Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 69/2012-T
Data da decisão: 2012-10-29  IRC  
Valor do pedido: € 44.211,90
Tema: Tributação de mais-valias nas SGPS
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Decisão Arbitral 1

Processo n.º 69/2012-T

 

Autor / Requerente:

... – … (SGPS)

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

I - RELATÓRIO

 

1. Em 16 de Abril de 2012, a... – … (SGPS), pessoa colectiva número …, com sede social na Rua do …, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitra singular, nos termos do disposto nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (de ora em diante designado, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) visando a anulação do despacho da Directora de Serviços de IRC, de … de Dezembro de 2011, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho de … de Julho de 2011 que indeferiu a reclamação graciosa da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2009 e a consequente devolução do imposto em causa, no valor de € 44.211,90 (diferença entre o montante a reembolsar, € 45.521,98 e o montante já reembolsado de € 1.310,08).

 

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

 

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, de 19 de Abril de 2012, foi designado como árbitro único o signatário Olívio Augusto Mota Amador, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

 

4. O tribunal arbitral foi constituído em 22 de Junho de 2012, na sede do CAAD (cfr., acta de constituição do tribunal arbitral).

 

5. Realizou-se, de seguida, em 13 de Julho de 2012, a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT.

As partes não apresentaram correcções às peças processuais.

Ambas as partes declararam pretender realizar alegações orais, tendo sido comunicada às partes uma data para as alegações orais, nos termos definidos no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT.

Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do RJAT o Árbitro designou a data para a prolação da decisão arbitral. (cfr., acta da primeira reunião do tribunal arbitral).

 

6. O processo prosseguiu mediante a apresentação de alegações orais na reunião do tribunal arbitral, de 6 de Setembro de 2012.

Ambas as partes proferiram alegações orais, reafirmando, em síntese, a posição já expressa nos articulados. (cfr., acta da reunião do tribunal arbitral).

 

7. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou, em resumo, o seguinte:

7.1. O artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) é uma norma que contraria o regime geral de tributação das mais-valias e das menos-valias obtidas pelos sujeitos passivos de IRC, ao estabelecer uma isenção relativamente às mais-valias obtidas, em certas circunstâncias, pelas Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS). A ratio da não dedutibilidade dos encargos financeiros prevista no artigo 32.º do EBF reside na ”penalização” que o legislador pretendeu estabelecer quanto a partes de capital relativamente às quais se aplicará uma isenção de IRC, aquando da sua alienação.

7.2. Qualquer entendimento do n.º 2 do artigo 32.º do EBF que impeça a dedução de encargos financeiros que não digam respeito a partes de capital violará formalmente a lei. Sendo contrário à mens legis sustentar a não dedutibilidade de encargos financeiros suportados com outros activos (ou qualquer outra realidade) que não consistam em partes de capital susceptíveis de beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 32.º do EBF.

7.3. As prestações suplementares ou prestações acessórias não estão, ao contrário do que pretende a administração tributária, sujeitas a um regime idêntico ao das participações sociais, uma vez que a Requerente não beneficia, quanto a estas, da isenção de mais-valias prevista no artigo 32.º do EBF. As prestações acessórias e as prestações suplementares constituem os “outros activos” que a sociedade possui e que devem ser levados em conta para efeitos de aplicação do método presuntivo previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.

7.4. O método previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, visa apenas alocar os encargos financeiros às partes de capital da SGPS, por forma a se apurar qual é o montante desses encargos que dizem respeito a partes de capital e, por isso, não são dedutíveis.

7.5. Com base num método de imputação presumida previsto na referida Circular a administração tributária resolve não aceitar a dedutibilidade dos encargos presumida e indirectamente imputados a outros activos que não gerem proveitos sujeitos a IRC, socorrendo-se, neste aspecto, do artigo 23.º do Código do IRC. Por essa via a administração tributária está a aplicar o critério do artigo 23.º do Código do IRC por via presuntiva, violando assim essa própria norma e os artigos 15.º e 17.º do Código do IRC e também os artigos 86.º e 87.º da LGT, bem como o n.º 2 do artigo 104.º da CRP.

7.6. Quanto à alegada divergência entre o valor correspondente aos financiamentos obtidos considerado no cálculo (€ 500.000,00) e o valor total registado na conta #25211 (€ 23.441.700,94) só a parcela de (€ 500.000,00) se encontra a vencer juros razão pela qual foi apenas essa mesma parcela considerada como empréstimo obtido remunerado, sendo o remanescente considerado como activo não remunerado.

7.7. A requerente não compreende nem se conforma que a administração tributária apresente genericamente um fundamento de acordo com o qual aquela administração não dispõe de elementos suficientes para validar o cálculo. Tratando-se de um procedimento objectivo que consiste num cálculo a efectuar com base em elementos contabilísticos dos contribuintes não concebe a Requerente que outros elementos poderão ser apresentados senão os constantes da sua contabilidade, ou seja, contas e extractos de conta. Não obstante a Requerente apresentou desde a fase de reclamação graciosa um mapa resumo que com base nos valores retirados da contabilidade construiu para facilitar a análise do cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do artigo 32.º do EBF.

 

8. No pedido de pronúncia arbitral o Autor juntou 13 (treze) documentos.

 

9. Em 6 de Julho de 2012, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

9.1. As prestações suplementares e as prestações acessórias que seguem o regime das prestações suplementares não podem ser contabilizadas em “outros activos” porque integram-se como partes de capital e são contabilizadas em capitais próprios como capitais dos sócios.

9.2. A Circular n.º 7/2004 de 30 de Março não trata da dedutibilidade dos encargos financeiros por referência e em separado às prestações suplementares e partes de capital, porque para efeitos do artigo 31.º do EBF a figura das prestações suplementares em substância integra o conceito de partes de capital.

9.3. Os encargos financeiros suportados com os financiamentos das prestações suplementares e das prestações acessórias de capital devem ser excluídos para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do artigo 31.º do EBF, corporizando o princípio constante do artigo 23.º do Código do IRC.

9.4. O n.º 2 do artigo 31.º do EBF exclui os encargos financeiros relativos a financiamentos obtidos cuja aplicação não tenha subjacente operações sujeitas a imposto. Sendo a ratio que subjaz ao artigo 31.º do EBF assente no princípio da indispensabilidade dos custos, que incorpora o artigo 23.º do Código do IRC, no sentido de apenas serem aceites os custos indispensáveis à realização dos proveitos tributáveis. Os encargos financeiros suportados com créditos obtidos e utilizados para efectuar suprimentos às participadas não representam um gasto financeiro indispensável à obtenção do proveito sujeito a imposto, não podendo ser aceites fiscalmente.

9.5. As prestações de suprimentos não remunerados a favor das participadas mais não são do que meras prestações em dinheiro e sem vencerem juros. Sendo o dinheiro fungível dificilmente é possível demonstrar a concreta aplicação dos empréstimos contraídos.

9.6. A interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março defendida pela Requerente é desconforme à lei, porque ao integrar os suprimentos não remunerados em “outros activos” dá relevância fiscal aos encargos financeiros dos empréstimos que contraiu e que também para esse efeito utilizou. O que contraria a lei e o seu espírito, pois que se está, por esse meio, a obter um efeito que a mesma não permite. Está-se a considerar fiscalmente encargos que não são indispensáveis para a obtenção de proveitos sujeitos a imposto.

9.7. A Administração não dispunha de informação suficiente para efectuar a imputação dos encargos financeiros de forma irrefutável, devido às incongruências verificadas no processo administrativo entre os valores que o contribuinte registou no seu mapa de cálculo dos encargos financeiros e os registados nos seus elementos contabilísticos.

 

10. Na mesma data da resposta a Requerida procedeu à junção do Processo Administrativo Tributário (PAT).

 

 

II. QUESTÕES DECIDENDAS

11. Em face do exposto, nos números anteriores, as principais questões a decidir são as seguintes:

a) Na aplicação do benefício fiscal, previsto no n.º 2 do artigo 31.º do EBF (norma vigente à data dos factos, actualmente n.º 2 do artigo 32.º do EBF), para efeito de determinação dos encargos que não concorrem para a formação do lucro tributável como devem ser contabilizados os quantitativos referentes a prestações suplementares, a prestações acessórias de capital e a suprimentos não remunerados?

b) A Requerente contabilizou correctamente o quantitativo de “financiamentos obtidos” (“empréstimos obtidos remunerados”) considerado na determinação dos encargos que, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 do art.º. 32.º EBF) e da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, não concorrem para a formação do lucro tributável?

c) A Requerente disponibilizou à administração fiscal a informação necessária e suficiente relativa à imputação dos encargos financeiros?

 

 

 

 

III. SANEAMENTO

 

12. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º n.º 1 do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

IV. FUNDAMENTOS DE FACTO

 

13. Tendo em conta o processo administrativo tributário e a prova documental junta aos autos cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:

  1. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (“SGPS”). No âmbito do seu objecto social e no exercício da sua actividade, adquire, gere e aliena participações sociais.

  2. A Requerente apresentou, em 27 de Maio de 2010, a declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2009.

  3. Relativamente ao exercício de 2009, a Requerente, de acordo com o disposto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, efectuou a imputação de juros suportados às partes de capital detidas em sociedades participadas, tendo obtido os valores seguintes:

    • Juros imputáveis a partes de capital

    782.221,19€

    • Juros não imputáveis a partes de capital

    56.791,77€

    • Total de juros

     

    839.012,96€

    • IRC a reembolsar

    1.310,08€

 

  1. Posteriormente à entrega da declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2009, a Requerente detectou os seguintes lapsos na imputação de juros às partes de capital e a custos financeiros: (i) Não considerou os Depósitos a Prazo como “Activos Remunerados”; (ii) Considerou as “partes de capital” adicionadas dos “juros imputados” quando deveriam ser somente pelo custo de aquisição; (iii) Deduziu ao sub-total de “Outros Activos” o saldo dos “Ajustamentos” criados para investimentos financeiros quando os mesmos não são para deduzir.

  2. A correcção dos erros, referidos na alínea anterior, implicou a alteração dos valores seguintes:

    • Juros imputáveis a partes de capital

    569.696,23€

    • Juros não imputáveis a partes de capital

    269.316,73€

    • Total de juros

     

    839.012,96€

    • IRC a reembolsar

    57.629,19€

  3. A Requerente apresentou, em 21 de Fevereiro de 2011, a reclamação graciosa n.º… .

  4. Em 20 de Junho de 2011, através do ofício n.º …, a Requerente foi notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa a propor o indeferimento da mesma.

  5. A Requerente exerceu o direito de audição prévia, em 29 de Junho de 2011, tendo manifestado a sua discordância face à proposta de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

  6. No âmbito direito de audição prévia a Requerente procedeu à reanálise do processo tendo necessidade de: (i) Desconsiderar do respectivo mapa os empréstimos concedidos à Sociedade … Lda. como “activo remunerado”, assim considerados à data da reclamação graciosa, porque posteriormente deixou de debitar quaisquer juros devido à sua difícil situação económica-financeira; (ii) No que concerne aos “Outros Activos” e atento o disposto relativamente ao empréstimo da sociedade … Lda devem totalizar 18.011.916,55€ (iii) Considerar que aquando do encerramento do exercício, não foram considerados os montantes de 101.118,95€ activo sobre o Estado (conta 2419) e 675.248,40€ referente à diferença nos “Acréscimos e Deferimentos” (conta 2761) derivada do facto de ter sido efectuado o cálculo da imputação de juros às partes de capital antes de a contabilidade ter estimado e contabilizado o “Activo-Impostos Diferidos”. (iv) A diferença de 1.609,20€ resultante entre o valor considerado no “Passivo Remunerado-Empréstimos bancários” e o saldo constante do balancete (13.311.609,20€ - 13.310.000,00€) prende-se com o saldo devedor da conta 1204 em 31 de Dezembro de 2009 sobre o qual o Banco …,SA debitou juros devedores.

 

  1. De acordo com o exposto na alínea anterior, a Requerente solicitou uma nova alteração ao cálculo do imposto nos seguintes termos:

    • Juros imputáveis a partes de capital

    615.383,81€

    • Juros não imputáveis a partes de capital

    223.629,15€

    • Total de juros

     

    839.012,96€

    • IRC a reembolsar

    45.521,98€

  2. A fundamentação para o indeferimento da reclamação graciosa radicava: (i) nas divergências entre os valores constantes do mapa de cálculo dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital e os que resultariam das alegações apresentadas na referida reclamação; (ii) Os Activos Remunerados apresentam um acréscimo de €6.291.208,08 (7.387,083,68 – 1.095.875,60) em vez de € 3.299.450,96 que corresponde ao saldo da conta de Depósitos a Prazo; (iii) Os Outros Activos deveriam apresentar o valor de € 17.235.549,20 (3.977.228,65 + 16.557.771,51 – 3.299.450,96) em vez de € 15.020.159,23; (iv) As explicações/documentos apresentados pela Requerente não permitem aferir do pedido e levantam outras questões levando mesmo a questionar sobre os outros movimentos /acontecimentos relevantes para o cálculo da imputação dos juros às partes de capital e a gastos financeiros, porquanto a reclamante não corrobora os cálculos apresentados na petição (cálculos que não se coadunam com as alegações aí efectuadas vindo nesta sede a refazê-los e a solicitar novos valores), porque: (a) De acordo com os elementos apresentados os empréstimos remunerados, efectuados à … SA, seriam de 1.185.347,86€ (746.847,86 + 438.500,00) tendo no mapa sido considerados 746.847,86€ (b) Débito de juros vencidos no exercício titulados por nota de débito com numeração e data do exercício seguinte (Nota de debito n.º …, datada de 2010/01/01) (c) No que concerne ao Anexo XII débito de juros por parte do … verifica-se que o documento não identifica qual o montante/capital que se encontra na base do cálculo daqueles. (Vd., informação n.º 388/11, da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, de … de Julho de 2011, pontos II. 8, fls 71 e 72 do PAT, que se dá aqui por integralmente reproduzida).

  3. Atendendo ao exposto na alínea anterior a reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de …, de 25 de Julho de 2011.

  4. A Requerente inconformada com o indeferimento da reclamação graciosa interpôs, em 29 de Agosto de 2011, recurso hierárquico com o n.º …, nos termos dos artigos 66.º e 76.º do CPPT.

  5. No recurso hierárquico referido na alínea anterior, a Requerente alegou: (i) A alteração solicitada em sede de direito de audição, determina uma redução do montante dos juros fiscalmente dedutíveis e, consequentemente do imposto a reembolsar, pelo que se revela favorável à administração tributária. (ii) Reconhece que em virtude do cálculo efectuado no âmbito do direito de audição associada ao complexo processo contabilístico, que por si tem sido seguido, veio lançar alguma confusão na descrição factual, tornando menos clara uma matéria já de si complexa. (iii) Tendo todos os elementos contabilísticos relevantes e explicações necessárias sobre os mesmos sido carreados para o processo, não vislumbra fundamento para o indeferimento. (iv) Solicita a revogação do despacho de indeferimento e o reembolso de 44.211,90€.

  6. A Administração Fiscal considerou que no presente recurso hierárquico a Recorrente vem reiterar a sua discordância, explanando os factos e alegando ter apresentado todos os elementos contabilísticos necessários á validação dos valores pretendidos. Não tendo sido trazidos quaisquer elementos novos deparamos com a inexistência de factos/fundamentos que permitam uma apreciação da questão de forma diversa da que já foi efectuada no processo de reclamação graciosa.

  7. Em 21 de Dezembro de 2011, por despacho da Directora de Serviços do IRC, proferido por subdelegação de competências, foi indeferido o recurso hierárquico apresentado com os fundamentos constantes na informação n.º 2930/2011 da Direcção de Serviços do IRC, de 30 de Novembro de 2011.

  8. As sucessivas revisões apresentadas pela Requerente dos cálculos de imputação de juros às partes de capital e a custos financeiros podem ser sintetizadas no seguinte quadro:

  9. -----------------------------

    Autoliquidação

    Recl. Graciosa

    Direito audição

    Juros imputáveis a partes de capital

    782.221,19

    569.696,23

    615.383,81

    Juros não imputáveis a partes de capital

    56.791,77

    269.316,73

    223.629,15

    Total de juros

    839.012,96

    839.012,96

    839.012,96

    IRC a reembolsar

    1.310,07

    57.629,19

    45.521,98

 

  1. O cálculo dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital é apresentado pela Requerente, no documento n.º 12 junto ao requerimento inicial, da seguinte forma:

 

  • Rubrica

    Designação

    Saldo

    41311

    …, Lda. / Suprimentos não remunerados

     

    813.303,73

    413151

    Soc. …Lda. / Suprimentos não remunerados

     

    2.991.757,32

    41313

    …, S.A. – Prestações acessórias de capital

     

    438.500,00

    413161

    Soc. … - Suprimentos não remunerados

     

    3.152.270,78

    413162

    Soc. … – Prestações acessórias de capital

     

    3.820.412,80

    413182

    Quinta das …, Lda – Prest. Suplementares capital

     

    319.350,41

    413321

    … – Prestações suplementares de capital

     

    200.000,00

    413342

    …– Prestações acessórias de capital

     

    406.228,94

    413341

    …,S.A. / Suprimentos não remunerados

     

    1.796.162,26

    413352

    …, Lda – Prestações suplementares de capital

     

    25.483,00

    413351

    …, Lda – Suprimentos não remunerados

     

    238.192,10

     

    TOTAL

    14.201.661,34

 

  1. Do quadro constante da alínea anterior resulta que a Requerente efectuou prestações suplementares, prestações acessórias e suprimentos não remunerados no montante total de € 14.201.661,34. Desse montante o quantitativo de € 5.209.975,15 corresponde a prestações suplementares de capital e prestações acessórias de capital e o quantitativo de €8.991.686,19 são suprimentos não remunerados.

 

 

 

 

 

V. FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

14. A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 13) e vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as questões já enunciadas (vd., supra n.º11).

 

15. Começaremos por apreciar a primeira questão enunciada (vd., supra n.º 11 a) ), ou seja, na aplicação do benefício fiscal, previsto no n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 artº. 32.º EBF) os quantitativos referentes a prestações suplementares, a prestações acessórias de capital e a suprimentos não remunerados concorrem ou não para a formação do lucro tributável.

 

16. Na factualidade objecto dos presentes autos arbitrais (vd., supra n.º 13 R) e S)) verifica-se que a Requerente incluiu prestações suplementares, prestações acessórias de capital e suprimentos não remunerados como encargos não imputáveis a partes de capital, concorrendo para a formação do lucro tributável.

 

17. A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, (Lei do Orçamento do Estado para 2003) procedeu a uma reforma do regime fiscal das SGPS no sentido de o aproximar do modelo holandês e de promover a competitividade das empresas nacionais. (Vd., Reavaliação dos Benefícios Fiscais. Relatório do Grupo de Trabalho criado por Despacho de 1 de Maio de 2005 do Ministro de Estado e das Finanças, Setembro 2005, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 198, Dezembro 2005, pp. 335-336).

O novo regime, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2003, continuou a incidir sobre as duas áreas fundamentais da fiscalidade das SGPS, atenta a especificidade da sua actividade, ou seja, lucros recebidos e mais-valias realizadas.

 

18. O artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, deu uma nova redacção ao artigo 31.º do EBF, (actual artº. 32.º EBF).

O n.º 2 do referido artigo passou a ter a redacção seguinte:

As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

 

19. Perante as dúvidas surgidas quanto ao regime fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) e Sociedades de Capital de Risco (SCR) foi publicada a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março da DSIRC.

O n.º 7 da referida Circular estabelece o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais nos seguintes termos:

(…) dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados da SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.”

 

Revela-se, deste modo, que a Circular estabelece um método que permite a afectação dos passivos aos diferentes activos das SGPS. Primeiro, afectam-se os passivos remunerados das SGPS aos investimentos geradores de juros. Depois, afecta-se o remanescente dos passivos aos restantes activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

O método previsto na Circular 7/2004, de 30 de Março, permite apurar quais os montantes dos encargos financeiros da SGPS que não são dedutíveis.

 

20. O n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 do artº. 32.º EBF) confere um benefício fiscal às SGPS que contraria o regime geral de tributação das mais-valias e das menos-valias obtidas pelos sujeitos passivos de IRC.

Efectivamente, resulta do teor do n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 do artº. 32.º EBF) que, as SGPS estão isentas da tributação das mais-valias na alienação de partes de capital, desde que detidas por período não inferior a um ano, mas não podem deduzir fiscalmente os encargos financeiros que suportam para a aquisição dessas mesmas participações. Por consequência, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

Compreende-se, nestes exactos termos, que o propósito do legislador foi obstar que as SGPS acumulassem dois benefícios. Primeiro, a isenção de tributação aplicável aos rendimentos de mais-valias realizados com a alienação de participações sociais e, depois, a inclusão dos custos relevantes relacionados com a obtenção de tais rendimentos no apuramento do lucro tributável.

Certo é que, o benefício fiscal previsto na norma em análise fica limitado, porque tal como afirma José Engrácia Antunes “ …esta vantagem fiscal, de resto, é em boa medida mitigada ou anulada pelo facto de os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações não serem tidos como custos elegíveis, não concorrendo assim para o cálculo do lucro tributável da SGPS” (Vd., “A tributação dos grupos de sociedades” in Fiscalidade. Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 45, Janeiro-Março 2011, pp. 20).

 

21. Como o n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 do artº. 32.º EBF) se refere a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital importa esclarecer, de acordo com as regras de interpretação previstas no artigo 10.º do EBF e no artigo 11.º da LGT, se o conceito de partes de capital é sinónimo apenas de partes de capital social ou, pelo contrário, de partes de capital próprio.

A Requerida defende que o conceito de partes de capital integra não só as partes do capital social, mas também outras componentes do capital próprio, como as prestações suplementares e as prestações acessórias com regime das prestações suplementares. Significa isto, no entendimento da Requerida, que as prestações suplementares e as prestações acessórias com o regime das prestações suplementares não integram o capital social, mas constituem elementos do capital próprio da entidade beneficiária e devem ser qualificados como partes de capital para efeitos fiscais. (cfr., n.ºs 69.º e 70.º da Resposta da Requerida nos presentes autos arbitrais).

Nem EBF nem o Código do IRC definem o conceito de partes de capital.

O Código do IRC utiliza o conceito de partes de capital, tal como o de participação social e capital próprio. A este respeito Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, salientam o seguinte: ” (i) legislador tanto emprega a expressão capital social como participação social, mas outras vezes recorre, apenas, a partes de capital, e todas as referencias no Código do IRC a partes de capital,com ou sem aditamento de social, estão associadas, na letra da lei, a participações sociais; (ii) A expressão capital próprio surge, apenas, no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC e no artigo 67.º do Código do IRC a propósito da subcapitalização.(iii) As partes de capital fazem ainda parte de um contexto mais geral, quando o legislador emprega as expressões contabilísticas activos financeiros ou activo imobilizado ou imobilizações financeiras; (iv) O legislador, quando pretende estabelecer que o capital a que se está a referir corresponde à noção contabilística de capital próprio, fá-lo de forma expressa e, no caso da subcapitalização, vai ao ponto de adoptar um conceito de capital próprio.” (Vd., “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano III, n.º 4, pp 23).

Sucede, porém, que as partes de capital social apresentam diversas características próprias que são diferenciadoras face ao capital próprio. Assim, as partes de capital social são subscritas e realizadas por todos os sócios, conferem direito aos lucros, dão direito ao voto e à informação. No caso de liquidação as partes de capital social da sociedade dão direito à partilha do activo. As partes sociais só são restituíveis, verificadas as condições legais e estatutárias, com a saída do sócio da sociedade e a respectiva amortização dessas partes. São registadas, inicialmente, pelo custo de aquisição e, subsequentemente, pelo custo de aquisição ou pelo método da equivalência patrimonial (MEP), tendo em atenção o valor contabilístico que lhes corresponde nos capitais próprios da participada.

 

22. O capital próprio, como ensina Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, “… não é uma realidade contabilística concreta, é antes uma realidade ideal, a qual não é passível de apropriação e subsequente transmissão como um todo unitário. Esta realidade contabilística não representa pois bens concretos, representa antes a contrapartida desses bens. Tais bens estão representados no activo e/ou no passivo do balanço da empresa. E, como realidade contabilística ideal, apurada por diferença entre o activo e o passivo, os vários componentes do capital próprio (ou situação líquida) da empresa têm regimes jurídico-contabilísticos diferenciados, com causas e efeitos distintos. Nesta conformidade, o regime do capital social é diferenciado do dos vários componentes do capital próprio (prémios de emissão, prestações acessórias/suplementares, reservas, resultados transitados e resultados líquidos) e estes diferenciados entre si.” (Vd., “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano III, n.º 4, pp 21).

 

23. As prestações suplementares, as prestações acessórias e os suprimentos tendem a ser utilizados pelos sócios para suprirem a insuficiência de capital e a subcapitalização das sociedades. (Vd., António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais. Valores Mobiliários e Mercados, 6ª ed., Coimbra Editora, 2011, pp. 377).

 

24. As prestações suplementares respeitam a entradas em dinheiro para além do capital social que podem ser exigidas aos sócios das sociedades por quotas, verificados certos pressupostos, para suprir insuficiências de capital (art.º 210.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

As prestações suplementares têm dinheiro por objecto, não vencem juros e a sua restituição depende de deliberação dos sócios e do respeito de vários requisitos (vd. artigos 210.º n.ºs 2 e 5 e 213.º n.º 1 CSC). As prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios nas seguintes condições: (i) desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal; (ii) o sócio já tenha liberado a sua quota; (iii) não tenha sido declarada a insolvência da sociedade.

As prestações suplementares são empréstimos dos sócios à sociedade, que contrariamente ao capital social, podem ser devolvidas. Por outro lado, as prestações suplementares constituem um reforço do património social dotado de certa permanência, devido às maiores limitações à sua restituição, relativamente a empréstimos ou suprimentos.

O Plano Oficial de Contabilidade (POC), vigente à data dos factos2, integra as prestações suplementares no capital próprio, mas de acordo com a posição de Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, que subscrevemos, “… isso, deriva, apenas, de mera comodidade. O capital próprio agrupa contas com características híbridas, configurando aspectos a induzir para se agruparem em capital próprio contas híbridas com assemelhações também a passivo. Atente-se que, no capital próprio, também figuram reservas e resultados transitados, e estas realidades também não são “Partes de capital”. Efectivamente, as prestações suplementares são um tertium genus que o POC, por motivos práticos, entendeu de considerar no capital próprio.” (Vd., “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal n.º 4, Ano III, pp. 17).

 

25. Os estatutos nas sociedades por quotas podem estipular outras obrigações de prestações acessórias. (art. 209.º CSC). Nas sociedades anónimas os estatutos também podem estipular obrigações de prestações acessórias, sendo o regime semelhante ao estabelecido para aquelas sociedades, para onde se remete.

As prestações acessórias podem consistir, quer na obrigação de prestação de um serviço ou trabalho, quer na obrigação de ceder o gozo à sociedade de determinada coisa, móvel ou imóvel, quer de mutuar certa importância a título gratuito ou oneroso.

Nas prestações acessórias a título oneroso, o pagamento da contraprestação ou a restituição, porque não se trata de capitais próprios, não está sujeito ao princípio da intangibilidade do capital social, podendo ser feito independentemente da existência de lucros de exercício (art. 209.º n.º 3 CSC).

As obrigações de prestações acessórias transmitem-se juntamente com a quota no caso de serem pecuniárias, caso contrário não se transmitem (vd. art. 209 n.º 2 CSC).

Ancorados nos ensinamentos de Rogério Fernandes Ferreira e de José Vieira dos Reis sustentamos também que: “As partes de capital e as prestações acessórias, por se tratar de figuras jurídico-contabilísticas autónomas e não homogéneas, obedecem a regras de contabilização diferenciadas, não existindo razões (contabilísticas e societárias) próprias que levem à sua integração e/ou equiparação fiscal. E, assim sendo, não se nos afigura justificável qualquer aproximação jurídico-interpretativa de integração e/ou equiparação das partes de capital às prestações acessórias, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos do Código do IRC;”(Vd., “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal n.º 4, Ano III, pp. 35)

 

26. Note-se, porém que no direito comercial a doutrina é clara na diferenciação destas figuras, sendo importante trazer à colação a posição de Raul Ventura a afirmar que “Conceptualmente as prestações suplementares aproximam-se das prestações de capital, embora haja entre umas e outras diferenças essenciais, ao passo que as obrigações acessórias nem sequer permitem qualquer aproximação com as prestações de capital.” (vd., Sociedades por Quotas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. I, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 1989, pp. 238.)

 

27. Os suprimentos não remunerados são empréstimos dos sócios às sociedades e tanto podem ser feitos livremente como em execução de uma obrigação de prestação acessória. Ao contrário das entradas para o capital social, os suprimentos podem ser restituídos aos sócios em qualquer altura, para além de poderem vencer juros.

Os suprimentos não integram os capitais próprios da sociedade, pelo que a sua restituição não está sujeita ao princípio da intangibilidade do capital social, nem depende de prévia deliberação da assembleia geral. Todavia porque a finalidade dos suprimentos é colmatar insuficiências do capital social, a lei faz depender a sua restituição de algumas garantias para a sociedade e para os seus credores (vd., art. 245.º n.ºs 1 e 2 CSC).

Relativamente aos suprimentos não remunerados a Requerida alega que a ratio que subjaz ao artigo 31.º do EBF (actual art.º 32.º EBF) assenta no princípio da indispensabilidade dos custos contido no artigo 23.º do Código do IRC, no sentido de apenas serem aceites os custos indispensáveis à realização dos proveitos tributários. Sabendo-se que os encargos financeiros suportados com créditos obtidos e utilizados para efectuar suprimentos às participadas não representam um gasto financeiro indispensável à obtenção do proveito sujeito a imposto. Tais encargos financeiros decorrentes de empréstimos bancários aplicados em participadas (a serem considerados) deveriam ser imputados nestas (Cfr., 101.º 103.º e 104.º da Resposta da Requerida nos presentes autos arbitrais).

Não podemos acompanhar esta posição da Requerida.

O n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 do artigo 32.º EBF) é um benefício fiscal que consiste para as SGPS num regime especial que contraria o regime geral de tributação das mais-valias e das menos-valias obtidas por sujeitos passivos de IRC. Na aplicação deste benefício fiscal a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março estabelece um método de imputação presumido dos encargos financeiros às partes de capital.

O artigo 23.º do Código do IRC não pode servir, sob pena de ilegalidade, para, de forma automática, aumentar o volume de encargos financeiros afectos às partes de capital.

A aplicação do artigo 23.º do Código do IRC depende da verificação dos seus pressupostos no caso concreto. Efectivamente, o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC dispõe que os custos ou perdas terão que ser havidos como indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

Na demonstração dos pressupostos relativos à aplicação do artigo 23.º do Código do IRC concordamos com a posição de António Martins ao defender que “… os custos derivados do financiamento do activo produtor de rendimento devem também constituir encargos dedutíveis. Eles estão inequivocamente relacionados com a obtenção de proveitos tributáveis, e, à luz do balanceamento entre proveitos e custos, não se entenderia que fossem fiscalmente desconsiderados.” (Vd., António Martins, “ Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23.º do CIRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal n.º 2, Ano I, pp. 50).

 

28. Pelo exposto nos n.ºs anteriores verifica-se que o conceito de partes de capital respeita a partes de capital social e não a partes de capital próprio.

O capital social e o capital próprio são figuras jurídico-contabilísticas diferenciadas não tendo o intérprete da lei fiscal de dar igual tratamento a realidades substancialmente distintas, sob pena de violação do n.º 4 do artigo 11.º da LGT, que afasta a interpretação analógica das normas tributárias. (Vd., Diogo Leite Campos, Direito Tributário, 2ª ed., Almedina, 2000, pp. 92)

Deste modo, a regra da exclusão da dedutibilidade dos encargos financeiros, prevista no n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 do art.º 32.º EBF) suportados em financiamentos afectos à realização de participações sociais não pode ser extensiva a encargos financeiros suportados em financiamentos afectos à realização de prestações suplementares, de prestações acessórias e de suprimentos não remunerados.

Em suma, na aplicação do benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual n.º 2 do art. 32.º EBF) e para efeito de determinação dos encargos, nos termos da Circular n.º 7/2004, os quantitativos referentes a prestações suplementares, a prestações acessórias de capital e a suprimentos não remunerados deverão concorrer para a formação do lucro tributável.

Julgamos, assim, que não assiste razão à Requerida e o despacho objecto de impugnação nos presentes autos arbitrais é ilegal por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

 

29. Em seguida analisamos a questão (vd., supra 11 b)) de saber se a Requerente contabilizou correctamente o quantitativo de financiamento obtido (empréstimos obtidos remunerados) considerado na determinação dos encargos que, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF e da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, não concorrem para a formação do lucro tributável.

 

30. Na factualidade objecto dos presentes autos arbitrais a Requerida alega a existência de uma divergência entre o valor total de € 23.441.700,94 constante na conta de suprimentos da sociedade Oriente (#25211) e o valor de € 500.000,00 registado como empréstimo remunerado.

 

31. A Requerente esclareceu que no montante total registado na referida conta a título de empréstimos obtidos do accionista da Requerente (€ 23.441.700,94) apenas uma parcela (€500.000,00) se encontra a vencer juros. Por isso, essa mesma parcela (€500.000,00) foi considerada como empréstimo obtido remunerado, sendo o remanescente considerado como activo não remunerado. Esse facto explica o reduzido montante dos juros pagos pela Requerente à sua accionista, no ano em análise, o qual ascendeu apenas a €10.352,95 (vd., documentos n.º 12 e 13 anexos ao requerimento inicial da Requerente nos autos arbitrais).

A explicação da Requerente é corroborada pelos documentos juntos ao requerimento inicial. O Documento n.º 12 (Balancete, Balanço e Demonstração de Resultados) e o Documento n.º 13 (Notas de debito e extractos de conta).

Nos presentes autos arbitrais não se provou a existência de indícios de que os documentos apresentados não correspondessem à realidade.

Assim, face à explicação apresentada pela Requerente e aos documentos juntos, não é possível, como pretende a Requerida considerar não correctamente contabilizados os quantitativos referidos.

 

32. Por fim, cabe analisar se a Requerente disponibilizou à administração fiscal a informação necessária e suficiente que permitisse a esta efectuar a imputação dos encargos financeiros de forma irrefutável (vd., supra 11 c)).

 

33. A Requerente reconhece que o complexo procedimento contabilístico seguido originou alterações sucessivas nos valores iniciais constantes da Declaração Modelo 22 o que aumentou a complexidade da descrição factual e tornou menos clara a matéria em causa. (cfr.,n.º 40 do Recurso Hierárquico apresentado pela Requerente constante do PAT junto aos presentes autos arbitrais).

Dos autos arbitrais não fica provado que a Requerente através da ocultação de documentos ou da utilização de algum expediente, pretendesse não disponibilizar à administração fiscal a informação necessária e suficiente.

Todos os elementos contabilísticos relevantes constam do processo e não foram suscitadas dúvidas sobre a veracidade dos referidos elementos.

A Requerente explicou com detalhe a factualidade e as alterações nos cálculos efectuados. Assim, resulta dos presentes autos a observância, por parte da Requerente, do princípio da colaboração previsto nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 59.º da LGT.

Aliás é de assinalar que a própria Requerida refere expressamente que esta questão não determinou os termos em que se conformou a decisão de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. n.º 157º da resposta da Requerida nos presentes autos arbitrais).

Assim sendo, improcede também a alegação da Requerida de que a Requerente não disponibilizou à administração fiscal a informação necessária e suficiente que permitisse a esta efectuar a imputação dos encargos financeiros de forma irrefutável.

 

VI. DECISÃO

 

Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente e provada a impugnação;

  2. Anular o despacho impugnado da Directora de Serviços de IRC, de 21 de Dezembro de 2011, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de …, de 25 de Julho de 2011, que indeferiu a reclamação graciosa n.º … da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2009;

  3. Condenar a Requerida a restituir a quantia indevidamente liquidada e paga no montante de € 44.211,90 (quarenta e quatro mil duzentos e onze euros e noventa cêntimos).

 

Custas calculadas nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) em função do valor do pedido, a cargo da Requerida em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros).

Notifique-se

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 29 de Outubro de 2012

 

O Árbitro

 

(Olívio Mota Amador)

 

1 Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária), com versos em branco e por mim revisto.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

2 O POC foi substituído pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC) que entrou em vigor no primeiro exercício que se inicie em ou após 1 de Janeiro de 2010 (art. 16.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho)