Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 569/2016-T
Data da decisão: 2017-02-27  IMT Selo  
Valor do pedido: € 1.511,92
Tema: IMT e IS – FIIAH e SIIAH – Artigo 236º (norma transitória) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro
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Decisão Arbitral [1]

 

Requerente – A…, S.A.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 2 de Dezembro de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.       A A…, S. A., Pessoa Colectiva nº …, matriculada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com sede na …, nº…, …, em Lisboa (doravante designada por “Requerente”), na qualidade de sociedade gestora do Fundo de Investimento Imobiliário B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal…, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 19 de Setembro de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.       A Requerente pretende com o referido pedido de pronúncia arbitral que o Tribunal Arbitral considere que “sendo as Liquidações assentes no artigo 8º, número 16, do Regime Tributário dos FIIAH (aplicável ex vi artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH), número 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e sendo esta última norma inconstitucional por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa, as Liquidações estão feridas de ilegalidade abstracta”.

Em consequência, entende a Requerente que deve “ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (ilegalidade abstracta)” ou “(…) caso assim não se entenda, ser anuladas as Liquidações” e ser a Requerente reembolsada “(…) pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do (…) pedido de pronúncia arbitral, acrescido (…) dos juros indemnizatórios que seja devidos até à data desse reembolso”.

 

1.3.       O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite, em 20 de Setembro de 2016, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.       A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 16 de Novembro de 2016, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.6.    Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.7.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 2 de Dezembro de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, em 4 de Dezembro de 2016, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.8.    Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.9.    Em 16 de Janeiro de 2017, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido:

 

1.9.1.     Por excepção, ao arguir a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstracta das liquidações, bem como ao arguir a ilegitimidade passiva da Requerida, e,

1.9.2.     Por impugnação, tendo concluído que “deve reconhecer-se verificada a excepção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância da Requerida (…) ou (…) deve o Tribunal declarar a absolvição da Requerida da instância, atenta a excepção dilatória de ilegitimidade passiva demonstrada (…), ou, assim não se entendendo (…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências”;

1.9.3.     Por último, refere ainda a Requerida que “caso assim não se entenda (…) requer-se, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público da (…) decisão arbitral”.

 

1.10.  Na mesma data, a Requerida apresentou requerimento no sentido de:

 

1.10.1.   “(…) propor que seja dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT (…)” mas “(…) caso o Requerente tenha interesse na sua realização, requer-se, assim, que se passe, de imediato, à fase de alegações escritas, de carácter sucessivo”

1.10.2.   Informar “(…) que não tendo ocorrido, nos presentes autos, procedimento administrativo prévio, não existe processo administrativo a apresentar pela Requerida nos termos do artigo 17.º, n.º 2, do RJAT”.

 

1.11.  Por despacho arbitral de 16 de Janeiro de 2017, a Requerente foi notificada no sentido de se pronunciar, no prazo de 10 dias, querendo, sobre a matéria de excepção acima identificada no ponto 1.9., bem como para, no mesmo prazo se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações.

 

1.12.  A Requerente apresentou, em 19 de Janeiro de 2017, requerimento no sentido de contrapor que:

 

1.12.1.   “No que se refere à alegada incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstracta das liquidações”, entende a Requerente que “a excepção (…) invocada pela AT, assenta numa incorrecta interpretação do pedido de pronúncia arbitral apresentado (…), pelo que não pode proceder”;

1.12.2.   “No que se refere à alegada ilegitimidade passiva da Requerida”, a Requerente “(…) confessa alguma dificuldade em compreender o alcance da excepção invocada (…)”, porquanto “no âmbito do (…) pedido (…) arbitral, o que está em causa não é a recusa (…) de aplicação de normas por parte da Requerida (…)” mas “(…) a obrigação de cumprimento de norma ferida de inconstitucionalidade (…)”, sendo que “a Requerida, na sua qualidade de sujeito activo da relação jurídico-tributária, é naturalmente, parte legítima no presente pedido de pronúncia arbitral”, pelo que esta excepção “(…) deve (…) ser (…) julgada improcedente por não provada”;

1.12.3.   “Quanto à possibilidade de dispensa de reunião arbitral (…) e da necessidade de formular alegações”, a Requerente referiu que “concorda com a dispensa da reunião arbitral (…)” mas que “pretende apresentar por escrito as suas alegações (…)”.

 

Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 20 de Janeiro de 2017, e em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral o seguinte:

 

1.13.1.       Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

1.13.2.       Não prescindir da apresentação de alegações e, em consequência, notificar a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar da data da notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo concedido para o efeito (no caso daquela não apresentar alegações);

1.13.3.       Designar o dia 27 de Fevereiro de 2017 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.14.   A Requerente foi ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar em 9 de Fevereiro de 2017).

 

1.15.   A Requerente apresentou, em 9 de Fevereiro de 2017, alegações escritas no sentido de reiterar os argumentos apresentados no Pedido Arbitral, concluindo nos mesmos termos deste.

 

1.16.   A Requerida apresentou, em 22 de Fevereiro de 2017, alegações escritas no sentido de remeter e dar “(…) por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta”.

 

2.         CAUSA DE PEDIR

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    “A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (…), aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (doravante «FIIAH») e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional” e “no seu artigo 8.º (…) estabeleceu-se o regime tributário aplicável aos FIIAH (…)”.

 

2.2.      Prossegue a Requerente referindo que “(…), o Regime Tributário dos FIIAH definiu (…)” que “ficam isentos do IMT (…) as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente (…)” e “as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra (…) pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1”.

 

2.3.    Ora, conforme alega a Requerente “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…) 2014) aditou ao artigo 8.º (…) do Regime Tributário dos FIIAH os números 14 a 16” nos termos dos quais:

 

2.3.1.     “Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)”;

2.3.2.     “Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto”;

2.3.3.     “Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos (…) antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.

 

2.4.    E prossegue a Requerente, referindo que “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…) veio ainda a consagrar no seu artigo 236º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) o seguinte regime (…)”:

 

2.4.1.     “O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014”;

2.4.2.     “Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos (…) a partir de 1 de janeiro de 2014”(negrito da Requerente).

 

2.5.    Com base nas disposições acima referidas, “(…) a ora Requerente solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de Imposto do Selo (…) dos actos tributários de alienação de imóveis pelo Fundo B…”, a seguir identificados:

 

 

IDENTIFICAÇÃO DO PRÉDIO

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO

IMPORTÂNCIA PAGA (€)

Artigo Matricial … (fração I)
da Freguesia de …
Concelho de Olhão

Liquidação de IMT

839,18[2]

Liquidação de IS

671,96

 

2.6.    Neste âmbito, refere ainda a Requerente que “as Liquidações foram pagas (…) em 12 de Julho de 2016 (…)”.

 

“Das Liquidações efectuadas ao abrigo do artigo 8º (…) do Regime Tributário dos FIIAH (…) e do artigo 236º (…), número 2 da mesma lei”

 

2.7.    Defende a Requerente que “o número 14 do artigo 8.º (…) do Regime Tributário dos FIIAH (…) concretizou de forma inequívoca, e pela primeira vez, o significado da expressão prédios urbanos (…)” ao referir que “[são] destinados ao arrendamento para habitação permanente”, sendo que “a introdução desta definição de prédios urbanos [---] destinados ao arrendamento para habitação permanente foi acompanhada da concretização das circunstâncias em que os prédios que integrem o activo dos FIIAH deixam de beneficiar do regime de isenções previsto nos números 6 a 8 do Regime Tributário dos FIIAH (…)”.

 

2.8.    Assim, para a Requerente “(…) caso os prédios que integram o património dos FIIAH não tenham sido objecto de contrato de arrendamento no prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data do seu ingresso naquele património, o sujeito passivo deverá solicitar à Autoridade Tributária, nos 30 (trinta) dias subsequentes ao termo do referido prazo a liquidação do imposto respectivo”, devendo também assim proceder no caso de “(i) os prédios serem alienados pelo FIIAH ou (ii) o FIIAH ser liquidado, em ambos os casos, antes de decorrido o prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património do FIIAH”.

 

2.9.    Adicionalmente, esclarece ainda a Requerente que “(…) o artigo 236º (…) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…) veio estender a aplicação do regime (…) aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiros de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto (…) a partir de 1 de Janeiro de 2014”.

 

2.10.  Ainda segundo a Requerente, “as alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…) ao Regime Tributário dos FIIAH suscitam legítimas perplexidades e interrogações às sociedades gestoras dos FIIAH que pretendem cumprir as suas obrigações perante a Autoridade Tributária”, porquanto, “(…) entende-se que as alterações ao Regime Tributário dos FIIAH assumem particular relevância no quadro dos impostos de obrigação única (…) quando tenham por objecto os prédios que integravam o património dos FIIAH à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…)”.

 

2.11.  Neste âmbito, segundo a Requerente, os actos tributários de liquidação de IMT e de IS, em crise, foram solicitados à Requerida “(…) face às alterações introduzidas no Regime Tributário dos FIIAH”, porquanto, “caso o Regime Tributário dos FIIAH não tivesse sido alterado (…), nunca teria solicitado as Liquidações”, pelo que “o (…) pedido de pronúncia arbitral circunscreve-se (…) à análise da legalidade das Liquidações que se baseia exclusivamente nas normas invocadas (…)”.

 

2.12.  Com efeito, “esses actos tributários referiam-se a prédios urbanos que integravam o património do Fundo B…, à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…), ou seja, os abrangidos pelo (…) referido artigo 236.º (…)”, pelo que “a Requerente entende (…) que as Liquidações enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa e devem, consequentemente, ser declaradas nulas (ou, subsidiariamente, anuláveis)”.

 

Da ilegalidade das Liquidações

 

2.13.  Segundo a Requerente, “o facto objecto de tributação é, quer em sede de IMT quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo Fundo B…” e “as isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do Fundo (…) condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade”.

 

2.14.  Nestes termos, reitera a Requerente que “não estando (…) legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa” (sublinhado da Requerente).

 

2.15.  E, continua a Requerente referindo que“(…) a violação do princípio da retroactividade, ora invocada, tem em consideração o entendimento que vem sendo seguido pelo Tribunal Constitucional segundo o qual a proibição da retroactividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroactividade autêntica, abrangendo tão só os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga (…)”.[3]

 

2.16.  Assim, para a Requerente, “no caso sub judice não há quaisquer dúvidas de que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga”.

 

2.17.  Adicionalmente, refere a Requerente que solicitou “(…) a emissão de parecer jurídico sobre a constitucionalidade do n.º2 do artigo 236.º (…) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…)”, nos termos do qual se “(…) corrobora a tese de inconstitucionalidade defendida (…)”, pelo que “(…) não restarão dúvidas sobre a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 236.º (…) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, norma em que, recorde-se, assentam as Liquidações”, sendo “(…) mister concluir que tais liquidações enfermam de ilegalidade (…)[4].

 

Da nulidade das Liquidações

 

2.18.  Prossegue a Requerente referindo que “segundo o número 1 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo em vigor à data das Liquidações, os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade são nulos (…)”, entendendo “(…) a doutrina prevalente e a douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que nem todos os actos que ferem princípios constitucionais são nulos, só o sendo aqueles que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, isto é, que briguem com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e já não aqueles que briguem com o princípio da legalidade tributária”.

 

2.19.  Assim, “em decorrência do que os actos violadores do princípio da legalidade tributária são anuláveis e não nulos”, deverá ser clarificado se “a inconstitucionalidade ora arguida pelo Requerente deve ter como consequência a anulabilidade ou a nulidade das Liquidações”.

 

2.20.  Ora, “considerando que o princípio da irretroactividade fiscal reveste o carácter de um direito fundamental, dotado do regime jurídico protector deste direito”, “o seu desrespeito origina a nulidade do acto, in casu, a nulidade das Liquidações”.

 

2.21.  Segundo a Requerente, “nos termos do disposto no artigo 102.º (…), número 3, do CPPT, quando o fundamento da impugnação for a nulidade, a impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo” sendo que “a admissibilidade de impugnação do vício da nulidade sem dependência de prazo não afasta a competência do Tribunal Tributário Arbitral, designadamente, por interpretação literal do artigo 10.º (…) do RJAT”.

 

2.22.  Assim, segundo a Requerente, “admitindo, subsidiariamente, que o vício (ilegalidade abstracta) das Liquidações determina a sua anulabilidade (e não a nulidade), deverão as Liquidações ser anuladas em conformidade (…)”.

 

2.23.  Em suma, conclui a Requerente que “sendo as Liquidações assentes no artigo 8.º, número 16, do Regime Tributário dos FIIAH (aplicável ex vi artigo 236º (…), número 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e sendo esta última norma inconstitucional por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa, as Liquidações estão feridas de ilegalidade abstracta”.

 

2.24.  Assim, segundo a Requerente, “deve ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (…)” ou, “subsidiariamente, caso assim não se entenda, serem anuladas as Liquidações” devendo “ser reembolsada o Requerente pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do (…) pedido de pronúncia arbitral, acrescido (…) dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo-se defendido por excepção e por impugnação.

 

POR EXCEPÇÃO

 

Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstracta das Liquidações

 

3.1.    Neste âmbito, segundo a Requerida, “(…) o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar, em abstracto, a constitucionalidade da norma em causa, nos termos peticionados”, porquanto “atento o alegado pelo Requerente, resulta que este pretende (afinal) a desaplicação da norma pela sua alegada ilegalidade/ inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos”.

 

3.2.    Ora, defende a Requerida que “o Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais (…)”, pelo que “se a questão dos (…) autos não é uma situação de eventual desaplicação duma norma por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos (…) mas sim a sua própria (intrínseca) ilegalidade/inconstitucionalidade, então, importa concluir que o Tribunal Arbitral não têm competência para apreciar esta questão, dado que se pretende a fiscalização abstracta da constitucionalidade das nomas, matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional (…)”.[5]

 

3.3.    Assim, entende a Requerida que “será de concluir pela impossibilidade do presente Tribunal Arbitral decidir o presente litígio, na medida em que se verifica a excepção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância (…)”.

 

Da ilegitimidade passiva da Requerida

 

3.4.    Nesta matéria, entende a Requerida que “(…) no âmbito da apreciação da fiscalização abstracta da constitucionalidade, a Requerida sempre seria parte legítima” porquanto, “como é consabido, a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade (…)”, “donde se conclui que a pretensão aduzida (…) colide com os poderes da Requerida e com a sua vinculação à lei e à Constituição, na medida em que a apreciação por parte da ora Impugnada acerca da ilegalidade/inconstitucionalidade que vem invocada implicaria a violação clara e objectiva dos preceitos legais e a violação da própria Constituição”.[6]

 

3.5.    Assim, segundo a Requerida, “estando em causa um acto normativo emanado da Assembleia da República sob a forma típica de ato legislativo, sempre deveria o Tribunal declarar a absolvição da Requerida da instância, atenta a excepção dilatória de ilegitimidade passiva demonstrada nos presentes autos arbitrais (…)”.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

Da impossibilidade de desaplicação pela AT de norma legal com fundamento em insconstitucionalidade

 

3.6.    Neste âmbito, defende a Requerida que “nos termos (…) da CRP, a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo tal princípio concretizado a nível infraconstitucional no (…) Código de Procedimento Administrativo (CPA), que por sua vez determina que os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos”.

 

3.7.    Assim, entende a Requerida que “(…) de tais imposições legais decorre que os órgãos e   agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade, contrariamente aos Tribunais que, nos termos do artigo 204.º da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização (…) da conformidade constitucional”.

 

3.8.    Nesta matéria, segundo a Requerida, “(…) resulta que Administração está sujeita à lei e ao direito e os seus órgãos e agentes devem ser os primeiros a cumpri-la, não podendo (…) ser-lhe exigida pronúncia sobre as opções do legislador, pois que estas, após vertidas em lei, são a disciplina normativa dentro do qual a mesma exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público”.

 

3.9.    Ou seja, “vinculada ao princípio da legalidade, a AT não pode, por força disso, desaplicar normas em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade”, pelo que a Requerida “(...) não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade (…)”.

 

Da alegada inconstitucionalidade

 

3.10.  Neste ponto, começa a Requerida por esclarecer que a “(…) Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (…)” “aprovou um regime especial aplicável aos (…) FIIAH e às (…) SIIAH”, “(…) seria de aplicar aos FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da referida lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período”.

 

3.11.  Ora, “relativamente ao regime tributário então especificamente previsto (…)”, realça a Requerida que:

 

3.11.1.   “Nos termos do artigo 8.º, n.º 7, alínea a), ficam isentos de IMT as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento (…)”,aplicando-se tal isenção (…) aos FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas (…) do respetivo regime jurídico” (destaques da Requerida);

3.11.2.   “(…) nos termos do artigo 8.º, n.º 8, ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º” (destaques da Requerida).

 

3.12.  Prossegue a Requerida referindo que “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…), veio conferir nova redação ao mencionado artigo 8.º, atinente ao regime tributário aplicável aos FIIAH, aditando (…) os números 14 a 16 (…)”, nos termos dos quais (destaques da Requerida):

 

3.12.1.   “Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)” (destaques da Requerida).

3.12.2.   “Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto” (destaques da Requerida).

3.12.3.   “Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos (…) antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior” (destaques da Requerida).

 

3.13.  Refere ainda a Requerida que “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro veio ainda consagrar, no seu artigo 236.º (…)” uma norma transitória, nos termos da qual “o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014”, sendo que “sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014” (destaques da Requerida).

 

3.14.  Assim, segundo a Requerida, “no caso em apreço, relativamente ao prédio (…) identificado, que integrava o Fundo à data da entrada em vigor da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o Requerente solicitou (…) as liquidações de IMT e de Imposto do Selo (…) na medida em que, em 2016, o alienou a terceiros, conferindo-lhe, assim, destino diferente daquele que seria suposto: o arrendamento habitacional”, reiterando a Requerida que “(…) os argumentos do Requerente são manifestamente improcedentes”.

 

Quanto à imputação do vício de nulidade às liquidações por violação do artigo 103º da CRP

 

3.15.  Nesta matéria, segundo a Requerida, “(…) o vício apontado, por alegada violação do artigo 103.º da CRP, não é gerador de nulidade”, sendo que “(…) a sanção que recai sobre um ato administrativo inválido é a sua anulabilidade (artigo 135.º do [antigo] CPA), só ocorrendo nulidade quando lhe faltar um dos seus elementos essenciais ou quando a lei expressamente o sancione com essa forma de invalidade (artigo 133º do [antigo] CPA)”.[7]

 

3.16.  Assim, prossegue a Requerida referindo que “(…) atenta a jurisprudência citada, é de concluir que, mesmo a existir o vício imputado às liquidações em causa, nunca o mesmo é gerador de nulidade, mas tão somente, de anulabilidade”, sendo que “(…) quer o (…) Tribunal venha a subsumir o vício invocado ao conceito de nulidade ou de anulabilidade, a verdade é que (…) o pedido é manifestamente improcedente (…)”.

 

Da não violação do artigo 103º, nº 3 da CRP

 

3.17.  Com efeito, segundo a Requerida, “baseando-se as liquidações em apreço no facto de ter sido dado ao imóvel um destino diferente daquele em que assentou o benefício então, contrariamente ao que pretende a Requerente, não só não está em causa a retroatividade da norma legal por si (…) identificada (…), como também não se verifica qualquer lesão das suas expectativas”.

 

3.18.  Neste âmbito, a Requerida por esclarecer que “(…) à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH (…) as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, exigiam, respetivamente, que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o arrendamento para habitação permanente e que a transmissão tivesse por objeto prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra (…)”.

 

3.19.  Ora, segundo a Requerida, “(…) os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, pelo que entende a Requerida que “(…) falece razão ao Requerente quando afirma que as isenções em apreço não eram condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias (…)”.

 

3.20.  Nestes termos, entende a Requerida ser de concluir que “(…) com as alterações introduzidas, não se alterou a ratio das isenções consagradas (…)”, “tanto mais que tais alterações tiveram o cuidado de respeitar o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança”.

 

3.21.  Em consequência, defende a Requerida que “(…) é manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afetação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito legal que a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra”, porquanto “estando em causa a alienação dos imóveis sem afectação dos mesmos ao arrendamento para habitação permanente, tal determinaria sempre a caducidade da isenção (…), sendo que (…), o artigo 8.º, n.º 16 do regime veio apenas concretizar uma medida anti-abuso, estabelecendo que os prédios que não fiquem em carteira com afectação exclusiva ao arrendamento habitacional, não foram adquiridos com tal finalidade”.[8]

 

3.22.  Assim, segundo a Requerida, importa concluir que “também nos presentes autos não está em causa a retroatividade ou não da lei, nem tão pouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pois que o racional para atribuição de um benefício fiscal em sede de IMT/IS aos FIIAH foi estabelecido claramente desde o início” relativo “às aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento (...)” (sublinhado da Requerida).

 

3.23.  De facto, segundo a Requerida, “o que a lei nova veio fazer (…) foi apenas densificar critérios já previstos na lei antiga, designadamente, o conceito de afetação a arrendamento para habitação permanente, estipulando um prazo mais do que suficiente para que os sujeitos passivos se pudessem adaptar, reunindo um meio de prova inequívoco (contrato de arrendamento), bem como a explicitação das situações em que a alienação do imóvel destinado ao arrendamento não faz caducar a isenção nos termos então até aí previstos no EBF”.

 

3.24.  Nestes termos, “contrariamente ao que defende o Requerente, não se verifica a introdução ex novum de um regime de caducidade do benefício, e, ainda menos se constata qualquer frustração das expectativas dos sujeitos passivos ou violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal”, pelo que entende a Requerida que “por cautela e mero dever de representação, caso o Tribunal venha a acolher a pretensão da Requerente e, inerentemente recuse a aplicação do artigo 236.º do Regime aplicável aos FIIAH, com fundamento em inconstitucionalidade (…)”, vem requerer que “(…) seja determinado a notificação ao Ministério Público da douta decisão arbitral, a fim de que este dê cumprimento às suas prerrogativas legais”.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

3.25.  Neste âmbito, segundo a Requerida, “(…) por tudo quanto supra se disse, entende-se não enfermar os atos de liquidação de vício que deva ditar a sua anulação/declaração de nulidade”, reiterando que “(…) aos serviços da AT não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, dada a obediência à lei que enforma toda a sua atividade”, “o que, por sua vez determina (…) que não há suporte legal para o pedido de juros indemnizatórios”.[9]

 

3.26.  Termina a Requerida a sua Resposta requerendo que “deve reconhecer-se verificada a excepção dilatória da incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância da Requerida (…); ou deve o Tribunal declarar a absolvição da Requerida da instância, atenta a excepção dilatória de ilegitimidade passiva demonstrada nos presentes autos (…); ou, assim não se entendendo, deve o (…) pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos (…) com as devidas e legais consequências”, “ou ainda, caso assim não se entenda, requer-se, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público da (…) decisão arbitral”.

 

4.       APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES PRÉVIAS (EXCEPÇÕES)

 

4.1.    De acordo com o disposto no artigo 608º do CPC em vigor, aplicável por força do disposto no artigo 22º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).

 

4.2.       A Requerida, na Resposta, deduziu as excepções que a seguir se indicam, relativamente às quais foi dada a possibilidade de resposta por parte da Requerente (através do despacho arbitral datado de 16 de Janeiro de 2017 – vide ponto 1.11., supra), pelo que cumpre agora decidir:

 

4.2.1.     Excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstracta das Liquidações de IMT e de Imposto do Selo objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral e;

4.2.2.     Excepção da ilegitimidade passiva da Requerida para estar em juízo como demandada.

 

4.3.       Neste âmbito, sendo a determinação da competência material dos tribunais uma matéria de ordem pública e o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria, conforme se extrai da leitura conjugada do disposto nos artigos 16º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do 96º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão do nº 1 do artigo 29º do RJAT, deverá esta excepção ser analisada em primeiro lugar.

 

 

4.4.       Se for julgada procedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral, deduzida pela Requerida, face às suas consequências, ficará prejudicado o conhecimento da excepção da ilegitimidade passiva da Requerida, tendo em consideração o facto que cada uma delas, por si só, pode representar um obstáculo intransponível à apreciação do mérito da causa, justificando uma decisão de absolvição da instância [artigo 89º, nº 2 do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT].

 

Excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstracta das Liquidações de IMT e de Imposto do Selo objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral

 

4.5.       Neste âmbito, e conforme referido nos pontos 3.1. a 3.3., supra, a Requerida defende que “(…) o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar, em abstracto, a constitucionalidade da norma em causa, nos termos peticionados”, porquanto “atento o alegado pelo Requerente, resulta que este pretende (…) a desaplicação da norma pela sua alegada ilegalidade/inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos”.

 

4.6.       Ora, defende a Requerida que “o Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais (…)”, pelo que “se a questão dos (…) autos não é uma situação de eventual desaplicação duma norma por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos (…) mas sim a sua própria (intrínseca) ilegalidade/inconstitucionalidade, então, importa concluir que o Tribunal Arbitral não têm competência para apreciar esta questão, dado que se pretende a fiscalização abstracta da constitucionalidade das nomas, matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional (…)”, pelo que entende que “será de concluir pela impossibilidade do presente Tribunal Arbitral decidir o presente litígio, na medida em que se verifica a excepção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância (…)” (sublinhado nosso).

 

4.7.       A este respeito, a Requerente, em matéria de resposta a esta excepção apresentada pela Requerida, veio referir que:

 

4.7.1.           “(…) a pretensão (…) constante do pedido de pronúncia arbitral, não é a de suscitar a fiscalização abstracta da legalidade e da constitucionalidade do artigo 236.° (…) da Lei n.º 83 - C/2013, de 31 de Dezembro, na medida em que o mesmo, ao determinar a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIH aos prédios que tenham sido adquiridos (…) antes de 1 de Janeiro de 2014 (…) viola o principio da não retroactividade da lei fiscal, constitucionalmente plasmado no artigo 103.° (…)”, pretendendo que,

4.7.2.           “(…) o Tribunal Arbitral declare a nulidade (ou, subsidiariamente, a anulabilidade) das liquidações (…) em crise com o fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de norma que viola a constituição e a lei (…)” (sublinhado nosso).

 

4.8.       Nestes termos, concluiu a Requerente pela improcedência da excepção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

4.9.       Ora, em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 

4.9.1.           “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”;

4.9.2.           “A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

4.10.   Embora as alíneas a) e b), do nº 1, do artigo 2º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não façam referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se (em sintonia com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT), que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação, são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

 

4.11.   Com efeito, importa lembrar que, naquela autorização legislativa, é referido que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (sublinhado nosso).

 

4.12.   Assim, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admitindo também a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do disposto no artigo 43º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT), em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.[10]

 

4.13.   Por outro lado, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta (nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários) “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito” (sublinhado nosso).[11]

 

4.14.   Adicionalmente, “a AT está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida” (e não excepcionada), como é o caso do IMT e do Imposto do Selo.

 

4.15.   No caso em análise, muito embora a Requerente inicie o seu pedido de pronúncia arbitral requerendo que o Tribunal Arbitral afira “se o artigo 236.º (…) da Lei n.º
83 – C/2013, de 31 de Dezembro - na medida em que determina a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014 - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa
”, o certo é que ao longo da petição arbitral o Requerente peticiona a nulidade (ou, subsidiariamente a anulabilidade) das liquidações de IMT e de Imposto do Selo em crise.

 

4.16.   Com efeito, a Requerente, em sede de resposta às excepções invocada pela Requerida veio, nesta matéria, clarificar a sua pretensão, no sentido referido no ponto anterior de que “pretende que o Tribunal Arbitral declare a nulidade (ou subsidiariamente, a anulabilidade) das liquidações postas em crise com fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de norma que viola a constituição e a lei”.[12]

 

4.17.   Nestes termos, na situação em análise nos presentes autos, é suscitada pela Requerente a aferição da legalidade das liquidação de IMT e de Imposto do Selo identificadas e, na sequência da eventual declaração da ilegalidade dos referidos actos de liquidação, ser declarada a nulidade ou anulabilidade das liquidações e, em consequência, proceder-se ao reembolso dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios que sejam devidos, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

4.18.   Assim, nos termos do acima exposto, entende este Tribunal Arbitral ser materialmente competente para conhecer do pedido arbitral, pelo que é julgada improcedente a excepção dilatória da incompetência material deste Tribunal Arbitral.

 

Excepção da ilegitimidade passiva da Requerida para estar em juízo como demandada

 

4.19.   Nesta matéria, e conforme referido nos pontos 3.4. e 3.5., supra, alega a Requerida que “(…) no âmbito da apreciação da fiscalização abstracta da constitucionalidade, a Requerida sempre seria parte legítima” porquanto, “(…) a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade (…)”, “donde se conclui que a pretensão aduzida (…) colide com os poderes da Requerida e com a sua vinculação à lei e à Constituição, na medida em que a apreciação (…) da ilegalidade/inconstitucionalidade que vem invocada implicaria a violação clara e objectiva dos preceitos legais e a violação da própria Constituição”.

 

4.20.   Assim, entende a Requerida que “estando em causa um acto normativo emanado da Assembleia da República sob a forma típica de ato legislativo, sempre deveria o Tribunal declarar a absolvição da Requerida da instância, atenta a excepção dilatória de ilegitimidade passiva demonstrada (…)”.

 

4.21.   A este respeito, a Requerente, em matéria de resposta a esta excepção apresentada pela Requerida, veio referir que “no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral, o que está em causa não é a recusa (…) de aplicação de normas por parte da Requerida (com fundamento em ilegalidade ou inconstitucionalidade)” mas sim “(…) a obrigação de cumprimento de norma ferida de inconstitucionalidade (…)”.

 

4.22.   Assim, entende a Requerente que “a Requerida, na sua qualidade de sujeito activo da relação jurídico-tributária, é, naturalmente, parte legítima no presente pedido de pronúncia arbitral

 

4.23.   Ora, no direito substantivo, o conceito de legitimidade reporta-se à relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico, postulando em regra a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o titular do interesse por ele posto em jogo.[13]

 

4.24.   Como pressuposto processual (geral), ou condição necessária à prolação de decisão de mérito, no direito adjectivo o mesmo conceito exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.

 

4.25.   Tal como no direito substantivo, haverá que a aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), de acordo com o critério enunciado nos nº 1 e 2 do artigo 30º do CPC, ou seja, em função do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, expresso pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em contradizer, expresso pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu).[14]

 

4.26.   Ainda dentro da regra enunciada nos citados nº 1 e 2 do artigo 30º do CPC, a titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência duma relação jurídica, pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição, etc.) que a integram.

 

4.27.   Neste âmbito, dispõe o nº 3 do artigo 30º do CPC que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” (sublinhado nosso).

 

4.28.   Com efeito, o normativo transcrito visou pôr termo à clássica discussão no nosso direito processual civil, entre Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães, sobre se a averiguação da titularidade dos interesses (ou das situações jurídicas integradas na relação material afirmada ou negada em juízo) deve, para o apuramento da legitimidade processual, fazer-se em termos objectivos, isto é, abstraindo apenas da efectiva existência do direito ou interesse material, ou em termos subjectivos, isto é, com abstracção também da sua efectiva titularidade.

 

4.29.   Por um lado, se é verdade que o legislador adoptou a segunda tese, também cumpre referir que Barbosa de Magalhães nunca considerou que a legitimidade das partes tenha de ser aferida sempre e apenas pelo que o autor alegue na petição que formula - mas que, na medida em que a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, esta deve ser tomada com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial.

 

4.30.   De acordo com a tese prevalecente, como bem sintetizam Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última.[15]

 

4.31.   Assim, efectuados estes considerandos legais, há que analisar os pedidos formulados pelo Requerente (vide ponto 2.24., supra), como a seguir se indicam, com o objectivo de aferir a legitimidade passiva da Requerida:

 

4.31.1.       “Ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (ilegalidade abstracta)” ou,

4.31.2.       “(…) caso assim não se entenda, ser anuladas as Liquidações”.

 

4.32.   Neste âmbito, será importante dar resposta a algumas questões de modo a melhor definir quem tem interesse em ser demandada no processo, tendo em consideração os pedidos efectuados pela Requerente (vide ponto 2.24., supra):

 

4.32.1.       A Requerida tinha ou não legitimidade para proceder à liquidação de IMT e de Imposto do Selo relativa ao ano de 2015, incidente sobre o prédio identificado nos autos? E para proceder à sua anulação?

4.32.2.       A Requerida tem legitimidade para proceder à devolução do IMT e do Imposto do Selo se indevidamente suportados pela Requerente?

 

4.33.   Quanto á legitimidade da Requerida para ser demandada relativamente ao pedido referido no ponto 4.31., supra, dando resposta à questão acima formulada no ponto 4.32., cumpre analisar os argumentos que a seguir se apresentam.

 

4.34.   De acordo com o disposto no artigo 21º do Código do IMT, este imposto “é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente, considerando-se, para todos os efeitos legais, o acto tributário praticado no serviço de finanças competente” (sublinhado nosso).

 

4.35.   Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 23º, nº 1 do Código do Imposto do Selo, “a liquidação do imposto compete aos sujeitos passivos referidos nos n.os 1 e 3 do artigo 2.º (…)”, sendo que nos termos no seu nº 4, “tratando-se do imposto devido pelos actos ou contratos previstos na verba 1.1 da tabela geral, à liquidação do imposto aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMT”, ou seja, nos termos do disposto no artigo 113º, nº 5 deste Código, “(…) a administração fiscal procede à liquidação extraordinária do imposto (…)”.

 

4.36.   Assim, são afirmativas as respostas às questões que acima enunciamos nos pontos 4.32.1. e 4.32.2., de que a Requerida tinha legitimidade para proceder às liquidações de IMT e de Imposto do Selo identificadas no processo e, nestes termos, cabendo-lhe a competência de administrar os referidos impostos, terá também legitimidade para proceder à anulação daquelas liquidações.

 

4.37.   Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral julgar improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva da Requerida.

 

 

5.             SANEADOR

 

Tendo em consideração a análise efectuada no capítulo anterior, no âmbito do conhecimento das excepções dilatórias deduzidas pela Requerida, verifica-se que:

 

5.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

5.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

5.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

5.4.    A cumulação de pedidos é legal, por se verificarem os pressupostos exigidos no artigo 3º, n 1 do RJAT, ou seja, a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

5.5.    Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer.

 

5.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

6.       MATÉRIA DE FACTO

 

Dos factos provados

 

6.1.    Consideram-se como provados os seguintes factos:

 

6.1.1.     A Requerente é a sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário “B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), com o número de identificação fiscal … .

6.1.2.     No âmbito da sua actividade, a Requerente alienou, em Julho de 2016, um imóvel pertencente ao fundo de investimento identificado no ponto anterior, inscrito na matriz predial urbana sob o nº…, fracção “I”, da Freguesia de…, no Concelho de Olhão, tendo solicitado à Requerida, previamente à outorga da escritura pública de alienação, as seguintes liquidações:

 

IMÓVEL

LIQUIDAÇÃO

IMPOSTO

MONTANTE

U-…, Fracção “I”
(inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de…)

[16]

IMT

EUR 839,96

[17]

IS

EUR 671,96

TOTAL

EUR 1.511,92

 

6.1.3.     As liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo identificadas no ponto anterior estão datadas de 11 de Julho de 2016 e a Requerente efectuou o seu pagamento em 12 de Julho de 2016 (ou seja, dentro do prazo limite para o fazer), conforme cópias das transferências bancárias efectuadas e anexadas ao processo com o pedido (doc. nº 2).

 

6.2.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

Dos factos não provados

 

6.3.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

7.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

7.1.    Nos autos, face ao que já foi invocado no Capítulo 4 (quanto à questão da decisão da excepção dilatória da alegada incompetência material do Tribunal Arbitral), a questão essencial a decidir é a de se determinar se as liquidações de IMT e de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral, efectuadas em Julho de 2016, enfermam ou não de ilegalidade.

 

7.2.    Como vimos, no ponto 1.2., supra, a Requerente, em termos sumários, sustenta o seu pedido no facto de considerar que “(…) as Liquidações assentes no artigo 8º, número 16, do Regime Tributário dos FIIAH (aplicável ex vi artigo 236.º (…) estão feridas de ilegalidade (…)” porquanto se baseiam em norma que “(…) está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado”.

 

7.3.    Por outro lado, a Requerida alega que “nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade (…) que por sua vez determina que os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos”.

 

7.4.    Nestes termos, entende a Requerida que “(…) de tais imposições legais decorre que os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade (…)”, estando “(…) sujeita à lei e ao direito (…)”.

 

7.5.    Assim, conclui a Requerida que estando “vinculada ao princípio da legalidade, (…) não pode, por força disso, desaplicar normas em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade”.

 

7.6.    Nestes termos, reitere-se que este Tribunal Arbitral não irá pronunciar-se em sede de questões de alegada (in)constitucionalidade do artigo 236º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, em matéria do regime transitório aí previsto, aplicável aos FIAH e às SIIAH, mas sim apreciar e decidir, no âmbito das suas competências, previstas no artigo 2º do RJAT (conforme acima já analisado no Capítulo 4.), da (i)legalidade das consequências que podem decorrer, da sua aplicação, no caso em análise.[18][19]

 

Regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH

 

7.7.    A Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro veio aprovar “o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)”, dispondo que “o regime (…) é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período”, ou seja, entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013 (sublinhado nosso).

 

 

7.8.    De acordo com o regime jurídico previsto no diploma acima identificado, “a constituição e o funcionamento dos FIIAH (…) regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março (…)”. [20]

 

7.9.    Assim, conforme previsto no regime jurídico acima referido, “os FIIAH são constituídos sob a forma de fundos fechados de subscrição pública ou de subscrição particular” e “após o primeiro ano de actividade o valor do activo total do FIIAH deve atingir o montante mínimo de (euro) 10 milhões (…)”, sendo que “quando constituído com o recurso a subscrição pública” deve “ter, pelo menos, 100 participantes, cuja participação individual não pode exceder 20 % do valor do activo total do fundo”.

 

7.10.  “O incumprimento do limite de participação individual previsto” no ponto anterior “determina a suspensão imediata e automática do direito à distribuição de rendimentos do FIIAH no valor da participação que exceda aquele limite”.

 

7.11.  No que diz respeito à composição do património do FIIAH “é aplicável o disposto no artigo 46.º do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, sendo que, pelo menos, 75 % do seu activo total é constituído por imóveis, situados em Portugal, destinados a arrendamento para habitação permanente”.[21] [22]

 

7.12.  “Os mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação do imóvel objecto do contrato a um FIIAH podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento” sendo que, “previamente à celebração do contrato de transmissão da propriedade do imóvel para o FIIAH, a respectiva entidade gestora presta ao alienante (…) informação sobre os elementos essenciais do negócio, como seja o preço da transacção, incluindo, também, caso seja aplicável, o valor da renda, as respectivas condições de actualização e os critérios de fixação do preço e os termos gerais do exercício da opção de compra” (sublinhado nosso).

 

7.13.  “O arrendamento (…) constitui o arrendatário num direito de opção de compra do imóvel, ao fundo, susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020”, o qual “(…) só é transmissível por morte do titular” (sublinhado nosso).[23]

 

7.14.  No que diz respeito ao regime tributário aplicável, estão previstas no regime especial diversas isenções, nomeadamente:

 

7.14.1.   A isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) quanto aos rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas.

7.14.2.   A isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC quanto aos rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.

7.14.3.   A isenção de IRS quanto às mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.[24]

7.14.4.   A isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, dos prédios urbanos, destinados ao arrendamento para habitação permanente, que integrem o património dos fundos.

7.14.5.   A isenção de IMT quanto às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento, bem como quanto às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento.

7.14.6.   A isenção de Imposto do Selo quanto a todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto.

 

7.15.  O regime acima descrito é aplicável, com as devidas adaptações, às sociedades de investimento imobiliário (SIIAH) que venham a constituir-se ao abrigo de lei especial e que observem o disposto no regime especial aplicável aos FIIAH.

 

7.16.  Aquando da sua criação, em 2008 (com efeitos a 1 de Janeiro de 2009), o regime tributário acima descrito destacava-se através das suas isenções tributárias, como “medida de estímulo ao arrendamento (…), com o objectivo de aliviar a carga fiscal sobre proprietários e inquilinos”, permitindo-se que as famílias com empréstimos à habitação, e com dificuldade em pagar a prestação do seu crédito, pudessem converter as respectivas prestações, no pagamento de uma renda, mediante a venda do respectivo imóvel ao FIIAH, e a celebração, com a entidade gestora do fundo (SIIAH), de contrato de arrendamento sobre o mesmo imóvel, podendo ainda manter, até 2020, a opção de compra do imóvel.

 

7.17.  Neste âmbito, refira-se que o leque de isenções acima apresentadas configura a noção de benefícios fiscais (no caso, aplicáveis aos FIIAH e às SIIAH), conforme definido no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

7.18.  Com efeito, “os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem”, sendo que “do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude” (sublinhado nosso).[25]

 

7.19.  “Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que (…) são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto”, mas “(…) porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do EBF” (sublinhado nosso).[26]

 

7.20.  Com o Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro) foram introduzidos os números 14, 15 e 16 ao artigo 8º (regime tributário) do regime especial acima referido, nos seguintes termos:

 

7.20.1.   “Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo [27] (nº 14) (sublinhado nosso).

7.20.2.   “Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto” (nº 15).

7.20.3.   “Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior” (nº 16) (sublinhado nosso).

 

7.21.  Adicionalmente, a mesma Lei (acima referida no ponto anterior) veio também consagrar, no seu artigo 236º, um regime transitório aplicável aos FIIAH e às SIIAH, nos termos do qual:

 

7.21.1.   “O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014” (nº 1).

7.21.2.   “Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014” (nº 2).

 

7.22.  As alterações acima descritas vieram não só concretizar, de forma inequívoca, o significado da expressão “prédios urbanos prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, mas também vieram precisar as circunstâncias em que os prédios que integrem o activo dos FIIAH deixam de beneficiar do regime de isenções previsto nos números 6 a 8 do regime tributário aplicável.

 

7.23.  Com efeito, se na redacção dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, se referia que “ficam isentos do IMT, as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, sem se esclarecer os conceitos aí implícitos, com a Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro ficou clarificado que “considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)” (sublinhado nosso).

 

7.24.  Por outro lado, com os aditamentos decorrentes da Lei do Orçamento do Estado para 2014, veio expressamente concretizar-se que:

 

7.24.1.   Caso os prédios que integram o património dos FIIAH não tenham sido objecto de contrato de arrendamento no prazo de 3 anos, a contar da data do seu ingresso no património do fundo, as isenções previstas, em sede de IMI, IMT e Imposto do Selo, ficam sem efeito (caducam), “devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto liquidado”.

7.24.2.   Caso os referidos prédios sejam, nomeadamente, alienados, antes de decorrido o prazo de 3 anos previsto, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT (antes da alienação do prédio), a liquidação do imposto devido.

 

7.25.  No caso em análise, a Requerente entende que as liquidações de IMT e Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral “enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103º, nº 3 da CRP” (pelo que devem, consequentemente, ser declaradas nulas ou anuláveis), porquanto, “as isenções de IMT e IS não eram”, à data em o imóvel ingressou no património do Fundo B…, “condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem (…) sujeitas a qualquer regime de caducidade”.

 

7.26.  Nesta esteira de raciocínio, a Requerente entende que o regime transitório previsto no “artigo 236.º (…) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…), ao estender a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014 (…) está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado”, porquanto “(…) a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos números 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º (…) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto”.

 

7.27.  Para a Requerente, “(…) não há quaisquer de que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os efeitos ao abrigo da lei antiga” e, para corroborar “a tese de inconstitucionalidade defendida (…)” a Requerente anexou, ao processo (com o pedido de pronúncia arbitral), parecer emitido por dois ilustres juristas, nos termos do qual concluem que “o artigo 236.º, nº 2, da Lei do OE para 2014 é inconstitucional, por violação do artigo 103.º, nº 3 da Constituição da República, ao prever que o disposto nos novos nºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, que alteram e restringem as isenções previstas anteriormente nos n.ºs 7 e 8.º desse mesmo artigo, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014”.

 

7.28.    A Requerida não concorda com esta posição uma vez que entende “à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH (…) as isenções em questão (…) exigiam, respetivamente que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o arrendamento para habitação permanente e que a transmissão tivesse por objeto prédios destinados a habitação permanente (…)”, pelo que “os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” (sublinhado nosso).

 

7.29.  Ora, no caso em análise, conforme decorre das notas de liquidação anexadas ao processo, as liquidações de ambos os impostos basearam-se no facto de ter sido alienada a fracção “I” do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (sob o artigo…), ou seja, foi dado ao imóvel um destino diferente daquele em que assentou o benefício (não havendo evidência de que esta alienação tenha sido efectuada a favor do arrendatário, nos termos do disposto no artigo 5º do regime especial do SIIAH).

 

7.30.  Assim, não se trata da aplicação do requisito associado com a afectação a um destino específico (arrendamento para habitação permanente), no prazo de três anos introduzido pelo artigo 236º do regime transitório já referido (e respectiva contagem do prazo), mas sim da alienação de um imóvel afecto a um FIIAH gerido pela Requerente, fora do âmbito “das aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento” [conforme previsto no artigo 8º, nº 7, alínea b), nº 8 e artigo 5º, nº 3 do regime especial dos FIIAH] o que, implicitamente, originou que esse imóvel deixasse de estar (ou nunca tivesse estado) afecto, pelo FIIAH, ao fim legalmente previsto no artigo 8º, nº 7, alínea a) e nº 8 daquele regime especial (arrendamento habitacional).

 

7.31.  Adicionalmente, e com o objectivo de dar resposta à questão acima enunciada no ponto 7.1., deverá ser dada também maior atenção à análise da natureza dos Benefícios Fiscais, em geral, e dos previstos no Regime Especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, em particular.

 

Do regime dos Benefícios Fiscais em geral

 

7.32.  Em geral, a concessão de um benefício fiscal opõe-se à aplicação do sistema normativo, porquanto se traduz num facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária e, por se poder tratar de um incentivo económico, social ou cultural (prosseguindo finalidades diversas das que presidem ao sistema de tributação regra), devem os benefícios fiscais caracterizar-se pela sua natureza excepcional e pelo fundamento extrafiscal:

 

7.32.1.   Pela sua natureza excepcional, porque obstam à tributação normal;

7.32.2.   Pelo fundamento extrafiscal, na medida em que, a existir um fundamento fiscal, ele deveria ser incorporado no próprio sistema de tributação regra.

 

7.33.  Ora, constituindo o acto de tributar um acto de interesse público haverá que reconhecer que a criação de um benefício fiscal irá alterar o equilíbrio na distribuição da carga fiscal ao tratar de modo desigual os cidadãos, à luz do critério da capacidade contributiva, inviabilizando a aplicação do princípio da igualdade.[28] [29]

 

7.34.  Nestes termos, poder afirmar-se que os benefícios fiscais encerram três requisitos:[30]

 

a)    Desde logo, constituem uma derrogação às regras gerais de tributação;

b)    Em segundo lugar, prosseguem um objectivo social e económico relevante que determina a derrogação da regra geral referida no ponto anterior;

c)    E, por último, atribuem, em consequência, uma vantagem aos contribuintes que deles beneficiam.

 

7.35.  Assim, de acordo com o disposto no artigo 2º do EBF, “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, sendo consideradas como benefícios fiscais, nomeadamente, “(…) as isenções (…)” (sublinhado nosso).[31]

 

7.36.  Neste sentido, o artigo 2º do EBF considera o conceito de benefício fiscal como sendo um facto impeditivo da constituição da relação tributária, pelo que as normas que presidem à sua criação, e que legitimam a sua concessão, são:

 

7.36.1.   Juridicamente especiais e,

7.36.2.   Factualmente excepcionais, porquanto encontram-se fundamentadas em interesses públicos, extrafiscais, mas constitucionalmente relevantes.

 

7.37.  Neste âmbito, a quebra do núcleo essencial da tributação passa, primordialmente, por uma derrogação ao princípio da capacidade contributiva ([32]) porquanto, de acordo com este princípio, a tributação seria praticada de acordo com a situação subjectiva da cada contribuinte, ou seja, o imposto justo é aquele que garante a igualdade material na repartição dos encargos tributários.

 

7.38.  A capacidade contributiva reclama não só a personalização da tributação mas também que o legislador dirija o imposto às três manifestações de riqueza relevantes que indiciem a capacidade económica do contribuinte e que constituem a base tributável, ou seja, a riqueza que angaria (o rendimento), a riqueza que possui (o património) e a riqueza que despende (o consumo).[33]

 

7.39.  Nestes termos, o princípio da capacidade contributiva compreende duas dimensões, que são a de pressuposto e a de limite da tributação:

 

7.39.1.   Como pressuposto ou fonte da tributação, o princípio da capacidade contributiva baseia-se na força económica do contribuinte expressa na titularidade ou utilização da riqueza;

7.39.2.   Como limite ou medida valor do imposto, veda que o legislador adopte elementos de ordenação incidentes sobre os elementos constitutivos do imposto, contrários às exigências de justiça fiscal enunciadas pelo mesmo princípio.

 

7.40.  Por outro lado, os benefícios fiscais podem ser distinguidos como benefícios condicionados, benefícios temporários e benefícios permanentes. [34]

 

7.41.  Os benefícios fiscais condicionados são aqueles cuja eficácia fica dependente da verificação de certos pressupostos acessórios secundários (que são a sua “conditio juris”), distinguindo-se deste modo, dos benefícios ditos puros cuja eficácia não está dependente da verificação de nenhum pressuposto acessório.[35]

 

7.42.  Nos benefícios condicionados, a condição pode revestir uma de duas formas, ou suspensiva ou resolutiva:

 

7.42.1.   A condição diz-se suspensiva quando o benefício é concedido depois de verificados determinados pressupostos acessórios e,

7.42.2.   Considera-se resolutiva quando o benefício é concedido mas a sua eficácia fica dependente da verificação dos pressupostos do benefício, cuja não verificação determina a caducidade do mesmo.

 

7.43.  Relativamente aos benefícios temporários, como o nome indica, são concedidos por um período limitado fixado na lei, por contraposição aos benefícios permanentes concedidos para o futuro sem pré determinação da respectiva duração.[36] [37]

7.44.  Sendo os benefícios temporários criados com o objectivo de produzirem certos resultados de interesse público relevante, os benefícios de carácter permanente, dada a sua longa duração, têm por inconveniente, a possibilidade de ultrapassado o interesse público prosseguido com a sua concessão, se virem a transformar em favores ou privilégios fiscais.

 

7.45.  Conforme estabelece o artigo 12º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento (…)” pelo que se depreende que, por via de regra, o direito aos benefícios fiscais se constitui com a verificação dos respectivos pressupostos (sublinhado nosso).

 

7.46.    Nesta matéria, de acordo com o disposto no artigo 5º do EBF, os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo que “os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento” (sublinhado nosso).

 

7.47.  Na verdade, no que diz respeito à concessão dos benefícios fiscais, a lei distingue dois tipos de reconhecimento:

 

7.47.1.   Nos benefícios fiscais automáticos, o reconhecimento resulta directa e imediatamente da lei, operando pela simples verificação dos respectivos pressupostos de facto, não carecendo de qualquer acto da administração tributária;

7.47.2.   Nos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este pode ser efectuado por acto administrativo (caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento unilateral) ou através de contrato (caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento bilateral).

 

7.48.  Para efeitos do acima descrito, dispõe o artigo 65º do CPPT que “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei”.

 

7.49.  De acordo com o disposto no artigo 7º do EBF, “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira (…) para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (sublinhado nosso).[38]

 

7.50.  Quanto à forma de extinção dos benefícios fiscais, em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 14º do EBF, a mesma pode ser provocada pela caducidade, pela alienação de bens para fins diferentes daqueles para que foi concedido o benefício, pela revogação do acto administrativo de concessão e pela renúncia aos benefícios.

 

7.51.  Em qualquer dos casos, de acordo com o disposto no artigo referido no ponto anterior, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação regra”, sendo que, nos termos do disposto no artigo 9º do EBF, “as pessoas titulares do direito aos benefícios fiscais são obrigadas a declarar, no prazo de 30 dias, que cessou a situação de facto ou de direito em que se baseava o benefício, salvo quando essa cessação for de conhecimento oficioso” (sublinhado nosso).

 

7.52.  Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 15º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais (…) é intransmissível inter vivos, sendo, porém, transmissível mortis causa se se verificarem no transmissário os pressupostos do benefício, salvo se este for de natureza estritamente pessoal”.[39]

 

Da interpretação das normas

 

7.53. Adicionalmente, e com o objectivo de serem entendidos melhor os benefícios fiscais atribuídos aos FIIAH e às SIIAH, será importante atentar nos princípios basilares da interpretação e aplicação das leis fiscais.

 

7.54.  Com efeito, e de acordo com o estabelecido no artigo 11º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (sublinhado nosso).

 

7.55.  “Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”, sendo que “as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica” (sublinhado nosso).[40]

 

7.56.  Ou seja, de acordo com preceito acima referido, na interpretação das normas fiscais utilizam-se os princípios e regras gerais de interpretação e aplicação de qualquer norma jurídica, salvo quando, em resultado da aplicação desses princípios e regras, o intérprete se vir confrontado com uma qualquer dúvida insanável – evento perante o qual lhe é permitido atender à substância económica dos factos tributários.

 

7.57.    E essas regras gerais são, como é de lei, as que se retiram do estabelecido no artigo 9º do Código Civil, nos termos do qual se dispõe que:[41]

 

q   “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (sublinhado nosso).

q   “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”(sublinhado nosso).

q   “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (sublinhado nosso).

 

7.58.  Ou seja, a letra da lei é ponto de partida e limite para a sua interpretação e o papel de qualquer aplicador/intérprete é atender ao que a lei diz, ao seu sentido objectivo, e não ao que o legislador putativamente quereria dizer.

 

7.59.  É certo que não pode deixar de se ter presente a teleologia do preceito, palavra que traduz um dos elementos lógicos da interpretação das leis, qual seja, a sua finalidade ou justificação social mas tal não pode contender com o estabelecido no nº 2 do artigo 9º do Código Civil, i.e., mesmo que se entenda que a finalidade do preceito não confere com a sua letra, é esta última que tem que prevalecer (porquanto é ao legislador que cabe mudar a lei, cabendo ao intérprete apenas compreendê-la e aplicá-la).

 

7.60.  Nestes termos, e no âmbito do exercício interpretativo, há que ter em conta que a aplicabilidade das isenções de IMT e de Imposto do Selo previstas no regime especial aplicável aos FIIAH, tal como definidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2009 (como acima vimos no ponto 7.15.), estavam dependentes do cumprimento dos seguintes requisitos:

 

7.60.1.   Existência de FIIAH, constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, nos termos da legislação aplicável, sendo que, pelo menos, 75% do seu activo total fosse constituído por imóveis, destinados a arrendamento para habitação permanente.[42]

7.60.2.   Existência de imóveis, destinados a arrendamento para habitação permanente, cuja aquisição tenha ocorrido entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013.[43][44]

7.60.3.   Existência de mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação de imóvel objecto do contrato a um FIIAH (dentro do período temporal referido no ponto anterior), os quais podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento, constituindo-se num direito de opção de compra do imóvel (ao FIIAH) susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020.

 

7.61.  Assim, verificados os requisitos referidos no ponto anterior, estavam isentas(os):

 

7.61.1.   De IMT as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento, bem como quanto as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos, destinados à habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento;

7.61.2.   De Imposto do Selo os actos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados à habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no ponto anterior.[45]

 

7.62.  Caso aquelas condições (ponto 7.60.) não se verificassem, de acordo com o previsto no artigo 14º do EBF, sempre ocorreria a extinção dos benefícios fiscais acima referidos (isenções de IMT e de Imposto do Selo).

 

7.63.  Ora, tendo em consideração a alienação do imóvel identificado no ponto 6.1.2., supra, para fins diferentes daqueles para que foram concedidos os benefícios fiscais acima descritos, tal determinaria (e determinou no caso em análise), a reposição automática da tributação regra.[46]

 

7.64.  Assim, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que o estatuído no nº 16 do artigo 236º do Regime Transitório, aplicado em conjugação com o disposto no nº 15º do mesmo artigo em nada altera a substância ou requisitos de aplicabilidade das isenções estabelecidas pelo artigo 8º, nº 7 e nº 8 do regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, no que diz respeito às liquidações em crise.[47]

 

7.65.  Nestes termos, tendo em consideração as conclusões decorrentes da análise acima apresentada, entende o Tribunal que será negativa a resposta a dar à questão colocada no ponto 7.1., supra, ou seja, entende que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral não enfermam de qualquer ilegalidade, pelo que deverá ser considerado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

7.66.  Em consequência da conclusão referida no ponto anterior fica prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à alegada retroactividade do regime previsto pelo artigo 236º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 porquanto, conforme acima demonstrado, os condicionalismos que originaram as liquidações de imposto em crise em nada se relacionam com os aditamentos originados pelo referido artigo mas tão somente com a alienação do imóvel (identificado no ponto 6.1.2., supra), para fins diferentes daqueles para que foram concedidas as isenções de IMT e de Imposto do Selo.

 

7.67.  Adicionalmente, fica também prejudicada, pelos mesmos motivos, a análise da questão de serem nulas ou anuláveis as liquidações em crise.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

7.68.  Nestes termos, tendo em consideração a conclusão apresentada no ponto 7.65., supra, sendo considerado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, não haverá lugar ao reembolso do imposto (IMT e Imposto do Selo) pago, nem haverá, em consequência, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse montante.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

7.69.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.70.  Em consonância com o ponto anterior, e nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

7.71.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

7.72.  No caso em análise, tendo em consideração o acima analisado, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída à Requerente a responsabilidade integral pelas custas arbitrais, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

8.       DECISÃO

 

8.1.    Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

8.1.1.     Julgar improcedente a excepção dilatória da incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido arbitral;

8.1.2.     Julgar improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva da Requerida;

8.1.3.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, mantendo-se na ordem jurídica os actos de liquidação de IMT e de Imposto do Selo objecto do pedido, com as consequências daí decorrentes;

8.1.4.     Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 1.511,92.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2017

 

O Árbitro,

 

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Este valor deverá corresponder a EUR 839,96, de acordo com os documentos anexados com o pedido, mas o lapso não influenciou o valor total do pedido indicado pela Requerente, que está correctamente indicado.

[3] Neste âmbito, refere a Requerente os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt.

[4] A Requerente anexou com o pedido arbitral cópia de parecer jurídico “Sobre a constitucionalidade do artigo 236.º, n.º 2 da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Aplicação a aquisições anteriores das alterações às isenções de IMT e de Imposto do Selo para os Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional)”, da autoria dos Senhores Professores Dr. Guilherme Xavier de Bastos e Doutor Paulo Mota Pinto.

[5] Neste âmbito, a Requerida cita o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/97, bem como o Acórdão do TCAS proferido no processo nº 02791/99.

[6] Neste âmbito, cita a Requerida as conclusões do Acórdão do TCAS, proferido no processo nº 10706/13, nos termos do qual se afirma que “(…) é pois pacífico que a própria inconstitucionalidade de uma norma legal não pode ser objeto de impugnação direta junto dos Tribunais Administrativos, na medida em que, como tem afirmado o STA e decorre da lei, isso seria conhecer da fiscalização abstrata de normas, que é da competência exclusiva do Tribunal Constitucional (…)”.

[7] Neste âmbito, cita a Requerida diversa jurisprudência, nomeadamente, o Acórdão do STA de 3 de Março de 2004, proferido no âmbito do processo nº 01938/03, nos termos do qual “(…) servindo-nos da doutrina atrás exposta e da indicação exemplificativa que se colhe no n.º 2 do citado art.º 133.º do CPA, podemos afirmar que a sanção da nulidade deve ser aplicada aos actos administrativos que, por carecerem dos seus elementos constitutivos, só formalmente têm essa aparência e a todos aqueles que sejam ofensivos dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas (…)” (destaques da Requerida).

[8] Neste sentido, cita a Requerida as alguns dos pontos referidos nas Decisões Arbitrais nº 398/2015-T e a nº 688/2015-T, bem como as decisões arbitrais proferidas processos nºs 320/2015-T, 689/2015-T, 694/2016-T, 705/2015-T, 706/2015-T, 707/2015-T, 708/2015-T, 709/2015-T, 710/2015-T, 717/2015-T, 729/2015-T, 735/2015-T, 61/2016-T, 62/2016-T, 63/2016-T, 76/2016-T, 85/2016-T, 93/2016-T, 121/2016-T, 165/2016-T, 232/2016-T, 241/2016-T e 288/2016-T, todas favoráveis à Requerida.

[9] Neste âmbito, cita a Requerida o Acórdão do STA de 3 de Abril de 2015, proferido no âmbito do processo nº 01529/14.

[10] Na verdade, o artigo 43º da LGT “não faz senão estabelecer um meio expedito e (…) automático, de indemnizar o lesado (…) independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos (…) traduzida em juros indemnizatórios” (neste sentido, vide Acórdão do STA (Processo 604/06), de 2 de Novembro de 2006.

[11] O nº 5 do artigo 24º do RJAT ao referir que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na LGT e no CPPT” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, sendo que o seu pagamento não depende sequer de dedução do pedido dos mesmos na petição (neste sentido, vide Acórdão do STA (Processo 1052/04), de 30 de Novembro de 2004. Na verdade, o acima exposto está em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT (aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT), no qual se estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (…), nos termos e condições previstos na lei”.

[12] Neste sentido, vide Decisão Arbitral nº 61/2016-T, de 13 de Julho de 2016.

[13] Neste sentido, vide Acórdão do TRC (Processo nº 1223/10.0TBTMR.C1), de 6 de Dezembro de 2011.

[14] Neste sentido, vide Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, página 52.

[15] Vide obra citada, página 52.

[16] Conforme cópia anexada ao processo com o pedido (doc. nº 1).

[17] Conforme cópia anexada ao processo com o pedido (doc. nº 1).

[18] Neste âmbito, recorde-se que, nos termos do disposto no artigo 2º do RJAT, “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação (…)nomeadamente, da “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (…)”, sendo que a competência para proceder à fiscalização da conformidade das normas jurídicas (em particular das Leis e dos Decretos-Leis) com a Constituição é privativa do Tribunal Constitucional, dado tratar-se da competência nuclear daquele Tribunal, assumindo-se este como “guarda” ou garante último da Constituição.

Com efeito, As competências do Tribunal Constitucional são múltiplas e variadas, encontrando-se fixadas na Constituição, na Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), na Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica nº 2/2003, de 22 de Agosto) e na Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei nº 19/2003, de 20 de Junho).

[19] No âmbito deste processo, dada a semelhança existente, será seguida de muito perto a posição da signatária vertida nas Decisões Arbitrais nº 688/2015-T, de 11 de Abril de 2016 e nº 735/2016-T, de 20 de Maio de 2016.

[20] E alterado pelos Decretos-Leis nºs 252/2003, de 17 de Outubro, 13/2005, de 7 de Janeiro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, e subsidiariamente, pelo disposto no Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 66/2004, de 24 de Março, 52/2006, de 15 de Março, 219/2006, de 2 de Novembro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro.

[21] O limite percentual definido “é aferido em relação à média dos valores verificados no final de cada um dos últimos seis meses, sendo respeitado no prazo de dois anos a contar da data de constituição do FIIAH, e de um ano a contar da data do aumento de capital, relativamente ao montante do aumento”.

[22] Esta constituição do seu património fazia com que os FIIAH (à data da sua criação) pudessem vir a ser um instrumento potenciador do mercado de arrendamento em Portugal, combatendo a especulação dos preços dos novos arrendamentos e a decadência dos centros urbanos.

[23]O direito de opção de compra previsto (…) cessa se o arrendatário incumprir a obrigação de pagamento da renda ao FIIAH por um período superior a três meses”.

[24] As mais-valias referidas passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º do regime previsto, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.

[25] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS nº 06588/13, de 25 de Junho.

[26] Vide Acórdão referido na nota de rodapé anterior.

[27] De acordo com o estatuído, caso os prédios sejam alienados, mesmo antes de decorrido o prazo previsto, nos termos do artigo 5º do regime (ou seja, no caso do exercício da opção de compra pelos arrendatários, susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020, ou pelos seus herdeiros legais), não haverá lugar à liquidação do imposto devido.

[28] De acordo com Costa A., Rainha J. e Pereira M. [in “Benefícios Fiscais em Portugal: Objetivos económico-sociais - sistematização por atividades, legislação”, Coimbra, Livraria Almedina (1977)], os benefícios fiscais são instrumentos de política que visam certos objetivos económicos e sociais, sendo referido que o benefício fiscal existe sempre que uma entidade ou actividade abrangida pela incidência dum imposto fica em situação mais favorável relativamente às que se encontram sujeitas ao regime fiscal geral (sublinhado nosso).

[29] O princípio da capacidade contributiva é caracterizado consensualmente pela doutrina e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional como um princípio estruturante do sistema fiscal que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária e que tem assento implícito na “Constituição Fiscal”, por força da conjugação do disposto nos artigos nº 103° e 104° da CRP.

[30] Neste sentido, Freitas, M. [in “Os incentivos fiscais e o financiamento do investimento privado, influência da fiscalidade na forma de financiamento das empresas”, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, (1980)], reconhece que existem três requisitos nos benefícios fiscais: (i) serem uma derrogação às regras de tributação, (ii) constituírem uma vantagem para os contribuintes e (iii) terem um objetivo económico ou social relevante.

[31] Note-se que o EBF publicado pelo Decreto-Lei nº 215/89 de 1 de Julho (diploma que já sofreu diversas actualizações), prevê no seu preâmbulo que “a multiplicidade e dispersão dos benefícios fiscais, abolidos com a entrada em vigor dos novos impostos sobre o rendimento, a 1 de Janeiro de 1989, constituía um dos aspectos mais criticáveis do sistema tributário português, dada a sua manifesta falta de coerência, as consequências negativas de que era causa no plano da equidade e a receita cessante que implicava”.

Na revisão do regime que se concretizou com a aprovação do Decreto-Lei nº 215/89 de 1 de Julho (Estatuto dos Benefícios Fiscais), “respeitante sobretudo aos impostos sobre o rendimento, entendeu o Governo acolher princípios que passam pela atribuição aos benefícios fiscais de um carácter obrigatoriamente excepcional, só devendo ser concedidos em casos de reconhecido interesse público; pela estabilidade, de modo a garantir aos contribuintes uma situação clara e segura; pela moderação, dado que as receitas são postas em causa com a concessão de benefícios, quando o País tem de reduzir o peso do défice público e, simultaneamente, realizar investimentos em infra-estruturas e serviços públicos”.

Nessa linha, “(…) são incluídos no Estatuto dos Benefícios Fiscais aqueles que se caracterizam por um carácter menos estrutural, mas que revestem, ainda assim, relativa estabilidade. Os benefícios com finalidades marcadamente conjunturais ou requerendo uma regulação relativamente frequente serão, por sua vez, incluídos nos futuros Orçamentos do Estado” (sublinhado nosso).

Nestes termos, “o Estatuto dos Benefícios Fiscais contém os princípios gerais a que deve obedecer a criação das situações de benefício, as regras da sua atribuição e reconhecimento administrativo e o elenco desses mesmos benefícios, com o duplo objectivo de, por um lado, garantir maior estabilidade aos diplomas reguladores das novas espécies tributárias e, por outro, conferir um carácter mais sistemático ao conjunto dos benefícios fiscais” (sublinhado nosso).

[32] De acordo com Azevedo, R. (in “Estatuto dos Benefícios Fiscais, III Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto), está implícito no conceito de benefício fiscal uma natureza excepcional, sendo que essa excepção constitui, porém, uma vantagem (ou desagravamento) em favor de certa entidade, actividade ou situação.

[33] Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no âmbito do Processo nº 1067/06, de 29 de Dezembro.

[34] Nesta matéria, vide Acórdão referido na nota de rodapé anterior.

[35] Citando Alberto Xavier (in “Direito Fiscal, Manuais da FDL”, Lisboa, 1974), “(…) os benefícios condicionados traduzem-se em subordinar o direito ao benefício a contrapartidas de interesse público na forma de deveres ou ónus impostos aos beneficiários (…)”.

[36] Para Alberto Xavier, in “Direito Fiscal, Manuais da FDL”, Lisboa, 1974, (…) a outorga de uma isenção temporária gera para o sujeito que dela beneficia uma expectativa de manutenção do benefício ao longo do período a que respeita – a qual deve ser tutelada em nome do princípio da segurança jurídica – mediante o reconhecimento do direito a que esse benefício não seja suprimido ou suspenso durante o tempo de vigência da isenção (…)”. Assim, ainda segundo o mesmo autor, (…) trata-se de um caso de necessário reconhecimento de direitos adquiridos, que deve conduzir a que eventuais hipóteses de derrogação das normas em que a isenção foi concedida não envolva a perda dos aludidos direitos, que poderão ser invocados contra o estado enquanto durar o período de vigência inicialmente previsto” (sublinhado nosso).

[37] Neste sentido, como afirma Nuno Sá Gomes (in “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 165, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1991, pág. 145) “os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando são estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração; dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício”.

[38] Redacção dada pela Lei nº 64/2015, de 1 de Julho (na redacção anterior, a referência para a “Autoridade Tributária e Aduaneira” era efectuada para a “Direcção-Geral dos Impostos”).

[39] Na verdade, pelo facto do benefício fiscal ser concedido “intuitu personae” deverá ser considerado intransmissível, quer “inter vivos”, quer “mortis causa”. Contudo, esta regra da intransmissibilidade comporta duas excepções, previstas no artigo 15º, nº 2 e nº 3 do EBF, a primeira de aplicação automática e a segunda dependente de autorização do Ministro das Finanças. Note-se que, quanto a esta segunda derrogação da regra da intransmissibilidade, esta é meramente aparente, quando não assuma o carácter “mortis causa”, porque faz depender a transmissibilidade “inter vivos” da concessão de um novo benefício, mediante um processo de reconhecimento.

[40] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS de 25 de Junho de 2013 (nº 06588/13), nos termos do qual “especificamente as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva”.

[41] Neste âmbito, citando Oliveira Ascensão (in “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, Lisboa, 3ª edição, 1983, págs. 313 e 315), “devemos partir do princípio que o texto exprime o que é natural que as palavras exprimam, pelo que se pode afirmar que o entendimento literal será normalmente aquele que virá a ser aceite”. Mas, sendo certo que há que reconstruir o pensamento legislativo, há ainda que esclarecer que, nas palavras do mesmo autor, é “(…) decisivo o facto de a lei só valer uma vez integrada na ordem social. (…) Esta integração na ordem social importa o apagamento do legislador após o acto de criação normativa. Torna-se mais importante verificar qual o sentido que a fonte toma na ordem social que visa compor, do que o sentido pelo criador histórico

[42] Nesta matéria, cite-se a Decisão Arbitral nº 734/2015-T, de 14 de Julho de 2016, nos termos da qual se refere que, a propósito do mesmo parecer anexado aos autos pela Requerente (vide nota de rodapé nº 4), pode nele ler-se que “(…) nada se previa sobre a necessidade de manutenção dos prédios no património dos FIIAH durante um certo prazo, ou sobre a necessidade de celebração efetiva do contrato de arrendamento também em determinado prazo”.

Ora, “se bem lermos aquela disposição normativa teremos de concluir que a isenção do IMT não dependia apenas da identidade do adquirente dos imóveis em causa. A lei não se limita a isentar (nem isentava à data) a mera aquisição de imóveis pelos FIIAH. Concedia essa isenção aos FIIAH, sim, mas desde que a aquisição se reportasse a prédios urbanos ou a fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” (sublinhado nosso).

E ainda na mesma decisão, pode ler-se que “como bem referem os ilustres autores do Parecer, o escopo da lei não é (não é hoje como não era então) o favorecimento da especulação imobiliária. Contudo, também não era, como nele se pode ler, a protecção dos fundos para arrendamento, passe o aparente paradoxo. A lei pretendia, isso sim, estimular o próprio mercado de arrendamento. Esse desiderato foi prosseguido por via de diversas iniciativas, incluindo a da consagração de um regime especial, e vantajoso, dedicado aos FIIAH, sendo, porém, precipitada a conclusão de que o legislador pretendia, sem mais, apoiar os ditos FIIAH. Dizer o que acaba de ser dito não pretende significar mais do que isto: é redutor, e nessa medida inexacto, pretender que a isenção a que se refere o n.º 7 do art. 8.º (regime tributário) do regime especial aplicável aos FIIAH se basta com dois pressupostos, a saber, o da identidade do adquirente e o da sua declaração aquando da aquisição do imóvel de que este se destina ao arrendamento para habitação permanente” (sublinhado nosso).

[43] Relativamente aos quais a Requerente refere que, em momento anterior ao seu ingresso no património do Fundo, foram reconhecidas, a requerimento deste, isenções de IMT e de Imposto do Selo, nos termos do disposto no artigo 10º do Código do IMT (facto alegado e não contestado quanto ao seu teor literal).

[44] Neste sentido, vide Decisão Arbitral nº 734/2015-T, de 14 de Julho de 2016, nos termos da qual se entende que “é a lei que expressamente exige (…) um determinado destino a dar aos imóveis adquiridos com os benefícios fiscais que nos vem ocupando. Outra teria sido a redacção da norma que consagra as isenções de IMT e de IS se a sua atribuição tivesse ficado na exclusiva dependência da identidade do respectivo adquirente: ser um FIIAH”, concluindo que “a aquisição dos imóveis ser feita por FIIAH é uma condição necessária, mas não pode ser vista (…) como condição suficiente” (sublinhado nosso).

[45] Verificavam-se assim isenções, em matéria de IMT e de Imposto do Selo, sobre as aquisições de imóveis, nas condições e para as finalidade acima previstas, “quer à entrada quer à saída” do FIIAH.

[46] Neste sentido, cfr. Acórdão do TCAS de 12 de Dezembro de 2012 (nº 5810/12).

[47] Nesta matéria, vide a Decisão Arbitral nº 734/2015, de 14 de Julho de 2016, nos termos da qual se escreve que “(…) no caso sub judice, as liquidações de IMT e de IS contestadas não se fundam na circunstância de o imóvel adquirido com benefícios fiscais (…) o Prédio, ter permanecido no património do fundo por período igual ou superior a 3 anos, sem que lhe tivesse sido dada a necessária afectação de arrendamento para habitação permanente. No caso vertente, o Prédio foi alienado sem que tivesse sido afecto ao arrendamento habitacional permanente. Portanto, no caso dos autos, o problema não se prende com o prazo” pelo que “concluindo, não parece estar em causa verdadeiramente um problema de retroactividade da lei, porquanto a solução que ao caso cabe (…) é a mesma, aplicando-se a lei nova ou fazendo uso da lei antiga, já que uma e outra não dispensam que a aquisição de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos por FIIAH sejam efectivamente destinados (…) ao arrendamento para habitação permanente” (sublinhado nosso).