoma são os dos grupos ou os de cada uma das entidades individuais que os integram.

A Requerente entende que são os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades do grupo que relevam para este efeito, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que é o prejuízo fiscal do grupo que determina o agravamento das taxas.

A questão está hoje legislativamente resolvida, no sentido propugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através do aditamento, operado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, do n.º 20 ao artigo 88.º do CIRC, que estabelece o seguinte:

 

 20 - Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º

 

O artigo 135.º desta Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, atribuiu natureza interpretativa a esta nova redacção do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.

No entanto, a Requerente defende que esta nova redacção não tem verdadeira natureza interpretativa, mas antes retroactiva, pelo seguinte, em suma:

A solução da nova lei (artigo 88.º, n.º 21 do Código do IRC) não resulta do teor (letra e espírito) do n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC, nem tem em conta a unidade do sistema jurídico-tributário do IRC (mormente, a natureza jurídico tributária das tributações autónomas).

Ademais,

Um julgador ao interpretar o n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC, apenas em clara violação das normas gerais de interpretação, poderia chegar a um entendimento semelhante àquele que se encontra previsto no (novo) n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC.

 

Independentemente da solução que se tenha por mais adequada à face do regime vigente antes da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, é um facto que o seu artigo 135.º atribuiu natureza interpretativa à nova redacção, pelo que, num Estado de Direito baseado no primado da Lei (artigo 2.º da CRP) o afastamento da sua estatuição apenas poderá advir de incompatibilidade com normas de hierarquia superior, nomeadamente constitucionais.

Assim, a primordial questão a apreciar é a de saber se é constitucionalmente admissível a interpretação autêntica efectuada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, questão esta que é de conhecimento oficioso pelos Tribunais, em face do preceituado no artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

Se se concluir pela inadmissibilidade, será de apreciar a questão de saber por qual das interpretações optar.

 

 

3.1.2. Natureza interpretativa ou inovadora do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC

 

O artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 20.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

 

Assim, a primeira questão a apreciar, que pode ser decisiva, é a de saber se a norma do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, tem verdadeiramente natureza interpretativa.

A expressão «sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal» que consta do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC pode, pelo seu próprio teor literal, ser interpretada como reportando-se aos prejuízos do grupo ou aos de cada uma das empresas que os integram.

Na verdade, mesmo quando a tributação é feita com base no lucro tributável do grupo, não deixam de ser determinados os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o integram, como resulta do artigo 70.º, n.º 1, do CIRC.

Por outro lado, o facto de o artigo 88.º, n.º 14, do CIRC fazer referência ao «sujeitos passivos» e o CIRC não indicar os grupos de sociedades entre os sujeitos passivos indicados no seu artigo 2.º não exclui a possibilidade de a interpretação daquela expressão os abranger, pois o artigo 18.º, n.º 3, da LGT atribui tal designação à «pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável». Ora, no caso de tributação dos grupos de sociedades «o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante», em primeira linha, como decorre do artigo 115.º do CIRC, pelo que esta é, também nessa qualidade, sujeito passivo de IRC.

Ainda por outro lado, o Relatório do Orçamento do Estado para 2011, que introduziu o referido n.º 14 no artigo 88.º do CIRC, não é esclarecedor sobre o alcance da referência a «sujeito passivo», pois apenas se refere que «alarga-se uma regra que em termos mais estreitos já figurava no artigo 88.º do Código do IRC e determina-se, com carácter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».

Para além disso, se é certo que a posição mais coerente e lógica é a de que, sendo a tributação unitária do rendimento a justificação da existência de um regime especial de tributação de grupos de sociedades e não havendo nenhuma alusão às tributações autónomas na Subsecção do CIRC que estabelece este regime, estas não seriam por ele abrangidas, também não deixa de ser certo que as tributações autónomas revelam uma evidente, persistente e crescente despreocupação legislativa com a coerência de sistema de tributação das empresas, que deveria ter por base fundamentalmente o rendimento real, por força do disposto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

E, de facto, tem de se admitir a falta de clareza da solução, como fica demonstrado com a jurisprudência arbitral divergente sobre esta matéria, designadamente os acórdãos de 01-09-2014, proferido no processo n.º 239/2014-T e de 24-04-2015, proferido no processo n.º 659/2014-T.

Neste último, adopta-se explicitamente o entendimento de que, nos casos de aplicação do RETGS, os prejuízos fiscais relevantes para efeito do agravamento que se refere o n.º 14 do artigo 88.º do CIRC são os do grupo que a sociedade dominante é o «único sujeito passivo para efeitos de IRC», como se evidencia no excerto que segue, realçando os pontos relevantes:

 

«Ou seja: a questão pode reconduzir-se a saber, em termos simples, se é justo ou não penalizar quem, em situação de prejuízo fiscal, opta, usando o exemplo anterior, por aquisição de viaturas ligeiras de passageiros para uso dos seus administradores, de custo acima de um limite razoável.

E relativamente a esta material não há especificidades ou exceções a assinalar para o caso, como o dos autos, de empresas tributadas, por opção própria, no âmbito do RETGS (artigos 69º e ss., do CIRC).

Na verdade, pese embora ocorra neste caso uma aferição de prejuízos fiscais por declaração do Grupo fiscal, a verdade é que tal ocorre por opção própria do contribuinte que aceitou que o cálculo respetivo se processasse não de forma individual mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de modo a que, no final, apenas houvesse um único sujeito passivo para efeitos de IRC.

Se desse regime de tributação resultar, num caso ou noutro, em tributação final mais gravosa do que aquela que poderia resultar da tributação final individual, tal consequência só ao contribuinte pode ser imputada». ( [1] ) ( [2] )

 

 

Por outro lado, o facto de existir uma Informação Vinculativa proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira datada de 30-03-2012, no sentido que esta defende no presente processo, é decisivo para concluir que esta era uma interpretação com que os contribuintes poderiam contar, pois as informações vinculativas são publicadas e esta está publicada desde 21-06-2012. ( [3] )

Para além disso, havia já algumas posições doutrinais no sentido que veio a ser perfilhado no n.º 20 do artigo 88.º, designadamente que «estando em causa um grupo societário integrado no regime especial de tributação tem-se entendido que, para efeitos do agravamento do cálculo de TA, deverá ter-se em conta a circunstância de o grupo apresentar lucro ou prejuízo, e não apenas o resultado de cada uma das sociedades. Ou seja, se houver empresas do grupo com prejuízo fiscal, mas, no cômputo global, o grupo apurar lucro tributável consolidado, não deverá ser considerado o agravamento de 10%.». ( [4] )

Sendo assim, não se compreende a surpresa ou estranheza da Requerente por no acórdão proferido no processo 685/2015-T, se aceitar que, antes da Lei n.º 7-A/2016, se considerasse que o grupo de sociedades devia ser considerado sujeito passivo para efeitos de IRC a única entidade que tem a obrigação legal de pagar o IRC, inclusivamente o resultante de tributações autónomas: já o dizia a jurisprudência arbitral, já o dizia a Autoridade Tributária e Aduaneira e não era conhecida qualquer voz dissonante a nível jurisprudencial ou doutrinal. Na verdade, o acórdão arbitral proferido no processo n.º 239/2014-T, que era a única decisão jurisprudencial conhecida no sentido de que não eram relevantes os prejuízos fiscais do grupo para efeitos do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nem sequer revela qualquer dúvida sobre a qualidade de sujeito passivo que o grupo tem em IRC, antes implicitamente aceitava que o era, pois a única razão pela qual nele se entendeu que não eram relevantes os prejuízos fiscais do grupo foi o entendimento de que «a aplicabilidade do regime especial de tributação de grupos de sociedades restringe-se à determinação do lucro tributável e dos prejuízos fiscais» e as tributações autónomas em IRC não terem como base incidência o lucro tributável.

Em face das referidas posições, não é de afastar a natureza interpretativa atribuída ao n.º 20 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução que dele resulta sobre a aplicação do agravamento da tributação autónoma prevista no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC nos casos de tributação no âmbito do RETGS passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC era controvertida e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, como chegaram a jurisprudência e doutrina referidas.

 

Esta atribuição de natureza interpretativa, perante este contexto jurisprudencial e doutrinal, não se afigura ser materialmente inconstitucional, designadamente à face da proibição de retroactividade dos impostos que se estabelece no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

O artigo 103.º, n.º 3, da CRP estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva.

A lei interpretativa, integrando-se na lei interpretando, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, tem forçosamente efeitos anteriores à sua vigência, pelo menos o de eliminar uma ou mais das interpretações possíveis da lei interpretada. ( [5] )

A proibição constitucional de retroactividade das normas criadoras de obrigações fiscais que se retira do n.º 3 do artigo 103.º da CRP visa obstar a violações legislativas do princípio da segurança jurídica, nas suas vertentes de certeza na orientação das condutas dos contribuintes e de segurança dos efeitos criados por situações já ocorridas.

Na esteira da lição de BAPTISTA MACHADO, deverá entender-se que nas situações em que a interpretação que é dada na lei nova vem fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas, pelo que não se verificam as razões que justificam a proibição da retroactividade.

Como interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não se poderão considerar aquelas que extravasam, restritiva ou extensivamente, o seu teor literal, pelo menos enquanto não houver posições doutrinais ou prática jurisprudencial que as adoptem, mas incluem-se, seguramente, aquelas que são viáveis à face do texto legal anterior numa mera interpretação declarativa.

Como se referiu já, o teor literal do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC permite, por mera interpretação declarativa, que tenha em mente o conceito de sujeito passivo alargado que resulta dos artigos 18.º, n.º 3, da LGT e 115.º do CIRC, corroborados pelo artigo 31.º, n.º 1 daquela Lei, atribuir a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS, pelo que a consideração dos prejuízos do grupo como facto determinante do agravamento da tributação autónoma tem de considerar-se como uma interpretação com que os contribuintes poderiam e deveriam contar anteriormente.

Confirmação de que a Requerente podia contar com a interpretação que veio a ser adoptada pela Lei n.º 7-A/2016, encontra-se no facto de ter sido a própria Requerente quem efectuou a autoliquidação, calculando o valor das tributações autónomas com o agravamento que tem subjacente os prejuízos fiscais do grupo.

Mesmo apreciando a situação à luz do princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, que tem maior amplitude que a proibição constitucional de criação retroactiva de impostos, é claro que não existe incompatibilidade com uma interpretação autêntica que tem como efeito a manutenção e não a alteração de uma situação existente. Na verdade, a interpretação autêntica em causa, aplicada a situações como a dos autos em que o contribuinte criou ele próprio a situação jurídica em que se encontra, efectuando as autoliquidações em sintonia com essa interpretação e efectuando os respectivos pagamentos, não afecta a segurança jurídica, antes a reforça, pois tem como efeito prático consolidar juridicamente a situação existente.

Pelo exposto, a interpretação autêntica efectuada pelo n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não ofende a proibição constitucional de normas fiscais retroactivas nem o princípio da segurança jurídica.

 

3.2. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE às quantias devidas a título de tributações autónomas

 

3.2.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/2010)

4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [6] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente. ( [7] )

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

3.2.2. Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas

 

Em 2014, vigorava o Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e alterado pelo artigo 163.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 5.º

 

Condições

 

Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.

E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.

O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.

O facto de o artigo 5.º do SIFIDE II afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas ( [8] ) uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

            A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [9] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ( [10] ).

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)


Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC.

             Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

            Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

            Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável em 2014 reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nesse ano e nos anteriores, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Orçamento do Estado para 2012, por isso, é de supor que tenha sido considerado na ponderação do alcance do benefício fiscal), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ( [11] ).

Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE II é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país, que é fundamental para o próprio incremento das receitas fiscais.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

            Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.

Com efeito, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como é o SIFIDE II.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [12] )

Para além disso, as referidas regras do SIFIDE II têm em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes que, com justificada confiança, adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

3.3. Decisão da reclamação graciosa

 

Do exposto decorre que a decisão da reclamação graciosa é ilegal na parte em que indeferiu o pedido relativo à dedução do SIFIDE, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.4. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere no artigo 110.º da sua Resposta o seguinte:

 

E que, por conseguinte, permita a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais efectuados em sede de IRC, in casu, SIFIDE/CFEI/RFAI, essa decisão é materialmente inconstitucional, por:

  a) violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP;

b) violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP;

c) violação do princípio da protecção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP;

d) violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º2 e do 103.º, n.º2 ambos da CRP».  

 

Constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica qual a razão ou razões pelas quais entende que são violados esses princípios, limitando-se a aludir a eles, pelo que não cumpriu, quanto a estas hipotéticas questões, ónus de alegar indispensável para ser assegurado o direito de contraditório.

De qualquer forma, com a brevidade que a insuficiência de alegação justifica, pode dizer-se que não se vê como possa ser violado o princípio da legalidade, pois a legalidade tem precisamente o alcance que atrás se referiu e, designadamente, a norma geral do número 21 ao artigo 88.º do CIRC, mesmo aplicada a situações anteriores não tem potencialidade, para revogar normas especiais, como são as do SIFIDE II que prevêem a dedução à colecta de IRC, que inclui a das tributações autónomas. Sendo esta a interpretação adequada das referidas normas, o que seria incompaginável com o princípio da legalidade seria aplicá-las com alcance diferente do que resulta das regras interpretativas adequadas.

Quanto ao princípio da separação dos poderes, a presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e, no exercício do poder jurisdicional, é aos Tribunais que incumbe interpretar e aplicar as leis. No caso, este Tribunal interpretou todas as normas em causa, inclusivamente o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, com o sentido que referiu e não com outro.

No que concerne ao princípio da protecção da confiança, mesmo que se entenda que o seu âmbito de protecção se estende à Administração Estadual, não abrange, decerto, a confiança em que os tribunais adoptarão uma determinada interpretação, quando a jurisprudência não é pacífica.

No que respeita ao princípio da igualdade, não é identificada qualquer situação equiparável a que tenha sido dado um tratamento distinto. Para além disso, as tributações autónomas não têm por base a capacidade contributiva das empresas, pois a sua autonomia concretiza-se, precisamente, na imposição de tributação com indiferença pela existência de rendimentos, sendo excepções ao princípio da tributação das empresas com incidência «fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (artigo 104.º, n.º 2, da CRP). Por isso, não se vê como seja violado o princípio da igualdade, e muito menos o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que se reporta aos requisitos formais das leis tributárias.

Pelo exposto, não ocorre violação dos princípios invocados.

 

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso da quantia de € 64.283,16 relativa ao que entende que pagou a mais relativamente ao agravamento das tributações autónomas e o reembolso do montante de tributações autónomas indevidamente pago e entregue nos cofres do Estado em resultado da não dedução do SIFIDE, que é de € 481.170,08.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios calculados sobre o montante a restituir, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

4.1. Reembolso e juros indemnizatórios relativos ao agravamento das tributações autónomas

 

Improcedendo o pedido de anulação na parte relativa ao agravamento das tributações autónomas, não há lugar ao reembolso da quantia de € 64.283,16, nem a juros indemnizatórios calculados com base nela.

 

4.2. Reembolso e juros indemnizatórios relativos ao pagamento de imposto relativo ao SIFIDE que podia ser deduzido à colecta das tributações autónomas

 

A colecta de tributações autónomas foi de € 481.170,07 e a Requerente não deduziu o montante de € 1.549.377,25, relativos a aplicação do SIFIDE, que transitou para período seguintes, como a própria Requerente refere no artigo 61.º do pedido de pronúncia arbitral e a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no projecto de decisão da reclamação graciosa.

Tendo já havido um exercício posterior ao de 2014, em que poderia ter sido deduzido o montante do SIFIDE que transitou para exercícios seguintes, não é possível decidir se há ou não direito a reembolso da quantia de quantia de € 481.170,07, que não foi deduzida, relativamente ao exercício de 2014, mas pode tê-lo sido no exercício de 2015, pelo que se trata de matéria que só poderá se apreciada e decidida em execução de julgado.

No que concerne a juros indemnizatórios, o regime substantivo é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, na parte relativa à questão da dedução do SIFIDE à colecta de tributações autónomas, é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

No que concerne à autoliquidação, que foi efectuada pela Requerente, não é alegado que o erro seja imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por isso, quanto aos actos de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida parcialmente as pretensões da Requerente, quanto à parte em que o presente pedido de pronúncia arbitral procede, e o não acolhimento da pretensão é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [13] )

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde 18-05-2016, data do indeferimento da reclamação graciosa, até que seja efectuado ou tiver sido deduzida a quantia de € 481.170,07.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

·          Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão do agravamento das tributações autónomas e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira desse pedido;

·          Julgar procedente o pedido de anulação quanto à questão da dedução do montante do SIFIDE a colecta de tributações autónomas e anular a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa na parte respectiva;

·          Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos definidos no ponto 4.2 deste acórdão. 

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 545.453,24.

 

6. Custas

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.262,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 11,79% a cargo da Requerente e 88,21% a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20-02-2017

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(A. Sérgio de Matos)

 

(Luís Baptista)

 



[1]       Este acórdão não teve esta questão como objecto de decisão.
         Mas, para efeitos de apuramento da previsibilidade de uma interpretação à face de uma determinada legislação, o que é relevante não é saber se foi proferida uma decisão, mas sim se a interpretação era ou não feita pela jurisprudência.

         No caso do acórdão proferido no processo n.º 659/2014-T, interpretou-se o artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, por unanimidade, com o sentido de que nele se prevê «uma aferição de prejuízos fiscais por declaração do Grupo fiscal», o que basta para concluir se trata de uma interpretação a que a jurisprudência poderia chegar à face da legislação anterior.

[2]       O acórdão arbitral de 12-02-2016, proferido no processo n.º 447/2015-T, não é significativo para apurar se a interpretação do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC que veio a ser explicitada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, era aceitável antes da atribuição de natureza interpretativa.
         Na verdade, a tomada de posição que é efectuada neste acórdão arbitral é feita com conhecimento de que constava da proposta de Orçamento para 2016 futura norma do n.º 14 do artigo 88.º e a atribuição da natureza interpretativa, o que revela que não se chegou à interpretação perfilhada apenas com base na legislação anterior, que é a relevante para apurar se a nova inter era algo com que se pudesse contar.

Aliás, essa relevância da proposta de Lei do Orçamento é explicitamente reconhecida nesse acórdão dizendo:

 

         Finalmente, valendo o que vale o argumento, a verdade é que na Proposta de Lei de OE para 2016, entregue pelo Governo na AR, se vem propor uma clarificação legislativa do artigo 88º. do CIRC, no sentido que ora se preconiza, ou seja, de que, para efeitos do agravamento das tributações autónomas, os prejuízos fiscais serão apuradas ao nível do grupo e não de cada uma das sociedades de per si. E mais ainda: dadas as divergências interpretativas existentes a propósito da matéria sub judice, tal clarificação legislativa terá uma natureza de norma interpretativa, o que reforçará a interpretação que ora se dá aos normativos em apreço.

 

[3]       Segundo constada lista publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua página informática em:
         http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/rendimento/circ/Por_data_circ.htm

[4]       Neste sentido, MARIA RITA DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA, em «A Tributação Autónoma no CIRC – A sua (in)coerência», Dissertação de mestrado em Direito Fiscal elaborada sob a orientação do Professor Doutor Rui Duarte Morais.
         Embora sem fundamentação explícita, a informação de que há conhecimento de ser essa a interpretação que tem vindo a ser efectuada não deixa de ser significativa, para efeitos da natureza inovadora ou não da solução explicitada no n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.

         Eventualmente, o reconhecimento de que estava a ser seguida essa na interpretação do n.º 14 do artigo 88.º basear-se-á no facto de estar publicada a referida informação vinculativa.

[5]       No sentido de que a lei interpretativa é necessariamente retroactiva, pode ver-se OLIVEIRA ASCENSÃO. O Direito - Introdução e Teoria Geral, página 438:
         1) A lei é uma determinação, e não uma declaração de ciência. O legislador não sabe melhor qual o verdadeiro sentido da lei que qualquer outra pessoa. Dentro de uma posição objectivista, a fixação de um sentido da lei anterior como o único admissível é uma nova injunção. Seria ficção pretender que o sentido que o legislador agora impõe foi sempre o verdadeiro sentido da fonte.

         2) Há retroactividade quando uma fonte actua obre o passado. Ora a lei retroactiva, se bem que não suprima a fonte anterior, não se confunde com ela. O título é necessariamente composto, engloba também a lei nova. Se a lei nova está a regular o passado, então é necessariamente retroactiva.

[6]       O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[7]       É, aliás, neste sentido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira que refere que há «dois cálculos distintos que, embora processados, de acordo com a mesma base jurídica – a alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC - e nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias» (artigo 27.º da Resposta).

[8]       Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

[9]           Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.
         Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[10]       BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[11]     Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.
De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

      – 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

      – 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

                 

 

[12]       OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.

[13]     ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:
«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».