Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 526/2016-T
Data da decisão: 2017-02-07  Selo  
Valor do pedido: € 93.503,86
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; Terrenos para construção; Ano 2012
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Nunes Barata e Andrea Firmino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 26 Agosto de 2016, A…, S.A. com o número de identificação fiscal…, e sede na Avenida …, …, …, …, em Lisboa, em representação de B…, com o número de identificação fiscal…, com sede na mesma morada e Município da …, com o número de identificação fiscal …, com sede no …, …, …, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos:

                                                              i.      actos de liquidação de Imposto do Selo n.º…, … e …, emitidos com referência ao ano 2012, referentes aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos matriciais n.os…, … e…, anteriores artigos…, … e…, respetivamente, todos da freguesia da …, distrito do ...;

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alegam as Requerentes, em síntese, que os prédios a que se referem os actos de liquidação em questão são terrenos para construção, não preenchendo, portanto, a previsão da verba 28.1 da Tabela anexa ao CIS, na redacção aplicável, que se reporta a prédios com afectação habitacional.

 

  1. No dia 26-08-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 03-11-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 24-11-2016.

 

  1. No dia 04-01-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Atendendo a que não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, ao abrigo do disposto nos art.ºs 16.º/c) e 29.º/2 do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      O B…, doravante “Requerente” era, à data a que reportam as liquidação sub judice, proprietário de três prédios urbanos inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais n.os…, … e …, anteriores artigos…, … e …, respetivamente, todos da freguesia da …, distrito do ...;

2-       A Requerente foi notificada, em Março de 2013, dos actos liquidação de imposto para os prédios acima identificados, emitidos ao abrigo da verba 28.1 da TGIS - na sua redacção original - e referentes aos prédios acima descritos.

3-      As liquidações de Imposto do Selo em apreço, todas referentes ao ano 2012, resultam da aplicação do artigo 19, nº 1 do Código do Imposto do Selo, conjugada com a verba 28 da TGS e com o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

4-      Os imóveis, objecto das liquidações de Imposto do Selo a que se refere a presente acção arbitral, estavam então inscritos na matriz como "terreno para Construção”.

5-      A Requerente apresentou reclamação graciosa daqueles actos de liquidação de Imposto do Selo.

6-      A Requerente foi notificada das decisões de indeferimento proferidas sobre aqueles pedidos de revisão, nos termos das quais a AT decidiu que os actos tributários em apreço se encontrariam conformes com a lei aplicável e que não padeceriam os mesmos de qualquer vício.

7-      A Requerente recorreu hierarquicamente das referidas decisões, tendo sido notificada das decisões proferidas, sobre aqueles recursos hierárquicos, pela DS do IMT, Imposto do Selo, IUC e Contribuições Especiais.

8-      Das referidas decisões consta, para além do mais, que: "os terrenos para construção com afetação habitacional se incluem na norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, pelo que se mostram corretas as liquidações de imposto do selo efetuadas à Recorrente".

9-      Com vista a suspender os correspondentes processos de execução fiscal em curso, a Requerente procedeu à prestação de duas garantias bancárias nos valores de Eur 83.062,07 e Eur 40.428,47, emitidas pelo Banco C… em 27.02.2014;

10-   O B… foi dissolvido e liquidado por escritura pública outorgada a 29-01-2016, tendo para os devidos efeitos fiscais sido designado como representante a A…, S.A.

11-  Em consequência da dissolução e liquidação do referido Fundo, o Município da …, enquanto participante único detentor da totalidade das Unidades de Participação do Fundo ficou, igualmente, proprietário dos já mencionados prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos matriciais n.os…, … e …;

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A questão que se coloca nos presentes autos, relativa à subsunção, ou não, dos terrenos para construção à redacção original da verba 28.1 da TGIS, foi já objecto de extenso tratamento jurisprudencial, nos tribunais tributários e, especialmente, na jurisdição arbitral, pelo que se seguirá de perto o já escrito noutra sede[1].

No presente processo está, assim, em causa a definição do âmbito de incidência da verba nº 28.l. da TGIS, na redacção dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro, mais concretamente determinar se os terrenos para construção podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afectação habitacional” a que alude a referida verba, quando o respectivo valor patrimonial seja igual ou superior a € 1.000.000.

A questão coloca-se em virtude da tributação em sede de imposto do selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, seja igual ou superior a € 1.000.000, caso em que é devido imposto, à taxa de 1% sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, por prédio com afectação habitacional.

Esta questão não é nova, tendo sido objecto de apreciação quer na jurisdição arbitral, quer na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sempre ao contrário ao pretendido pela Administração Tributária.

Seguir-se-á de perto, na presente decisão, o entendimento sufragado nos Acórdãos 49/2013-T de 18 de Setembro de 2013, 53/2013-T de 2 de Outubro, 231/2013-T de 3/2/2014, Processo nº 7/2014-T, de 3 de julho, 56/2014-T de 31 de Julho, 210/2014-T de 30 de Julho, Processo nº 125/2015-T, de 12 de Outubro, todos do CAAD e o Acórdão do STA de 9 de abril de 2014, P1870/2013, a que se seguiram vários outros de teor semelhante, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.

Como referido no Acórdão proferido no Processo nº 125/2015-T, as subalíneas i) e ii) da alínea f) do artigo 6º da Lei 55/2012 de 29 de Outubro e a verba 28.1 da TGIS ao utilizarem um termo que não é usado em qualquer outra legislação tributária – prédio com afectação habitacional – deu origem a litigiosidade abundante, que culminou em decisões quer para o STA, quer para a Jurisdição Arbitral, sempre no sentido de que, não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional” e resultando do artigo 6.º do CIMI – subsidiariamente aplicável ao IS previsto na nova verba n.º 28 da TGIS – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção” não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do IS, verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, como prédios urbanos com afectação habitacional, com a consequente anulação da liquidação com o fundamento de erro sobre os pressuposto de direito em que a mesma assenta.

Não oferecendo o Código de IS, nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (que aprovou a verba de TGIS em apreciação), nem de resto a demais legislação tributária uma definição legal de “prédio com afectação habitacional”, importa procurar a correcta interpretação desta expressão na letra da lei, presumindo-se que o legislador se soube exprimir da forma mais adequada (cf. artigo 9.º, n.º 3, parte final, do Código Civil), na sua integração sistemática com as normas constantes do Código do IMI e, bem assim no espírito da lei.

O ponto de partida da expressão “prédios com afectação habitacional” é naturalmente o texto da Lei 55/2012, de 29 de Outubro, sendo com base nele que se há-de reconstituir o pensamento legislativo.

A referida Lei n.º 55-A/2012 aditou a Verba 28 da TGIS em apreciação com a seguinte redacção:

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afectação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”.

 A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entrou em vigor no dia 30 de Outubro de 2012, em conformidade com o seu artigo 7.º, n.º 1 de que determinou a sua entrada “em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.

Foram, ainda, fixadas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, as seguintes regras transitórias por referência à liquidação do imposto do selo previsto na Verba n.º 28 da TGIS, com relevo para a presente decisão:

“1 — Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a)      O facto tributário verifica -se no dia 31 de outubro de 2012;

b)      O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo em 31 de outubro de 2012;

c)      O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do IMI por referência ao ano de 2011;

d)      A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e)      O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f)       As taxas aplicáveis são as seguintes:

                                                  i.      Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

                                                ii.      Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

                                              iii.      Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 — Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.”

Como já avançado, nem o Código de Imposto do Selo nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, concretizam o conceito de “prédio urbano com afectação habitacional”, pelo que em conformidade com o artigo 67.ºdo Código do IS, a interpretação deste conceito deve ser seguidamente procurada no Código do IMI.

Com efeito, resulta do artigo 67.ºdo Código do IS que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI” (Redação dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro.).

De acordo com o Código do IMI, mais concretamente com o seu artigo 6.º, n.º 1, os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; e d) Outros.

Os prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins (cf. artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI). Já os terrenos para construção são os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo (cf. artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI).

Assim, “um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime de jurídico que regula as edificações urbanas ou o fracionamento de prédios rústicas, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir, salvo de, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efectiva concretização” (Decisão arbitral proferida no Processo 49/2013-T, em 18 de Setembro de 2013, in www.caad.pt).

O Código do IMI oferece assim uma definição de prédios habitacionais e de terrenos para construção, como duas diferentes espécies de prédios urbanos, mas não esclarece qual o verdadeiro teor do conceito “prédio urbano com afectação habitacional”.

Porém, a expressão “afectação” pressupõe que o prédio tem uma efectiva utilização para fins habitacionais, o que não se verifica num terreno para construção, que enquanto tal, não tem ainda qualquer efectiva utilização, quer para habitação ou outra.

Como sustentado, na Decisão Arbitral, proferida no Processo n.º 42/2013-T em 18 de Outubro de 2013, que aqui se acompanha “não podemos confundir uma “afectação habitacional” que implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma “afectação habitacional”. Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afectação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados). Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objetiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afectação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afectação habitacional.”.

Mas mais, “o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afectação efectiva. Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional. Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI. Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, “prédio com afectação habitacional”, não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um “prédio habitacional”), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim. Que é este o sentido da expressão “afectação”, no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que “estejam afetos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas”, que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afeto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante. De resto, o texto da lei ao adotar a fórmula “prédio com afectação habitacional”, em vez de “prédios urbanos de afectação habitacional”, que aparece na referida “Exposição de Motivos”, aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação” (Decisão arbitral proferida no Processo 53/2013-T, em 2 de Outubro de 2013, in www.caad.pt).

Em suma, no terreno para construção existe apenas uma expectativa, ou potencialidade, de poder, após a edificação, vir a ter uma “afectação habitacional”, mas só quando esta afectação se concretizar, e nunca antes da sua edificação, é que poderemos considerar que se enquadra no âmbito da norma de incidência tributária objetiva em apreço.

Este entendimento, de acordo com o qual os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redação da Lei n.º 55-A/2012), como prédios urbanos com afectação habitacional, foi, também, já sufragado pelos tribunais tributários, que têm na sua generalidade entendido que “atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” (cf. Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo nos processos nºs 1870/13 e 48/14, em 9 de Abril 2014, nos processos nºs 270/14, 271/14 e 272/14 em 23 de Abril de 2014 e no processo n.º 046/14, em 14 de Maio de 2014, in www.dgsi.pt).

Contra o exposto, não pode assim, proceder o entendimento da Entidade Requerida que a expressão utilizada pelo legislador “afectação habitacional” é mais ampla que a expressão “prédios destinados a habitação”.

            A “afectação habitacional” pressupõe que a habitação seja a utilização normal dada ao prédio face às suas características actuais e reais, ou seja, implica que o prédio seja efectivamente destinado a habitação (o que pressupõe, naturalmente, que se trate de um prédio, já edificado), quando nos terrenos para construção existe a mera expectativa, a potencialidade, dessa afectação.

            Não se encontra, assim, na letra da lei qualquer indício que o legislador tenha procurado abarcar na expressão “prédio com afectação habitacional” os terrenos para construção.

Por último, importa analisar o fim pretendido pelo legislador e se esse fim põe em causa as conclusões a que, até aqui, se chegou.

Conforme resulta patente da discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 96/XII (Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012) a criação de uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação, que está na base da aprovação da Verba do Imposto do Selo, em apreciação integra um conjunto de medidas cujo objectivo declarado se prendia com a criação de um sistema fiscal mais justo e equitativo, em que os contribuintes fossem chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva.

Com este objetivo, foi, assim, proposta a criação de uma taxa especial, tendo o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao defender esta Proposta de Lei 96.XII, referido: “Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação desta taxa adicional especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez em Portugal que é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa que será de 0,5 a 0,8 em 2012, e de 1% em 2013, incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013.

Deste modo, o que foi proposto aos deputados e estes aprovaram foi a criação de uma tributação do património imobiliário de luxo. Em suma, visou-se o alargamento da base tributável mediante a criação de uma taxa especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação, entendidos como “as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, ou seja, conclui-se que a realidade que se visa tributar são as “casas”, e não outras realidades, como os terrenos para construção.

O conceito mais próximo do teor literal desta expressão, prédio com afectação habitacional, é manifestamente o de prédios habitacionais, definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, como abrangendo os edifícios e construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

Neste sentido a Decisão Arbitral 231/2013-T de 3/2/2014, de acordo com a qual “a reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso da verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementado sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores internacionais (representados pela “troika”) e da fiscalização do Tribunal Constitucional <….> Neste contexto não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar a coerência legislativa na solução adoptada na referida verba 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos face ao n.º 3 do artigo 9 do Código Civil, o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

Aliás, o conceito introduzido pela Lei 55-A/2012, provavelmente mercê da sua imprecisão – “facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objetiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28.1 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objetiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do CIMI”. Não já conceito de habitação mas, prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI. E aqui se dando por terminada a controvérsia legal como a presente ora sindicada.

Em conclusão, concorrendo que todos os elementos de interpretação da lei no sentido de que prédio com afectação habitacional significava prédio habitacional, é manifesto que as liquidações ora impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da verba n.º 28.1, são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de prédios habitacionais.

Em face do exposto, conclui-se pela anulação dos actos de liquidação objecto da presente acção arbitral.

 

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Cumula a Requerente, com o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes das garantias bancárias indevidamente prestadas com vista à suspensão dos processos de execução fiscal entretanto instaurados para cobrança coerciva das liquidações de Imposto do Selo subjacentes aos presentes autos.

Face à procedência do pedido anulatório, deverá a Requerente ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da prestação das garantias prestadas. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos actos de liquidação é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a ser indemnizada, nos termos do artigo 63.º da LGT.

Assim, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular a respetiva indemnização, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 53.º da LGT.

 

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular os actos de liquidação de Imposto do Selo n.º…, … e …, emitidos com referência ao ano 2012, referentes aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos matriciais n.os…, … e …, anteriores artigos…, … e …, respetivamente, todos da freguesia da …, distrito do ...;

b)      Condenar a Requerida no pagamento de indemnização pelos prejuízos resultantes das garantias bancárias prestadas com vista à suspensão do processo de execução fiscal;

c)      Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €2.754,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 93.503,86, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 7 de Fevereiro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Andrea Firmino - Relatora)

 

 



[1] Essencialmente no processo arbitral 723/2015T, disponível em www.org.caad.pt