Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 55/2012-T
Data da decisão: 2012-12-24  IRC  
Valor do pedido: € 1.333.869,13
Tema: Cash pooling
Versão em PDF

Processo n.º 55/2012-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutora Paula Rosado Pereira e Prof. Doutor António Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-5-2012, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

…, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua Adelino … (doravante designada como “Requerente” ou “…”), formulou pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º…, relativo ao exercício de 2008, contra o qual foi em 27-06-2011 deduzida Reclamação Graciosa e, em 28/12/2011, presumido o seu indeferimento tácito, indeferimento esse que, caso a pronúncia ora requerida resulte na consideração da ilegalidade do acto tributário em causa, deve ser anulado, assim como aquele e os consequentes actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs … e … e de acerto de contas n.º …, de que resultou um saldo global a pagar de € 1.333.869,13.

A Requerente imputa aos actos referidos ilegalidade por violação do regime do art. 63.º do Código do IRC (CIRC) por neles ter sido pressuposta a existência de relação de garantia susceptível de ser apreciada à luz do princípio da plena concorrência e do regime de preços de transferência, por este regime ser insusceptível de aplicação ao contrato de cash pooling celebrado pela Requerente e, subsidiariamente, ilegalidade na determinação do preço de plena concorrência, por desadequação do método do preço comparável de mercado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando uma «questão prévia» relativa à tradução adequada da cláusula 7 do contrato (convenção de cash pooling), e, defendendo, em suma, que o contrato referido tem especificidades que não são as condições de um vulgar contrato de cash pooling, devendo ser qualificado como misto, com reunião de regras de mais do que um tipo de contrato, e dos seus termos resulta que a Requerente, para além de prestar uma garantia, acaba por financiar a actividade da empresa-mãe C… AG em termos menos favoráveis, para a Requerente, do que os que seriam acordados se não existisse relação especial, de subordinação.

Na reunião referida no art. 18.º do RJAT

– as partes acordaram em considerar como correcta a tradução do contrato referido apresentada pela Requerente na carta datada de 30-9-2008, constante do Anexo 1.4. do Relatório da Inspecção;

– prescindiram da inquirição das testemunhas indicadas;

– a Requerente juntou um requerimento com cópias de decisões da Autoridade Tributária e Aduaneira em processos de reclamações graciosas respeitantes ao contrato referido respeitantes aos anos de 2005 e 2006;

– a Requerida ditou para a acta um requerimento suscitando a questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o mérito da causa;

– as partes acordaram em que o processo prosseguisse com alegações escritas, no prazo de 15 dias, a contar sucessivamente.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e há que apreciar a questão prévia da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na reunião prevista no art. 18.º do RJAT.

 

2. Matéria de facto

 

Com base nos elementos que constam do processo consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente … integra um grupo de sociedades, de que é sociedade dominante a sociedade alemã A… AG, e de que fazem parte as sociedades B... Lda (NIPC…), C , SA (NIPC ...) e D... SA (NIPC ...) (relatório da inspecção tributária que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. Em 31-12-2008 a Requerente era detida a 100% pela empresa de direito alemão A... AG (relatório da inspecção tributária que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  3. No ano de 2010 foi efectuada uma inspecção tributária à Requerente, relativa ao exercício de 2008 (relatório da inspecção tributária que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  4. Relativamente ao ano de 2008, a Requerente, através de declaração de substituição entregue em 12-11-2010, identificada por ..., e liquidada em 30-11-2010, declarou um lucro tributável do grupo de sociedades no valor de € 125.058.036,30 (relatório da inspecção tributária que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. Com os fundamentos indicados no ponto III.1 do relatório da inspecção, foi proposta a correcção do lucro tributável do grupo de sociedades, decorrente de correcção do lucro tributável individual da Requerente, relativo ao ano de 2008, no valor de € 6.403.689,43 (relatório da inspecção tributária que consta do documento n.º 7 e documento n.º 1, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  6. Com base na correcção referida na alínea anterior, foi efectuada a liquidação adicional de IRC n.º 2011..., relativa ao exercício de 2008, os actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2011 ...e o acto de acerto de contas n.º 2011 ..., de que resultou um saldo a pagar de € 1.333.869,13, cujo pagamento a Requerente efectuou em 14-3-2011 (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  7. Em 27-6-2011, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional referida na alínea anterior (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  8. A reclamação graciosa referida na alínea anterior não foi decidida até 23-3-2012 (afirmação da Requerente no início do pedido de pronúncia arbitral, que não é impugnada pela Autoridade Tributária e Aduaneira);

  9. Em 23-3-2012, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD);

  10. Em 27-6-2005, a Requerente e a A... AG celebraram com o BANCO... (doravante designado como «A…»), com sede em Amesterdão, o contrato cuja cópia e “Manual operativo” («Operating Manual»)constam de fls. 42 a 74 da 2.ª parte do processo administrativo (documento com a denominação «P55 T 2012 – AT – PROC ADM 2.º PARTE», cujo teor se dá como reproduzido);

  11. Em 30-9-2008, a Requerente enviou à Direcção de Serviços de Inspecção Tributária a carta cuja cópia consta de fls. 78 a 80 da 2.ª parte do processo administrativo (documento com a denominação «P55 T 2012 – AT – PROC ADM 2.º PARTE», cujo teor se dá como reproduzido), com referência a inspecções de 2005 e 2006, de que consta, além do mais, o seguinte:

1) Montantes não utilizados pela A... AG

Resulta do contrato de Cash Pooling que cada um dos intervenientes tem uma conta individual junto do banco na qual são reflectidas todas as operações bancárias ocorridas em cada período.

As contas são independentes e só podem ser movimentadas por cada um dos intervenientes:

A conta da A… AG tem a referência NL … .

A conta da Requerente … tem a referência ….

Neste entendimento, e respondendo à pergunta, a A…AG não fez qualquer utilização dos fundos da C… AG na sua conta…, os quais contribuem por consolidação virtual para o cálculo do Overall Balance de que o Cash Pooling Co-ordinator é informado.

Este apuramento de um saldo virtual pelo Banco não implica qualquer alteração da posição financeira de cada um dos intervenientes perante o Banco, não dando, assim, origem a nova operação financeira entre as empresas participantes.

Os possíveis depósitos e financiamentos realizados pela A… AG, nos termos contratuais, são da sua exclusiva responsabilidade e estarão reflectidos nos extractos bancários da sua conta.

Nas suas diversas aplicações nos termos do contrato (cash pooling) a A…AG obtém rentabilidades que são resultado da qualidade da sua gestão de tesouraria face aos seus negócios.

A … não é parte interessada nestes negócios e as condições de remuneração dos seus depósitos ("the Bank's Base Rate" + "0,025% over a credit balance") na conta …, acordadas com o E…, em nada são alteradas pela gestão de tesouraria da CAG.

Também a possibilidade de disponibilidade imediata do saldo da conta da … não é afectada - esta pode levantar os fundos depositados a qualquer momento.

A pedido da Snrª Drª e por amostragem foram já entregues diversos elementos esclarecedores sobre o assunto.

Dentro desta amostra e em dois meses (Julho de 2005 e Fevereiro de 2006), com a ajuda da A… AG, foram reconstituídos os cálculos de todos os movimentos ocorridos.

Entende-se que foi integralmente e claramente esclarecida a prática do Contrato nos exercícios em análise, referentes aos anos de 2005 e 2006.

 

  1. Tradução do disposto nas cláusulas 7 e 8 - implicações a nível do funcionamento

Tradução:

Cláusula 7

GARANTIA ADICIONAL

Como garantia do pagamento do Passivo Garantido, cada um dos Clientes dá como garantia ao Banco, pelo presente contrato, através de um direito de caução prioritário, qualquer um e todos os seus actuais e futuros créditos junto do Banco, decorrentes de ou em ligação com as Contas.

Com a assinatura deste Contrato, o Banco reconhece ter tomado c0nhecimento da disponibilidade dos Clientes para a aceitaçã0 desta garantia adicional.

Cláusula 8

COMPENSAÇÃO/EXECUÇÃO

Cada um dos Clientes que, em qualquer altura, tenha saldos devedores nas Contas, poderá compensar quaisquer montantes devidos ao Banco, resultantes de ou em ligação com as Contas, com quaisquer montantes devidos pelo Banco a cada um dos clientes que, em qualquer altura, tenham saldos credores nas Contas, resultantes de ou em ligação com as Contas.

Quando desejar receber o pagamento do Passivo Garantido o Banco deverá, em primeiro lugar baseado no critério pró rata temporis, recorrer aos saldos credores existentes nas Contas que se encontrem caucionadas ao Banco, em conformidade com a Cláusula 7.

Comentários:

No primeiro parágrafo da Cláusula 8 aprova-se a possível utilização de um mecanismo de compensação entre as contas, por vontade/ordem dos Clientes. Uma vez que as Contas são independentes e só podem ser movimentadas pelo respectivo titular, a efectiva aplicação deste mecanismo depende do prévio acordo entre os Clientes e subsequente instrução ao Banco nesse sentido pelo Cliente(s) com saldo(s) credor(es).

Por ele, dá-se aceitação à transferência de valores de contas credoras para contas devedoras com o objectivo de se anular estes últimos saldos.

Nos exercícios em análise da conta …, sempre credora, não foi transferida qualquer verba com esta intenção.

No segundo parágrafo da Cláusula 8 é estabelecido o critério prático de execução a seguir pelo Banco, caso este venha a requerer a efectivação da Cláusula 7.

A feitura das Cláusulas 7 e 8 deverá ser entendida no seu contexto para o qual é importante ter também em atenção o estabelecido na Cláusula 6 deste mesmo Contrato.

Nesta cláusula a A…AG é referida como sendo o primeiro responsável pelo pagamento dos saldos devedores.

Em termos práticos significa que a garantia expressa na cláusula 7 é potencial e só será accionada no caso da A… AG não corresponder primeiramente às solicitações do Banco.

Durante os exercícios de 2005 e 2006 não foi recebida pela … qualquer notificação do E… neste sentido.

A declaração do A…, que juntamos, datada de 29 de Setembro de 2008, confirma que até ao presente momento as Cáusulas 7 e 8 nunca foram accionadas.

Se, hipoteticamente, estas Cláusulas fossem accionadas e o saldo credor da … respondesse por dívida ao Banco, esta operação repercutir-se-ia indirectamente no accionista, o qual poderá solicitar a bastante transferência de lucros de "Reservas Livres") que, por encontro de contas, saldaria as responsabilidades assumidas pela … .

 

  1. Em 2001, a Requerente obteve um financiamento do Banco Fno valor de € 40.000.000,00, no âmbito de um Projecto de Investimento, apresentando uma garantia emitida pelo Banco Ga favor daquela entidade (página 30 do relatório da inspecção);

  2. No exercício de 2008 encontrava-se em vigor o contrato de financiamento referido, mantendo as condições iniciais no que respeita à sua remuneração (página 30 do relatório da inspecção);

  3. A Requerente suportou com a referida garantia emitida pelo Banco Gum encargo anual correspondente a 0,375% (à semelhança do que se observou nos exercícios de 2005, 2006 e 2007) (página 30 do relatório da inspecção);;

  4. A Requerente efectuou um depósito junto do Banco Hcom data de início de 12-6-2008 e data de fim de 15-7-2008 no valor de 2.305.000.00 € à taxa de 5,46% pelo prazo de 33 dias (página 36 do relatório da inspecção);

  5. Em 12-6-2008 os depósitos da … no A… foram remunerados à taxa de 4,25% (página 36 do relatório da inspecção);

  6. No ano de 2008, a diferença média entre a remuneração obtida pela Requerente pelos seus depósitos no A… e as condições obtidas noutras operações entre Janeiro e Setembro, foi de cerca de 1,21,% (página 36 do relatório da inspecção).

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios nos documentos e afirmações das partes indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, cuja correspondência à realidade não é controvertida pelas partes.

 

3. Questão da incompetência

 

3.1. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão prévia da incompetência material dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciarem questões que envolvem a aplicação das regras sobre preços de transferência, nos seguintes termos:

 

"O legislador através do artigo 2. º, n. º 2 do RJAT, veda o acesso à equidade, devendo o tribunal arbitral decidir tendo por base o direito constituído.

Sendo que a equidade, consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, observando critérios de justiça e de igualdade, estando em causa nos presentes autos, juízos de comparabilidade em que assenta a aplicação do regime dos preços de transferência e o recurso ao método mais apto à sua determinação, entende-se estar excluída esta matéria da jurisdição arbitral.

Acresce ainda, que o legislador, através da Portaria n.º 620-A/2008, de 16 de julho, vem conceder um mecanismo extrajudicial de fixação de acordos prévios de preços de transferência, bem como através da convenção da União Europeia sobre a arbitragem em matéria de preços de transferência, de 23 de julho de 1990, que vem estabelecer mecanismos de eliminação de dupla tributação em matéria de preços de transferência.

Sucede assim, que a sujeição desta matéria ao regime arbitral, a que a Administração está vinculada, poderá colidir com eventuais direitos de outros Estados-Membros.

Deste modo, nos termos da alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, a entidade Requerida não está vinculada à jurisdição arbitral em matéria tributária relativamente à correção efetuada à matéria coletável ao abrigo do regime dos preços de transferência, sob pena de violação do artigo 18. º, n. º 1 do Constituição da República Portuguesa, pelo que se deverá considerar, salvo outro entendimento, o presente Tribunal incompetente em razão da matéria, com a consequente absolvição da Requerida da instância.".

 

3.2. Posição da Requerente …

 

A Requerente… respondeu a esta questão prévia nas suas alegações dizendo, em suma, o seguinte:

 

− no que concerne à violação do art. 18.º da CRP, que tem aplicação em matéria de direitos, liberdades e garantias, não tem nada a ver com a natureza dos actos tributários emitidos com base nas regras sobre preços de transferência;

− a proibição de os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidirem segundo juízos de equidade não tem a ver com a competência, mas sim com a validade da decisão;

– o julgamento segundo a equidade traduz-se na aplicação de critérios de conveniência e oportunidade e pela não subordinação a critérios normativos do direito constituído;

– no caso em apreço não há possibilidade de a decisão arbitral ser proferida com base em juízos de equidade, estando em causa saber se o direito constituído, designadamente o art. 63.º do CIRC e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, foi ou não bem aplicado aos factos concretos;

– a margem de discricionariedade existente na escolha dos elementos de comparabilidade e ajustamento não implica formulação a utilização das intuições em que se funda a equidade, pois a lei obriga a que sejam escolhidos os elementos objectivamente com maior grau de comparabilidade;

– a Portaria n.º 620-A/2008, de 16 de Julho, relativa à possibilidade de acordos prévios acerca de preços de transferência, não altera, antes confirma, o que foi dito, pois desse regime não resulta qualquer possibilidade de tais acordos poderem ser realizados com base na equidade e desrespeito pelo Direito constituído, fazendo-se referência no seu Preâmbulo ao «estrito cumprimento das regras sobre preços de transferência»;

– por outro lado, não se está perante uma situação em que seja solicitada uma pronúncia arbitral sobre actos de determinação da matéria colectável ou da matéria tributável, por métodos indirectos, ou sobre pedidos de revisão da matéria tributável, mas sim perante aços de liquidação, baseados em avaliação directa, ao abrigo do regime de preços de transferência, pelo que não é afastada a competência do Tribunal Arbitral pela alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT.

 

 

 

3.3. Decisão da questão da incompetência

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral, em primeiro lugar, por ser proibido pelo art. 2.º, n.º 2, do RJAT, que estabelece que «os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade».

Porém, como bem refere a …, a matéria que é objecto do processo, que é a de saber se houve correcta aplicação das normas sobre preços de transferência, não implica a formulação de juízos de equidade, designadamente o afastamento das regras normativamente emitidas para a sua substituição pelas regras que o intérprete julgue mais justas e adequadas, mas sim a aplicação de regras definidas no art. 63.º do CIRC e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

A existência de uma margem de subjectividade na interpretação e aplicação deste regime, que existe sempre, em maior ou menor medida, em face da multiplicidade de critérios interpretativos de aplicação conjugada arrolados no art. 9.º, n.ºs 1 a 3 do Código Civil, não implica o afastamento dos critérios normativos definidos legislativamente.

Por outro lado, a obrigação de julgamento de acordo com o direito constituído e o afastamento da equidade que no art. 2.º, n.º 2, do RJAT se impõem aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não são privativas dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pois os tribunais tributários também «estão sujeitos à lei» (art. 203.º da CRP e art. 2.º do ETAF), não podendo julgar segundo a equidade quando não houver uma lei especial que lhes permita o seu uso.

Por isso, a tarefa que, em matéria de preços de transferência, se coloca aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é precisamente a mesma que se coloca aos tribunais tributários quando questões deste tipo lhes são submetidas, pois, não havendo normas que permitam, a estes decidir questões deste tipo com apelo à equidade, também estes as têm de decidir com estrita aplicação da lei.

O que se reconduz a que a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que a aplicação do regime de preços de transferência exige fazer apelo à equidade, teria como consequência que nenhum tribunal poderia apreciar tais questões, o que não é admissível à face da CRP, que assegura a todos os cidadãos o direito à impugnação contenciosa perante tribunais de todos os actos da Administração Pública que afectem os seus interesses [arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, art. 95.º, n.º 1, da LGT e art. 54.º do CPPT, subsidiariamente aplicáveis, por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT].

Chegando-se à conclusão de que os actos de aplicação do regime de preços de transferência não podem deixar de ser contenciosamente impugnáveis perante os tribunais (tributários ou arbitrais) sob pena de inconstitucionalidade, tem de se concluir também que a impugnabilidade de tais actos não é afastada pela possibilidade admitida pela Portaria n.º 620-A/2008, de 16 de Julho, de serem celebrados acordos entre a Administração Tributária e os contribuintes relativos à aplicação do regime de preços de transferência, que, como se refere no seu Preâmbulo, estão subordinados «ao estrito cumprimento das regras sobre preços de transferência constantes do artigo 58.º do Código do IRC, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, e das normas do direito internacional, maxime, das convenções bilaterais destinadas a eliminar a dupla tributação em vigor».

O que significa que, independentemente dos acordos, podem ser sempre suscitadas perante os tribunais (tributários ou arbitrais) questões relativas à legalidade de tais acordos e sua aplicação, questões estas a apreciar com estrita aplicação daquele complexo normativo.

Por outro lado, a existência de convenções internacionais em matéria de preços de transferência não afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, como não afasta a dos tribunais tributários, para a apreciação das questões a elas atinentes, pois as normas internacionais fazem parte do bloco de legalidade que rege tal matéria, sendo aplicadas como quaisquer outras normas, com respeito pela hierarquia normativa que resulta do art. 8.º da CRP.

Mais uma vez, também nesta matéria, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD estão numa posição perfeitamente paralela aos tribunais tributários, não tendo nem mais nem menos poderes/deveres de aplicação estrita da lei, designadamente quanto à possibilidade de colisão ou não com direitos eventuais (ou mesmo reais) de Estados Membros.

Também aqui, com eventuais colisões com os direitos de quem quer que seja, não pode, por força da CRP, ser recusado aos contribuintes o direito à impugnação contenciosa dos actos sobre aplicação de preços de transferência.

Quanto à alegada não vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, à face do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não se vislumbra que ela tenha suporte na alínea sua alínea b) em que se afasta a vinculação quanto a «pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão».

Na verdade, o acto impugnado é um acto de liquidação e não um acto de fixação da matéria colectável ou fixação da matéria tributável, e o regime de preços de transferência não consubstancia aplicação de métodos indirectos, pois não se visa com tal regime a «determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha» e é nisto que consiste a aplicação de métodos indirectos, como decorre do preceituado no art. 83.º, n.º 2, da LGT.

Finalmente, não se vê, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira explica, como pode a apreciação de uma questão de preços de transferência por um tribunal violar o artigo 18.º, n.º 1, da CRP, que estabelece que «os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas», pois a intervenção do tribunal na apreciação de tal questão visa precisamente assegurar à Requerente o seu direito fundamental à tutela judicial efectiva (arts. 12.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, e 268.º, n.º 4, da CRP).

Improcede, assim, a questão prévia que a Autoridade Tributária e Aduaneira denomina como sendo de incompetência deste Tribunal Arbitral.

 

4. Mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

 

4.1. Posição da Requerente

 

A Requerente apresentou as seguintes conclusões sobre o mérito do pedido de pronúncia arbitral:

 

i. A inexistência de garantia

 

  1. A tese da AT é incongruente com as características do notional cash pooling: se a AT reconhece que é este o tipo contratual subjacente aos autos, não pode deixar de partir do princípio que ele não titula, de todo, qualquer relação de financiamento entre o banco e a A… AG — mas apenas a prestação de um serviço, pelo A…, de gestão dos saldos que permanecem nas contas da … e da A. …AG, compostos pelos meios monetários da sua actividade.

  2. As empresas envolvidas num contrato dessa natureza não estão, tipicamente, entre si, numa relação de garantia e é isso que o que acontece no caso concreto: a A… AG e a … são ambas "Clientes" do A…, colocadas numa posição de igualdade.

  3. A … é — exactamente nos mesmos termos que a A…AG — uma interveniente directa e principal no acordo de cash pooling, não desempenhando qualquer papel secundário ou acessório (o contrato foi celebrado em seu benefício — tanto quanto o foi em beneficio da A…AG..

  4. A única diferença entre a posição contratual de uma e de outra é meramente burocrática: a A…AG assume o papel de "Cliente Principal" (“Principal Customer” ) não por ser a titular única de uma obrigação principal, mas apenas por lhe serem imputados deveres de coordenação ou de gestão, cumpridos em nome e representação da …, e por, consequentemente, ser ela a titular da conta onde é consolidado virtualmente o saldo global que tem de ser nulo ou positivo

  5. Para cumprimento da obrigação principal, com o intuito de se certificarem que o saldo global se mantém nulo ou positivo, as partes — ambas as partes — tiveram de acordar, como condição prévia essencial e óbvia, que os seus saldos individuais participam e estão sujeitos ao contrato, o que significa simplesmente que, para que o Banco proceda às operações de cash pooling, aquelas lhe "entregam" esses saldos É isso — apenas isso — que se estipula na Cláusula 7.

  6. Por seu turno, a cláusula 6 estabelece que, sempre que se verifique um saldo negativo, a A…AG — na qualidade de entidade gestora do cash pooling, não como titular única da obrigação principal — deverá depositar na conta do saldo global, por si gerida, os valores necessários a repor a situação de cumprimento do Contrato, logo que tal lhe seja solicitado pelo Banco (naturalmente que do contrato haveria de constar uma tal cláusula, uma vez que só impelindo as entidades envolvidas no cash pooling a manterem o mais permanentemente possível um saldo nulo ou positivo poderia o Banco assegurar a eficiência da gestão a que se comprometeu)

  7. O saldo que deve permanecer nulo ou credor não é da titularidade da A… AG: trata-se, pelo contrário, do saldo global — meramente virtual — de que depende o cash pooling,

  8. A cláusula 7 não estipula, assim, uma obrigação de garantia, acessória de uma obrigação principal constante da cláusula 6, nem isso resulta minimamente da letra do contrato, uma vez que não há nenhuma referência na cláusula 7 a essa relação com a cláusula anterior — ou vice-versa.

  9. Portanto, em nenhum momento do contrato a … assume qualquer obrigação de garantia, muito menos uma obrigação de afectar os seus depósitos junto do A… à salvaguarda do cumprimento de uma obrigação principal de que é titular passiva apenas a A… AG: a obrigação de "entrega" dos seus depósitos é a obrigação principal de manter o saldo global virtual nulo ou positivo; e, como titular da obrigação principal, a posição da Requerente no contrato só é enquadrável à luz da solidariedade passiva (existe uma pluralidade de sujeitos que corresponde ao cumprimento unitário de uma prestação).

  10. O simples facto de, da execução de um determinado contrato, uma parte recolher mais benefícios do que as outras, não transforma as partes menos beneficiadas em garantes das demais. Assim é, por maioria de razão, em contratos, como o de notional cash pooling, cuja execução implica uma grande aleatoriedade ou imprevisibilidade dos benefícios retirados e dos encargos suportados por cada um dos participantes.

 

  1. A ilegalidade da aplicação do método do preço comparável de mercado

 

 

  1. Aos autos subjaz uma relação negocial insusceptível de ser apreciada com base no princípio de plena concorrência, pelo menos à luz do preço comparável de mercado: o notional cash pooling é uma forma contratual "paralela" ou alheia ao mercado do financiamento, pelo que não é possível comparar com suficiente utilidade qualquer obrigação ou posição contratual assumida num notional cash pooling com as posições assumidas em contratos de financiamento ou em relações de garantia constantes desses contratos (estamos a falar de realidades completamente diferentes, até porque na modalidade de notional cash pooling nem sequer há um verdadeiro financiamento — não há fluxos monetários —, mas apenas uma agregação virtual de saldos e de juros)

  2. Não é viável uma comparação das condições estabelecidas nas relações entre empresas de um mesmo grupo num contrato de notional cash pooling com as condições que num contrato semelhante seriam estabelecidas entre empresas não especialmente relacionadas, porque o "contrato semelhante" não existe, em princípio, fora de uma realidade vinculada, não sendo possível apontar às relações entre duas empresas de um grupo de notional cash pooling qualquer desvio inaceitável ao preço de mercado, nem, muito menos, o intuito fraudulento subjacente à aplicação do regime dos preços de transferência.

  3. A impossibilidade de se submeter ao princípio da plena concorrência e, concretamente, ao método do preço comparável de mercado, uma relação interna entre duas entidades do mesmo grupo no âmbito de um notional cash pooling, aparece-nos como óbvia da própria escolha dos comparáveis que a AT utilizou no nosso caso, bem como dos ajustamentos numerosos, complexos e inusitados que julgou ter de fazer (em contravenção do nº 2 do artigo 4º da Portaria n.º 1446¬C/2001).

  4. Com o seu labor comparativo, a AT violou todas as regras imperativas do artigo 5º da Portaria n.º 1446-C/2001.

  5. A Fundamentação dos actos assenta no recurso a um método errado e a referentes totalmente inidóneos — redundando, nessa medida, numa violação grosseira do regime do artigo 63º do Código do IRC, densificado e regulamentado por aquela Portaria

  6. Aliás, se um contrato de cash pooling tem alguma implicação em sede de preços de transferência, ela manifesta-se ao nível da repartição do benefício líquido entre as empresas do mesmo grupo participantes — não ao nível da relação dessas empresas com o banco (que não é uma relação vinculada), repartição essa suscitada porque as empresas partilham a mesma posição contratual, estando numa relação de tipo solidária: dessa forma, constando do lado passivo duas ou mais entidades,

  7. Possivelmente com contribuições distintas, os contratos de cash pooling são, por excelência, operações altamente integradas e complexas, sendo impossível apreciar de modo individualizado as condições de participação de cada uma das intervenientes, sem a influência que sobre essa participação é exercida pela participação das demais

  8. A serem submetidas ao teste da plena concorrência, os cash pooling devem pois sê-lo, necessária ou preferencialmente, segundo o método do fraccionamento do lucro

  9. Se a lei prevê diferentes métodos, em razão da diversidade de situações que suscitam a aplicação do regime dos preços de transferência, aqueles métodos não podem ser aplicados indiscriminadamente, mas sim rigorosamente de acordo com a natureza do caso concreto. Em caso contrário, estaremos perante uma violação da lei. É o que acontece nos autos,

  10. Seja como for, se o pedido de anulação dos actos não puder ser julgado procedente com base na argumentação anterior, então pelo menos esse efeito sempre haverá de ser reconhecido em virtude das razões subjacentes aos actos de deferimento da AT, relativos aos actos congéneres de 2005 e 2006, devidos especificamente ao carácter imprestável do depósito do H… como critério de comparação — razões essas que, para todos os efeitos, aqui se dão por reproduzidas na sua integralidade, como argumentação a título subsidiário.

Termos em que se conclui, como no requerimento inicial, requerendo a declaração de anulabilidade dos actos sobre os quais se solicita a pronúncia do presente Tribunal.

 

4.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, o seguinte:

 

  1. A …, empresa sediada em Portugal, é uma empresa. que gera excedentes de tesouraria, ou seja, é uma empresa que tem liquidez o que lhe permite disponibilizar fundos de tesouraria em aplicações financeiras, como depósitos a prazo, à ordem etc... como aliás foi constatado no relatório inspectivo junto aos autos e não negado pela A.;

  2. Essa boa capacidade financeira da empresa sediada em Portugal permite-lhe até, contrariamente aos Estados soberanos em causa, ter uma notação de rating superior à empresa mãe, A…AG que está sediada na Alemanha;

  3. A … apresentava em 2004 (data da celebração do contrato de Cashpooling) uma notação de rating de Aa3 atribuído pela agência Moody's e AA- pela agência Standard & Poor’s, ao passo que a A…AG tinha uma notação de Baa3 e BBB - atribuída por essas mesmas agências de rating;

  4. Em termos práticos isto significa que o juro pago por financiamentos obtidos será mais elevado quanto menor for a notação de risco atribuída pelas agências de rating. Assim, o financiamento para a A…AG sai mais caro do que aquele que a empresa … pode obter no mercado;

  5. Perante tal realidade, a …, a A…, AG (detentora a 100% da …) e o banco A… elaboraram um contrato/convenção de cash pooling (acordo de gestão de tesouraria) na modalidade de notional cash pooling;

  6. Contratualmente, e uma vez que a … apresenta excessos de tesouraria, ficou definido que o seu plafond de débito deverá ser nulo, ou seja, a conta no A… deverá ser sempre credora ou nula para esta. Ao invés, a A…AG, porque precisa de financiamento, e uma vez que assume o papel de entidade coordenadora do cash pooling, poderá apresentar saldos devedores, de acordo com a cláusula 2.3 da Convenção, estando assim vedado o financiamento à … que somente poderá colocar os seus excedentes como depósitos no dito cash pooling;

  7. Também sucede que o saldo global das contas envolvidas no acordo (overall balance) deverá ser positivo ou nulo de acordo com a clausula 2.2, onde a AG só obterá financiamentos na exacta medida em que o saldo credor da … seja suficiente para cobrir esses financiamentos, conforme dispõem directamente os pontos 1.5, 4.5 e 8.2 do Manual de Procedimentos.

  8. Acresce ainda que, e de acordo com a cláusula 7 da Convenção, em termos contratuais, a … garante os eventuais passivos existentes decorrentes do acordo através de créditos actuais e futuros. O Banco, de forma a obter garantias do financiamento à A…AG, tem, contratualmente, direito a que os efeitos decorrentes das obrigações assumidas vigorem até ao pagamento de todas as responsabilidades inerentes do contrato, mesmo após o términos do contrato e da operação de cashpooling perdurando por tempo indeterminado “(until all of the Secured Liabilities shall have been fully discharged)", e com expressa renúncia da A…AG e da … ao exercício de eventuais direitos que colidam com os interesses ou posições do Banco, de acordo com as clausulas 14.1 e 15.1 da Convenção;

  9. É evidente, e de acordo com uma lógica normal de mercado, que o Banco para atribuir financiamento, pretende estar protegido e garantido com os créditos de outra unidade económica que apresenta uma melhor notação de rating. Se assim não fosse, a A…AG, num elevado grau de probabilidade pagaria um juro mais alto.

  10. É indubitável que a operação sub judice só é conceptualmente assumida e válida na medida em que existem relações especiais entre as empresas associadas (de domínio), porquanto uma empresa individualmente considerada, jamais quereria entrar numa operação deste tipo, tendo preferência por um investimento num qualquer depósito a prazo ou em outro instrumento financeiro, perante o qual possa exercer alguma posição de controlo e cujo o risco seja menor;

  11. Com efeito, a … não só se compromete a manter sempre saldos credores junto do Banco A…, de modo a viabilizar os financiamentos à A…AG em condições mais favoráveis, como também assume, adicionalmente, um risco traduzido na possibilidade de compensação dos seus depósitos com os débitos da A…AG.

  12. Ou seja, a …, através dos seus depósitos, permite a redução das taxas de juro aplicadas aos financiamentos obtidos pela AG, porquanto direcciona os seus excedentes para um modelo de negócio, o cash pooling e também pelo facto de no término do contrato, se a empresa mãe ficar devedora, assumir o incumprimento perante a entidade bancária.

  13. Desta forma fica elucidada e demonstrada a violação do princípio da plena concorrência, já que uma empresa sem qualquer relação especial, pagaria um juro mais elevado no financiamento se não fosse a posição de garante da … e, por outro lado, o custo de oportunidade dos depósitos efectuados seria outro;

  14. Legitimar-se uma operação desta natureza seria nefasto para uma economia de plena concorrência e de mercado, já que os grupos económicos acabariam por assumir posições dominantes no mercado, pelo facto de auferirem taxas de juro mais baixas no financiamento da sua actividade, beneficiando das relações especiais intra-grupo e ainda do impacto da baixa tributação sob o pagamento dos juros;

  15. Existia uma relação de garantia na convenção de cash pooling, que consubstancia um contrato misto, sendo essa a substância económica do contrato;

  16. Deve entender-se que, tendo a Requerente junto aos autos os documentos dos recursos hierárquicos relativos aos anos de 2005 e 2006, conforma-se com o seu teor, que não põe em causa;

  17. Seria uma contradição pedir a anulabilidade de um acto tributário e a título subsidiário aderir aos fundamentos e decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira nos referidos recursos hierárquicos.

  18. Quanto ao método defendido pela A. e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, remete para o que consta das decisões dos recursos hierárquicos e do relatório da inspecção, com excepção de que o comparável utilizado no ano de 2008 que afere o custo de oportunidade da remuneração dos depósitos efectuados diverge daqueles que foram comparados nesses recursos hierárquicos; isto porque, como comparável a Inspecção Tributária utilizou uma aplicação efectuada no Banco H… com data de início de 12.06.2008 e data de fim de 15.07.2008 no valor de 2.305.000.00 € à taxa de 5,46%. pelo prazo de 33 dias. À data de 12.06.2008 os depósitos da … no E… foram remunerados à taxa de 4,25% perante o qual resulta uma diferença de taxas de 1.21%;

  19. Foi tido em consideração o maior prazo do conjunto das observações apreciadas como comparáveis (observações de Janeiro a Setembro de 2008), e o diferencial é coerente com as condições de mercado de mercado de todo o ano de 2008. em termos médios;

  20. Para além do mais, também foi verificada na análise comparativa que a rentabilidade média ponderada (por prazo e montante) de todos os depósitos a prazo vigentes no H…, no ano de 2008. ascendeu a 5.27%, Onde os mesmos fundos no Banco A… teriam uma rentabilidade média de 3,82% reflectindo uma perda de rentabilidade média de 1.45 pontos percentuais;

  21. Desta forma uma vez que foram determinadas as condições de plena concorrência através de uma operação activa (depósitos) e tendo em conta que as taxas de mercado activas são interiores às taxas passivas (financiamentos), resulta que estas seriam as condições que seriam aceites por uma entidade independente;

  22. Considerando a análise de comparabilidade, o ajustamento de comparabilidade e os comparáveis identificados para determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes, é de considerar uma remuneração da …, enquanto garante nas operações de financiamento da AG durante o exercício de 2007, a taxa anual de 1,585%, calculada pela soma dos 0,375% (taxa praticada pelo G… na garantia prestada ao F…) que a A. acaba por reconhecer no pedido subsidiário, e 1,21% pelo custo de oportunidade, correspondente à diferença entre a taxa da operação comparável seleccionada de 5,46% e a remuneração obtida pela … junto do Banco A… que foi de 4,25%;

  23. Desta forma a actuação da Administração Tributária observou o estrito cumprimento dos preceitos legais, constitucionais e de direito comunitário, já que, olvidar a operação de cash pooling em apreço, constitui uma violação das normas elementares em sede de concorrência previstas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

 

 

 

4.3. Decisão das questões de mérito

 

4.3.1. Análise da situação fáctica

 

Resulta da matéria de facto fixada que a Requerente e integra um grupo de sociedades, de que é sociedade dominante a sociedade alemã AAG, que a detinha a 100% em 2008.

Em 27-6-2005, a Requerente e a A AG celebraram com o (A…), com sede em Amesterdão, um contrato o contrato com a denominação «Cash Pooling Agreement”.

Nos termos desse contrato, a Requerente e a AAG detinham contas independentes naquele banco que só podiam ser movimentadas por quem era seu titular.

O sistema de cash poling (gestão integrada de tesouraria) foi implementado na modalidade de notional pooling, em que os movimentos de tesouraria (depósitos e levantamentos) eram efectuados directamente com o A…, que era entidade intermediária e interveniente no sistema.

Nos contratos do tipo notional cash pooling não há movimentação física dos saldos das contas individuais dos participantes no acordo, procedendo o banco à consolidação virtual dos saldos das diversas contas apenas para efeitos de determinação da taxa de juro (credora ou devedora) a aplicar a todas as contas, independentemente dos seus saldos individuais.

Na Cláusula 3.ª do contrato referido estabelece-se que a taxa de juro a aplicar aos saldos credores é a taxa base do A… e a taxa a aplicar aos saldos devedores é a taxa base do A… acrescida de 0,50%.

Na Cláusula 4.ª do contrato estabelece-se que é de aplicar aos saldos devedores a taxa credora a sempre que o saldo global das contas envolvidas no acordo seja positivo. Caso o saldo global das contas seja negativo, os saldos credores beneficiarão da aplicação de taxa devedora.

Através de uma comunicação extracontratual entre o A… e a AG (comunicação de 27.06.2005 efectuada à AG enquanto coordenadora do sistema de cash pooling) é atribuída à conta da … uma taxa de juro credora correspondente à taxa base do E… acrescida de 0,25%, ou seja, é atribuída, só para a …, uma remuneração superior à estabelecida contratualmente em 0,25 pontos percentuais, remuneração esta assegurada pela própria AG (página 10 do relatório da inspecção).

Nos termos das cláusulas 2.2., 2.3 do contrato, e pontos 1.5. e 4.5 do Manual Operativo, o sistema de cash pooling funciona numa base diária e tanto o saldo global das contas envolvidas como o saldo da conta da Requerente devem ser positivos ou nulos, só podendo a conta da A AG ter saldos devedores, impondo-se a esta, em caso de se verificar um saldo global negativo, o dever de assegurar que ele deixe de existir.

Ainda nos termos da cláusula 7.ª do contrato, a Requerente e a AAG dão ao A…, para garantia do pagamento do passivo, através de um direito de caução prioritário, todos os seus actuais e futuros créditos junto do banco, decorrentes de ou em ligação com as contas. ( 1 )

Na cláusula 8.2 do contrato, estabelece-se que quando desejar receber o passivo garantido, o A… deverá recorrer aos saldos credores existentes nas contas que se encontrem caucionadas ao banco em conformidade com a cláusula 7.ª.

Não se fez prova de que alguma vez, durante o ano de 2008, estas cláusulas tivessem sido accionadas. Porém, constatando que ao longo da vigência do contrato a Requerente apresentou sempre saldos positivos, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que os depósitos da Requerente no A… funcionavam como garantia do pagamento dos saldos passivos que ocorreram na conta da A AG.

A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou ainda que os depósitos da Requerente no A… não podiam ser movimentados livremente, por a AAG ser a única accionista da Requerente. Assim, aquela poderia decidir a manutenção dos depósitos desta para cobertura dos financiamentos pelo banco àquela.

Entendeu ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que «os depósitos efectuados no A… pela … não se inserem numa óptica de curto prazo atendendo ao histórico de criação de excedentes anterior à celebração do contrato de cash pooling e à permanência e contínuo reforço dos depósitos na vigência do referido contrato. O facto de a … ter considerado os depósitos no A… como depósitos à ordem não retira o carácter de permanência dos fundos» (página 20 do relatório da inspecção).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu ainda «a …, através dos seus depósitos, permite a redução das taxas de juro aplicadas aos financiamentos obtidos pela AG, em primeiro lugar pelo facto de direccionar os seus excedentes para um modelo de negócio, o cash pooling, e, em segundo lugar, pelo facto de assumir responsabilidades, perante o A…, em caso de incumprimento por parte da AG.

Os depósitos da … são de facto garantias no âmbito do referido negócio contratado».

Em face das manifestas relações especiais entre a Requerente e a AAG, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que a remuneração auferida pela Requerente com os seus depósitos no A… deveria estar em conformidade com o Princípio da Plena Concorrência, por força do disposto no art. 58.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior ao DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, a que corresponde actualmente o art. 63.º.

Dos métodos indicados no n.º 2 daquele art. 58.º e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, para determinação do preço de plena concorrência, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o Método do Preço Comparável de Mercado é o mais adequado, em conformidade com o previsto no art. 4.º, n.º 2, daquela Portaria.

Como operações com características económicas que entendeu serem suficientemente comparáveis com a realizada pela Requerente com o referido contrato denominado de cash pooling, a Autoridade Tributária e Aduaneira seleccionou um empréstimo do Banco Fobtido pela Requerente em 2001, no valor de € 40.000.000,00, para o que apresentou uma garantia emitida pelo Banco G…, cuja taxa de remuneração, no ano de 2008, foi de 0,375%.

Esta garantia bancária, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, será comparável à que foi concedida pela Requerente à AAG através do contrato de cash pooling, pois «de acordo com o parágrafo 7 13 do Relatório da OCDE não constitui prestação de serviço usar o “rating” de outra empresa do grupo, estando assim reunidas as condições para aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado». No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira destaca que há particularidades que diferenciam, em termos funcionais, as duas operações em questão:

O A…, enquanto garante na operação de crédito entre o F…e a …, é formalmente alheio a essa operação intervindo apenas para assegurar que o interesse económico do credor (F…) seja satisfeito, sendo remunerado pelos riscos que incorre (Operação Comparável);

A …, por seu lado, enquanto garante nas operações de crédito entre o A… e a AG, é parte directa no contrato de gestão de tesouraria (cash pooling), ou seja, no modelo de negócio que determina a possibilidade de a AG obter financiamentos, e inclusive, é o montante dos depósitos da … que determina o valor permitido desses financiamentos Logo, o montante dos empréstimos do A… à AG depende dos excedentes que a … direcciona para o A….

Resulta assim, que os depósitos da … ao serem direccionados para o sistema de cash pooling no A… garantem de duas formas os financiamentos da AG – determinam o valor dos financiamentos e podem ser compensados pelo credor (A…) em caso de incumprimento do devedor (AG) — pelo que a remuneração dos mesmos deverá contemplar, para além do risco económico da operação, o custo de oportunidade de aplicações alternativas (página 31 do relatório da inspecção).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que a operação que melhor reflectia as condições normais do mercado em 2008 era «uma aplicação efectuada no Banco H… com data de início de 12 06 2008 e data de fim de 15.07.2008, no valor de € 2.505.000,00, à taxa de 5,46%, pelo prazo de 33 dias. À data de 12.06.2008 os depósitos da … no A… foram remunerados à taxa de 4,25%. Resulta assim uma diferença entre as taxas de 1,21 %.

A escolha daquela observação para operação comparável justifica-se por respeitar à operação de maior prazo do conjunto das observações consideradas comparáveis observações de Janeiro a Setembro de 2008).

É de referir ainda que aquele diferencial é coerente com as condições de mercado de todo o ano de 2008 na hipótese de as mesmas serem analisadas em termos médios» (página 36 do relatório da inspecção).

«Verifica-se assim que a rentabilidade média ponderada (por prazo e montante) de todos os depósitos a prazo vigentes no H…, F… e BP no ano de 2008 ascendeu a 5,27%. Caso os mesmos fundos tivessem beneficiado das taxas do A…, a rentabilidade média que se teria obtida seria de 3,82% reflectindo um perda de rentabilidade média de 1,45 pontos percentuais.

Uma vez que foram determinadas as condições de plena concorrência através de uma operação activa (depósitos), e tendo presente que as taxas de mercado activas são inferiores às taxas passivas (financiamentos), podemos afirmar que essas condições seriam aceites por uma entidade independente numa operação de tomada de fundos. Assim sendo, estas condições do ponto de vista da AG também fazem sentido.

Considerando a análise de comparabilidade, o ajustamento de comparabilidade e os comparáveis identificados para determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes, é de considerar como remuneração da …, enquanto garante nas operações de financiamento da AG durante o exercício de 2007, a taxa anual de 1,585%, calculada pela soma das seguintes parcelas:

- 0,375% - Taxa praticada na garantia prestada no empréstimo do F…;

- 1,21% - Diferença entre a taxa da operação comparável seleccionada (5,46%) e a remuneração obtida pela … junto da A… (4,25%).

É pertinente salientar que é a diferença de taxas, entre a taxa do A… e a taxa da operação comparável, que é aplicada à operação vinculada durante todo o exercício de 2008 e não a taxa da operação comparável em si, pelo que foi mantida a variabilidade de taxas que ocorre ao longo do ano. (páginas 36-37 do relatório da inspecção).

 

4.3.2. Quadro normativo

 

Está em causa no presente processo a aplicação do regime de preços de transferência, previsto, em 2008, no art. 58.º do CIRC, que tinha a seguinte redacção:

 

Artigo 58.º

 

Preços de transferência

 

1 – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 – O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

3 – Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 – Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;

g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:

1) O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know-how detidos pela outra;

2) O aprovisionamento em matérias-primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra;

3) Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;

4) O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transaccionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de acto jurídico, na titularidade da outra;

5) Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional.

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro de Estado e das Finanças.

 

5 – Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indirecta no capital ou nos direitos de voto a que se refere o número anterior, nas situações em que não há regras especiais definidas, são aplicáveis os critérios previstos no n.º 2 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais.

6 – O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121.º, a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.

7 – O sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 113.º, a existência ou inexistência, no exercício a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:

a) Identificar as entidades em causa;

b) Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma;

c) Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados.

8 – Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 112.º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância.

9 – Nas operações realizadas entre entidade não residente e um seu estabelecimento estável situado em território português, ou entre este e outros estabelecimentos estáveis daquela situados fora deste território, aplicam-se as regras constantes dos números anteriores.

10 – O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente às pessoas que exerçam simultaneamente actividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral de IRC.

11 – Quando a Direcção-Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.

12 – Pode a Direcção-Geral dos Impostos proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstos.

13 – A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças.

 

 

Ao abrigo deste n.º 13 foi aprovada a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, em que se estabelece, além do mais o seguinte:

 

Artigo 4.º

 

Determinação do método mais apropriado

 

1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.

 

Artigo 5.º

 

Factores de comparabilidade

 

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

 

Artigo 6.º

 

Método do preço comparável de mercado

 

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transacção da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.

 

4.3.3. A existência de uma relação de garantia no âmbito do contrato

 

A primeira questão que está em causa no presente processo é a de saber se o contrato referido constituiu uma relação de garantia entre a Requerente e a AAG.

O contrato em causa foi qualificado como de cash pooling e tem as características essenciais do notional cash pooling, que se reconduz a fusão de saldos bancários para serem considerados em conjunto para cálculo de juros.

Com a Notional cash pooling, dá-se o equivalente a uma fusão virtual de saldos de contas para cálculo de juros, ou seja, os fundos não são movidos mas a Instituição financeira (o Banco) combinará os saldos das diferentes contas bancárias e cobrará/pagará juros pelo somatório agregado dos saldos.

No final de cada dia os saldos de todas as contas são relacionados de forma virtual. Este relacionamento é possível pelo estabelecimento de relações “mãe-filhas” das diferentes contas bancárias com a conta bancária “mãe”, que assume um papel virtual.

(...)

Nesta modalidade, as sociedades participantes que estabeleceram a relação contratual com a instituição financeira (o Banco) mantêm a titularidade das suas contas bancárias e contratam com o Banco, para que este proceda à fusão dos saldos, positivos (credores) e negativos (devedores), para efeitos de cálculo dos juros.

O cálculo dos juros das diferentes contas bancárias junto do Banco é efectuado sobre a base agregada ou global, que corresponde à soma algébrica dos saldos das diferentes contas bancárias. Assim, os juros são debitados ou creditados à entidade centralizadora (se as sociedades participantes assim o autorizaram) que procede, por sua vez, à repartição pelas diversas sociedades participantes proporcionalmente aos saldos de partida. Neste caso, a entidade centralizadora actua em nome e por conta das sociedades intervenientes.

Nesta modalidade, não se verifica co-propriedade, pois a compensação (fusão) de saldos é puramente virtual, considerada a ausência de fluxos entre contas bancárias, tratando-se de uma forma simples para o Banco calcular os juros devedores ou credores. Sublinha-se que nesta modalidade ocorre transferência de vantagens entre sociedades do grupo:

aqueles que apresentam saldos credores ou positivos “cedem” juros àquelas sociedades que apresentam saldos devores ou negativos, considerando que o Banco corrige os juros em função do saldo bancário global. Assim, esta modalidade assume particular relevância do ponto de vista fiscal nomeadamente na observação da disciplina imposta pela lei de preços de transferência. ( 2 )

 

 

O contrato em apreço não se traduz numa mera fusão virtual de saldos para optimização de juros credores e devedores, havendo nele cláusulas que, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, criam uma verdadeira relação de garantia prestada pela Requerente em favor da A… AG.

Na verdade, nas cláusulas 7.ª e 8.ª do contrato refere-se explicitamente que os créditos da Requerente e da A… AG relacionados com as contas a que se refere contrato assumem o papel de caução e que é atribuído ao A… o direito de recorrer aos saldos credores existentes nas contas. A afectação de bens ao cumprimento de obrigações consubstancia uma relação de garantia.

Assim, apesar da sua denominação, o contrato celebrado pela Requerente e pela A… AG com o A… é um contrato atípico, de natureza mista.

Por isso, não tem razão a Requerente ao defender que não resulta do contrato uma garantia prestada perante o A….

 

4.3.4. Utilização do método do preço comparável de mercado

 

A Requerente defende também que não estão reunidas as condições de que depende a adopção do método do preço comparável de mercado para determinação de preços de transferência.

No ano de 2008, o capital da Requerente era detido a 100% pela A… AG, pelo que é evidente a existência entre elas das relações especiais que abrem a possibilidade de aplicação do regime de preços de transferência (art. 58.º, n.º 1, do CIRC).

É manifesto que a garantia que constituem os depósitos da Requerente no … relativamente a eventuais saldos devedores da A… AG é essencialmente distinta da garantia prestada pelo Banco G… junto do Banco F…, e que foi utilizada como comparável para aplicação do regime de preços de transferência.

Na verdade, desde logo, ao contrário do Banco G…, por efeito do contrato a Requerente nem assumiu necessariamente uma posição de garante, pois a função de garantia atribuída aos fundos que viesse a ter na sua conta apenas existiria na medida em que os viesse a depositar nela e, depois de os depositar, enquanto os não movimentasse.

Por outro lado, não havia qualquer obstáculo jurídico derivado do contrato a que a Requerente retirasse fundos da sua conta quando entendesse, pelo que a manutenção ou não da posição de garante e sua dimensão estavam continuamente na sua disponibilidade, ao contrário do que sucede com o Banco G…. A alegada influência que a A… AG poderia ter sobre as decisões da Requerente, por ser titular do seu capital a 100%, apesar de ser presumível em geral, não passa, num eventual contexto eliminação ou redução da garantia, de um mero palpite de cuja eventual correspondência à realidade não se encontra no processo qualquer indício. Na verdade, a garantia é prestada primacialmente no interesse do credor e não do devedor, pelo que a redução ou eliminação da garantia, numa situação financeira crítica (e é neste tipo de situações que as garantias assumem a sua relevância máxima) pode perfeitamente corresponder às intenções harmónicas da Requerente e da A…AG. Numa situação deste tipo, a Requerente podia levantar os fundos depositados na sua conta quando entendesse, eximindo-se à correlativa responsabilidade de garante, enquanto o Banco F… não o podia fazer, relativamente à garantia que prestou, até ao termo do respectivo contrato, que era de longa duração como se infere do facto de a garantia ter sido prestada em 2001 e ainda subsistir em 2008.

Conclui-se, assim, que o risco variável e a todo o tempo eliminável assumido pela Requerente ao colocar fundos na sua conta no A… era manifestamente inferior ao irremediavelmente assumido pelo Banco F… durante toda a vigência de um empréstimo de longa duração.

Ora, «a adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (art. 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001).

Como resulta do texto desta norma, só é legal a utilização deste método quando existir o grau mais elevado de comparabilidade e esta tem de incidir cumulativamente no objecto, termos e condições da operação, para além da análise funcional das entidades intervenientes. Com efeito, aquela palavra «tanto» evidencia que não se está perante um arrolamento alternativo de requisitos, mas sim cumulativo.

No caso em apreço, os termos e condições da garantia de longo prazo assumida indelevelmente pelo Banco G… perante o Banco F…, durante todo o período de vigência do empréstimo e sempre com a dimensão quantitativa definida no contrato através do qual foi constituída, são significativamente diferentes dos termos e condições da garantia assumida pela Requerente através do contrato de cash pooling com especialidades atípicas que celebrou.

Com efeito, enquanto naquele contrato celebrado pelo Banco G… fica completamente na disponibilidade do credor em cujo benefício a garantia é constituída a sua manutenção no montante acordado e o consequente direito de a executar, no caso do contrato celebrado pela Requerente o banco credor fica sem qualquer direito exigir a manutenção da garantia ou de definir o seu montante, o que em matéria de garantias será, provavelmente, o máximo de diferença que se pode imaginar, quando a termos e condições.

Assim, o acto impugnado é ilegal, por violar as normas que definem a utilização do método do preço comparável de mercado para determinação dos preços de transferência, designadamente os arts. 58.º, n.º 3, alínea a), do CIRC, na redacção vigente em 2008, e os arts. 4.º, alínea a), e 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

 

4.3.5. O depósito junto do Banco Hcomo comparável

 

A existência de relações especiais entre a … e a A…AG constitui o fundamento jurídico-económico para a aplicação dos excedentes financeiros da primeira no âmbito do contrato de cash pooling já caracterizado.

Haverá assim que indagar qual a remuneração alternativa que tais excedentes poderiam auferir, e que constitui o custo de oportunidade que a … suporta em virtude das suas relações especiais com a AG.

Perante tal situação, argumenta a … que, dada a atipicidade do contrato, o preço comparável de mercado não seria aplicável na determinação dessa remuneração. Para a Requerente, só o método designado como “profit split” (fraccionamento do lucro) seria apropriado, já que permitiria averiguar da correcta distribuição dos benefícios do cash pooling pelas duas entidades: … e AG.

Ora, o método “profit split” que a … usou está, nos autos, descrito num artigo intitulado “ The profit split method in cash pooling transactions”.(Documento 11). Nesse artigo apresenta-se um modelo algébrico que supõe um conjunto de entidades (devedoras e credoras) que forma um cash pooling e sustenta-se que só a comparação com idênticos cash poolings poderia fornecer condições de remuneração de plena concorrência. A isto se aduz que não existindo, em regra, outros cash poolings comparáveis, tal procedimento não é passível de aplicação. Daqui se conclui que o profit split se revela o único método adequado.

O dito artigo apresenta, como é de regra, as limitações da respectiva análise, onde se pode ler (p.8) : “In deriving joint interest savings of the pool, it has been assumed that all pool members face identical market interest rates. However, in a situation in which some members are in a permanent borrowing position to the pool, credit risk may become an issue, which should be reflected in higher debit interest rates for those members”.

Ou seja, e interpretando o texto anterior, o modelo que o artigo propõe careceria de modificações, caso algum membro do cash pool esteja em permanente situação devedora. Como facilmente se deduz, é esse o caso dos presentes autos. A AG está em posição devedora, e a … terá de estar em posição credora. Assim, um ajustamento decorrente desta particularidade deveria ser efectuado.

Entende a AT que mesmo a consideração da remuneração de 0,375% pela relação de garantia, em face da posição necessariamente credora da …, não é suficiente como ajustamento ao modelo proposto no citado artigo. (Vejam-se os pontos 101 e seguintes da “Resposta” da AT).

Em suma: a AT nega validade ao argumento segundo o qual sendo o cash pooling em apreço um contrato atípico, uma operação conjunta, não deve ser apreciado separadamente, como faz a AT. As particularidades contratuais não induzem, segundo a AT, que o profit split seja um método adequado. Só o será aquele que resultar da comparação da taxa de juro auferida pela … no cash pool com a que poderia obter aplicando os seus excedentes no mercado.

A AT também não atende ao facto de o profit split poder ser corrigido com a remuneração que imputou ao efeito de garantia que a … assumiria. Se é este um ponto central das limitações do modelo que o artigo sobre profit split propõe, é curial compreender porque se entende que a remuneração adicional de 0,375% não seria suficiente como mecanismo de ajustamento para uma remuneração de plena concorrência. A resposta é a mesma: a AT considera que só uma remuneração de mercado ultrapassa todos estes obstáculos.

Em decorrência do que se mencionou, a AT, no relatório de inspecção, compara a taxa de remuneração obtida pela … e derivada do cash pool, com a remuneração que esta entidade poderia auferir junto de entidades bancárias.

Aqui chegados, forçoso é concluir que deve existir um especial cuidado na escolha dos comparáveis, pois a AT afastou todas as razões da requerente para que o profit split fosse considerado método adequado.

Esse especial cuidado é claramente reforçado pelo facto de em relação aos exercícios de 2005 e 2006, perante idêntica situação de litígio fiscal, ter vindo a própria AT reconhecer que os comparáveis usados não eram apropriados, por não terem levado em conta factores relevantes no processo de comparabilidade, e vindo a estabelecer uma baixa muito substancial na matéria tributável previamente corrigida pela inspecção.

Em suma, está-se pois numa situação em que análise jurídico-económica do comparável escolhido tem de ser particularmente aprofundada.

Ora, e concretizando, o grau mais elevado de comparabilidade exigido pelo art. 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001 para adopção do método do preço comparável de mercado de determinação de preços de transferência também não se verifica em relação ao depósito efectuado pela Requerente junto do Banco H… .

Este depósito foi efectuado por um período de 33 dias, com data de início de 12-6-2008 e data de fim de 15-7-2008, tendo no valor de 2.305.000.00 € à taxa de 5,46%.

À data de 12-6-2008 os depósitos da … no A… foram remunerados à taxa de 4,25% perante o qual resulta uma diferença de taxas de 1.21%.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente suportou com a manutenção dos seus depósitos junto do A… um custo de oportunidade, renunciando ao benefício que poderiam ter obtido com uma aplicação alternativa.

Porém, também aqui se está longe do «grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» exigido pelo n.º 1 do art. 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, para adopção do método do preço comparável de mercado.

Na verdade, desde logo, trata-se de operações teleologicamente distintas, pois enquanto o empréstimo junto do Banco H… é uma aplicação de curto prazo, os depósitos efectuados no A…, apesar de serem à ordem, tinham uma evidente perspectiva de longo prazo, prolongando-se desde 2005 a 2008, pelo menos.

Por outro lado, se é certo que tendencialmente os depósitos por períodos mais longos são mais bem remunerados do que os de prazos curtos, é do conhecimento geral que sucede precisamente o contrário com depósitos a prazo de poucos meses, comercializados com fins promocionais.

Para além disso, as instituições bancárias não são todas iguais quanto à sua credibilidade e estabilidade e é perfeitamente compreensível que, em situação de plena concorrência, uma empresa opte por depósitos com menor remuneração em entidades bancárias que se lhe afigurem mais estáveis em detrimento de outras mais sedutoras a nível de remuneração, mas mais arriscadas.

Acresce que, como antes se referiu, a prova do mais elevado grau de comparabilidade a fim de aplicar o preço comparável de mercado em operações financeiras deverá traduzir-se numa análise de, entre outros, os elementos seguintes: prazos, montantes, riscos assumidos, garantias, posições das partes nos contratos em causa. Como se sabe, será a partir desta análise que se terão que fundamentar os ajustamentos das taxas para o que se considerará constituir a remuneração de plena concorrência. Ora, relativamente ao comparável seleccionado pela AT – depósito no H…– era necessária a demonstração inequívoca de que os elementos de comparabilidade foram todos tidos em conta e de que forma afectaram aos ajustamentos calculados.

Não se julga pois que a AT tenha demonstrado, sem margem para dúvidas, que cumpriu os preceitos constantes do artigo 58.º do CIRC e da Portaria 1446-C/2001, no que respeita à correcção que efectuou à matéria tributável da … no tocante à remuneração dos excedentes aplicados.

Por isso, à face de todos os elementos que constam do processo, não pode deixar de ficar-se numa situação de dúvida sobre a efectiva influência das relações especiais na matéria tributável da requerente, dúvida essa que, por força do preceituado no art. 100.º, n.º 1, do CPPT [subsidiariamente aplicável, neste sentido termos do art. 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT], tem de ser processualmente valorada a favor da Requerente, conduzindo à anulação do acto impugnado.

Assim, o acto de liquidação adicional de IRC enferma de vício de violação daqueles artigo 58.º do CIRC e art. 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001, que justifica a sua anulação (art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

Com tal anulação, os consequentes actos de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas são nulos, por força do disposto no art. 133.º, n.º 2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo.

 

5. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º …, relativa ao exercício de 2008;

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos consequentes actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs …e de acerto de contas n.º 2011 …;

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.333.869,13.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 18.054,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 24-12-2012

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Paula Rosado Pereira)

 

 

 

(António Martins)

 

 

1(  ) Tradução da cláusula 7.ª na carta de 30-9-2008, que consta do anexo I.4 ao relatório de inspecção, sobre cuja tradução as partes acordaram na reunião prevista no art. 18.º do RJAT.

2(  ) JOSÉ FERNANDO ABREU REBOUTA, Contextualização Fiscal da Gestão Centralizada de Tesouraria (Cash Pooling) em Ambiente Internacional, páginas 4-5.